Baixe Castells, Manuel. A sociedade em rede - vol. I e outras Notas de estudo em PDF para Publicidade e Propaganda, somente na Docsity! F——
Manuel Castells
A SOCIEDADE EM REDE
Volume I
8º edição totalmente revista e ampliada
Tradução: Roneide Venancio Majer
com a colaboração de Klauss Brandini Gerhardt
SBD-FFLCH-USP
maio
D
PAZ E TERRA
Sumário
Ilustrações
Tabelas ....
Agradecimentos 2000
Agradecimentos 1996 .............. re eereeea mens emeecamensreeececemrersermenserres
Prefácio ........cueesresereererreeneeaemaarmeeerrescaracererereeaersaarererneererere rare ramaasereerta
Prólogo: À Rede c o Ser .
Tecnologia, sociedade e transformação histórica
Informacionalismo, industrialismo, capitalismo, estatismo:
volvimento e modos de produção ....
O informacionalismo e a perestroyka capitalista
O Ser na sociedade informacional...
Algumas palavras sobre o método ...........ecesserenceemenermmarieermasermmarserras
Notas..............
1. A Revolução da Tecnologia da Informação ..................
Que revolução? . eeteeeerastenceremeocaatereeaaceerecerararemreceeeareeasentenacantsarereacas
Lições da Revolução Industrial ................... em
A segiiência histórica da revolução da tecnologia da informaçã:
Macromudanças da microengenharia: eletrônica e informação .........
A criação da intemet .....
Tecnologias de rede e a difusão da computação .
O divisor tecnológico dos anos 70 ...............
Tecnologias da vida...
O contexto social e a dinâmica da transformação tecnológica ..........
13
17
21
31
35
39
43
2.5.
26.
2.7.
2.8.
2.9.
41.
42.
43.
44.
45.
4.6.
47.
Ilustrações
Crescimento da produtividade nos Estados Unidos, 1995-1999 ..... 133
Estimativa de evolução de produtividade nos Estados Unidos, 1972-
1999... 135
Crescimento do comércio e dos fluxos de capital, 1970-1995 ... 148
Comércio internacional de bens por nível de intensidade tecnológi-
ca, 1976/1996 .... 149
Total de investimentos estrangeiros .........ciieeeescernsereeserracmensara 158
Fusões e aquisições internacionais, 1992-1997 ...... 159
Participação nas exportações .... 174
Parcela de crescimento do setor de aita tecnologia nos Estados
Unidos, 1986-1998... 190
Pagamentos de dividendos em declínio .... 198
Percentagem de estrangeiros na população dos EUA, 1900-1994... 298
Taxas totais de fertilidade para cidadãos do país e estrangeiros, em
países selecionados da OCDE... sereia 299
Índice de crescimento do emprego, por região, 1973-1999... 317
Trabalhadores em meio expediente na força de trabalho emprega-
da nos países da OCDE, 1993-1998........
Trabalhadores autônomos na força de trabalho empregada nos paí-
ses da OCDE, 1983-1993...
Trabalhadores temporários na força de trabalho empregada nos paí-
ses da OCDE, 1983-1997...
Formas de emprego fora do padrão na força de trabalho empregada
nos países da OCDE, 1983-1994...
48.
49,
4.10,
4.11.
4.12.
5.1.
5.2.
5.3.
54.
5.5.
5.6.
5.7.
6.1,
6.2.
63.
64.
6.5.
6.6.
6.7.
6.8.
6.9.
Sumário
Emprego no ramo da mão-de-obra temporária nos Estados Unidos,
1982-1997...
Percentagem de californianos com idade para trabalhar contrata-
dos em empregos “tradicionais”, 199
Distribuição dos califomianos com idade para trabalhar por situa-
ção de emprego “tradicional” e permanência no emprego, 1999...... 337
O mercado de trabalho japonês no período pós-guerra ...
Crescimento anual da produtividade, do emprego e das remunera-
ções nos países da OCDE, 1984-1998 ............
Vendas de mídia dos principais grupos em 1998...
349
e 427
Alianças estratégicas entre grupos de comunicação na Europa, 1999. 428
Hospedeiros de Intemet, 1989-2006 ..... 432
Nomes de domínios CONF e com códigos dos países na Internet
por cidade, no mundo inteiro, julho de 1999 .. 435
Nomes de domínio CONE e com códigos de países
cidade, na América do Norte, julho de 1999... 436
Nomes de domínio CONE e com códigos de países na Internet por
cidade, na Europa, julho de 1999...
Nomes de domínio CONE e com códigos de países na Internet por
cidade, na Ásia, julho de 1999 .......
438
Maior crescimento absoluto dos fluxos da informação, 1982 e 1990.. 471
Exportação da informação dos EUA para os principais centros e
regiões do mundo ... 472
Sistema de relações entre as características da indústria de tecnolo-
gia da informação e o modelo espacial do setor...
As maiores aglomerações urbanas do mundo (> 10 milhões de ha-
bitantes em 1992) ....
Representação em diagrama dos principais nós e elos na região ur-
bana de Pearl River Delta.
Centro de Kaoshiung .
Saguão do aeroporto de Barcelona
Sala de espera da D. E, Shaw & Company .....
Belleville, 1999......
6.30.
6.11
6.12.
71.
7.2.
73.
Sumário
Las Ramblas, Barcelona, 1999...
Barcelona: Paseo de Gracia .....
Irvine, Califórnia: complexo empresarial ....
Taxa de participação da força de trabalho (%) para homens de 55-
64 anos de idade, em vito países, 1970-1998...... 537
Índice dos óbitos ocorridos em hospitais em relação ao total de
óbitos (%), por ano, 1947-1987, Japão .... 546
Óbitos resultantes de guerras em relação à população mundial, por so
década, 1720-2000 .........
21.
22.
23.
24.
2.5.
28,
29.
2.10.
41.
42.
43.
44.
45.
4.6.
Tabelas
Taxa de produtividade: taxas de crescimento de produção por tra-
balhador ..... eee
Produtividade no setor de negócios .....
Evolução da produtividade dos setores de negócios ....
Evolução da produtividade em setores não abertos ao livre mercado ..
Evolução da produtividade dos EUA por setores industriais e
períodos .
Transações internacionais em obrigações e ações, 1970-1996 .........
Ativos e passivos estrangeiros como percentual do total de ativos e
passivos dos bancos comerciais em países selecionados, 1960-1997 ..
Direção das exportações mundiais, 1965-1995 .......
Sedes de grupos empresariais e filiais estrangeiras por área e país.
Valorização de ações, 1995-1999
Estados Unidos: distribuição do emprego (%) por setor produtivo e
respectivos subsetores, 1920-1991 ..........
Japão: distribuição do emprego (%) por setor produtivo e respecti-
vos subsetores, 1920-1990 ................
Alemanha: distribuição do emprego (%) por s
pectivos subsetores, 1925-1987.........
França: distribuição do emprego (%) por setor produtivo e respecti-
vos subsetores, 1921-1989 ......
Itália: distribuição do emprego (%) por setor produtivo e respecti-
vos subsetores, 1921-1990 ......................
Reino Unido: distribuição do emprego (%) por setor produtivo e
respectivos subsetores, 1921-1992...
144
150
160
199
358
360
362
364
366
22 Agradecimentos
Watson, Stephen Cisler, Felix Stalder, David Lyon, Craig Calhoun, Jeffrey
Henderson, Zygmunt Bauman, Jay Ogilvy, Clitf Bamey, Mark Williams, Alberto
Melucci, Anthony Orum, Tim Jordan, Rowan Ireland, Janet Abu-Lughod, Charles
Tilly, Mary Kaldor, Anne Marie Guillemard, Bernard Benhamou, Jose E.
Rodriguez Ibanez, Ramon Ramos, Jose Felix Tezanos, Sven-Eric Liedman, Markku
Willennius, Andres Ortega, Alberto Catena e Emilio de Ipola. Quero agradecer
em especial aos três colegas que organizaram as primeiras apresentações deste
livro, inaugurando, assim, o debate: Michael Burawoy em Berkeley, Bob Catterall
em Oxford c Ida Susser em Nova York.
Também sou grato às inúmeras instituições acadêmicas que me convida-
ram, entre 1996 e 2000, para submeter a pesquisa apresentada neste livro à crítica
acadêmica e, principalmente a todas as pessoas que compareceram às minhas
palestras e seminários, e contribuíram com seus comentários pertinentes.
O livro foi apresentado c debatido, em ordem cronológica, nas seguintes
universidades: University of California em Berkeley; Oxford University: City
University de Nova York, Graduate Center; Consejo Superior de Investi gaciones
Científicas, Barcelona; Universidad de Sevilla; Universidad de Oviedo; Universitat
Autonoma de Barcelona; Institute of Economics, Russian Academy of Sciences,
Novosibirsk; The Netherlands Design Institute, Amsterdam; Cambridge
University; University College, Londres; SITRA-Helsinki; Stanford University;
Harvard University; Cité des Sciences et de YIndustrie, Paris; Tate Gallery, Lon-
dres; Universidad de Buenos Aires; Universidad de San Simon, Cochabamba;
Universidad de San Andres, La Paz; Centre Européen des Recoversions et
Mutations, Luxembourg; University of California em Davis; Universidade Fede-
ral do Rio de Janeiro; Universidade de São Paulo; Programa de Naciones Unidas
para el Desarrollo, Santiago do Chile; University of California em San Diego;
Higher School of Economics, Moscou; e Duke University. Também quero agra-
decer às muitas outras instituições que me convidaram para compartilhar meu
trabalho com elas nesses quatro anos, embora eu não tenha podido corresponder
a sua gentileza.
Dedico menção especial ao meu amigo e colega Martin Carnoy da Stanford
University por considerar nossa contínua interação intelectual importantíssima
para o desenvolvimento e a retificação de minhas idéias. Sua contribuição na
revisão do capítulo 4 (sobre trabalho e emprego) do volume 1 foi essencial. Tam-
bém os meus amigos e colegas de Barcelona, Marina Subirats e Jordi Borja,
foram, assim como durante a maior parte da minha vida, fontes de i inspiração e
de críticas construtivas.
Também quero agradecer à minha família, principal fonte da minha força.
Agradecimentos 23
Em primeiro lugar, à minha esposa, Emma Kiselyova, pelo apoio, pelo amor
e pela inteligência, e paciência, em meio ao período mais árduo para nós dois, por
sua determinação em me manter concentrado no assunto, e não na fama. À minha
filha, Nuria, que, durante esses anos, conseguiu dar apoio ao pai à distância,
enquanto produzia uma tese de doutorado e gerava um segundo filho. À minha
irmã, Trene, que nunca deixou de ser minha consciência crítica. À minha filha
adotiva, Lena, que enriqueceu minha vida com carinho e sensibilidade. Ao meu
senro, Jose del Rocio Millan, e ao meu cunhado, Jose Bailo, com quem passei
muitas horas conversando sobre nosso trabalho e nossa vida. E, por último, mas
decerto não menos importante, a fonte de alegria da minha vida, meus netos Cla-
ra, Gabriel e Sasha.
Também agradecer à minha revisora, Sue Ashton, cuja contribuição foi es-
sencial para dar ordem e clareza ao livro, tanto na primeira quanto na segunda
edição. Também quero agradecer ao pessoal de produção, promoção e editorial
da minha editora, Blackwell, e especialmente a Louise Spencely, Lorna Berrett,
Sarah Falkus, Jill Landeryou, Karen Gibson, Nicola Boulton, Joanna Pyke e seus
colegas. Seus empenhos pessoais neste livro ultrapassaram muito as normas do
profissionalismo no mundo editorial,
Quanto aos meus médicos, personagens principais dos agradecimentos da
minha trilogia, deram continuidade a seu trabalho excepcional, mantendo-me em
pleno curso durante esses anos tão importantes. Gostaria de reiterar minha grati-
dão aos doutores Peter Carroll e James Davis, ambos do Medical Center da
University of California em San Francisco.
Por fim, quero expressar minha profunda e genuína surpresa com o interes-
se gerado no mundo inteiro por este livro tão acadêmico, não só nos círculos
universitários, mas também na imprensa, e entre o público em geral. Sei que isso
não tem tanta relação com a qualidade do livro quanto com a importância funda-
mental das questões que tentei analisar: estamos vivendo num mundo novo, e
precisamos de novo entendimento. Poder contribuir, com toda modéstia, no pro-
cesso de construção de tal entendimento é minha única ambição, e a verdadeira
motivação para prosseguir no trabalho de que me encarreguei, enquanto minhas
forças o permitirem.
Janeiro de 2000
Berkeley, California
24 Agradecimentos
O autor e os editores agradecem a permissão das seguintes editoras para a
reprodução de material protegido por direitos autorais:
The Association of American Geographers: Fig. 6.1 “Maior crescimento absolu-
to dos fluxos da informação, 1982 e 1990”, Largest absolute growth in information
flows, 1982 and 1990,” Dados da Federal Express, elaborada por R. L Michelson
e J. O. Wheeler, “The flow of information in a global economy: the role of the
American urban system in 1990,” Annals of the Association of American
Geographers, 84: 1. Copyright O 1994 The Association of American Geographers,
Washington DC.
The Association of American Geographers: Fig. 6.2 “Exportação da informação
dos EUA para os principais centros e regiões do mundo”, dados da Federal
Express, 1990, elaborada por by R. L. Michelson e J. O. Wheeler, “The flow of
information in a global economy: the role of the American urban system in 1990,”
Annals of the Association of American Geographers, 84: 1. Copyright O 1994
The Association of American Geographers, Washington DC.
Business Week: Tabela 2.10 “Valorização de ações, 1995-1999: as ações que
mais se valorizaram segundo a Standard & Poor 500" Bloomberg Financial
Markets, compilada por Business Week. Copyright O 1999 McGraw Hill, Nova
York.
University of California: Fig. 4.9 “Percentagem de californianos com idade para
trabalhar contratados em empregos 'tradicionais', 1999”. Copyright O 1999
University of California e The Field Institute, San Francisco.
University of California: Fig. 4.10 “Distribuição dos californianos com idade
para trabalhar por situação de emprego “tradicional" e permanência no empre-
80, 1999” Copyright O 1999 University of California e The Field Institute, San
Francisco.
University of California Library: Fig. 4.11 “O mercado de trabalho Japonês no
período pós-guerra”, Yuko Aoyama, “Locational strategies of Japanese
multinational corporations in electronics,” Tese de doutorado da University of
California, elaborada com informações da Agenência de Planejamento Econômi-
co do Japão, Gaikokujin rodosha to shakai no shinro, 1989, p. 99, fig. 4.1.
Agradecimentos 25
CEPIT-OFCE: Tabela 2.3 “Evolução da produtividade dos setores de negócios
(% média do índice de crescimento anual)”, base de dados do modelo MIMO-
SA. Copyright O CEPII-OFCE.
CEPILOFCE: Tabela 2.4 “Evolução da produtividade em setores não abertos ao
livre mercado (% média do índice de crescimento anual)”, base de dados do
modelo MIMOSA. Copyright O CEPII-OFCE.
The Chinese University Press: Fig. 6.5 “Representação diagramática dos princi-
pais nós e elos na região urbana de Pearl River Delta”, elaborada por E. Woo,
“Urban Development,” in Y. M. Yeung e D. K. Y. Chu, Guandong: Survey ofa
Province Undergoing Rapid Change. Copyright O 1994 Chinese University Press,
Hong Kong.
Tabela 4.29 extraída de Lawrence Mishel, Jared Bernstein e Jobn Schmitt, e Economic
Policy Institute, The State of Working America 1998-1999. Copyright O 1999 Cormell
University. Usado com permissão da editora, Comell University Press.
Defence Research Establishment Ottawa: Fig. 7.3 “Óbitos resultantes de guer-
ras em relação à população mundial, por década, 1720-2000”, G. D. Kaye, D.
A. Grante E. J. Emond, Major Armed Conflicts: a Compendium of Interstate and
Intrastate Conflict, 1720 to 1985, Report to National Defense, Canada. Copyright
O 1985 Operational Research and Analysis Establishment, Ottawa.
Economic Policy Institute: Fig. 4.8 “Emprego no ramo da mão-de-obra tempo-
rária nos Estados Unidos, 1982-1997”, análise de Lawrence Mishel, Jared
Bernstein c John Schmitt dos dados do Bureau ot Labor Statistics, The State of
Working America 1998-99. Copyright O Cornell University Press/Economic
Policy Institute, Ithaca e Londres.
The Economist: Fig. 2.2 “Estimariva de evolução da produtividade nos Estados
Unidos, 1972-1999 (produção por hora)”, Bureau of Labor Statistics, elaborada
por Robert Gordon in “The new economy: work in progress,” in The Economist,
pp. 21-4. Copyright O 1999 The Economist, Londres (24 de julho). Reimpressa
com permissão da editora.
The Economist: Fig. 2.9 “Pagamentos de dividendos em declínio”, in “Shares
without the other bif” in The Economist, p. 135. Copyright O The Economist,
Londres (20 de novembro). Reimpressa com permissão da editora.
26 Agradecimentos
The Economist: Fig. 5.1 “Vendas de mídia dos principais grupos de mídia em 1998”,
relatórios das empresas: Veronis, Suhler and Associates; Zenith Media; Warburg
Dillon Read; elaborada por The Economist, 1, p. 62. Copyright O 1999 The Economist,
Londres (11 de dezembro). Reimpressa com permissão da editora.
The Economist: Fig. 5.2 “Alianças estratégicas entre grupos de média na Euro-
pa, 1999”, Warburg Dillon Read, elaborada por The Economist, 1, p. 62. Copyright
O 1999 The Economist, Londres (11 de dezembro). Reimpressa com permissão
da editora.
Harvard University Press: Fig. 4.3 “Índice de crescimento do emprego, por re-
gião, 1973-1999”; foi publicada uma versão anterior desta figura em Sustainable
Flexibility, OCDE/GD (9748; elaborada por Martin Carnoy in Sustaining the
New Economy: Work, Family and Community in the Information Age, Cambridge,
Mass.: Harvard University Press, Copyright O 2000 de Russell Sage Foundation.
Harvard University Press: Fig. 4.4 “Trabalhadores em meio expediente na força
de trabalho empregada nos países da OCDE, 1993-1998”, foi publicada uma
versão anterior desta figura em Sustainable Flexibitiry, OCDE/GD (97) 48; ela-
borada por Martin Carnoy in Sustuining the New Economy: Work, Family and
Community in the Information Age, Cambridge, Mass.: Harvard University Press,
Copyright O 2000 de Russell Sage Foundation.
Harvard University Press: Fig. 4.5 “Trabalhadores autônomos na força de traba-
tho empregada nos países da OCDE, 1983-1993”, foi publicada uma versão an-
terior desta figura em Sustainable Flexibility, OCDE/GD (97) 48; elaborada por
Martin Carnoy in Sustaining the New Economy: Work, Family and Community in
the Information Age, Cambridge, Mass.: Harvard University Press, Copyright O
2000 de Russell Sage Foundation.
Harvard University Press: Fig. 4.6 “Trabalhadores temporários na força de tra-
balho empregada nos países da OCDE, 1983-1997”, foi publicada uma versão
anterior desta figura em Sustainable Flexibility, OCDE/GD(97)48; elaborada por
Martin Carnoy in Sustaining the New Economy: Work, Family and Community in
the Information Age, Cambridge, Mass.: Harvard University Press, Copyright O
2000 de Russell Sage Foundation.
Agradecimentos 27
Harvard University Press: Fig. 4.7 “Formas de emprego fora do padrão na força
de trabalho empregada nos países da OCDE, 1983-1994”, foi publicada uma
versão anterior desta figura em Sustainable Flexibility, OCDE/GD(97)48; elabo-
rada por Martin Camnoy in Sustaining the New Economy: Work, Family and
Community in the Information Age, Cambridge, Mass.: Harvard University Press,
Copyright O 2000 de Russell Sage Foundation.
Harvard University Press: Fig. 4.12 “Crescimento anual da produtividade, do
emprego e das remunerações nos países da OCDE, 1984-1998”, dados da OECD,
compilados e elaborador por Martin Camoy in Sustaining the New Economy:
Work, Family and Community in the Information Age, Cambridge, Mass.: Harvard
University Press, Copyright O 2000 de Russell Sage Foundation.
Harvard University Press: Fig. 7.1 “Taxa de participação da força de trabalho
(%) para homens de 55-64 anos de idade, em oito países, 1970-1998", A.M,
Guillemard, “Travailleurs vieillissants et marché du travail en Europe,” Travail
et emploi, setembro de 1993, e Martin Carnoy in Sustaining the New Economy:
Work, Family and Community in the Information Age, Cambridge, Mass.: Harvard
University Press, Copyright O 2000 de Russel] Sage Foundation.
Harvard University Press: Tabela 4.23 “Emprego na indústria por países e re-
gides principais, 1970-1997 (milhares )”, International Labor Office, Statistical
Yearbook, 1986, 1988, 1994, 1995, 1996, 1997; OECD, Labour Force Statistics,
1977-1997 (Paris: OECD, 1998): OECD, Main Economic Indicators: Historical
Statistics, 1962-1991 (Paris: OECD. 1993), compilada e elaborada por Martin
Camoy in Sustaining the New Economy: Work, Family and Corununity in the
Information Age, Cambridge, Mass.: Harvard University Press, Copyright O 2000
de Russell Sage Foundation.
Harvard University Press: Tabela 4.24 “Fatias de emprego por ramo/ocupação e
“rupo étnico/gênero de todos os trabalhadores dos Estados Unidos, 1960-1998
(%)”, US Department of Commerce, Bureau of the Census, 7 Percent Sample,
US Population Census, 1960, 1970, compilada por Martin Camoy in Sustaining
the New Economy: Work, Family and Community in the Information Age,
Cambridge, Mass.: Harvard University Press, Copyright O 2000 de Russell Sage
Foundation.
Harvard University Press: Tabela 4.25 “Gastos com tecnologia da informação
portrabalhador (1987-1994), aumento do índice de emprego (1987-1994), e índice
32 Agradecimentos
Guillemard, Richard Nelson, Loic Wacquant, Ida Susser, Fernando Calderon,
Roberto Laserna, Alejandro Foxley, John Urry, Guy Benveniste, Katherine Burlen,
Vincente Navarro, Dieter Emst, Padmanabha Gopinath, Franz Lehner, Julia
Trilling, Robert Benson, David Lyon e Melvin Kranzberg.
Durante os últimos doze anos, diversas instituições serviram de base para
este trabalho. Em primeiro lugar, minha residência intelectual, a Universidade da
Califórnia cm Berkeley e, mais especificamente, as unidades acadêmicas onde
trabalhei: Departamento de Planejamento Regional e Urbano, Departamento de
Sociologia, Centro de Estudos sobre a Europa Ocidental, Instituto de Desenvol-
vimento Urbano e Regional, Mesa Redonda de Berkeley sobre a Economia Inter-
nacional. Todos me ajudaram e contribuíram para a pesquisa com apoio material
e institucional e proporcionando o ambiente adequado para pensar, imaginar, ousar,
investigar, discutir e escrever. Uma parte fundamental deste ambiente e, portanto,
de minha compreensão do mundo é a inteligência e abertura de meus alunos de
pós-graduação com quem tive a felicidade de interagir. Alguns deles foram muito
prestativos como auxiliares de pesquisa cuja contribuição para esta obra também
deve ser reconhecida: You-tien Hsing, Roberto Laserna, Yuko Aoyama, Chris
Benner e Sandra Moog. Gostaria, ainda, de agradecer a valiosa assistência de
pesquisa recebida de Kekuei Hasegawa da Universidade Hitotsubashi.
Outras instituições de vários países também deram grande apoio à condu-
ção da pesquisa apresentada neste livro. Ao mencioná-las, estendo minha grati-
dão a seus diretores, bem como a muitos colegas dessas instituições que me pas-
saram ensinamentos sobre o que escrevi nesta obra. São elas: Instituto de Sociología
de Nuevas Tecnologías, Universidad Autónoma de Madrid; Instituto Internacio-
nal de Estudos sobre o Trabalho, Organização Internacional do Trabalho, Gene-
bra; Associação Sociológica Soviética (posteriormente Russa); Instituto de Eco-
nomia e Engenharia Industrial; Sucursal Siberiana da Academia de Ciências da
URSS (posteriormente da Rússia); Universidad Mayor de San Simon, Cocha-
bamba, Bolívia; Instituto de Investigaciónes Sociales, Universidad Nacional
Autónoma de Mexico; Centro de Estudos Urbanos, Universidade de Hong Kong;
Centro de Estudos Avançados, Universidade Nacional de Cingapura: Instituto de
Tecnologia e Economia Internacional, o Conselho de Estado, Pequim; Universi-
dade Nacional de Taiwan, Taipei; o Instituto Coreano de Pesquisa sobre Assenta-
mento Humano, Seul; e Faculdade de Estudos Sociais, Universidade Hitotsubashi,
Tóquio.
Reservo um agradecimento especial para John Davey, diretor editorial da
Blackwell, cuja interação intelectual e crítica construtiva têm representado uma
contribuição preciosa para o desenvolvimento de meu trabalho há mais de vinte
Agradecimentos 33
anos, ajudando-me em situações aparentemente sem saída e sempre me
relembrando que livros são feitos para comunicar idéias, e não para imprimir
palavras.
Por último, mas não menos importante, quero agradecer a meus médicos,
Dr. Lawrence Werboff e Dr. James Davis, ambos da Universidade da Califórnia
e do Hospital Mount Zion em São Francisco, cuja assistência e profissionalismo
me deram tempo e energia para terminar este e talvez outros trabalhos.
Março de 1996
Berkeley, Califórnia
Prefácio
de Fernando Henrique Cardoso
Para os que, como eu, já conhecem e admiram de longa data o trabalho de
Manuel Castells, não há nenhuma surpresa na abrangência de visão ou no volume
de informações apresentado nesta sua nova obra, que será, sem dúvida, um marco
nos esforços intelectuais para a compreensão de nossa época e seus desafios.
Encontramos, aqui, a mesma riqueza de análise, a mesma precisão conceitual,
ancorada em uma utilização inteligente de dados empíricos e de descrição de
processos históricos.
Entre os maiores méritos de Castells está o de não fazer concessões à
compartimentalização do saber. Aceita e encara de frente aquilo que é talvez o
desafio maior de toda análise social: o de encontrar os conceitos que permitam
entender a maneira pela qual os diversos níveis de experiência humana, proces-
sos econômicos, tecnológicos, culturais e políticos interagem para conformar, em
um determinado momento histórico, uma estrutura social específica. Há aí uma
preocupação de interdisciplinaridade (talvez fosse mais apropriado falar de uma
paixão da interdisciplinaridade) que faz lembrar a facilidade com que Weber tran-
sitava, por exemplo, da história econômica para a sociologia das religiões e vice-
versa. Não é por acaso que outros, como Anthony Giddens, já compararam o
esforço atual de Castells ao tour de force weberiano no clássico Economia e
Sociedade.
É precisamente por aceitar o desafio de uma análise abrangente c
muitissetorial que o texto de Castells, além de ganhar em densidade acadêmica,
se torna especialmente relevante para os que devem tomar decisões práticas na
condução de assuntos de governo.
De fato, a decisão política impõe aos que a tomam um imperativo incontor-
nável de intersdisciplinaridade. Nada é mais alheio ao mundo da política do que
a unilateralidade, a visão parcial, o universal abstrato. Os que são responsáveis
por decisões sabem que o economicismo é tão mau conselheiro quanto o
voluntarismo político ou qualquer outro viés reducionista da experiência huma-
na. É indispensável um enfoque capaz de agregar as diversas dimensões.
36 Prefácio
É nesse sentido que se constrói o itinerário da investigação de Castells nes-
te livro. Encontra no paradigma tecnológico baseado na informação os princípios
organizadores de um novo “modo de desenvolvimento”, que não se substitui ao
modo de produção capitalista, mas lhe dá nova face e contribui de forma decisiva
para definir os traços distintivos das sociedades do final do século XX. À análise
se desdobra na identificação de uma nova estrutura social, marcada pela presença
e o funcionamento de um sistema de redes interligadas
Essa intuição central, construída em torno da noção do “informacionalis-
mo”, dá a Castells a chave para refinar (e criticar) a tradição de pensamento sobre
o “pós-industrialismo” e para iluminar, em novos ângulos, alguns dos problemas
centrais de nosso tempo, como a oposição entre homogeneização social (conse-
quência da globalização dos padrões de interação organizados em redes que des
conhecem fronteiras e nacionalidades) e diversidade cultural, as transformações
estruturais do emprego e a sua consequência para a vulnerabilidade da mão-de-
obra, as novas práticas empresariais ou a nova divisão internacional do trabalho,
que se revela ao mesmo tempo um mecanismo de inclusão e de exclusão social.
A partir dessa basc, Castells encontra um novo veio para a reflexão sobre o
tema da globalização, a situação dos Estados nacionais e a sua capacidade de
atuar para a promoção do desenvolvimento. Os dois volumes seguintes O Poder
da Identidade e O Fim do Milênio, cuja edição brasileira virá em breve, ampliam
o escopo da anátise, trazendo à tona as consegiiências do novo paradigma econô-
mico-tecnológico para as instituições sociais e políticas, assim como para o devir
histórico nesse final de século.
Castells nos adverte, no fundo, de que é preciso levar a sério as mudanças
introduzidas em nosso padrão de sociabilidade em razão das transformações
tecnológicas e econômicas que fazem com que a relação dos indivíduos e da
própria sociedade com o processo de inovação técnica tenha sofrido alterações
consideráveis.
E essas alterações são-nos mostradas e explicadas com o talento de quem
sabe combinar a elaboração teórica mais abstrata com a descrição de situações e
fatos específicos que ilustram e dão o sentido mais pleno da teoria, Essa combi-
nação assegura a Castells uma sensibilidade para os aspectos menos óbvios, mas
não por isso menos importantes, dos deslocamentos e transformações da sociabi-
lidade contemporânea.
Isso é evidente, por exemplo, na sua análise da maneira pela qual o novo
formato de organização social — a sociedade em rede, baseada no paradigma
econômico-tecnológico da informação se traduz, não apenas em novas práticas
sociais, mas em alterações da própria vivência do espaço e do tempo como parã-
Prefácio 37
metros da experiência social. Apresentam-se, aí, as idéias de um “espaço de
fluxos” e de um “tempo intemporal”, que dão a Castelis a moldura para uma
aguçada fenomenologia da vida social no final do século XX, na qual adquirem
novo sentido realidades aparentemente tão díspares como a arquitetura pós-mo-
derna, a telefonia móvel ou as operações em tempo real no mercado financeiro
internacional.
A análise de Castells desenha, im, os contornos de uma sociedade
globalizada e centrada no uso e aplicação da informação e na qual a divisão do
trabalho se efetua, não tanto segundo jurisdições territoriais (embora isso tam-
bém continue a ocorrer), mas sobretudo segundo um padrão complexo de redes
interligadas. É nessa sociedade que vivemos e ela é a que devemos conhecer se
quisermos que nossa ação seja ao mesmo tempo relevante e responsável.
Não deixa de chamar a atenção o fato de que um livro dedicado a descrever
e anatisar uma morfologia social enraizada na centralidade da informação e do
conhecimento seja, ele próprio, tão rico em informações e tão versátil em seu
processamento. Aprende-se muito lendo os relatos de Castells sobre os proces-
sos que levaram à afirmação daquilo que ele identifica como um novo para-
digma. O volume é alentado porque, insistiria o autor, a informação é central.
Mas o seu caráter quase enciclopédico não exclui o prazer da leitura, reforçado
pela organização cristalina do argumento e alimentado pela riqueza das descri-
ções históricas.
Este é, sem dúvida, o ponto de partida de uma contribuição notável à ciên-
cia social de nosso tempo. Juntamente com os dois volumes que se seguirão em
breve, servirá como ponto de referência obrigatório na discussão sobre as tendên-
cias de transformação social no século XXI e, não menos, no esforço de identifi-
cação de novas modalidades de atuação política, inspiradas nas realidades de
nosso tempo e capazes de responder aos seus desafios.
42 Prólogo: à Rede e o Ser
Perplexos ante a dimensão e a abrangência da transformação histórica, a
cultura e o pensamento de nossos tempos fregiientemente adotam um novo
milcnarismo. Profetas da tecnologia pregam a nova era, extrapolando para a or-
ganização e as tendências sociais a mal compreendida lógica dos computadores
e do DNA. A teoria e a cultura pós-modernas celebram o fim da história e, de
certa forma, o fim da razão, renunciando a nossa capacidade de entender e en-
contrar sentido até no que não tem sentido. A suposição implícita é a aceitação
da total individualização do comportamento e da impotência da sociedade ante
seu destino.
O projeto inspirador deste livro nada contra correntes de destruição e con-
testa várias formas de niilismo intelectual, ceticismo social e descrença política.
Acredito na racionalidade e na possibilidade de recorrer à razão sem idolatrar sua
deusa. Acredito nas oportunidades de ação social significativa e de política trans-
formadora, sem necessariamente derivar para as corredeiras fatais de utopias ab-
solutas. Acredito no poder libertador da identidade sem aceitar a necessidade de
sua individualização ou de sua captura pelo fundamentalismo. E proponho a hi-
pótese de que todas as maiores tendências de mudanças em nosso mundo novo e
confuso são afins e que podemos entender seu inter-relacionamento. E acredito,
sim, apesar de uma longa tradição de alguns eventuais erros intelectuais trágicos,
que observar, analisar e teorizar é um modo de ajudar a construir um mundo
diferente e melhor. Não oferecendo as respostas — elas serão específicas de cada
sociedade e descobertas pelos próprios agentes sociais -—— mas suscitando algu-
mas perguntas pertinentes. Este livro gostaria de ser uma contribuição modesta
ao necessário esforço analítico coletivo, já em curso em muitos horizontes, com o
objetivo de compreender nosso novo mundo, com base nos dados disponíveis e
em teoria exploratória.
Para dar os primeiros passos nessa direção, devemos levar a tecnologia a
sério, utilizando-a como ponto de partida desta investigação; precisamos locali-
zar 0 processo de transformação tecnológica revolucionária no contexto social
em que ele ocorre e pelo qual está sendo moldado; e devemos nos lembrar de que
a busca da identidade é tão poderosa quanto a transformação econômica e tecno-
lógica no registro da nova história. Depois partiremos na nossa jornada intelectual
por um itinerário que nos levará a inúmeros domínios e transporá várias culturas
e contextos institucionais, visto que o entendimento de uma transformação glo-
bal requer a perspectiva mais global possível, dentro dos limites óbvios da expe-
riência e conhecimentos do autor.
Prólogo: a Rede e o Ser 43
Tecnologia, sociedade e transformação histórica
Devido a sua penetrabilidade em todas as esferas da atividade humana, a
revolução da tecnologia da informação será meu ponto inicial para analisar a
complexidade da nova economia, sociedade e cultura em formação. Essa opção
metodológica não sugere que novas formas e processos sociais surgem em conse-
qiiência de transformação tecnológica. É claro que a tecnologia não determina a
sociedade.! Nem a sociedade escreve o curso da transformação tecnológica, uma
vez que muitos fatores, inclusive criatividade e iniciativa empreendedora, inter-
vêm no processo de descoberta científica, inovação tecnológica e aplicações so-
ciais, de forma que o resultado final depende de um complexo padrão interativo?
Na verdade, o dilema do determinismo tecnológico é, provavelmente, um proble-
ma infundado,* dado que a tecnologia é a sociedade, c a sociedade não pode ser
entendida ou representada sem suas ferramentas tecnológicas,” Assim, quando na
década de 1970 um novo paradigma tecnológico, organizado com base na tecno-
logia da informação, veio a ser constituído, principalmente nos Estados Unidos
(ver capítulo 1), foi um segmento específico da sociedade norte-americana, em
interação com a economia global e a geopolítica mundial, que concretizou um
novo estilo de produção, comunicação, gerenciamento e vida. É provável que o
fato de a constituição desse paradigma ter ocorrido nos EUA e, em certa medida,
na Califórnia e nos anos 70, tenha tido grandes consegiências para as formas e a
evolução das novas tecnologias da informação. Por exemplo, apesar do papel
decisivo do financiamento militar e dos mercados nos primeiros estágios da in-
dústria eletrônica, da década de 1940 à de 1960, o grande progresso tecnológico
que se deu no início dos anos 70 pode, de certa forma, ser relacionado à cultura
da liberdade, inovação individual e iniciativa empreendedora oriunda da cultura
dos campi norte-americanos da década de 1960. Não tanto em termos de sua
política, visto que o Vale do Silício sempre foi um firme baluarte do voto conser-
vador, e a maior parte dos inovadores era metapolítica, exceto no que dizia res-
peito a afastar-se dos valores sociais representados por padrões convencionais de
comportamento na sociedade em geral e no mundo dos negócios. À ênf;
dispositivos personalizados, na interatividade, na formação de redes e na busca
incansável de novas descobertas tecnológicas, mesmo quando não faziam muito
sentido comercial, não combinava com a tradição, de certa forma cautelosa, do
mundo corporativo. Meio inconscientemente,* a revolução da tecnologia da in-
[formação difundiu pela cultura mais significativa de nossas sociedades o espírito
libertário dos movimentos dos anos 60. No entanto, logo que se propagaram e
foram apropriadas por diferentes países, várias culturas, organizações diversas e
44 Prólogo: a Rede e o Ser
diferentes objetivos, as novas tecnologias da informação explodiram em todos os
tipos de aplicações e usos que, por sua vez, produziram inovação tecnológica,
acelerando a velocidade e ampliando o escopo das transformações tecnológicas,
bem como diversificando suas fontes.” Um exemplo nos ajudará a entender a
importância das consegiiências sociais involuntárias da tecnologia.”
Como se sabe, a Internet originou-se de um esquema ousado, imaginado na
década de 1960 pelos guerreiros tecnológicos da Agência de Projetos de Pesqui-
sa Avançada do Departamento de Defesa dos Estados Unidos (a mítica DARPA)
para impedir a tomada ou destruição do sistema norte-americano de comunica-
ções pelos soviéticos, em caso de guerra nuclear. De certa forma, foi o equivalen-
te eletrônico das táticas maoístas de dispersão das forças de guerrilha, por um
vasto território, para enfrentar o poder de um inimigo versátil e conhecedor do
terreno. O resultado foi uma arquitetura de rede que, como queriam seus invento-
res, não pode ser controlada a partir de nenhum centro e é composta por milhares
de redes de computadores autônomos com inúmeras maneiras de conexão, con-
tornando barreiras eletrônicas. Em última análise, a ARPANET, rede estabeleci-
da pelo Departamento de Defesa dos EUA, tornou-se a basc de uma rede de
comunicação horizontal global composta de milhares de redes de computadores
(cujo número de usuários superou os trezentos milhões no ano 2000, comparados
aos menos de vinte milhões em 1996, e em expansão veloz) . Essa rede foi apro-
priada por indivíduos e grupos no mundo inteiro e com todos os tipos de objeti-
vos, bem diferentes das preocupações de uma extinta Guerra Fria. Na verdade,
foi pela Internet que o subcomandante Marcos, líder dos zapatistas de Chiapas,
comunicou-se com o mundo e com a mídia, do interior da floresta Lacandon. E à
Internet teve papel instrumental no crescimento da seita chinesa Falun Gong, que
desafiou o partido comunista da China em 1999, bem como na organização e na
difusão do protesto contra a Organização Mundial do Comércio em Seattle, em
dezembro de 1999.
Entretanto, embora não determine a tecnologia, a sociedade pode sufocar
seu desenvolvimento principalmente por intermédio do Estado. Ou então, tam-
bém principalmente pela intervenção estatal, a sociedade pode entrar num pro-
cesso acelerado de modernização tecnológica capaz de mudar o destino das eco-
nomias, do poder militar e do bem-estar social em poucos anos. Sem dúvida, a
habilidade ou inabilidade de as sociedades dominarem a tecnologia e, em espe-
cial, aquelas tecnologias que são estrategicamente decisivas em cada período
histórico, traça seu destino a ponto de podermos dizer que, embora não determi-
ne a evolução histórica e a transformação social, a tecnologia (ou sua falta) in-
corpora a capacidade de transformação das sociedades, bem como os usos que as
Prólogo: a Rede e o Ser 45
sociedades, sempre em um processo conflituvoso, decidem dar ao seu potencial
tecnológico.
Assim, por volta de 1400, quando o renascimento europeu estava plantan-
do as sementes intelectuais da transformação tecnológica que dominaria o plane-
ta três séculos depois, a China era a civilização mais avançada em tecnologia no
mundo, segundo Mokyr.º Inventos importantes haviam ocorrido na China sécu-
Jos antes, até um milênio e meio antes daquela época, como o caso dos altos-
fornos que permitiam a fundição de ferro, no ano 200 a.C. Também, Su Sung
introduziu a clepsidra em 1086 d.€., superando a precisão da medida dos relógios
mecânicos europeus da mesma época. O arado de ferro surgiu no século VI e foi
adaptado ao cultivo de arroz em campos molhados dois séculos depois. No setor
têxtil, a roca apareceu simultaneamente ao Ocidente, no século XIII, mas progre-
diu com mais rapidez na China devido a uma antiga tradição de equipamentos de
tecelagem sofisticados: teares de esticar foram usados nos tempos dos Han para a
tecelagem de seda. A adoção da energia hídrica foi paralela à da Europa: no
século VIII os chineses usavam martelos hidráulicos automáticos; em 1280 hou-
ve uma grande difusão da roda d'água. Os navios chineses puderam fazer viagens
com mais facilidade antes que os europeus: os chineses inventaram a bússola por
volta do ano 960 d.C., e seus velhos navios eram os mais avançados do mundo no
final do século XIV, possibilitando longas viagens marítimas. No setor militar,
além de inventarem a pólvora, os chineses desenvolveram uma indústria química
capaz de fornecer poderosos explosivos. Também a besta e uma espécie de
catapulta foram usadas pelos exércitos chineses antes dos europeus. Em medici-
na, técnicas como a acupuntura davam resultados extraordinários que apenas re-
centemente foram reconhecidos em todo o mundo. E, claro, a primeira revolução
no processamento da informação foi chinesa: o papel e a imprensa foram inven-
tados na China. O papel foi introduzido nesse país mil anos antes que no Ociden-
te, e a imprensa provavelmente começou no final do século VIT, Nas palavras de
Jones: “A China esteve a ponto de se industrializar no final do século XIV Jo
Mas, como isso não ocorreu, houve uma mudança na história mundial. Quando,
em 1842, as Guerras do Ópio motivaram as imposições coloniais da Grã-Bretanha,
a China percebeu, tarde demais, que o isolamento não conseguia proteger o Im-
pério do Meio das consequências maléficas resultantes da inferioridade tecnoló-
gica. Desde então, a China levou mais de um século para começar a recuperar-se
desse desvio catastrófico de sua trajetória histórica.
As explicações desse curso histórico tão surpreendente são numerosas e
controversas. Neste prólogo não há espaço para um debate tão complexo. Mas,
com base nas pesquisas e análises de historiadores como Needham, Qian, Jones,
46 Prólogo: à Rede e o Ser
e Mokyr,'' pode-se sugerir uma interpretação que talvez, em termos gerais, ajude
no entendimento da interação entre sociedade, história e tecnologia. Na verdade,
como destaca Mokyr. a maioria das hipóteses referentes a diferenças culturais
(mesmo aquelas sem laivos de racismo implícito) não consegue explicar a dife-
rença, não entre a China e a Europa, mas entre a China de 1300 e a de 1800. Por
que uma cultura e um reino que lideraram o mundo por milhares de anos, de
repente, têm sua tecnologia estagnada exatamente no momento em que a Europa
embarca na era das descobertas e, em seguida, da Revolução Industrial?
Segundo Needham, em comparação aos valores ocidentais, a cultura chine-
sa tendia mais para uma relação harmoniosa entre o homem e a natureza, algo que
poderia ser ameaçado por rápidas inovações tecnológicas. Ademais, Needham
contesta o critério ocidental utilizado para medir o desenvolvimento tecnológico.
Contudo, essa ênfase cultural numa abordagem holística do desenvolvimento não
dificultou a inovação tecnológica por milênios nem impediu a deterioração eco-
lógica resultante das obras de irrigação no sul da China, quando a conservação da
natureza ficou subordinada à produção rural para alimentar uma população em
crescimento. De fato, Wen-yuan Qian, em seu ótimo livro, contesta o entusiasmo
um tanto excessivo de Needham pelas realizações da tecnologia tradicional chi-
nesa, apesar de Qian também admirar o monumental trabalho desenvolvido por
esse historiador ao longo de sua vida. Qian busca uma conexão analítica mais
próxima entre o desenvolvimento da ciência na China e as características da civi-
lização chinesa dominada pela dinâmica estatal. Mokyr também considera o Es-
tado o fator crucial na explicação do atraso tecnológico chinês nos tempos mo-
dernos. Essa explicação pode ser proposta com base em três fatores: a inovação
tecnológica ficou fundamentalmente nas mãos do Estado durante séculos; após
1400, o Estado chinês, sob as dinastias Ming e Qing, perdeu o interesse pela
inovação tecnológica; e, em parte, pelo fato de estarem empenhados em servir ao
Estado, as elites culturais e sociais enfocavam as artes, as humanidades e a
autopromoção perante a burocracia imperial. Desse modo, o que parece ser mais
importante é o papel do Estado e a mudança de orientação da política estatal. Por
que um Estado que fora o maior engenheiro hidráulico da história e estabelecera
um sistema de extensão rural para a melhoria de sua produtividade desde o perío-
do Han, repentinamente inibiria suas inovações tecnológicas, chegando a proibir
a exploração geográfica e a abandonar a construção de grandes navios em 1430?
A resposta óbvia é que não era o mesmo Estado, não apenas porque eram dinas-
tias diferentes, mas porque a classe burocrática ficou mais profundamente
enraizada na administração, graças a um período mais longo que o usual de domi-
nação incontestada.
Prólogo: a Rede c o Ser 47
De acordo com Mokyr, parece que o fator determinante do conservadorismo
tecnológico eram os temores dos governantes pelos impactos potencialmente
destrutivos da transformação tecnológica sobre a estabilidade social. Inúmeras
forças eram contrárias à difusão da tecnologia na China, como em outras socieda-
des, particularmente as guildas urbanas. Os burocrata: atisfeitos com o status
quo preocupavam-se com a possibilidade de desencadeamento de conflitos so-
ciuis, que poderiam unir-se a outras fontes latentes de oposição em uma socieda-
de mantida sob controle por muitos séculos. Até os dois déspotas manchus escla-
recidos do século XVIII, K'ang Chi e Ch'ien Lung, centraram seus esforços na
pacificação e na ordem, em vez de promover novo desenvolvimento. Ao contrá-
rio, a exploração do comércio e os contatos com estrangeiros, além do comércio
controlado e a aquisição de armas, eram considerados — na melhor das hipóteses
— desnecessários e — na pior — ameaçadores, em razão da incerteza envolvida.
Um Estado burocrático, sem incentivo externo e com desencorajamentos inter-
nos à modernização tecnológica, optou pela mais prudente neutralidade, conse-
quentemente interrompendo a trajetória tecnológica que a China seguira há sécu-
los, talvez milênios, exatamente sob a orientação estatal. Sem dúvida, a discussão
dos fatores que fundamentaram a dinâmica do Estado chinês sob as dinastias
Ming e Qing não fazem parte do escopo deste livro. O que importa a nossa pes-
quisa são dois ensinamentos dessa experiência fundamental da interrupção do
desenvolvimento tecnológico: de um lado, o Estado pode ser, e sempre toi ao
longo da história, na China e em outros países, a principal força de inovação
tecnológica; de outro, exatamente por isso, quando o Estado afasta totalmente
seus interesses do desenvolvimento tecnológico ou se torna incapaz de promovê-
lo sob novas condições, um modelo estatista de inovação leva à estagnação por
causa da esterilização da energia inovadora autônoma da sociedade para criar e
aplicar tecnologia. O fato de que, após séculos, o Estado chinês pôde construir de
outro modo uma base avançada em tecnologia nuclear, mísseis, lançamento de
satélites e eletrônica? mais uma vez demonstra o vazio da interpretação predomi-
nantemente cultural de desenvolvimento e atraso tecnológico: a mesma cultura
pode induzir trajetórias tecnológicas muito diferentes, dependendo do padrão de
relacionamentos entre o Estado e a socicdade. Contudo, a dependência exclusiva
do Estado tem um preço, e o preço para a China foi atraso, fome, epidemias,
dominação colonial e guerra civil até, pelo menos, meados do século XX.
Uma história contemporânea semelhante pode ser contada, e o será neste
livro (no volume IL), sobre a inabilidade do estatismo soviético para dominar a
revolução da tecnologia da informação, desta maneira interrompendo sua capaci-
dade produtiva e enfraquecendo seu poder militar. No entanto, não devemos sal-
52 Prólogo: a Rede e o Ser
relações de poder existentes em cada período histórico, inclusive os controles,
limites € contratos sociais conseguidos nas lutas pelo poder.
A produção é organizada em relações de classes que definem o processo
pelo qual alguns sujeitos humanos, com base em sua posição no processo produ-
tivo, decidem a divisão e os empregos do produto em relação ao consumo e ao
investimento. A experiência é estruturada pelo sexo/relações entre os sexos, his-
toricamente organizada em torno da família e, até agora, caracterizada pelo domíf-
nio dos homens sobre as mulheres. As relações familiares e a sexualidade
estruturam a personalidade e moldam a interação simbólica.
O poder tem como base o Estado e seu monopólio institucionalizado da
violência, embora o que Foucault chama de microfísica do poder, incorporada
nas instituições e organizações, difunda-se em toda a sociedade, de locais de
trabalho a hospitais, encerrando os sujeitos numa estrutura rigorosa de deveres
formais e agressões informais.
A comunicação simbólica entre os seres humanos e o relacionamento entre
e ea natureza, com base na produção (e seu complemento, o consumo), expe-
riência e poder, cristalizam-se ao longo da história em territórios específicos, e
assim geram culturas e identidades coletivas.
À produção é um processo social complexo, porque cada um de seus ele-
mentos é diferenciado internamente. Assim, a humanidade como produtora cole-
tiva incluí tanto o trabalho como os organizadores da produção, e o trabalho é
muito diferenciado e estratificado de acordo com o papel de cada trabalhador no
processo produtivo. A matéria abrange a natureza, a natureza modificada pelo
homem, a naturcza produzida pelo homem e a própria natureza humana, pois o
desenrolar da história nos força a afastar-nos da distinção clássica entre humani-
dade e natureza, visto que a ação humana de milênios já incorporou o meio am-
biente natural na sociedade, tornando-nos, de forma concreta e simbólica, parte
inseparável desse meio ambiente, A relação entre a mão-de-obra e a matéria no
processo de trabalho envolve o uso de meios de produção para agir sobre a maté-
ria com base em energia, conhecimentos e informação. A tecnologia é a forma
específica dessa relação.
O produto do processo produtivo é usado pela sociedade de duas formas:
consumo e excedente, As estruturas sociais interagem com os processos produti-
vos determinando as regras para a apropriação, distribuição e uso do excedente.
Essas regras constituem modos de produção, e esses modos definem as relações
sociais de produção, determinando a cxistência de classes sociais, constituídas
como tais mediante sua prática histórica. O princípio estrutural de apropriação e
controle do excedente caracteriza um modo de produção. No século XX temos,
Prólogo: à Rede e o Ser 53
essencialmente, dois modos predominantes de produção: o capitalismo e o
estatismo. No capitalismo, a separação entre os produtores e seus meios de pro-
dução, a transformação do trabalho em commodity e a posse privada dos meios de
produção, com base no controle do capital (excedente transformado em
commodity). determinaram o princípio básico da apropriação e distribuição do
excedente pelos capitalistas. Entretanto, saber quem é (são) a(s) classe(s) capi-
talista(s) constitui um tema para a investigação social em cada contexto históri-
co, e não uma categoria abstrata. No estatismo, o controle do excedente é externo
à esfera econômica: fica nas mãos dos detentores do poder estatal; vamos chamá-
los de apparatchiki ou lingdao. O capitalismo visa a maximização de jucros, ou
seja, o aumento do excedente apropriado pelo capital com base no controle priva-
do sobre os meios de produção e circulação. O estatismo visa (visava?) a
maximização do poder, ou seja, o aumento da capacidade militar e ideológica do
aparato político para impor seus objetivos sobre um número maior de sujeitos e
nos níveis mais profundos de seu consciente.
As relações sociais de produção e, portanto, o modo de produção determi-
nam a apropriação e os usos do excedente. Uma questão à parte, embora funda-
mental, é o nível desse excedente determinado pela produtividade de um proces-
so produtivo específico, ou seja, pelo índice do valor de cada unidade de produ-
ção em relação ao valor de cada unidade de insumos. Os próprios níveis de pro-
dutividade dependem da relação entre a mão-de-obra e a matéria, como uma fun-
ção do uso dos meios de produção pela aplicação de energia e conhecimentos.
Esse processo é caracterizado pelas relações técnicas de produção, que definem
modos de desenvolvimento. Dessa forma, os modos de desenvolvimento são os
procedimentos mediante os quais os trabalhadores atuam sobre a matéria para
gerar o produto, em última análise, determinando o nível e a qualidade do exce-
dente. Cada modo de desenvolvimento é definido pelo elemento fundamental à
promoção da produtividade no processo produtivo. Assim, no modo agrário de
desenvolvimento, a fonte do incremento de excedente resulta dos aumentos quan-
titativos da mão-de-obra e dos recursos naturais (em particular a terra) no proces-
so produtivo, bem como da dotação natural desses recursos. No modo de desen-
volvimento industrial, a principal fonte de produtividade reside na introdução de
novas fontes de energia e na capacidade de descentralização do uso de energia ao
longo dos processos produtivo e de circulação. No novo modo informacional de
desenvolvimento, a fonte de produtividade acha-se na tecnologia de geração de
conhecimentos, de processamento da informação e de comunicação de símbolos.
Na verdade, conhecimento e informação são elementos cruciais em todos os modos
de desenvolvimento, visto que o processo produtivo sempre se baseia em algum
s4 Prólogo: a Rede é 9 Ser
grau de conhecimento e no processamento da informação.” Contudo, o que é
específico ao modo informacional de desenvolvimento é a ação de conhecimen-
tos sobre os próprios conhecimentos como principal fonte de produtividade (ver
capítulo 2). O processamento da informação é focalizado na melhoria da tecnolo-
gia do processamento da informação como fonte de produtividade, em um círcu-
lo virtuoso de interação entre as fontes de conhecimentos tecnológicos e a aplica-
ção da tecnologia para melhorar a geração de conhecimentos e o processamento
da informação: é por isso que, voltando à moda popular, chamo esse novo modo
de desenvolvimento de informacional, constituído pelo surgimento de um novo
paradigma tecnológico baseado na tecnologia da informação (ver capítulo 1).
Cada modo de desenvolvimento tem, também, um princípio de desempe-
nho estruturalmente determinado que serve de base para a organização dos pro-
cessos tecnológicos: o industrialismo é voltado para o crescimento da economia,
isto é, para a maximização da produção; o informacionalismo visa o desenvolvi-
mento tecnológico, ou seja, a acumulação de conhecimentos e maiores níveis de
complexidade do processamento da informação. Embora graus mais altos de co-
nhecimentos geralmente possam resultar em melhores níveis de produção por
unidade de insumos, é a busca por conhecimentos e informação que caracteriza a
função da produção tecnológica no informacionalismo.
Apesar de serem organizadas em paradigmas oriundos das esferas domi-
nantes da sociedade (por exemplo, o processo produtivo, o complexo industrial
militar), a tecnologia e as relações técnicas de produção difundem-se por todo o
conjunto de relações e estruturas sociais, penetrando no poder e na experiência e
modificando-os.? Dessa forma, os modos de desenvolvimento modelam toda a
esfera de comportamento social, inclusive a comunicação simbólica. Como o
informacionalismo baseia-se na tecnologia de conhecimentos e informação, há
uma íntima ligação entre cultura e forças produtivas c entre espírito e matéria, no
modo de desenvolvimento informacional. Portanto, devemos esperar o surgimento
de novas formas históricas de interação, controle e transformação social,
O informacionalismo e a perestroyka capitalista
Passando de categorias teóricas para a transformação histórica, o que im-
porta de fato aos processos e formas sociais que compõem a came viva das socie-
dades é a interação real entre os modos de produção e os de desenvolvimento.
estabelecidos e defendidos pelos atores sociais, de formas imprevisíveis, na infra-
estrutura repressora da história passada e nas condições atuais de desenvolvi-
Prólogo: à Rede e o Ser 55
mento tecnológico e econômico. Assim, o mundo e as sociedades teriam sido
muito diferentes se Gorbachov tivesse conseguido sucesso com sua própria
perestroyka, meta política difícil, mas impossível. Ou se a região do Pacífico
asiático não tivesse sido capaz. de unir sua forma tradicional de organização eco-
nômica em redes de empresas às ferramentas da tecnologia da informação. Entre-
tanto, o fator histórico mais decisivo para a aceleração, encaminhamento e for-
mação do paradigma da tecnologia da informação e para a indução de suas conse-
quentes formas sociais foi/é o processo de reestruturação capitalista, empreendi-
do desde os anos 80, de modo que o novo sistema econômico e tecnológico pode
ser adequadamente caracterizado como capitalismo informacional,
O modelo keynesiano de crescimento capitalista, que levou prosperidade
econômica sem precedentes e estabilidade social à maior parte das economias de
mercado durante quase três décadas após a Segunda Guerra Mundial, atingiu as
próprias limitações no início da década de 1970, e sua crise manifestou-se sob a
forma de inflação desenfreada.” Quando os aumentos do preço do petróleo em,
1974 e 1979 ameaçavam desencadear uma espiral inflacionária incontrolável,
governos c empresas engajaram-se em um processo de reestruturação mediante
um método pragmático de tentativa e erro, que continuou durante a década de
1990. Mas, nessa década, houve um esforço mais decisivo a favor da desregula-
mentação, da privatização e do desmantelamento do contrato social entre capital
c trabalho, que fundamentou a estabilidade do modelo de crescimento anterior.
Em resumo, uma série de reformas, tanto no âmbito das instituições como do
gerenciamento empresarial, visavam quatro objetivos principais: aprofundar a
lógica capitalista de busca de lucro nas relações capital/trabalho; aumentar a pro-
dutividade do trabalho e do capital; globalizar a produção, circulação e mercados,
aproveitando a oportunidade das condições mais vantajosas para a realização de
lucros em todos os lugares; e direcionar o apoio estatal para ganhos de produtivi-
dade e competitividade das economias nacionais, frequentemente em detrimento
da proteção social e das normas de interesse público, A inovação tecnológica e a
transformação organizacional com enfoque na flexibilidade e na adaptabilidade
foram absolutamente cruciais para garantir a velocidade e a eficiência da reestru-
turação. Pode-se afirmar que, sem a nova tecnologia da informação, o capitalis
mo global teria sido uma realidade muito limitada: o gerenciamento flexível teria
sido limitado à redução de pessoal, e a nova rodada de gastos, tanto em bens de
capital quanto em novos produtos para o consumidor, não teria sido suficiente
para compensar a redução de gastos públicos. Portanto, o informacionalismo está
ligado à expansão e ao rejuvenescimento do capitalismo, como o industrialismo
estava ligado a sua constituição como modo de produção. Sem dúvida, o proces-
só Prólogo: a Rede c o Ser
so de reestruturação teve manifestações muito diferentes nas regiões e socieda-
des de todo o mundo, como analisarei rapidamente no capítulo 2: foi desviado de
sua lógica fundamental pelo keynesianismo militar da administração Reagan, crian-
do dificuldades ainda maiores para a economia norte-americana no fim da eufo-
ria artificialmente estimulada: foi um tanto limitado na Europa ocidental em ra-
zão da resistência da sociedade ao desmantelamento do estado do bem-estar so-
cial e à flexibilidade unilateral do mercado de trabalho, com a consegiiência do
aumento do desemprego na União Européia; foi absorvido no Japão sem mudan-
ças drásticas, com ênfase na produtividade e competitividade baseada em tecno-
logia e cooperação em vez de aumentar a exploração, até que pressões internacio-
nais forçaram o Japão a estabelecer sua produção no exterior e a ampliar o papel
de um desprotegido mercado de trabalho secundário; e mergulhou as economias
da África (exceto a África do Sul e Botsuana) e da América Latina (com exceção
do Chile e da Colômbia) em uma grande recessão, nos anos 1980, quando as
políticas do Fundo Monetário Internacional (FMI) cortaram o fornecimento de
dinheiro e reduziram os salários e as importações para homogeneizar as condi-
ções da acumulação de capital global em todo o mundo. À reestruturação prosse-
guiu com base na derrota política das organizações de trabalhadores nos princi-
o de uma disciplina econômica comum pelos
pais países capitalistas e na aceite
países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
Essa disciplina, embora imposta, quando necessário, pelo Bundesbank, o Federal
Reserve Board (respectivamente, bancos centrais da Alemanha e dos EUA) e
pelo FMI, na verdade, estava inscrita na integração dos mercados financeiros
globais, ocorrida no início da década de 1980 com a ajuda das novas tecnologias
da informação. Nas condições da integração financeira global, políticas monetá-
rias nacionais autônomas tornaram-se literalmente inviáveis, uniformizando, por-
tanto, os parâmetros econômicos básicos dos processos de reestruturação em todo
o planeta.
Embora a reestruturação do capitalismo e a difusão do informacionalismo
fossem processos inseparáveis em escala global, as sociedades agiram/reagiram
a esses processos de formas diferentes, conforme a especificidade de sua história,
cultura e instituições. Conseguentemente, até certo ponto, seria impróprio refe-
rir-se a uma “sociedade informacional”, o que implicaria a homogeneidade das
formas sociais em todos os lugares sob o novo sistema. É óbvio que essa é uma
proposição empírica e teoricamente indefensável. Poderíamos, entretanto, falar
de uma “sociedade informacional” do mesmo modo que os sociólogos estão se
referindo à existência de uma “sociedade industrial”, marcada por características
fundamentais comuns em seus sistemas sociotécniços, a exemplo da formulação
Prólogo: à Rede e o Ser 57
de Raymond Aron.” Mas com duas importantes ressalvas: por um lado, as socie-
dades informacionais, como existem atualmente, são capitalistas (diferentemente
das sociedades industriais, algumas delas eram estatistas); por outro, devemos
acentuar a diversidade cultural e institucional das sociedades informacionais, Desse
modo, a exclusividade japonesa?” ou as diferenças da Espanha” não vão desapa-
recer em um processo de não-diferenciação cultural, nessa nova trajetória para a
modemização universal, desta vez medida por índices de difusão de computado-
res. Nem a China, nem o Brasil serão fundidos no cadinho global do capitalismo
informacional, ao continuarem seu caminho desenvolvimentista na alta velocida-
de do momento. Mas o Japão, tanto quanto a Espanha, a China, o Brasile os EUA
são e serão, ainda mais no futuro, sociedades informacionais, pois os principais
processos de geração de conhecimentos, produtividade econômica, poder políti-
cofmilitar e a comunicação via mídia já estão profundamente transformados pelo
paradigma informacional e conectados às redes globais de riqueza, poder e sím-
bolos que funcionam sob essa lógica. Portanto, todas as sociedades são afetadas
pelo capitalismo e informacionalismo, e muitas delas (certamente todas as socie-
dades importantes) já são informacionais,” embora de tipos diferentes, em dife-
rentes cenários e com expressões culturais/institucionais específicas. Uma teoria
da sociedade informacional, diferente de uma economia global/informacional,
deverá estar sempre tão atenta à especificidade histórica/cultural quanto às seme-
lhanças estruturais referentes a um paradigma econômico e tecnológico ampla-
mente compartilhado. Quanto ao conteúdo real dessa estrutura social comum que
poderia ser considerado a essência da nova sociedade informacional, receio não
ser capaz de resumi-lo em um parágrafo: na verdade, a estrutura e os processos
que caracterizam as sociedades informacionais constituem o tema deste livro.
O Ser na sociedade informacional
Às novas tecnologias da informação estão integrando o mundo em redes
globais de instrumentalidade. A comunicação mediada por computadores gera
uma gama enorme de comunidades virtuais. Mas a tendência social e política
característica da década de 1990 era a construção da ação social e das políticas
em torno de identidades primárias — ou atribuídas, enraizadas na história e geo-
grafia, ou recém-construídas, em uma busca ansiosa por significado e espirituali-
dade. Os primeiros passos históricos das sociedades informacionais parecem
caracterizá-las pela preeminência da identidade como seu princípio organizacio-
nal, Por identidade, entendo o processo pelo qual um ator social se reconhece e
2 Prólogo: à Rede e o Ser
no volume TH, que é a conclusão de todo o livro e apresenta uma interpretação
sintética de suas descobertas e idéias. .
A divisão em três volumes, embora facilite a publi ealeitura do livro,
suscita alguns problemas na comunicação do conjunto de minha teoria. Na ver-
dade, alguns tópicos cruciais que permeiam todos os temas tratados neste livro
são apresentados no segundo volume, É, em especial, o caso da análise sobre as
mulheres e o patriarcalismo, bem como as relações de poder e o Estado. Alerto o
leitor para o fato de que não compartilho a visão tradicional de sociedade forma-
da por níveis sobrepostos, com a tecnologia e a economia no subsolo, o poder no
mezanino e a cultura na cobertura. Entretanto, por questão de clareza, sou força-
do a uma apresentação sistemática e um tanto linear de tópicos que, embora rela-
cionados entre si, não conseguirão integrar todos os elementos até que tenham
sido discutidos com alguma profundidade nessa jornada intelectual para a qual o
leitor é convidado. Este primeiro volume trata principalmente da lógica do que
chamo de Rede, enquanto o segundo (O Poder da Identidade) analisa a formação
do Ser e a interação entre a Rede e o Ser na crise de duas instituições centrais da
sociedade: a família patriarcal e o Estado nacional. O terceiro volume (O Fim do
Milênio) tenta interpretar as transformações históricas do final do século XX,
resultantes das dinâmicas dos processos estudados nos dois primeiros volumes. É
apenas no fim do terceiro volume que será proposta uma integração geral entre a
teoria e a observação ligando as análises dos vários domínios, embora cada volu-
me apresente uma conclusão que visa sintetizar as principais descobertas e idéias
ali discutidas. Apesar de o volume HI ser mais diretamente relacionado a proces-
sos específicos de transformação histórica nos vários contextos, ao longo de todo
o livro esforcei-me por alcançar dois objetivos: fundamentar a análise na obser-
vação, sem reduzir a teorização ao comentário; diversificar o máximo possível
minhas fontes culturais de observação e de idéias. Essa abordagem nasce de mi-
nha convicção de que entramos em um mundo realmente multicultural e
interdependente, que só poderá ser entendido e transformado a partir de uma
perspectiva múltipla que reúna identidade cultural, sistemas de redes globais e
políticas multidimensionais.
Notas
1 Vero interessante debate sobre o assunto em Smith e Marx (1994).
2. A tecnologia não determina a sociedade; incorpora-a. Mas a sociedade também não determi-
na a iiovação tecnológica: utiliza-a. Essa interação dialética entre a sociedade e a tecnologia
está presente nas obras dos melhores historiadores. como Fernand Braudel
e
EN
10.
nu.
12.
13.
14.
15
. Minha dis
Prólogo: a Rede c o Ser 63
Melvin Kranzberg. historiador clássico da tecnologia, combateu fortemente o falso dilema
do determinismo tecnológico. Ver, por exemplo, seu discurso (1992) ao receber o título de
membro honorário da NASTS (National Association for Science, Technology and Society).
Bijker et ai. (1987).
Ainda está para ser escrita uma história social fascinante sobre os valores e visões pessoais
de alguns dos principais inovadores da revolução nas tecnologias computacionais do Vale
de Silício, da década de 1970. Mas algumas indicações parecem apontar para o fato de que
eles realmente tentavam decifrar as tecnologias centralizadoras do mundo empresarial, tanto
por convicção como pelo nicho de mercado. A título de elucidação, relembro o famoso
anúncio da Apple Computers, em1984, para lançar o Macintosh, em oposição explícita ao
Big Brother (IBM) da mitologia orwelliana. Quanto ao caráter contracultural de muitos
desses inovadores, mencionarei a história da vida do gênio criador do computador pessoal,
Steve Wozniak: após abandonar a Apple, chaieado pela sua translormação em empresa
multinacional, gastou uma fortuna durante alguns anos subsidiando seus grupos de rock
preferidos, amtes de fundar outra empresa para desenvolver tecnologias a seu modo. Em um
certo ponto, após ter criado o computador pessoal, Wozniak se deu conta de que não tinha
educação formal em ciências da computação, então matriculou-se na Universidade da
Califómia, em Berkeley. Porém. para evitar publicidade embaraçosa, usou outro nome.
. Para informações selecionadas sobre a variação dos modelos de difusão da tecnologia da
informação em diferentes contextos sociais é institucionais ver. entre outros trabalhos:
Beriazzoni et al. (1984), Guile (1985); Agence de L'Informatique (1986); Castells er at.
(1986); Landau e Rosenberg (1986); Bianchi er al, (1988); Watanuki (1990); Freeman es al.
(1991); Wang (1994).
Para tima discussão consciente e cautelosa sobre as relações entre à sociedade e à tecnolo-
gia, ver Fischer (1985)
Ver a análise apresentada em Castells (1988); também Webster (1991).
cussão sobre a interrupção do desenvolvimento tecnológico chinês conta, princi-
palmente, com um capítulo extraordinário de Joel Mokyr (1990: 209-38) e também com um
ótimo livro, embora controverso, Qian (1985).
Jones (1981: 160), citado por Mokyr (1990: 219).
Needham (1954-88, 1969, 1981); Qian (1985); Jones (1988); Mokyr (1990).
Wang (1993).
Chida e Davies (1990).
Ito (1993).
Vários renomados estudiosos japoneses, e tendo a concordar com eles. acreditam que o
melhor relaro ocidental da Restauração Meiji e das raízes sociais da modernização japonesa
é o de Norinan (1940). Foi traduzido para o japonês e é muito lido nas universidades do
Japão, Brilhante historiador, educado em Cambridge e Harvard, antes de integrar o corpo
diplomático canadense. foi denunciado como comunista por Kar! Wittfogel para a Comissão
do Senador McCarthy na década de 50 e, depois, submetido à pressão constante das agên-
cias ocidentais de informações. Nomeado embaixador canadense para o Egito, Normas sui-
cidou-se em Cairo, em 1957. Sabre sua contribuição realmente excepcional para o entendi-
mento do Estado japonês, ver Dower (1975); para uma perspectiva diferente, ver Beasley
(1990,
64
16.
17.
IB.
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28.
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30.
Prólogo: à Rede e o Ser
Kamatani (1988); Matsumoto e Sinclair (1994).
Uchida (1991).
Ito (1994): Japan Informatization Processing Center (1994); para úma perspectiva ociden-
tal, ver Forester (1993)
Ver Norman (1940) e Dowes (1975): ver também Allen (19814).
Johnson (1995).
Nolan e Furen (1990); Hsing (1996).
Touraine (1969).
Bell (1973). A primeira edição é de 1973, mas todas a
inclui um novo e importante “Prefácio 1976”,
citações são da edição de 1976, que
Para a maior clareza deste livro, acho necessário dar uma definição de conhecimento e
informação, mesmo que essa atitude intelectualmente satisfatória introduza algo de arbitr:
rio no discurso, como sabem os cientistas sociais que já enfrentaram esse problema. Não
tenho nenhum motivo convincente para aperfeiçoar a definição de conhecimento dada por
Daniel Bell (1976: 175). “Conhecimento: um conjunto de declarações organizadas sobre
fatos ou idéias, apresentando um julgamento ponderado ou resultado experimental que é
transmitido a outros por intermédio de algum meio de comunicação, de alguma forma siste-
mática. Assim, diferencio conhecimento de notícias e entretenimento.” Quanto a informa-
ção, alguns autores conhecidos na área, como Machlup. simplesmente definem informação
como a comunicação de conhecimentos (ver Machlup 1962: 15). Mas, como afirma Bell.
essa definição de conhecimento empregada por Machlup parece muito ampla. Portanto, eu
voltaria à definição operacional de informação proposta por Porat em seu trabalho clássico
(1977: 23: “Informação são dados que foram organizados e comunicados.”
Quando a inovação tecnológica não se difunde na sociedade devido à obstáculos institucio-
nais a essa difusão, ocorre atraso tecnológico em razão da falta do necessário feedback
sucial'cultural às instituições de inovação e aos próprios inovadores. Esse é o ensinamento
básico extraído dessas importantes experiências, como « da China dos Qing ou da União
Soviética. Para a União Soviética, ver vol. IL. Para a China, ver Qian (1985) e Mokyr
(1990).
Alguns anos atrás, apresentei minha interpretação das causas da crise econômica mundial
dos anos 70, bem como uma sugestão de proguóstico dos caminhos para a reestruturação
capitalista. Apesar da infra-estrutura teórica muito rígida que justapus à análise empírica, a
meu ver, 05 principais pontos tratados naquele livro (escrito em 1977-8), inclnsive à previ-
são do nome reaganomics para a economia de Reagan, ainda são úteis ao entendimento das
transformações qualitativas operadas no capitalismo durante as duas últimas décadas do
século XX (ver Castells 1980)
Aron (1963).
Sobre a exclusividade japonesa em uma perspectiva sociológica, ver Shoji (1990).
Sobre as raízes sociais das diferenças e semelhanças espanholas em relação a outros países.
ver Zaldivar é Castetls (1992).
Gostaria de fazer uma distinção analítica entre as noções de “sociedade da informação” e
“soviedade informacional” com consequências similares para economia da informação é
economia informacional. O termo sociedade da informação enfatiza o papel da informação
na sociedade, Mas afirmo que informação, em seu sentido mais amplo, por exemplo, como
31.
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34,
35.
3%.
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al
Prólogo: a Rede : o Ser 65
comunicação de conhecimentos, foi crucial a todas as sociedades, inclusive à Europa medie-
val que era culturalmente estruturada e, até certo ponto, unificada pelo escolasticismo, ou
seja, no geral uma infra-estrutura inteleciual (ver Southern 1995). Ao contrário, o lermo
informacional indica o atributo de uma forma específica de organização social em que a
geração, o processamento e a transmissão da informação tornam-se as fontes fundamentais
de produtividade e poder devido às.movas condições tecnológicas surgidas nesse período
histórico. Minha terminologia tenta estabelecer um paralelo com a distinção entre indústria
e industrial, Uma sociedade industrial (conceito comum na tradição sociológica) não é ape-
nas uma sociedade em que há indústrias, mas uma sociedade em que as formas sociais e
tecnológicas de organização industria] permeiam todas as esferas de atividade, começando
com as atividades predominantes localizadas no sistema econômico e na tecnologia militar
é alcançando os objetos e hábitos da vida cotidiana. Meu emprego dos termos “sociedade
informacional” e “economia informacional” tenta uma caracterização mais precisa das tran:
formações atuais, além da sensata observação de que a informação e os conhecimentos são
importantes para nossas sociedades. Porém. o conteúdo real de “sociedade informacional”
tem de ser determinado pela observação e análise. É exatamente esse o objetivo deste livro.
Por exemplo, uma das características principais da sociedade informacional é a lógica de sua
estrutura básica em redes, o que explica o uso do conceito de “sociedade em rede”, definido
é especificado na conclusão deste volume. Contudo, outros componentes da “sociedade
informacional”, como movimentos sociais ou o Estado, mostram características que
além da lógica dos sistemas de redes, embora sejam muito influenciadas por essa lógic:
úpica da nova estrutura social, Dessa forma, “a sociedade em rede” não esgota todo o sent
do de “sociedade informacional”. Finalmente, por que, após todas essas definições precisas,
mantive À era da informação como título geral do livro, sem incluir a Europa medieval em
minha investigação? Títulos são dispositivos de comunicação. Devem ser agradáveis ao
leitor, claros o suficiente para que ele possa imaginar qual o tema real do livro e, redigido de
forma que não se afaste demais da estrutura de referência semântica. Portanto, em um mun-
do construído em torno das tecnologias da informação, sociedade da informação, informati-
zação, infovia e coisas parecidas (todos às termos originaram-se no Japão nos meados dos
anos 60 — Johoka Sakai. em japonês — e foram transmitidos para o Ocidente em 1978 por
Simon Nora é Alain Minc, com todo o seu exotismo), um título como À Era da Informação
aponta diretamente as questões a serem levantadas, sem prejulgar as respostas.
Yoshino (1992: 1).
Calhoun (1994: 43,
Touraine (1994: 168; tradução de Caste!ls; grifo do autor).
Calderon e Laserna (1994: 90; tradução de Castells).
Barglow (1994: 6).
Barglow (1994: 53).
Barglow (1994: 185)
Para as novas formas de revoltas ligadas à identidade em oposição explícita à globalização,
ver a análise exploratória realizada por Castells er ai. (1996b).
Touraine (199).
Wieviorka (1993).
Ver, por exemplo. Colas (1992); Kepel (1993)
66
42.
44.
45.
46.
47.
48.
Prólogo: a Rede e q Ser
Uma visão útil das teorias sociológicas sobre pós-industrialismo e informacionatismo é a de
Lyon (1988). Para as origens intelectuais e lerminológicas das noçõesgde “sociedade da
informação”, ver Nora é Mino (1978) e Ito (1991a). Ver também Beniger (1986); Katz
(1988); Williams (1988) e Salvaggio (1989).
Para uma visão crítica do pós-industrialismo ver, entre outros, Woodward (1980); Roszak
(1986); Lyon (1988); Shoji (1990); Touraine (1992). Para uma crítica cultural sobre a ênfase
na tecnologia da informação por parte de nossa sociedade, ver Postman (1992).
Para minha crítica sobre o pós-industrialismo, ver Castells (1994. 1996).
Ver Lyon (1993); também Seidman e Waguer (1992).
Tarvey (1990).
Lash (1990). ”
Poulantzas (1978: esp. 160-9).
A revolução da tecnologia da informação
Que revolução?
O “gradualismo”, escreveu o paleontólogo Stephen J. Gould, “o conceito
de que toda mudança deve ser suave, lenta e firme, nunca foi lido nas rochas.
Representava uma tendência cultural comum, em parte uma resposta do liberalis
mo do século XIX a um mundo em revolução. Porém, ele continua a colorir a
nossa leitura supostamente objetiva da história da vida... A história da vida, como
a vejo, é uma série de situações estáveis, pontuadas em intervalos raros por even-
tos importantes que ocorrem com grande rapidez e ajudam a estabelecer a próxi-
ma era estável”.! Meu ponto de partida, e não estou sozinho nesta conjetura,? é
que no final do século XX vivemos um desses raros intervalos na história. Um
intervalo cuja característica é a transformação de nossa “cultura material” pelos
mecanismos de um novo paradigma tecnológico que se organiza em tomo da
tecnologia da informação.
Como tecnologia, entendo, em linha direta com Harvey Brooks e Daniel
Bell, “o uso de conhecimentos científicos para especificar as vias de se fazerem
as coisas de uma maneira reproduzível" * Entre as tecnologias da informação,
incluo, como todos, o conjunto convergente de tecnologias em microeletrônica,
computação (software e hardware), telecomunicações/radiodifusão, e optoele-
trônica.* Além disso, diferentemente de alguns analistas, também incluo nos do-
mínios da tecnologia da informação a engenharia genética e seu crescente con-
junto de desenvolvimentos e aplicações.* Isso não se deve apenas ao fato de a
engenharia genética concentrar-se na decodificação, manipulação e consegiiente
reprogramação dos códigos de informação da matéria viva. Deve-se também ao /
fato de, nos anos 90, a biologia, a eletrônica e a informática parecerem estar
convergindo e interagindo em suas aplicações e materiais e, mais fundamental-
mente, na abordagem conceitual, tópico merecedor de maior atenção ainda neste
capítulo.” Ao redor deste núcleo de tecnologias da informação, definido em um
72 A revolução da tecnologia da informação
Todavia, essa é precisamente a confirmação do caráter revolucionário das
novas tecnologias industriais. A ascensão histórica do chamado Ocidente, limi-
tando-se de fato à Inglaterra e a alguns países da Europa ocidental, bem como à
América do Norte e à Austrália, está fundamentalmente associada à superiorida-
de tecnológica alcançada durante as duas Revoluções Industriais.” Nada na his-
tória universal cultural, científica, política ou militar antes da revolução indus-
trial poderia explicar a indiscutível supremacia (anglo-saxônica/alemã com um
toque francês) do “Ocidente” entre 1750 e 1940. A China mostrou-se uma cultura
muito superior durante a maior parte da história pré-renascentista: a civilização
muçulmana (tomando a liberdade de usar esse termo) dominou a maior parte do
Mediterrâneo e exerceu grande influência na África e na Ásia durante toda à
Idade Moderna; no geral, a África e a Ásia mantiveram-se organizadas em torno
de centros políticos e culturais autônomos; a Rússia reinou com extremo isola-
mento em uma vasta área da Europa oriental e Ásia; e o Império Espanhol, a
retardatária cultura européia da revolução industrial , foi a maior potência mun-
dial por mais de dois séculos depois de 1492. A tecnologia, expressando condi-
ções sociais específicas, introduziu nova trajetória histórica na segunda metade
do século XVHI.
Essa trajetória originou-se na Inglaterra, apesar de suas raízes intelectuais
poderem ser encontradas por toda a Europa e no espírito renascentista das desco-
bertas.” Na verdade, alguns historiadores insistem que os conhecimentos cientí-
ficos necessários à primeira revolução industrial já estavam disponíveis cem anos
antes, prontos para serem usados sob condições sociais maduras; ou, como afir-
mam outros, aguardando a engenhosidade técnica de inventores autodidatas, como
Newcomen, Watts, Crompton ou Arkwright, capazes de transformar a tecnologia
disponível, combinada com a experiência artesanal, em novas é decisivas tecno-
logias industriais.” Porém, a segunda Revolução Industrial, mais dependente de
novos conhecimentos científicos, mudou seu centro de gravidade para os EUA e
a Alemanha, onde ocorreu a maior parte dos desenvolvimentos em produtos quí-
micos, eletricidade e telefonia.”* Historiadores têm feito uma análise meticulosa
das condições sociais associadas às mudanças geográficas das inovações técni-
cas, muitas vezes enfocando as características dos sistemas educacionais e cien-
tíficos ou a institucionalização dos direitos de propriedade. Porém, a explicação
contextual para a trajetória irregular da inovação tecnológica parece ser muito
ampla e aberta a interpretações alternativas. Hal! e Preston, ao analisarem a mu-
dança geográfica da inovação tecnológica entre 1846 é 2003, mostram a impor-
tância de fontes locais de inovação, das quais Berlim, Nova York e Boston são
coroadas como “centros mundiais de alta tecnologia industrial” entre 1880 e 1914,
A revolução da tecnologia da informação 73
enquanto “Londres no mesmo período era uma sombra pálida de Berlim” O
motivo disso encontra-se na base territorial para a interação dos sistemas de des-
cobertas e aplicações tecnológicas, isto é, nas propriedades sinérgicas do que é
conhecido na literatura como “meios de inovação”.*
Na verdade, as descobertas tecnológicas ocorreram em agrupamentos,
interagindo entre si num processo de retornos cada vez maiores. Sejam quais
forem as condições que determinaram esses agrupamentos, a principal lição que
permanece é que a inovação tecnológica não é uma ocorrência isolada.” Ela
reflete um determinado estágio de conhecimento; um ambiente institucional e
industrial específico; uma certa disponibilidade de talentos para definir um pro-
blema técnico e resolvê-lo; uma mentalidade econômica para dar a essa aplicação
uma boa relação custo/benefício; e uma rede de fabricantes e usuários capazes de
comunicar suas experiências de modo camulativo e aprender usando e fazendo.
As elites aprendem fazendo e com isso modificam as aplicações da tecnologia,
enquanto a maior parte das pessoas aprende usando e, assim, permanecem dentro
dos limites do pacote da tecnologia. A interatividade dos sistemas de inovação
tecnológica e sua dependência de certos “ambientes” propícios para trocas de
idéias, problemas e soluções são aspectos importantíssimos que podem ser esten-
didos da experiência de revoluções passadas para a atual,”
Os efeitos positivos, a longo prazo, das novas tecnologias industriais no
crescimento econômico, na qualidade de vida e na conquista humana da Nature-
za hostil (refletidos no aumento impressionante da expectativa de vida, que não
tivera uma melhoria constante antes do século XVH) são indiscutíveis nos regis-
tros históricos. Porém não vieram cedo, apesar da difusão da máquina a vapor e
das novas máquinas e equipamentos. Mokyr relembra que
no início, o consumo per capita e a qualidade de vida aumentaram pouco [no
fim do séc. XVII], mas as tecnologias de produção mudaram drasticamente
várias indústrias e setores, preparando o caminho para o crescimento susten-
tado schumpeteriano na segunda metade do séculoXIX, quando o progresso
tecnológico penetrou em indústrias não afetadas anteriormente.”
Essa estimativa crucial força-nos a avaliar os verdadeiros efeitos de gran-
des transformações tecnológicas à luz de uma defasagem no tempo em função
das condições específicas de cada sociedade. Todavia, os registros históricos
parecem indicar que, em termos gerais, quanto mais próxima for a relação entre
os locais de inovação, produção e utilização das novas tecnologias, mais rápida
será a transformação das sociedades e maior será o retorno positivo das condi-
ções sociais sobre as condições gerais para favorecer futuras inovações. Assim,
74 A tevolução da tecnologia da informação
na Espanha, a revolução industrial difundiu-se de forma rápida na Catalunha, já
no fim do século XVII, mas alcançou uma velocidade bem menor no resto do
país, particularmente em Madni e no Sul; apenas o País Basco e Astúrias tinham
aderido ao processo de industrialização no final do século XIX.” As fronteiras
da inovação industrial eram coincidentes em grande parte com áreas onde foi
proibido comercializar com as colônias da América espanhola por cerca de dois
séculos: embora as elites andaluzas e castelhanas, bem como a Coroa, pudessem
viver de suas rendas norte-americanas, os catalães tinham de prover o próprio
sustento através do comércio e da engenhosidade, enquanto eram submetidos à
pressão de um Estado centralizador. Em parte como resultado dessa trajetória
histórica, até a década de 1950 a Catalunha e o País Basco eram as únicas regiões
totalmente industriatizadas e as principais fontes de espíritos empreendedores e
de inovação, cm profundo contraste com as tendências do resto da Espanha.
Assim, condições sociais específicas favorecem a inovação tecnológica, que ali-
menta a trilha do desenvolvimento econômico e as demais inovações. Contudo,
a reprodução dessas condições é tão cultural e institucional quanto econômica e
tecnológica. A transformação de ambientes sociais e institucionais pode alterar
o ritmo e a geografia do desenvolvimento tecnológico (por exemplo, o Japão
depois da Restauração Meiji ou a Rússia durante um breve período sob o regime
Stolypin), embora a história passada ostente uma inércia considerável.
Uma última lição importante das revoluções industriais, que considero per-
tinente a esta análise, gera controvérsia: apesar de ambas terem causado o
surgimento de novas tecnologias que na verdade formaram e transformaram um
sistema industrial em estágios sucessivos, no âmago dessas revoluções havia uma
inovação fundamental em geração e distribuição de energia. R. J. Forbes, famoso
historiador de tecnologia, afirma que “a invenção da máguina a vapor é o fator
central na revolução industrial”, seguida pela introdução de novos motores pri-
mários e motores primários móveis, com os quais “a força da máquina a vapor
podia ser levada aonde fosse necessária e na extensão desejada”. E, embora
insista no caráter multifacetado da Revolução Industrial, Mokyr também acha
que “não obstante os protestos de alguns historiadores econômicos, a máquina a
vapor é ainda amplamente considerada a invenção mais requintada da Revolução
Industrial”. A eletricidade foi a força central da segunda revolução, apesar de
outros avanços extraordinários como produtos químicos, aço, motor de combus-
tão interna, telégrafo e telefonia. Isso porque, apenas mediante geração c distri-
buição de eletricidade, os outros campos puderam desenvolver suas aplicações e
ser conectados entre si, Um caso em especial foi o do telégrafo elétrico que,
utilizado experimentalmente de 1790-99 e em pleno uso desde 1837, só conse-
guiu desenvolver-se em uma rede de comunicação, conectando o mundo em larga
A revolução da tecnologia da informação 15
escala, quando pôde contar com a difusão da eletricidade. O uso difundido da
eletricidade a partir de 1870 mudou os transportes, telégrafos, iluminação e, não
menos importante, o trabalho nas fábricas mediante a difusão de energia na for-
ma de motores elétricos. Na verdade, embora as fábricas sejam associadas à pri-
meira Revolução Industrial, por quase um século elas não foram concomitantes
com o uso da máquina a vapor, bastante utilizada em pequenas oficinas artesanais,
enquanto muitas fábricas grandes continuavam a usar fontes melhoradas de ener-
gia hidráulica (daí a razão de, por muito tempo, terem sido conhecidas como
moinhos). Foi o motor elétrico que tanto tornou possível quanto induziu a organi-
zação do trabalho em larga escala nas fábricas industriais.” Nas palavras de R. J.
Forbes (em 1958):
Durante os últimos 250 anos, cinco novos motores primários importantes
geraram aquilo que é frequentemente chamado de a Era das Máquinas. No
século XVII foi a máquina a vapor; no séc. XIX a turbina hidráulica, o
motor de combustão interna e a turbina a vapor; no séc. XX a turbina de
combustão. Historiadores sempre inventaram lemas que denotassem movi-
mentos ou correntes históricas. Assim é com a “Revolução Industrial” título
para um processo de desenvolvimento fregiientemente descrito como tendo
seu início no começo do século XVI e estendendo-se por quase todo o
século XIX. Foi um movimento lento, mas forjou mudanças tão profundas
em sua combinação entre progresso material e deslocamento social que, no
conjunto, talvez possam ser descritas como revolucionárias se consideradas
no período de tempo abrangido por essas datas.”
Portanto, atuando no processo central de todos os processos — ou seja, a
energia necessária para produzir, distribuir e comunicar — as duas Revoluções
Industriais difundiram-se por todo o sistema econômico e permearam todo o teci-
do social. Fontes móveis de energia barata c acessível expandiram e aumentaram
a força do corpo humano, criando à base material para a continuação histórica de
um movimento semelhante rumo à expansão da mente humana,
A segiiência histórica da revolução
da tecnologia da informação
A breve, porém intensa, história da revolução da tecnologia da informação
foi contada tantas vezes nos últimos anos, que é desnecessário dar ao leitor um
outro relato completo.” Além disso, devido ao ritmo acelerado dessa revolução,
76 A tevolução da tecnologia da informação
qualquer outro retato tornar-se-ia obsoleto, tanto que, entre o momento em que
este livro está sendo escrito e o de sua leitura (digamos 18 meses), microchips
terão dobrado seu desempenho a um determinado preço, de acordo com a geral-
mente aceita “lei de Moore” *º Todavia, considero útil para a análise nos lembrar-
mos dos principais eixos da transformação tecnológica em geração/processamento/
transmissão da informação, colocando-os na segiiência que se deslocou ramo à
formação de um novo paradigma sociotécnico.'! Este breve resumo me autoriza-
rá, posteriormente, a omitir referências sobre aspectos técnicos ao discutir sua
interação específica com a economia, cultura e sociedade por todo o itinerário
intelectual deste livro, exceto quando novos elementos de informação forem ne-
cessários.
Macromudanças da microengenharia: eletrônica e informação
Apesar de os antecessores industriais e científicos das tecnologias da infor-
mação com base em microeletrônica já poderem ser observados anos antes da
década de 1940” (não menosprezando a invenção do telefone por Bell, em 1876,
do rádio por Marconi, em 1898, e da válvula a vácuo por De Forest, em 1906), foi
durante a Segunda Guerra Mundial e no período seguinte que se deram as princi-
pais descobertas tecnológicas em eletrônica: o primeiro computador programável
e o transistor, fonte da microeletrônica, o verdadeiro cerne da revolução da teeno-
logia da informação no século XX. Porém, defendo que, de fato, só na década
de 1970 as novas tecnologias da informação difundiram-se amplamente, acele-
rando seu desenvolvimento sinérgico e convergindo em um novo paradigma.
Yamos reconstituir os estágios da inovação em três principais campos da tecnojo-
gia que, intimamente inter-relacionados, constituíram a história das tecnologias
baseadas em eletrônica: mieroeletrônica, computadores e telecomunicações.
O transistor, inventado em 1947 na empresa Bell Laboratories em Murray
Hill, no estado de Nova Jersey, pelos físicos Bardeen, Brattain e Shockley (ga-
nhadores do Prêmio Nobel pela descoberta), possibilitou o processamento de
impulsos elétricos em velocidade rápida e em modo binário de interrupção e
amplificação, permitindo a codificação da lógica e da comunicação com e entre
as máquinas: esses dispositivos têm o nome de semicondutores, mas as pessoas
costumam chamá-los de chips (na verdade, agora constituídos de milhões de tran-
sistores). O primeiro passo na difusão do transistor foi dado em 1951, com a
invenção do transistor de junção por Shockley. Porém, sua fabricação e utiliza-
ção em ampla escala exigiam novas tecnologias de produção e uso de material
A revolução da tecnologia da informação ”
apropriado. A mudança para o silício, construindo, literalmente, a nova revolu-
ção na areia, foi pioneiramente realizada pela Texas Instruments (em Dallas) em
1954 (um feito facilitado pela contratação de Gordon Teal, em 1953, outro im-
portante cientista da Belt Laboratories). A invenção do processo plano em 1959
pela empresa Fairchild Semiconductors (localizada no Vale do Silício) abriu a
possibilidade de integração de componentes miniaturizados com precisão de fa-
bricação.
Contudo, o passo decisivo da microeletrônica foi dado em 1957: o circuito
integrado (CT) foi inventado por Jack Kilby, engenheiro da Texas Instruments
(que o patenteou) em parceria com Bob Noyce, um dos fundadores da Fairchild.
Mas foi Noyce que fabricou CTs pela primeira vez, usando o processo plano. Essa
iniciativa acionou uma explosão tecnológica: em apenas três anos, entre 1959 e
1962, os preços dos semicondutores caíram 85%, e nos dez anos seguintes a
produção aumentou vinte vezes, sendo que 50% dela foi destinada a usos milita-
tes.” A título de comparação histórica, levou setenta anos (1780 — 1850) para
que o preço do tecido de algodão caísse 85% na Inglaterra durante a Revolução
Industrial.” Então, o movimento acelerou-se na década de 1960: à medida que a
tecnologia de fabricação progredia e se conseguia melhorar o design dos chips
com o auxílio de computadores, usando dispositivos microeletrônicos mais rápi-
dos e mais avançados, o preço médio de um circuito integrado caiu de US$ 50 em
1962 para US$ 1 em 1971.
O avanço gigantesco na difusão da microeletrônica em todas as máquinas
ocorreu em 1971 quando o engenheiro da Intel, Ted Hoff (também no Vale do
Silício), inventou o microprocessador, que é o computador em um único chip.
Assim, a capacidade de processar informações poderia ser instalada em todos os
lugares. Começava a disputa pela capacidade de integração cada vez maior dos
circuitos contidos em apenas um chip, e a tecnologia de produção e design sem-
pre excedia os limites da integração antes considerada fisicamente impossível
sem abandonar o uso do silício. Em meados dos anos 90, as avaliações técnicas
ainda previam entre dez e vinte anos de emprego satisfatório para os circuitos à
base de silício, embora já se tivessem intensificado as pesquisas sobre materiais
alternativos. O nível de integração tem progredido em ritmo bastante rápido nos
últimos vinte anos. Embora detalhes técnicos não tenham vez neste livro, é perti-
nente à análise indicar a velocidade e a extensão da transformação tecnológica.
Como se sabe, a capacidade dos chips pode ser avaliada por uma combina-
ção de três características: sua capacidade de integração, indicada pela menor
largura das linhas de condução no interior do chip medida em mícrons (1 mícron
= a milionésima parte de uma polegada); sua capacidade de memória, medida em
82 A revolução da tecnologia da informação
im como cabos coaxiais e fibras óticas, oferecem uma diversidade e versatili-
«dade de tecnologias de transmissão, que estão sendo adaptadas a uma série de
usos e possibilitam a comunicação ubígua entre usuários de unidades móveis.
Assim, a telefonia celular difundiu-se com grande força por todo o mundo nos
anos 90, literalmente invadindo a Ásia com pagers não sofisticados e a América
Latina com telefones celulares, usados como símbolos de stars. No ano 2000, já
existiam tecnologias acessíveis para um aparelho pessoal de comunicação de
cobertura universal, aguardando apenas a resolução de inúmeras questões técni-
cas, jurídicas e administrativas para chegar «o mercado. Cada grande avanço em
um campo tecnológico específico amplifica os efeitos das tecnologias da infor-
mação conexas. A convergência de todas essas tecnologias eletrônicas no campo
da comunicação interativa levou à criação da Internet, talvez o mais revolucioná-
rio meio tecnológico da Era da Informação.
A criação da Internet
A criação e o desenvolvimento da Internet nas três últimas décadas do sé-
culo XX foram consequência de uma fusão singular de estratégia militar, grande
cooperação científica, iniciativa tecnológica e inovação contracultural.” A Inter-
net teve origem no trabalho de uma das mais inovadoras instituições de pesquisa
do mundo: a Agência de Projetos de Pesquisa Avançada (ARPA) do Departamen-
to de Defesa dos EUA. Quando o lançamento do primeiro Sputnik, em fins da
década de 1950, assustou os centros de alta tecnologia estadunidenses, a ARPA
empreendeu inúmeras iniciativas ousadas, algumas das quais mudaram a história
da tecnologia e anunciaram a chegada da Era da Informação em grande escala.
Uma dessas estratégias, que desenvolvia um conceito criado por Paul Baran na
Rand Corporation em 1960-4, foi criar um sistema de comunicação invulnerável
a ataques nucleares, Com base na tecnologia de comunicação da troca de pacotes,
o sistema tornava a rede independente de centros de comando e controle, para
que a mensagem procurasse suas próprias rotas ao longo da rede, sendo remonta-
da para voltar a ter sentido coerente em qualquer ponto da rede.
Quando, mais tarde, a tecnologia digital permitiu o empacotamento de to-
dos os tipos de mensagens, inclusive de som, imagens e dados, criou-se uma rede
que era capaz de comunicar seus nós sem usar centros de controles. A universali-
dade da linguagem digital e a pura lógica das redes do sistema de comunicação
geraram as condições tecnológicas para a comunicação global horizontal.
A primeira rede de computadores, que se chamava ARPANET -— em home-
nagem a seu poderoso patrocinador — entrou em funcionamento em 1º de setem-
A revolução da tecnologia da informação 83
bro de 1969, com seus quatro primeiros nós na Universidade da Califórnia em Los
Angeles, no Stanford Rescarch Institute, na Universidade da Califórnia em Santa
Bárbara e na Universidade de Utah. Estava aberta aos centros de pesquisa que
colaboravam com o Departamento de Defesa dos EUA, mas os cientistas começa-
ram a usá-la para suas próprias comunicações, chegando a criar uma rede de
mensagens entre entusiastas de ficção científica.
A certa altura tornou-se difícil separar a pesquisa voltada para fins milita-
res das comunicações científicas e das conversas pessoais. Assim, permitiu-se o
acesso à rede de cientistas de todas as disciplinas e, em 1983, houve a divisão
entre ARPANET, dedicada a fins científicos, e a MILNET, orientada diretamente
às aplicações militares. A National Science Foundation também se envolveu na
década de 1980 na criação de outra rede científica, a CSNET, e — em colabora-
ção com a IBM — de mais uma rede para acadêmicos não-científicos, a BITNET.
Contudo, todas as redes usavam a ARPANET como espinha dorsal do sistema de
comunicação. A rede das redes que se formou durante a década de 1980 chama-
va-se ARPA-INTERNET, depois passou a chamar-se INTERNET, ainda susten-
tada pelo Departamento de Defesa e operada pela National Science Foundation.
Tendo-se tornado tecnologicamente obsoleta depois de mais de vinte anos
de serviços, a ARPANET encerrou as atividades em 28 de fevereiro de 1990. Em
seguida, a NSFNET, operada pela National Science Foundation, assumiu o posto
de espinha dorsal da Internet. Contudo, as pressões comerciais, o crescimento de
redes de empresas privadas e de redes cooperativas sem fins lucrativos levaram
ao encerramento dessa última espinha dorsal operada pelo governo em abril de
1995, prenunciando a privatização total da Internet, quando inúmeras ramifica-
ções comerciais das redes regionais da NSF uniram forças para formar acordos
colaborativos entre redes privadas.
Uma vez privatizada, a Internet não contava com nenhuma autoridade
supervisora. Diversas instituições e mecanismos improvisados, criados durante
todo o desenvolvimento da Intemet, assumiram alguma responsabilidade infor-
mal pela coordenação das configurações técnicas e pela corretagem de contratos
de atribuição de endereços da Internet.
Em janeiro de 1992, numa iniciativa da National Science Foundation, foi
outorgada à Internet Society, instituição sem fins lucrativos, a responsabilidade
sobre as organizações coordenadoras já existentes, a Internet Activities Board c a
Internet Engineering Task Force. Internacionalmente, a função principal de coor-
denação continuam sendo os acordos multilaterais de atribuição de endereços de
domínios no mundo inteiro, assunto bem polêmico.” Apesar da criação, em 1998,
de uma novo órgão regulador com sede nos EUA (TANA/ICANN), em 1999 não
84 A revolução da tecnologia da informação
existia nenhuma autoridade clara e indiscutível sobre a Internet, tanto nos EUA
quanto no resto do mundo — sinal das características anarquistas do novo meio
de comunicação, tanto tecnológica quanto culturalmente.
Para que a rede pudesse sustentar o crescimento exponencial no volume de
comunicações, era preciso aprimorar a tecnologia de transmissão. Na década de
1970, a ARPANET usava links de 56.000 bits por segundo. Em 1987, as linhas da
rede transmitiam 1,5 milhão de bits por segundo. Por volta de 1992, a NSFNET,
espinha dorsal da Internet, operava com a velocidade de transmissão de 45 mi-
lhões de bits por segundo, capacidade suficiente para enviar 5.000 mensagens
por segundo. Em 1995, a tecnologia de transmissão em gigabits estava no estágio
prototípico, com capacidade equivalente à transmissão da Biblioteca do Con-
egresso dos EUA em um minuto.
Contudo, a capacidade de transmissão não era suficiente para instituir uma
teia mundial de comunicação. Era preciso que os computadores estivessem capa-
citados a conversar uns com os outros, O primeiro passo nessa direção foi a cria-
ção de um protocolo de comunicação que todos os tipos de redes pudessem usar
— tarefa praticamente impossível no início da década de 1970.
Em meados de 1973, Vinton Cerf e Robert Kahn, cientistas da computação
que faziam pesquisa na ARPA, criaram a arquitetura fundamental da Internet,
desenvolvendo um trabalho com o fim de criar um protocolo de comunicação
realizado por Kahn em sua empresa de pesquisas, a BBN, Convocaram uma reu-
nião em Stanford, à qual compareceram pesquisadores da ARPA e de diversas
universidades e centros de pesquisa — entre eles o PARC/Xerox, onde Robert
Metcalfe estava trabalhando na tecnologia da comunicação de pacotes que leva-
ria à criação das redes de área local (LAN). A cooperação tecnológica também
contava com vários grupos europeus, em especial os dos pesquisadores franceses
associados ao programa Cyclades.
Fundamentando-se no seminário de Stanford, Cerf, Metcalfe e Gerard Lelann
tda Cyclades) especificaram um protocolo de transmissão que seria compatível
com os pedidos de vários pesquisadores e das diversas redes existentes,
Em !978, Cerf, Poste] (da UCLA) e Cohen (da USC) dividiram o protocolo
em duas partes: servidor-a-scrvidor (TCP) e protocolo inter-redes (IP), O proto-
colo TCP/IP resultante tornou-se o padrão de comunicação entre computadores
nos EUA em 1980, Sua flexibilidade permitia a adoção de uma estrutura de ca-
madas múltiplas de links entre redes de computadores, o que demonstrou sua
capacidade de adaptar-se a vários sistemas de comunicação e a uma diversidade
de códigos.
Em 1980, quando as concessionárias de telecomunições, em especial as da
Europa, impuseram outro protocolo de comunicação (o x.25) como padrão inter-
A revolução da tecnologia da informação 85
nacional, o mundo aproximou-se bastante de se dividir em redes não-comunicá-
veis. Não obstante, a capacidade do TCPAP de adaptar-se à diversidade acabou
por prevalecer.
Com algumas adaptações (atribuir x.25 e TCP/IP a diversas camadas da
rede de comunicações e, depois, definir links entre as camadas, e tornar comple-
mentares os dois protocolos), o TCP/IP conseguiu conquistar aceitação como
padrão mais comum de protocolos de comunicação entre computadores. Desde
então, os computadores estavam capacitados a decodificar entre si os pacotes de
dados que trafegavam em alta velocidade pela Internet.
Ainda era necessário mais uma convergência tecnológica para que os com-
putadores se comunicassem: a adaptação do TCP/IP ao UNIX, um sistema opera-
cional que viabilizava o acesso de um computador a outro.
O sistema UNIX foi inventado por Bel! Laboratories em 1969, mas só pas-
sou a ser amplamente usado depois de 1983, quando os pesquisadores de Berkeley
(também financiados pela ARPA) adaptaram o protocolo TCP/IP ao UNIX.
Já que anova versão do UNIX foi financiada por verba pública, o software
tornou-se disponível só pelo preço de distribuição. O sistema de comunicação em
rede nasceu em ampla escala na forma de redes de área local e redes regionais
ligadas umas às outras, e começou a espalhar-se por toda parte onde houvesse
linhas telefônicas e os computadores estivessem equipados com modems,
equipamente de preço bastante baixo.
Por trás do desenvolvimento da Internet havia redes científicas, institucio-
nais e pessoais que transcendiam o Departamento de Defesa, a National Science
Foundation, grandes universidades de pesquisa (em especial MIT, UCLA,
Stanford, University of Southern California, Harvard, Universidade da Califórnia
em Santa Bárbara e Universidade da Califómia em Berkeley), e grupos de pes-
guisa especializados em tecnologia, tais como o Lincoln Laboratory do MIT, o
SRI (antigo Stanford Research Institute), Palo Alto Research Corporation (finan-
ciado pela Xerox), Bel! Laboratories da ATT, Rand Corporation e BBN (Bolt,
Beranek & Newman).
Os principais agentes tecnológicos nas décadas de 1960 e 1970 eram, entre
outros, J. C. R. Licklider, Paul Baran, Douglas Engelbart (o inventor do mouse),
Robert Taylor, Ivan Sutherland, Lawrence Roberts, Alex McKenzie, Robert Kahn,
Alan Kay, Robert Thomas, Robert Metcalfe e um brilhante teórico da ciência da
computação, Leonard Kleinrock, e seu séquito de alunos excclentes da pós-gra-
duação da UCLA, que se tornariam algumas das cabeças fundamentais no proje-
to e no desenvolvimento da Internet: Vinton Cerf, Stephen Crocker, Jon Postel,
entre outros.
86 A revolução da tecnologia da informação
Muitos desses cientistas da computação movimentavam-se entre essas ins-
tituições, criando um ambiente de inovações, cujas metas e cuja dinâmica se
tornaram praticamente autônomas com relação à estratégia militar ou às cone-
xões com supercomputadores. Eram cruzados tecnológicos, convictos de que es-
tavam modificando o mundo, como acabaram mesmo fazendo.
Muitas das aplicações da Internet tiveram origem em invenções inespera-
das de seus usuários pioneiros, e levaram a costumes e a uma trajetória tecnológi-
ca que se tornariam características essenciais da Internet. Assim, nos primeiros
estágios da ARPANET, a argumentação em defesa das conexões entre computa-
dores era a possibilidade da partilha de tempo por meio da computação remota
pois assim os recursos esparsos dos computadores poderiam ser totalmente util
zados em rede, Não obstante, a maioria dos usuários não precisava de tanta po-
tência computacional, ou não estava disposta a reprogramar seus sistemas segun-
do os requisitos de comunicações. Porém o que realmente provocou muito entu-
siasmo foi a comunicação via correio eletrônico entre os participantes da rede —
aplicativo criado por Ray Tomtinson na BBN que continua sendo o uso mais
popular da comunicação entre computadores em todo o mundo,
Mas esse é apenas um lado da história. Em paralelo com o trabalho do
Pentágono e dos grandes cientistas de criar uma rede universal de computadores
com acesso público, dentro de normas de “uso aceitável”, surgiu nos Estados
Unidos uma contracultura de crescimento descontrolado, quase sempre de asso-
ciação intelectual com os efeitos secundários dos movimentos da década de 1960
em sua versão mais libertária/utópica. O modem, elemento importante do siste-
ma, foi uma das descobertas tecnológicas que surgiu dos pioneiros dessa contra-
cultura, originalmente batizada de “the hackers”, antes da conotação maligna
que 0 termo veio a assumir. O modem para PCs foi inventado por dois estudantes
de Chicago, Ward Christensen e Randy Suess, em 1978, quando estavam tentan-
do descobrir um sistema para transferir programas entre microcomputadores via
telefone para não serem obrigados a percorrer longos trajetos no inverno de Chi-
cago.
Em 1979, divulgaram o protocolo XModem, que permitia a transferência
direta de arquivos entre computadores, sem passar por um sistema principal. E
divulgaram a tecnologia gratuitamente, pois sua finalidade era espalhar o máxi-
mo possível a capacidade de comunicação. As redes de computadores que não
pertenciam à ARPANET (em seus primeiros estágios reservada às universidades
científicas de elite) descobriram um meio de começar a se comunicar entre si por
conta própria. Em 1979, três alunos da Duke University c da Universidade de
Carolina do Norte, inclusas na ARPANET, criaram uma versão modificada
A revolução da tecnologia da informação 87
do protocolo UNIX que possibilitava a interligação de computadores via linha
telefônica comum. Usaram-na para criar um fórum on-line de conversas sobre
informática, a Usenet, que logo se tornou um dos primeiros sistemas de conver-
sas eletrônicas em larga escala. Os inventores da Usenet News também divulga-
vam gratuitamente seu software num folheto distribuído nos congressos de usuá-
rios de UNIX.
Em 1983, Tom Jennings criou um sistema para a publicação de quadros de
avisos em PCs, por intermédio da instalação de um modem e de um software
especial que permitia aos computadores se comunicarem com um PC equipado
com essa tecnologia de interface. Essa foi a origem de uma das redes mais origi-
nais, de base, a Fidonet, que em 1990 já conectava 2.500 computadores nos EUA.
Por ser barata, aberta e cooperativa, a Fidonet teve êxito principalmente nos paí-
ses pobres, como a Rússia, em especial entre grupos da contracultura,” até que
suas limitações tecnológicas e a expansão da Internet levaram a maioria de seus
usuários para a teia mundial compartilhada. Os sistemas de conferências, como o
Well da área da baía de San Francisco, reuniram os usuários de computador em
redes de afinidades.
Ironicamente, esse método da contracultura de usar a tecnologia teve con-
segiências semelhantes na estratégia de inspiração militar das redes horizontais:
viabilizou os meios tecnológicos para qualquer pessoa com conhecimentos
tecnológicos e um PC, o que logo iniciou uma progressão espetacular de força
cada vez maior e preços cada vez mais baixos ao mesmo tempo. O advento da
computação pessoal e a comunicabilidade das redes incentivou a criação dos
sistemas de quadros de avisos (bulletin board systems — BBS), primeiro nos
Estados Unidos e depois no mundo inteiro. Os BBS não precisavam das redes
sofisticadas de computadores, só de PCs, modems e linha telefônica. Assim, tor-
naram-se os fóruns eletrônicos de todos os tipos de interesses e afinidades, crian-
do o que Howard Rheingol chamava de “comunidades virtuais? Em fins da
década de 1980, alguns milhões de usuários de computador já estavam usando as
comunicações computadorizadas em redes cooperativas ou comerciais que não
faziam parte da Internet. Em geral, essas redes usavam protocolos que não eram
compatíveis entre si, portanto adotaram os protocolos da Internet, mudança que,
na década de 1990, garantiu sua integração com a Internet e, assim, a expansão da
própria Internet.
Contudo, por volta de 1990 os não-iniciados ainda tinham dificuldade para
usar a Internet. A capacidade de transmissão de gráficos era muito limitada, e era
dificílimo localizar e receber informações. Um novo salto tecnológico permitiu a
difusão da Internet na sociedade em geral: a criação de um novo aplicativo, a teia
2 A revolução da tcenologia da informação
propriamente dita nasceu na década de 1970, principalmente se nela incluirmos o
surgimento e a difusão paralela da engenharia genética mais ou menos nas mes-
mas datas e locais, fato que merece, no mínimo, algumas linhas.
Tecnologias da vida
Embora a biotecnologia possa remontar a tabuletas de anotações babilônicas
de 6000 a.C. sobre fermentação, e a revolução em microbiologia tenha ocorrido
em 1953 com a descoberta científica da estrutura básica da vida, a hélice dupia de
DNA, por Francis Crick e James Watson na Universidade de Cambridge, foi
somente no início da década de 1970 que a combinação genética e a recombinação
do DNA, base tecnológica da engenharia genética, possibilitaram a aplicação de
conhecimentos cumulativos. Stanley Cohen, da Universidade de Stanford, e
Herbert Boyer da Universidade da Califórnia, em São Francisco, são considera-
dos os descobridores do método de clonagem genética em 1973, apesar de seu
trabalho ter sido baseado na pesquisa de Paul Berg, de Stanford, ganhador do
Prêmio Nobel. Em 1975, pesquisadores de Harvard isolaram o primeiro gene de
mamíferos, a partir da hemoglobina de coelho, e, em 1977, o primeiro gene bu-
mano foi clonado.
Daí para frente, houve uma corrida para a abertura de empresas comerciais,
no geral subsidiárias de grandes universidades e centros hospitalares de pesquisa,
concentrando-se no norte da Califórnia, Nova Inglaterra, Maryland, Virginia,
Carolina do Norte, e San Diego. Jornalistas, investidores e ativistas sociais sofre-
tam diferentes impactos ante as bizarras possibilidades abertas pela capacidade
potencial de manipulação da vida, inclusive da vida humana. A Genentech no sul
de São Francisco, a Cetus em Berkeley e a Biogen em Cambridge, Massachusetts,
organizadas com a participação central de vencedores do Prêmio Nobel, foram
algumas das primeiras empresas a usar as novas tecnologias genéticas para apli-
cações na medicina. Logo depois veio a agroindústria; e os microorganismos,
alguns dos quais alterados geneticamente, foram recebendo uma série de fun-
ções, que incluíram limpar a poluição muitas vezes causada pelas mesmas em-
presas e órgãos que vendiam os superorganismos. Porém dificuldades científicas,
problemas técnicos e obstáculos legais, oriundos de justificadas preocupações
éticas e de segurança, retardaram a louvada revolução biotecnológica durante a
década de 1980. Um considerável valor em investimentos de capital de risco foi
perdido, e algumas das empresas mais inovadoras, inclusive a Genentech, foram
absorvidas por gigantes farmacêuticos (Hofman-La Roche, Merck) que, melhor
A revolução da tecnologia da informação 93
que qualquer um, entenderam que não poderiam repetir a onerosa arrogância
demonstrada petas empresas estabelecidas de informática em relação às iniciati-
vas inovadoras: adquirir empresas pequenas e inovadoras, juntamente com os
préstimos de seus cientistas, tornou-se a principal política de segurança para
multinacionais farmacêuticas e químicas, tanto para absorver os benefícios co-
merciais da revolução biológica como para controlar seu desenvolvimento. Se-
guiu-se uma desaceleração do ritmo, pelo menos, na difusão das aplicações.
Porém, no final da década de 1980 e durante os anos 90, um grande impulso
científico e uma nova geração de cientistas ousados e empreendedores revitaliza-
ram a biotecnologia com um enfoque decisivo em engenharia genética, a tecnolo-
gia verdadeiramente revolucionária nesse campo. A clonagem genética entrou
em um novo estágio quando, em 1988, Harvard patenteou um rato produzido pela
engenharia genética, tirando, assim, os direitos autorais de vida das mãos de Deus
e da Natureza. Nos sete anos seguintes, mais sete ratos também foram patentea-
dos como formas de vida recém-criadas e identificados como propriedade de
seus engenheiros. Em agosto de 1989, pesquisadores da Universidade de Michigan
£ Toronto descobriram o gene responsável pela fibrose cística, abrindo o cami-
nho para a terapia genética.
Em fevereiro de 1997, Wilmut e seus colaboradores do Roslin Institute em
Edimburgo anunciaram a clonagem de uma ovelha, a que deram o nome de Dolly,
realizada com o DNA de uma ovelha adulta, Em julho de 1998 a revista Nature
publicou as descobertas de uma experiência possivelmente ainda mais importan-
te: a pesquisa feita por dois biólogos da Universidade do Havaí, Yanagimachi e
Wakayama, que realizaram a clonagem em massa de 22 camundongos, entre eles
sete clones de clones, provando assim a possibilidade da produção sequencial de
clones, em condições mais difíceis do que as da clonagem de ovelhas, pois os
embriões de camundongos têm desenvolvimento muito mais rápido do que os de
ovelhas. Também em 1998, os cientistas da Portland State University consegui-
ram clonar macacos adultos, embora sem conseguir reproduzir as condições da
experiência.
Apesar de todo o sensacionalismo dos meios de comunicação — e das his-
tórias de terror — a clonagem humana não está nos planos de ninguém e, falando
de maneira mais estrita, é, de fato, fisicamente impossível, pois os seres vivos
formam sua personalidade e seu organismo em interação com o meio ambiente.
A clonagem animal é economicamente ineficaz, pois, se praticada em massa,
faria surgir a possibilidade de destruição total de todo o rebanho no caso de uma
infecção — já que todos os animais de determinado tipo seriam vulneráveis ao
mesmo agente letal. Surgem, porém, outras impossibilidades, em especial na pes-
94 A revolução da tecnologia da informação
quisa médica: a clonagem de órgãos humanos, e a clonagem em larga escala de
animais criados pela engenharia genética para fins de experiências, e para a subs-
tituição de órgãos humanos. Ademais, em vez de substituir órgãos por meio de
transplantes, as novas pesquisas biológicas, com potentes aplicações médicas e
comerciais, visam induzir capacidades auto-regeneradores em seres humanos.
Uma pesquisa de possíveis aplicações em andamento em fins da década de 1990
revelou os seguintes projetos, todos com estimativa de estar em operação entre os
anos 2000 e 2010, todos relacionados com a indução de auto-regeneração ou
crescimento de órgãos, tecidos ou ossos no corpo humano por meio de manipula-
ção biológica: bexiga, projeto da empresa Reprogenesis; aparelho urinário, da
Integra Life Sciences; ossos do maxilar, da Osiris Therapeutics; células produto-
ras de insulina, em substituição da função do pâncreas, da BioHybrid Technologies;
cartilagem, da ReGen Biologics; dentes, de uma série de empresas; nervos da
medula, da Acorda; seios de cartilagem, da Reprogenesis; um coração humano
completo, oriundo de proteínas geneticamente manipuladas já testado como ça-
paz de produzir vasos sangúíneos, da Genentech; e regeneração do fígado, com
base em tecidos nos quais são plantadas células hepáticas, da Human Organ
Sciences,
O limite mais decisivo da pesquisa biológica e de suas aplicações é a tera-
pia genética e a profilaxia genética em larga escala. Por trás desse progresso em
potencial está o trabalho iniciado em 1990 pelo governo dos EUA de patrocinar e
custear, em 1990, um programa de 15 anos de cooperação no valor de US$ 3
bilhões, coordenado por James Watson, reunindo alguns dos mais avançados gru-
pos de pesquisa em microbiologia para mapear o genoma humano, isto é, para
identificar e catalogar entre 60 mil e 80 mil genes que compõem o alfabeto da
espécie humana. Esperava-se que o mapa estivesse pronto em 2001, antecipa-
damente. Em abril de 2000, as equipes da Universidade da Califórnia reunidas
num centro de pesquisas em Walnut Creek concluíram a segiiência de três dos 23
cromossomos humanos. Mediante esse e outros esforços, um fluxo contínuo de
genes humanos relacionados a várias doenças estão sendo identificados. Esse
trabalho despertou reservas e críticas generalizadas nos campos da ética, da reli-
gião e do direito.
Todavia, enquanto cientistas, juristas e estudiosos de ética debatem as con-
segiiências humanistas da engenharia genética, alguns pesquisadores transforma-
dos em empresários estão se apressando e estabelecendo mecanismos para o con-
trole legal e financeiro do genoma humano. A tentativa mais ousada nesse senti-
do foi o projeto iniciado em 1990, em Rockville, Maryland, por dois cientistas, J.
Craig Venter e William Haseltine, respectivamente, do Instituto Nacional da Saú-
A revolução da tecnologia da informação 95
de c de Harvard, na época. Usando a potência de supercomputadores, apenas em
cinco anos eles determinaram a segúência de porções de aproximadamente 85%
de todos os genes humanos, criando uma base de dados genéticos gigantesca.
Mais tarde, separaram-se e criaram duas empresas. Uma dessas empresas, a Celera
Genomics de Venter, competia com o Projeto Genoma Humano para concluir a
segiiência no ano 2000. O problema é que ambos não sabem — e não saberão por
um longo tempo — qual a função de cada porção genética ou onde ela está loca-
lizada: a base de dados engloba centenas de milhares de fragmentos genéticos
com funções desconhecidas. Então, de que adianta tudo isso? Por um lado, as
pesquisas enfocadas em genes específicos podem beneficiar-se (e, de fato, bene-
ficiam-se) da utilização dos dados contidos nessas sequências. Mas, o que é mais
importante e a principal razão do projeto, Craig c Haseltine estão tratando de
patentear todos os seus dados de forma gue, literalmente, algum dia eles poderão
deter os direitos legais de uma grande quantidade de conhecimentos para a mani-
pulação do genoma humano. À ameaça representada por esse avanço foi séria o
suficiente para que — ao mesmo tempo em que atraiu dezenas de milhões de
dólares de investidores — a Merck, importante empresa farmacêutica, concedes-
se, em 1994, fundos substanciais à Universidade de Washington para prosseguir
com a mesma segiência cega e publicar os dados. O objetivo foi impossibilitar
qualquer controle privado sobre parcelas de conhecimentos que possam bloquear
o desenvolvimento de produtos baseados em um futuro entendimento sistemático
do genoma humano. E o Projeto Genoma Humano, mantido por verbas públicas,
publicou seus resultados para evitar a propriedade privada dos conhecimentos
genéticos.
Para o sociólogo, essas batalhas comerciais não representam apenas mais
um exemplo da ambição humana. Elas sinalizam um ritmo acelerado na difusão e
no aprofundamento da revolução genética.
O progresso da engenharia genética cria a possibilidade de ação com os
genes, tornando a espécie humana capaz. não apenas de controlar algumas doen-
ças, mas de identificar predisposições biológicas e nelas intervir, portanto alte-
rando potencialmente o destino genético.
Na década de 1990, os cientistas já sabiam identificar defeitos precisos em
genes humanos específicos como fontes de diversas doenças. Isso propiciou a
expansão do campo obviamente mais promissor da pesquisa médica, a terapia
genética.“ Mas os pesquisadores experimentais chegaram a um beco sem saída:
como colocar um gene modificado com instruções para corrigir o gene defeituo-
so no lugar correto do corpo, mesmo quando sabiam onde estava o alvo. Em
geral, os investigadores usavam vírus, ou cromossomos artificiais, mas o índice
96 A revolução da tecnologia da informação
de êxito era baixíssimo. Assim, os pesquisadores médicos começaram a experi-
mentar outras ferramentas, como os minúsculos glóbulos de gordura criados para
transportar agentes supressores de tumores diretamente aos tumores cancerosos,
tecnologia usada por empresas como a Valentis e Transgene, Alguns biólogos
acham que essa mentalidade de engenharia (um alvo, um mensageiro, um impac-
to) não leva em consideração a complexidade da interação biológica, com os
organismos vivos se adaptando a vários ambientes e alterando seu comportamen-
to previsto.*!
Se e quando a terapia genética começar a produzir resultados, a meta pri-
mordial da terapia médica genética é a prevenção; isto é, identificar defeitos ge-
néticos no espermatozóide e nos óvulos humanos e agir como transportadores
humanos, antes que apresentem a doença programada, eliminando im a defi-
ciência genética da mãe e do filho, enquanto ainda é tempo. Naturalmente e:
perspectiva é tão promissora quanto perigosa.
Lyon e Gomer concluem sua pesquisa bem equilibrada sobre os desenvol-
vimentos da engenharia genética humana com uma previsão e uma advertência:
Em algumas gerações, poderíamos banir certas doenças mentais, diabetes,
hipertensão ou quase qualquer outra enfermidade. Não devemos nos esque-
cer de que a qualidade das decisões tomadas dirá se as escolhas a serem
feitas serão sábias e justas... O modo um tanto inglório pelo qual os cientistas
e a elite dominante estão tratando os primeiros frutos da terapia genética é
ominoso. Nós, humanos, atingimos um tal ponto de desenvolvimento inte-
lectual que, relativamente logo, conseguiremos compreender a composição,
função e dinâmica do genoma na maior parte de sua complexidade intimidante.
Emocionalmente, porém, ainda somos primatas, com toda a bagagem
comportamental pertinente. Talvez a melhor forma de terapia genética para
nossa espécie fosse superar nossa herança inferior c aprender a aplicar os
novos conhecimentos sábia c benignamente.?
Todas as indicações apontam para uma explosão de aplicações na virada do
milênio, que desencadeará um debate fundamental na fronteira, atualmente obs-
cura, entre a natureza e a sociedade.
O contexto social e a dinâmica da transformação tecnológica
Por que as descobertas das novas tecnologias da informação concentraram-
se em um só lugar nos anos 70 e, sobretudo, nos Estados Unidos? E quais são as
A revolução da tecnologia da informação 97
consegiiências dessa concentração em determinado tempo e lugar para O
desenvolvimento futuro das novas tecnologias e sua interação com as sociedades?
Seria tentador relacionar a formação desse paradigma tecnológico diretamente i
características de seu contexto social, em particular, se relembrarmos que, em
meados da década de 1970, os EUA e o mundo capitalista foram sacudidos por
uma grande crise econômica, exemplificada (mas não causada) pela crise do
petróleo, em 1973-74. Essa motivou uma reestruturação drástica do sistema
capitalista em escala global e, sem dúvida, induziu um novo modelo de acumulação
em descontinuidade histórica com o capitalismo pós-Segunda Guerra Mundial,
conforme propus no prólogo desta obra. O novo paradigma tecnológico foi uma
resposta do sistema capitalista para superar suas contradições internas? Ou,
altenativamente, terá sido uma forma de assegurar a superioridade militar sobre
os rivais soviéticos, em resposta a seu desafio tecnológico na corrida espacial e
nuclear? Nenhuma das explicações parece ser convincente. Embora haja coin-
cidência histórica entre a concentração de novas tecnologias e a crise econômica
da década de 1970, sua sincronia foi muito próxima, e o “ajuste tecnológico”
teria sido demasiadamente rápido e mecânico quando comparado ao que
aprendemos com as lições da revolução industrial e de outros processos históricos
de transformação tecnológica: os caminhos seguidos pela indústria, economia e
tecnologia são, apesar de relacionados, lentos e de interação descompassada.
Quanto ao argumento militar, o choque causado pelo Sputnik (entre 1957-60) foi
respondido em espécie pela explosão tecnológica dos anos 60, não dos 70; e o
novo e importante impulso da tecnologia militar norte-americana foi dado em
1983 com o programa “Guerra nas Estrelas”, que, na verdade, utilizava e expandia
as tecnologias da prodigiosa década anterior. E embora a Intemet tenha tido origem
nas pesquisas patrocinadas pelo Departamento de Defesa, só muito mais tarde
veio a ser de fato usada em aplicações militare:
começou a se difundir em redes da contracultura.
De fato, parece que o surgimento de um novo sistema tecnológico na dé-
cada de 1970 deve ser atribuída à dinâmica autônoma da descoberta e difusão
tecnológica, inclusive aos efeitos sinérgicos entre todas as várias principais tecno-
logias. Assim, o microprocessador possibilitou o microcomputador; os avanços
em telecomunicações, mencionados anteriormente, possibilitaram que os micro-
computadores funcionassem em rede, aumentando assim seu poder e flexibilida-
de. As aplicações dessas tecnologias na indústria eletrônica ampliaram o poten-
cial das novas tecnologias de fabricação e design na produção de semicondutores.
Novos sofiwares foram estimulados pelo crescente mercado de microcomputa-
dores que, por sua vez, explodiu com base nas novas aplicações e tecnologias de
; mais ou menos na mesma época
t02 A revolução da tecnologia da informação
Conforme já expliquei em outro livro, outro fator importante da forma-
ção do Vale do Silício foi a existência de uma rede de empresas de capital de
risco desde o início.” O fator importante é que muitos dos primeiros investido-
res eram oriundos do ramo da eletrônica e tinham, portanto, conhecimentos acer-
ca dos projetos tecnológicos e empresariais em que apostavam. Gene Kleinert,
por exemplo, de uma das mais importantes empresas de capital de risco da dé-
cada de 1960, a Kleinert, Perkins, and Partners, era um dos Oito da Fairchild,
Em 1988, estimava-se que “o capital de risco representava cerca de metade dos
investimentos em novos produtos e serviços associados ao ramo da informática e
da comunicação”.
Processo semelhante ocorreu no desenvolvimento dos microcomputadores,
que introduziram uma linha divisória histórica no uso da tecnologia da informa-
ção.º Em meados dos anos 70, o Vale do Silício havia atraído dezenas de milha-
res de mentes jovens e brilhantes de todas as partes do mundo, marchando para a
agitação da nova meca tecnológica em busca do talismã da invenção e da fortuna.
Reuniam-se em clubes para a troca de idéias e informações sobre os avanços
mais recentes. Um desses pontos de encontro era o Home Brew Computer Club,
cujos jovens visionários (inclusive Bill Gates, Steve Jobs e Steve Wozniak) se-
guiriam adiante para criar aproximadamente 22 empresas nos anos seguintes
entre elas Microsoft, Apple, Comenco e North Stur. Foi no clube, lendo um artigo
da Popular Electronics sobre a máquina Altair, de Ed Roberts, que Wozniak se
inspirou para projetar o microcomputador Apple I, na sua garagem em Menlo
Park, no verão de 1976. Steve Jobs percebeu o potencial e, juntos, eles fundaram
a Apple, com um empréstimo no valor de US$ 91 mil de um executivo da Intel
Mike Markkula, que entrou como sócio. Aproximadamente na mesma época,
Bill Gates fundou a Microsoft para fornecer sistemas operacionais a microcom.
putadores, embora tenha estabelecido sua empresa em Seattle, em 1978, para
beneficiar-se dos contatos sociais de sua família. , ,
Uma história muito parecida poderia ser contada a respeito do desenvolvi-
mento da engenharia genética, com cientistas destacados das universidades de
Stanford, São Francisco e Berkeley migrando para empresas localizadas, a prin-
cípio, na área da Baía de São Francisco. Também passariam por processos fre-
quentes de cisão parcial, mantendo vínculos com cada alma mater Acontece-
ram Processos muito semelhantes em Boston/Cambridge ao redor de Harvard-
MIT, no triângulo da pesquisa em torno das universidades de Duke e da Carolina
do Norte e, ainda mais importante, em Maryland em torno dos principais hospi-
tais, dos institutos nacionais de pesquisa sobre saúde e da Universidade John
Hopkins.
A revolução da tecnologia da informação 103
A conclusão a se tirar dessas histórias interessantes tem dois aspectos: o
desenvolvimento da revolução da tecnologia da informação contribuiu para a
formação dos meios de inovação onde as descobertas e as aplicações interagiam
e eram testadas em um repetido processo de tentativa e erro: aprendia-se fazendo.
Esses ambientes exigiam (e no início do século XXI ainda exigem, apesar da
atuação on-line) a concentração espacial de centros de pesquisa, instituições de
educação superior, empresas de tecnologia avançada, uma rede auxiliar de fome-
cedores, provendo bens e serviços e redes de empresas com capital de risco para
financiar novos empreendimentos. Em segundo lugar, uma vez que um meio es-
teja consolidado, como o Vale do Silício na década de 1970, ele tende a gerar sua
própria dinâmica e a atrair conhecimentos, investimentos e talentos de todas as
partes do mundo. Na verdade, nos anos 90, o Vale do Silício teve a vantagem da
proliferação de empresas japonesas, taiwanesas, coreanas, indianas e européias,
e da chegada de milhares de engenheiros e especialistas em computação, princi-
palmente da Índia e da China, para os quais uma presença ativa no Vale do Silício
é a conexão mais produtiva às fontes de novas tecnologias e informações comer-
ciais valiosas.” Além disso, devido ao seu posicionamento nas redes de inovação
tecnológica, e também a sua interpretação empresarial implícita das regras da
nova economia da informática, a área da Baía de São Francisco tem sido capaz de
aderir a cada novo desenvolvimento. Na década de 1990, quando a Internet foi
privatizada e se tornou tecnologia comercial, o Vale do Silício também conseguiu
capturar o novo ramo de atividades. As principais empresas de equipamentos
para a Internet (como a Cisco Systems), empresas de implantação redes de com-
putadores (como a Sun Microsystems), empresas de software (como a Oracle), e
portais da Internet (como o Yahoo!) começaram no Vale do Silício.” Ademais, a
maioria das empresas novatas da Internet que inauguraram o e-commerce e revo-
lucionaram o comércio (como a Ebay), também estavam agrupadas no Vale do
Silício. O surgimento da multimídia em meados da década de 1970 criou cone-
xões comerciais e tecnológicas entre as capacidades de projetos para computado-
res das empresas do Vale do Silício e os estúdios de produção de imagens em
Hollywood, logo apelidados de indústria “Siliwood”. E em um canto obscuro de
São Francisco (South of Market), artistas, projetistas gráficos e “desenvolvedores”
de software reuniam-se na chamada “Sarjeta da Multimídia” que ameaça inundar
nossos lares com imagens criadas em suas mentes exaltadas — ao mesmo tempo
criando o mais dinâmico centro de projetos multimídia do mundo.”
Será que esse padrão social, cultural e espacial de inovação pode ser esten-
dido para o mundo inteiro? Para responder essa pergunta, em 1988, meu colega
Peter Halie eu iniciamos uma viagemde vários anos ao redor do mundo para visitar
104 A revolução da tecnologia da informação
e analisar alguns dos principais centros tecnológicos/científicos do planeta, da
Califórnia ao Japão, da Nova Inglaterra à Velha Inglaterra, de Paris-Sud a Hsincha-
Tailândia, de Sofia-Antipolis a Akademgorodok, de Szelenograd a Daeduck, de
Munique a Seul. Nossas conclusões” confirmam o papel decisivo desempenhado
pelos meios de inovação no desenvolvimento da revolução da tecnologia da infor-
mação : concentração de conhecimentos científicos/tecnológicos, instituições,
empresas e mão-de-obra qualificada são as forjas da inovação da Era da Informa-
ção. Porém, esses meios não precisam reproduzir o padrão cultural, espacial, ins-
titucional e industria! do Vale do Silício ou de outros centros norte-americanos de
inovação tecnológica, como o Sul da Califórnia, Boston, Seattle ou Austin.
Nossa descoberta mais surpreendente é que as maiores áreas metropolita-
nas antigas do mundo industrializado são os principais centros de inovação e
produção de tecnologia da informação, fora dos EUA. Na Europa, Paris-Sud cons-
titui a maior concentração de produção de alta tecnologia e pesquisa, e o corredor
M4 de Londres ainda é a localidade mais preeminente em eletrônica da Grã-
Bretanha, em continvidade histórica com as fábricas de materiais bélicos a servi-
ço da Coroa desde o século XIX. É claro que a conquista da superioridade de
Munique sobre Berlim deveu-se à derrota alemã na Segunda Guerra Mundial,
com a Siemens mudando-se deliberadamente de Berlim para a Bavária, anteci-
pando a ocupação norte-americana daquela área. Tóquio-Yokohama continua a
ser o centro do setor japonês de tecnologia da informação, apesar da descentrali-
zação de filiais operadas no programa Technopolis. Moscou-Szelenograd e São
Petersburgo foram e são os centros de conhecimentos e da produção tecnológica
soviética e russa, após o fracasso do sonho siberiano de Khruschev. Hsinchu é, na
verdade, um satélite de Taipei; Daeduck nunca teve um papel significativo se
comparado a Seul-Inchon, apesar de localizar-se na província onde nasceu o dita-
dor Park; e Pequim e Xangai são e serão o centro do desenvolvimento tecnológi-
co chinês. Pode-se dizer a mesma coisa da Cidade do México, no México, de São
Paulo-Campinas, no Brasil, e de Buenos Aires, na Argentina. Nesse sentido, o
enfraquecimento tecnológico de antigas metrópoles norte-americanas (Nova York-
Nova Jersey, apesar de seu papel proeminente até a década de 1960; Chicago;
Detroit; Filadélfia) é exceção em termos internacionais, vinculado à excepciona-
lidade norte-americana resultante de seu espírito desbravador e interminável
escapismo das contradições de cidades construídas e sociedades constituídas. Por
outro tado, seria intrigante explorar a relação entre essa excepcionalidade e a
inquestionável superioridade norte-americana em uma revolução tecnológica ca-
Tacterizada pela necessidade de rompimento de parâmetros mentais para estimu-
lar a criatividade.
A revolução da tecnologia da informação 105
Porém, o caráter metropolitano da maioria dos locais da revolução da tecno-
logia da informação em todo o mundo parece indicar que o ingrediente erucial
em seu desenvolvimento não é a novidade do cenário cultural e institucional, mas
sua capacidade de gerar sinergia com base em conhecimentos e informação, dire-
tamente relacionados à produção industrial e aplicações comerciais. A força cul-
tural e empresarial da metrópole (antiga ou nova — afinai de contas, a área da
Baía de São Francisco é uma metrópole de aproximadamente seis milhões de
habitantes) faz dela o ambiente privilegiado dessa nova revolução tecnológic:
desmistificando o conceito de inovação sem localidade geográfica na era da in-
formação.
De forma similar, o modelo de empreendimentos da revolução da tecnolo-
gia da informação parece estar ofuscado pela ideologia. Os modelos de inovação
tecnológica japonês, europeu e chinês não são apenas muito diferentes da expe-
riência norte-americana como também essa importante experiência é frequente-
mente mal entendida. Geralmente se reconhece que o papel do Estado é decisivo
no Japão, onde grandes empresas foram orientadas e apoiadas pelo MITI (Minis-
tério do Comércio Internacional e Indústria) durante muito tempo, chegando a se
estender por boa parte da década de 1980, mediante uma série de audaciosos
programas tecnológicos, em que alguns fracassaram (por exemplo, o Computa-
dor de Quinta Geração). Porém a maior parte desses programas ajudaram o Japão
a transformar-se em uma superpotência tecnológica em apenas cerca de vinte
anos, conforme foi documentado por Michael Borrus.” Na experiência japonesa
pode-se notar o papel muito modesto das universidades e nenhuma empresa
iniciante e inovadora. O planejamento estratégico do MITI e a interface constan-
te entre as keiretsu e o govemno são elementos primordiais na explicação da faça-
nha do Japão, que dominou a Europa e alcançou os EUA em vários segmentos
das indústrias de tecnologia da informação. Uma história semelhante pode ser
contada sobre a Coréia do Sul e Taiwan, apesar de, neste último caso, as
multinacionais terem desempenhado um papel fundamental. As sólidas bases
tecnológicas da China e da Índia estão diretamente relacionadas a seus comple-
xos industriais militares, com patrocínio e orientação do Estado.
Também foi assim com a maioria das indústrias eletrônicas britânicas e
francesas, centralizadas em telecomunicações e na indústria bélica até a década
de 1980: No último quartel do século XX, a União Européia continuou com
uma série de programas tecnológicos para acompanhar a concorrência interna-
cional, apoiando sistematicamente os “campeões nacionais”, mesmo com prejuí-
zos ou resultados ínfimos. Na verdade, a única maneira de as empresas de tecno-
logia da informação européias sobreviverem no campo tecnológico foi o uso de
106 A revolução da tecnologia da informação
seus consideráveis recursos (uma parcela substancial vinda de verbas govemna-
mentais) para formar alianças com as empresas japonesas c norte-americanas que
representam, cada vez mais, a fonte de seu know-how de tecnologia avançada no
setor da informação.”
Mesmo nos EUA, sabe-se que os contratos militares e as iniciativas
tecnológicas do Departamento de Defesa desempenharam papéis decisivos no
estágio de formação da revolução da tecnologia da informação , ou seja, entre as
décadas de 1940 1970. Até mesmo a principal fonte de descobertas em eletrôni-
ca, a Bell Laboratories, desempenhou o papel de um laboratório nacional: sua
controladora (ATT) desfrutou de um monopólio de telecomunicações mantido
pelo governo; parte significativa de suas verbas de pesquisa vinha do governo
dos EUA; e, na verdade, desde 1956, a ATT era forçada pelo governo norte-
americano a difundir as descobertas tecnológicas em domínio público em troca
da manutenção do monopólio das telecomunicações públicas.” Instituições como
9 MIT, Harvard, Stanford, Berkeley, UCLA, Chicago, John Hopkins, e laborató-
rios nacionais de armamentos tais como Livermore, Los Alamos, Sandia e Lincoln
trabalharam com e para os órgãos do Departamento de Defesa em programas que
conduziram a avanços fundamentais, desde os computadores da década de 1940
até a optoeletrônica e as tecnologias de inteligência artificial do programa “Guer-
Ta nas Estrelas” dos anos 80. A DARPA (Agência de Projetos de Pesquisa Avan-
gada do Departamento de Defesa) desempenhou, nos EUA, um papel não muito
diferente do MFTI no desenvolvimento tecnológico do Japão, incluindo o projeto
e a verba inicial da Internet.” Na verdade, na década de 1980, quando a adminis-
tração Reagan, extremamente adepta do laissez-faire, sentiu a ferroada da con-
corrência japonesa, o Departamento de Defesa liberou uma verba para a
SEMATECH, um consórcio de empresas norte-americanas de eletrônica, para
patrocinar os onerosos custos de programas de P&D na indústria eletrônica, por
razões de segurança nacional, E o governo federal também ajudou no esforço das
grandes empresas no campo da microeletrônica, criando a MCC e ficando tanto à
SEMATECH como a MCC localizadas em Austin, Texas.*º Também, durante os
decisivos anos 50 e 60, os contratos militares e o programa espacial representa-
rum mercados essenciais para a indústria eletrônica, tanto para as grandes empre-
sas contratadas no setor bélico, localizadas ao sul da Califórnia, quanto para as
inovadoras recém-estabelecidas no Vale do Silício e na Nova Inglaterra.*! Talvez
elas não tivessem sobrevivido sem os financiamentos generosos e o mercado
Protegido de um governo norte-americano ansioso por recuperar a supremacia
tecnológica sobre a União Soviética, estratégia que no final valeu a pena. A enge-
nharia genética originou-se nos principais centros de pesquisa de universidades e
hospitais, bem como nos institutos de pesquisa sobre saúde, contando, em grande
A revolução da tecnologia da informação 107
parte, com financiamentos e patrocínio do governo.“ Portanto, foi o Estado, e
não o empreendedor de inovações em garagens, que iniciou a revolução da tecno-
logia da informação tanto nos Estados Unidos como em todo o mundo.”
Porém, sem esses empresários inovadores, como os que deram início ao
Vale do Silício ou aos clones de PCs em Taiwan, a revolução da tecnologia da
informação teria adquirido características muito diferentes e é improvável! que
tivesse evoluído para a forma de dispositivos tecnológicos flexíveis e descenira-
lizados que se estão difundindo por todas as esferas da atividade humana. Sem
dúvida, desde o início dos anos 70, a inovação tecnológica tem sido essencial-
mente conduzida pelo mercado:* e os inovadores, enquanto ainda muitas vezes
empregados por grandes empresas, em particular no Japão e na Europa, conti-
nuam a montar seus negócios nos Estados Unidos e, cada vez mais, em todo o
mundo. Com isso, há um aumento da velocidade da inovação tecnológica c uma
difusão mais rápida dessa inovação à medida que mentes talentosas, impulsiona-
das por paixão e ambição, vão fazendo pesquisas constantes no setor em busca de
nichos de mercado em produtos e processos. Na realidade, é mediante essa
interface entre os programas de macropesquisa e grandes mercados desenvolvi-
dos pelos governos, por um lado, e a inovação descentralizada estimulada por
uma cultura de criatividade tecnológica e por modelos de sucessos pessoais rá-
pidos, por outro, que as novas tecnologias da informação prosperam. No proces-
so, essas tecnologias agruparam-se em torno de redes de empresas, organizações
e instituições para formar um novo paradigma sociotécnico.
O paradigma da tecnologia da informação
Nas palavras de Christopher Freeman :
Um paradigma econômico e tecnológico é um agrupamento de inovações
técnicas, organizacionais e administrativas inter-relacionadas cujas vanta-
gens devem ser descobertas não apenas em uma nova gama de produtos e
temas, mas também e sobretudo na dinâmica da estrutura dos custos rela-
tivos de todos os possíveis insumos para a produção. Em cada novo para-
digma, um insumo específico ou conjunto de insumos pode ser descrito como
o “faror-chave” desse paradigma caracterizado pela queda dos custos rela-
tivos e pela disponibilidade universal, A mudança contemporânea de para-
digma pode ser vista como uma transferência de uma tecnologia baseada
principalmente em insumos baratos de energia para uma outra que se baseia
predominantemente em insumos baratos de informação derivados do avan-
ço da tecnologia em microelêtronica e telecomunicações
LIZ ã
A revolução da tecnologia da informação
provável esse projeto é um exemplo do esforço realizado em diferentes ambien-
es no sentido de encontrar um terreno comum para a troca de experiências inte
ectuais entro a ciência e a tecnologia na Era da Informação. Porém, essa aborda.
gem parece impedir qualquer estrutura sistemática de integraçã )
sido ! gração. O pensamento
da com leve ser considerado mais como um método para entender a
iversidade do que uma metateoria unificada. Seu valor epistemológico pode ter.
se oretrado do reconhecimento do caráter auto-organizador da Natureza e da
so! ã a ão hay
see da e, Não se pode afirmar que não haja regras, mas as regras são criadas e
udada: fi õ ii
muda s em so processo contínuo de ações deliberadas e interações exclusivas
vaias e : tuo as,
imo e 1 um jovem pesquisador do Santa Fe Institute, Duncan Watts.
e a a a aná ise forma da lógica dos sistemas de redes que fundamentava a
o de “pequenos mundos”, isto é j
s s”, isto é, o conjunto abrangente de c: õ
natureza e na sociedade, entr: » comunicam
5 , e elementos que, mesmo do nã i
diretamente, têm relaçã a qria cadeia de intermedia.
, ação, de fato, por meio de i
l , » uma curta cadeia de intermediá
rios. Por exemplo, ele dem i ds uma
, onstra matematicament:
s. e e que, se representarm
ráfico os si as açõ i : | de um
ue Ds dot de relações, o essencial para a geração do fenômeno de um
o mundo (que é o símbolo da lógic: i
s lógica dos sistemas de redes) é :
q $ es) é a presença di
uma pequena fração de ac: i : es do
os globais de longa distânci i
"ap cia, O que contrai partes d
áfico que. i stari i dos acessos
sumos ' de outra maneira, estariam distantes, embora a maioria dos acessos
em locais, organizados em a; )
ntir , agrupamentos.” Isso represent: idã
a lógica do sistema de ri i à i More est docamen
5 edes de inovação locais/globai
à s/globais, conforme está doc
tado neste capítulo. A ibuição i da ; ento da teoria
. À contribuição important
e da escola de À
da completado é o , pensamento da teoria
lade é sua ênfase na dinâmica não-li
s ica não-linear como métod. is i
toso de entender o i , sociedade quanto
comportamento dos sistemas vi À
s vivos, tanto na sociedade que
na natureza. A maior part o Insdtuto é
. e do trabalho dos pesqui
squisadores do Santa Fe Insti É
de nt or do! pesq anta Fe Institute é
m - nã a aná tri
NA mário, mo é uma análise empírica dos fenômenos naturais ou
s. Mas há pesquisadores em inúmeros cz iênci
ociais g s campos das c
Geo Mas Dé e p iências que usam a
ão-linear como princípio ori
o pio orientador com resultados científi
vez mais importantes. Fritj Ísi à de Boshelos qu
s. Fritjof Capra, físico teórico e ecologi i
] , ogista de Berkel
grou muitos g E sstemas
A muitos desses resultados no esboço de uma teoria coerente dos sistemas
DS ' a série de livros, em especial seu notável Web of Life.'”! Ele ampliou o
al ne do ganhador do prêmio Nobel Ilya Prigogine.
OT; i i $ issi
noi a de Prigogine das estruturas dissipadoras demonstrou a dinâmica
o sui ar a auto-organização dos ciclos químicos, e nos permitiu compreender
surgimento espontâneo de o:
. rdem como uma das cs ísti iai
ia ne or ) aracterísticas essenciais da
o o demonstra como as pesquisas de vanguarda em áreas tão diferentes
s É i e
Ceprssentado vimento das células, os sistemas econômicos globais (conforme
o pela polêmica teoria Gaia, e pelo modelo de simulação “Daisy world”
A tevolução da tecnologia da informação 113
de Lovelock), a neurociência (conforme no trabalho de Gerald Edelman ou Oliver
dos na recém-nascida teoria
Sacks), e os estudos da origem da vida fundamenta:
das redes químicas são todas, manifestações de uma perspectiva dinâmica não-
linear.'? Os novos conceitos fundamentais, como os atratores, retratos de fases,
propriedades emergentes, fractais, oferecem novas perspectivas para a compreen-
são das observações do comportamento em sistemas vivos, inclusive nos siste-
mas sociais — preparando assim o caminho de um elo teórico entre diversos
campos das ciências; não os reduzindo a um conjunto de regras em comum, mas
explicando os processos e os resultados provenientes das propriedades auto-ge-
radoras de sistemas vivos específicos. Brian Arthur, economista de Stanford que
trabalha no Santa Fe Institute, aplicou a teoria da complexidade à teoria formal
da economia, propondo conceitos como O dos mecanismos de auto-reforço, da
dependência da rota e das propriedades emergentes, é demonsirando sua impor-
tância para o entendimento das características da nova economia. "”
Em resumo, o paradigma da tecnologia da informação não evolui para seu
fechamento como um sistema, mas rumo a abertura como uma rede de acessos
múltiplos. É forte e impositivo em sua materialidade, mas adaptável e aberto em
seu desenvolvimento histórico. Abrangência, complexidade e disposição em for-
ma de rede são seus principais atributos.
Assim, a dimensão social da revolução da tecnologia da informação parece
destinada a cumprir a lei sobre a relação entre a tecnologia e a sociedade proposta
algum tempo atrás por Melvin Kranzberg: “A primeira lei de Kranzberg diz: À
tecnologia não é nem boa, nem ruim e também não é neutra.“ É uma força que
provavelmente está, mais do que nunca, sob o atual paradigma tecnológico que
penetra no âmago da vida é da mente.!* Mas seu verdadeiro uso na esfera da ação
social consciente € a complexa matriz de interação entre as forças tecnológicas
liberadas por nossa espécie e à espécie em si são questões mais de investigação
que de destino. Portanto, prosseguirei agora com essa investigação.
Notas
L. Gould (1980 : 226)
à. Melvin Kranzberg, um dos principais historiadores de tecnologia, escreveu “A Era da Infor-
elementos técnicos da sociedade industrial” (1985:
42), Em relação à seus efeitos societais: “Embora possa ser evolucionária, no sentido de que
nem todas as mudanças e benefícios aparecerão de uma hora para outra. seus efeitos sobre
nossa sociedade serão revolucionários” (1985 : 52). Seguindo a mesma linha de raciocínio.
vertambém, por exemplo: Nora e Minc (1978): Dizard (1982); Perez (1983): Forester (1985):
mação, na realidade, revolucionou os
14
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4
A revolução da tecnologia da informação
Darbon e Robin (1987); Stourdze (1987); Dosi et ai. (1988); Bishop e Waldholz (1990);
Sulomen (1992); Perrella (1993), Ministério dos Correios e Telecomunicações (Japão) (1995);
Negroponte (1995)
Sobre a definição da tecnologia como “cultura material” que considero ser a perspectiva
sociológica adequada, ver, especialmente, a discussão em Fischer (1992: 1-32y: “Aqui, à
tecnologia é semelhante ao conceito de cultura material”
Brooks (1971: 13). de texto não publicado. citado com ênfase acrescentada por Bell (1976: 29).
. Saxby (1990); Mulgan (1991).
. Hall (1987); Marx (1989).
- Para uma exposição estimulante e esclarecedora, embora deliberadamente controversa, da
convergência entre a revolução biológica e a mais ampla revolução da tecnologia da infor-
mação, ver Kelly (1995).
- Forester (1988); Edquist e Jacobsson (1989): Herman (1990); Drexler e Peterson (1991);
Lincol e Essin (1993); Dondero (1995); Lovins e Lovins (1995); Lyon e Gorner (1995); .
. Negroponte (1995).
. Kranzberg e Pursell (1967).
O toxal entendimento da revolução tecnológica atual exigiria a discussão da especificidade
das novas tecnologias da informação vis-à-vis seus predecessores históricos também de ca-
ráter revolucionário, como a descoberta da imprensa, na China, provavelmente no final do
século VII e, na Europa, no século XV, tema clássico da literatura das comunicações. Não
podendo abordar a questão nos limites deste livro, enfocado na dimensão sociológica da
transformação tecnológica, gostaria de sugerir que o leitor prestasse atenção em alguns tópi-
cos. As tecnologias da informação com base na eletrônica (inclusive a imprensa eletrônica)
apresentam uma capacidade de armazenamento de memória e velocidade de combinação e
transmissão de bits incomparáveis. Os textos eletrônicos permitem flexibilidade de feedback,
interação e reconfiguração de texto muito maiores — como qualquer autor de processador
de texto pode confirmar — e, desse modo, alteram o próprio processo de comunicação. A
comunicação on-line, aliada à flexibilidade do texto, propicia programação de espaço/tem-
po ubíqua e assíncrona, Em relação aos efeitos sociais das tecnologias da informação, minha
hipótese é que a profundidade de seu impacto é uma função da penetrabilidade da informa-
ção por toda a estrutura social. Assim, embora a imprensa tenha afetado as sociedades euro-
péias de maneira substancial na Era Moderna, bem como, em menor medida, a China medie-
val, seus efeitos foram, de certa forma, limitados devido ao analfabetismo generalizado da
População e por causa da pouca intensidade da informação na estrutura produtiva, Então, ao
educar seus cidadãos e promover a organização gradual da economia em torno de conheci
mentos e informação, a sociedade industrial preparou o terreno para a capacitação da mente
humana para quando as novas tecnologias da informação fossem disponibilizadas, Ver co-
mentários históricos sobre esse início de revolução das tecnologias da informação em Boureau
et al. (1989). Para alguns elementos do debate sobre a especificidade tecnológica da comu-
nicação eletrônica, inclusive a visão de McLuhan, ver capítulo 5.
M. Kranzberg, “Prerequisites for industrialization”, in Kranzherg é Pursell (1967: 1. cap.
13); Mokyr (1990),
Ashton (1948); Clow e Clow (1952): Landes (1969); Mokyr (1990; 112).
Dizard (1982); Forester (1985); Hall e Preston (1988): Saxby (1990).
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32.
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36.
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A sevolução da tecnologia da informação 15
. Bar (1990).
. Rosenberg (1982); Bar (1992).
. Mazlish (1993).
. Mokyr (1990: 293, 209 s5.).
. Ver, por exemplo, Thomas (1993).
. Mokyr (1990: 83)
- Pool (1990); Mulgan (1991). o
. Singer er ai, (1958); Mokyr (1985). Porém, como o próprio Mokyr ressalta, na primeira
Revolução Industrial na Grã-Bretanha, também havia uma interface entre ciência e tecnolo-
gia. Portanto, o aperfeiçoamento decisivo promovido por Watts na máquina a vapor projeta-
da por Nevicomen ocorreu em interação com seu amigo e protetor Joseph Black, professor
de química da Universidade de Glasgow, onde, em 1757, Watts foi nomeado o “Criador de
Instrumentos Matemáticos da Universidade” e conduziu seus próprios experimentos em um
modelo da máquina de Newcomen (ver Dickinson, 1958). De fato, Ubbelohde (1958: 673)
relata que “o condensador desenvolvido por Watts para a máquina à vapor, separado do
cilindro em que o pistom se movimentava, era intimamente associado e inspirado nas pes-
quisas científicas de Joseph Black (1728-99), professor de química da Universidade de
Glasglow”.
. Mokyr (1990: 82).
. David (1975); David e Bunn (1988); Arthur (1989).
. Rosenberg e Birdzell (1986).
. Singer er al. (1957).
. Rostow (1975); ver Jewkes er aí, (1969) para a discussão e Singer et al. (1958) para dados
históricos.
Mokyr (1990).
. Halle Preston (1988: 123). o
. A origem do conceito de “meio de inovação” pode ser buscada em Aydalot (1985). Também
estava implícito no trabalho de Anderson (1985) e no de Artur (1985). Mais ou menos na
mesma época, Peter Hal e eu, em Berkeley, Roberto Camagni, em Milão, e Denis Malla,
em Lausanne, juntamente com o finado Philippe Aydalot por um breve período, começamos
a desenvolver análises empíricas sobre os meios de inovação. tema que, com justiça. se
tomou objeto de muitas pesquisas nos anos 90.
A discussão específica das condições históricas para a concentração das inovações
tecnológicas não pode sex feita nos limites deste capítulo. Reflexões úteis sobre o tema são
encontradas em Gille (1978) e em Mokyr (1990), Ver também Mokyr (1990: 298).
Rosenberg (1976, 1982); Dosi (1988)
Mokyr (1990: 83).
Fontana (1988); Nadal e Carreras (1990).
Forbes (1958: 150).
Mokyr (1990: 84).
Jarvis (1958); Canby (1962); Hall e Preston (1988): . Uma das primeiras especificações
detalhadas de um telégrafo elémico faz parte de uma carta assinada por C.M. e publicada na
n
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A revolução da tecnologia da informação
revista Seots Magazine, em 1753. Em 1795, o catalão Francisco de Salva propôs uma das
primeiras experiências práticas com um sistema elétrico. Há relatos não confirmados de que,
em 1798, foi construído um telégrafo monofilar entre Madri e Aranjuez (42 km), com base
no esquema de Salva. No entanto, foi apenas entre 1830-40 que o telégralo elétrico foi
estabelecido (William Coke na Inglaterra, Samuel! Morse nos Estados Unidos), e, em 1851,
instalou-se o primeiro cabo submarino, entre Dover e Calais (Garrat 1958); ver também
Sharlin (1967); Mokyr (1990).
Forbes (1958: 148).
Um bom relato sobre as origens da revolução da tecnologia da informação, naturalmeme
suplantado pelos novos desenvolvimentos desde a década de 1980, é o de Braun e Macdonald
(1982). Tom Forester conduziu o esforço mais sistemático para resumir os progressos dos
primórdios da revolução da tecnologia da iniormação em uma série de livros (1980, 1985,
1987, 1989, 1993), Para bons relatos sobre as origens da engenharia genética, ver Elkington
(1985) e Russell (1988). Ver uma história abalizada da computação em Ceruzzi (1998). Ver
a história da Internet em Abbate (1999) e Naughton (1999).
Uma “lei” aceita no setor de eletrônica creditada a Gordon Moore, presidente da Intel, a
nova empresa no legendário Vale do Silício, hoje a maior do mundo e uma das mais rentá-
veis do setor de microeletrônica.
As informações relatadas neste capítulo são facilmente encontradas em jornais e revistas, e
a maior parte foi extraída de minhas leituras das revistas Business Week, The Economist,
Wirede Scientific American e dos jornais New York Times, El Pais e São Francisco Chronicle,
que constituem a base de minhas informações diárias/semanais. Também usei subsídios de
conversas ocasionais sobre assuntos relacionados à tecnologia com colegas e amigos de
Berkeley e Stanford, conhecedores de eletrônica e biologia e familiarizados com fontes
industriais. Não acho necessário fornecer referências detalhadas sobre esses tipos gerais de
informações, exceto quando determinado dado eu citação far de difícil localização.
Ver Hall e Preston (1988); Mazlish (1993).
3. Penso que, a exemplo das revoluções industriais , haverá várias revoluções da tecnologia da
informação. das quais a ocorrida na década de 1970 é apenas a primeira. Provavelmente a
segunda, no início do século XXI, dará um papel mais importante à revolução biológica, em
estreita interação com as novas tecnologias computacionais.
Braun e Macdonald (1982).
Mokyr (1990: 111)
Hall e Preston (1988).
Ver a descrição feita por Forester (1987).
Ega (1995).
Ver excelentes histórias da Internet em Abbate (1999) e Naughton (1999), Ver também Hart
et ai (1992). Sobre a contribuição da cultura “hacker” para o desenvolvimento da Internet,
ver Hafner e Markoft (1991); Naughton (1999); Himamen (2001).
Conseil d'Etar (1998).
Rohozinski (1998).
Rhcingold (1993).
Reid (1997: 6).
sa.
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A revolução da tecnologia da informação 117
Lewis (2000).
Cerf (1999).
Citado em The Economist (1997:33).
Hall (19994); Markcoff (1999, b).
Sobre os primórdios do desenvolvimento da biotecnologia c da engenharia genética, ver,
por exemplo, Hall (1987); Teitelman (1989); Bishop e Waldholz (1990): Congresso Norte-
americano, Departamento de Avaliação de Tecnologias (1991).
Ver Business Week (19956).
Business Week (19994: 94-104).
Capra (19993); Sapolsky (2000).
Lyon é Gorner (1995: 567).
Forester (1993).
Sobre a história da formação do Vale do Silício, há dois livros úteis e de leitura fácil: Rogers
e Larsen (1984) e Malone (1985).
Saxenian (1994).
Castells (1989: cap. 2)
Zook (20006).
Kay (1990: 173).
Levy (1984); Egan (1995). Ver interessante estudo da interação complexa entre criatividade.
tecnológica e estratégias empresariais em Hiltzik (1999) sobre à experiência de um dos mais
importantes centros de inovação do Vale dy Silício, Xerox-PARC.
Blakely ex aí. (1988); Hall et al, (1988).
Saxenian (1999).
Reid (19973; Bronson (1999); Kaplan (1999); Lewis (2000); Zook (20006).
Rosen et af. (1999).
Castells e Hall (1994).
Botrus (1988).
Hall et ai. (1987).
Castetls er al. (1991); Freeman et al. (1991) .
Bar (1990).
Tirman (1984); Broad (1985); Stowsky (1992).
Borrus (1988); Gibson e Rogers (1994).
Roberts (1991).
Kenney (1986).
Ver as análises reunidas em Castells (19880).
Bamegas (1993).
€. Freeman, “Prefácio da Parte II”, in Dosi er at. (1988a: 10).
Kuhn (1962); Perez (1983); Dosi et al. (19884).
Kelly (1995: 25-7) faz uma análise eficaz das propriedades da lógica de redes em alguns
parágrafos: “O Átomo é o passado. O símbolo da ciência para o próximo século é a Rede
122 A nova economia: informacionalismo, globalização, funcionamento em rede
Essa abordagem schumpeteriana sobre o crescimento da economia”? susci-
ta uma questão ainda mais básica a respeito da estrutura e da dinâmica da econo-
mia informacional: o que é historicamente novo em nossa economia? Qual sua
especificidade vis-à-vis outros sistemas econômicos e, em especial, em relação à
economia industrial?
s
A produtividade baseada em conhecimentos é específica
da economia informacional?
Historiadores econômicos demostraram o papel fundamental desempenhado
pela tecnologia no crescimento da economia, via aumento da produtividade, durante
toda a história e especialmente na era industrial.” A hipótese do papel decisivo.da
tecnologia como fonte de produtividade nas economias avançadas também parece
conseguir abranger a maior parte da experiência passada de crescimento econômico,
permeando diferentes tradições intelectuais em teoria econômica.
Além disso, a análise de Solow, usada muitas vezes por Bell e outros, como
ponto de partida da discussão a favor do surgimento de uma economia pós-indus-
trial, está baseada em dados do período entre 1909-49 da economia norte-ameri-
cana, ou seja, o apogeu du economia industrial norte-americana. Na verdade,
em 1950 a proporção do emprego industrial nos EUA estava quase em seu pico (o
ponto mais alto foi alcançado em 1960) de modo que, de acordo com o indicador.
mais geral do “industrialismo”, os cálculos de Solow referiam-se ao processo de
expansão da economia industrial.
Tabela 2.1 Taxa de produtividade: taxas de crescimento de produção por trabalhador
(alteração da percentagem anual média por período)
País 1870-1913 191320 192950 105060 1960-9
Estados Unidos! 19 15 17 241 26
Japão? - - - 67 95
Alemanha! 16 2 12 60 46
França 14 20 03 54 s0
Itálias 08 15 10 45 64
Reino Unido 10 04 1 19 25
Canadá 17 07 20 21 22
à O ano inicial para o período de 1870-1913 é 1871.
“O ano inicial para 1950-60 é 1953.
“O ano inicial para 1950-60 é 1954.
Fonte: Estatísticas históricas dos EUA: desde ossempos coloniais até 1970, Parte 1, Série FIO-I6.
T
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misma
economista -
A nova economia: informacionalismo, globalização. funcionamento em rede 123
Qual o significado analítico dessa observação” Se a explicação do cresci-
mento de produtividade introduzida pela escola da função de produção agregada
não for substancialmente diferente dos resultados da análise histórica da relação
entre a tecnologia e o crescimento da economia por períodos mais longos, pelo
menos para a economia industrial, quer dizer que não há nada de novo ra econo-
mia “informacional”? Será que estamos apenas observando o estágio maduro do
sistema econômico industrial cuja acumulação constante de capacidade produti-
va libera a mão-de-obra da produção material direta em benefício das atividades
de processamento da informação, como sugerido no trabalho pioneiro de Marc
Porat?!
Para responder a essa questão, observemos a evolução do crescimento da
produtividade a longo prazo nas economias de mercado avançadas (ver tabelas
2.1 para os países do chamado G-7 e 2.2 para os países da OCDE). Para a finali-
dade da minha análise, o que é relevante é a mudança de tendências entre quatro
períodos: 1870-1950, 1950-73, 1973-9, 1979-93 e 1994-9.
Contudo, como a minha análise depende de fontes secundárias disponíveis,
os dados entre períodos não são comparáveis. Primeiro vou analisar os dados de
países selecionados, em diversos períodos, até 1993. Depois vou me concentrar
nos EUA, no período entre 1994-9, pois foi nessa época e nesse país que parece
ter-se manifestado a nova economia,
125
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A nova economia: informacionalismo, globalização, funcionamento em rede
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126 A nova economia: informacionalisme, globalização, funcionamento em rede
Como eu uso duas fontes estatísticas diferentes, não posso comparar os
níveis das taxas de crescimento de produtividade entre os períodos anteriores e
posteriores a 1969, mas podemos raciocinar sobre a evolução das taxas de cresci-
mento dentro e entre os períodos para cada fonte.
De modo geral, houve uma taxa moderada de crescimento de produtivida-
de no período de 1870-1950 (nunca ultrapassando 2% em nenhum país ou
subperíodo, exceto para o Canadá), uma alta taxa de crescimento durante o perío-
do de 1950-73 (sempre acima de 2%, com exceção do Reino Unido — RU), com
o Japão na liderança; e uma taxa baixa de crescimento em 1973-93 (baixíssima
para os EUA e o Canadá), sempre inferior a 2% da produtividade total dos fato-
res, exceto na Itália, nos anos 70. Mesmo se levarmos em conta a especificidade
de alguns países, o que parece claro é que observamos uma tendência baixista do
crescimento de produtividade, começando aproximadamente na mesma época em
que a revolução da tecnologia da informação tomou forma no início da década
de 1970. As taxas de crescimento de produtividade mais altas ocorreram durante
o período de 1950-73 quando as inovações tecnológicas industriais, reunidas como
um sistema durante « Segunda Guerra Mundial, foram transformadas em um
modelo dinâmico de crescimento econômico. Mas, no início dos anos 70, o po-
tencial de produtividade dessas tecnologias parecia estar exaurido, e as novas
tecnologias da informação não pareciam reverter a desaceleração da produtivi-
dade pelas duas décadas seguintes." Na verdade, nos Estados Unidos, o famoso
“residual”, após responder por cerca de 1,5 ponto no crescimento da produtivida-
de anual durante os anos 60, não deu nenhuma contribuição em 1972-92.!º Em
uma perspectiva comparativa, os cálculos do confiável Centre d'Etudes Prospec-
tives et d"formations Internationales” mostram uma redução geral do cresci-
mento da produtividade total dos fatores nas principais economias de mercado,
durante os anos 70 e 80. Até mesmo para o Japão, o papel do capital no cresci-
mento da produtividade foi mais importante que a produtividade multifatorial no
período de 1973-90, Esse declínio foi acentuado em todos os países principal-
mente para atividades de serviços, onde os novos dispositivos de processamento
da informação poderiam ser considerados responsáveis pelo aumento da produ-
tividade, se a relação entre a tecnologia e a produtividade fosse simples e direta.
Mas não é.
Portanto, no longo prazo! (reservando para o momento a observação das
tendências em fins da década de 1990), houve um crescimento de produtividade
moderado e constante com algumas baixas, no período de formação da economia
industrial entre o fim do século XIX e a Segunda Guerra Mundial; uma aceleração
do crescimento da produtividade no período maduro do industrialismo (1950-73);
A nova economia: informacionalismo, globalização, funcionamento em rede 127
e uma desaceleração das taxas de crescimento de produtividade no período de
1973-93, apesar de um aumento significativo de insumos tecnológicos e acelera-
ção no ritmo da transformação tecnológica. Então, por um lado, deveríamos expan-
dir o debate sobre o papel central da tecnologia no crescimento econômico para os
períodos históricos passados, pelo menos para as economias ocidentais na era
industrial. Por outro lado, o ritmo do crescimento da produtividade em 1973-93
parecenão variar simultaneamente com o compasso da transformação tecnológica.
Isso poderia indicar a ausência de diferenças substanciais entre os sistemas “indus-
trial” e “informacional” de crescimento econômico, pelo menos, com referência
ao seu impacto diferencial no crescimento da produtividade, forçando-nos, assim,
areconsiderar a relevância teórica da distinção no todo. Porém, antes de me render
ao enigma do desaparecimento do crescimento da produtividade no meio de uma
das mais rápidas e abrangentes revoluções tecnológicas da história, devo antecipar
algumas hipóteses que poderiam ajudar a desvendar o mistério. E vou ligar essas
hipóteses a uma observação resumida das tendências de produtividade nos Estados
Unidos em fins da década de 1990.
Primeiro, os historiadores econômicos afirmam que uma considerável de-
fasagem de tempo entre a inovação tecnológica e a produtividade econômica é
característica das revoluções tecnológicas passadas. Por exemplo, Paul David,
analisando a difusão do motor elétrico, mostrou que, embora tivesse sido introdu-
zido entre 1880-90, seu impacto real na produtividade teve que csperar até a
década de 1920 deste século.!º Para que as novas descobertas tecnológicas pos-
sam difundir-se por toda a economia e, dessa forma, intensificar o crescimento da
produtividade a taxas observáveis, a cultura e as instituições da sociedade, bem
como as empresas e os fatores que interagem no processo produtivo precisam
passar por mudanças substanciais. Essa afirmação genérica é bastante apropriada
no caso de uma revolução tecnológica centralizada em conhecimentos e informa-
ção, incorporada em operações de processamento de símbolos necessariamente
ligados à cultura da sociedade e à educação/qualificação de seu povo.
132 A nova economia: informacionalismo, globalização, funcionamento em rede
pelo Departamento do Trabalho norte-americano, apesar de os períodos selecio-
nados e os métodos usados fornecerem uma estimativa inferior à da base de dados
do CEPII. De acordo com os cálculos, a produção por hora no setor industrial variou
de um aumento anual de 3,3% em 1963-72 para 2,6% em 1972-8 e novamente 2,6%
em 1978-87, queda não sign iva. Os aumentos da produtividade industrial
foram muito mais significativos nos EUA e no Japão nos setores que incluem a
produção eletrônica. De acordo com a base de dados do CEPII, nesses setores a
produtividade cresceu em torno de 1% ao ano em 1973-9, mas explodiu com 11%
ao uno em 1979-87, respondendo pela maior parte do aumento total da produtivi-
dade industrial. Enquanto o Japão mostrava tendências semelhantes, a França e
a Alemanha experimentavam declínio da produtividade no setor de eletrônica,
novamente como um provável resultado de uma defasagem tecnológica acumula-
da em tecnologias da informação em comparação com os EUA e o Japão.
Então, talvez , afinal de contas, a produtividade não estivesse desapare-
cendo nas décadas de 1980 e 1990, mas pudesse estar aumentando por vias par-
cialmente obscuras em círculos em expansão. A tecnologia e o gerenciamento da
tecnologia, envolvendo mudanças organizacionais, pareciam estar se difundin-
do a partir da produção da tecnologia da informação, telecomunicações e servi-
ços financeiros (as localidades originais da revolução tecnológica), alcançando
cm grande parte a atividade industrial e depois os serviços empresariais, para
então, aos poucos, atingir as atividades de serviços diversos em que existe me-
nos incentivo para a difusão da tecnologia e maior resistência a mudanças orga-
nizacionais. O estudo de seiscentas grandes empresas estadunidenses que Bryn-
jolfsson fez em 1997, concentrado no impacto das estruturas organizacionais
sobre a relação entre computadores e produtividade oferece uma indicação da
relação entre tecnologia, mudança organizacional e produtividade. No todo, Bryn-
jolfsson descobriu que os investimentos na tecnologia da informação tinham
correlação com produtividade maior. Mas as empresas diferiam muito em cresci-
mento de produtividade, dependendo de seus métodos de administração: “O im-
pressionante é que os usuários mais produtivos da TI costumam empregar uma
combinação sinérgica de estratégia empresarial concentrada no cliente e estrutu-
ra organizacional descentralizada. As empresas que, pelo contrário, simplesmente
enxertam novas tecnologias nas estruturas antigas (ou vice-versa) são muito menos
produtivas” *” Assim, a mudança organizacional, o treinamento de uma nova for-
ça de trabalho e o processo de aprender fazendo, que incentiva aplicações produ-
tivas da tecnologia, devem acabar aparecendo nas estatísticas de produtividade
— com a condição de que as categorias estatísticas sejam capazes de transmitir
essas mudanças.
8
A nova economia: informacionalismo, globalização, funcionamento em rede 13
ns
no
tú
10:
10%
95 ; |
1995 1996 1997 1998 1999
Ss
Figura 2.1 Crescimento da produtividade nos Estados Unidos, 1995-1999
Fonte: US Bureau of Labor Statistics conforme apresentado por Uchitelle (1999)
(índice de produtividade por hora de todos os trabalhadores de atividades não-agrícolas; 1992=100,
ajustado sazonalmente)
Por fim, em outubro de 1999, o Bureau of Economic Analysis do Departa-
mento de Comércio dos EUA deu alguma atenção ao assunto, e alterou algumas
de suas categorias de contabilidade. Além de alterar a base de cálculo da infla-
ção, a mudança mais importante no que tange a avaliação de produtividade foi
considerar investimentos, pela primeira vez, os gastos das empresas com sofiware,
que passou a fazer parte do PIB. Logo após essas mudanças, em 12 de novembro
de 1999, o Departamento de Trabalho dos EUA divulgou novos cálculos de pro-
dutividade da mão-de-obra para o período de 1959-99. Segundo essas novas es-
tatísticas, a produtividade dos EUA cresceu ao ritmo anual de 2,3% no período
áureo de 1959-73 e caiu para entre 1,4% e 1,6% em 1973-95, Depois, do terceiro
trimestre de 1995 até o terceiro trimestre de 1999, o crescimento da produtivida-
de subiu para o índice anual de 2,6%, chegando ao índice de 4,2% no terceiro
trimestre de 1999, o maior salto em dois anos (ver figura 2.1). Comentando
esses acontecimentos, Alan Greenspan, presidente da Federal Reserve Board,
declarou que “embora ainda seja possível afirmar que o evidente aumento de
produtividade é efêmero, acho difícil acreditar nesse tipo de declaração” * De
134 A nova economia: informacionalismo, globalização, funcionamento cm rede
fato, Greenspan anteriormente dera forte credibilidade ao surgimento da nova
economia ao afirmar, no relato ao Congresso estadunidense em 24 de fevereiro
de 1998, que:
Nosso país vem passando por um crescimento mais alto da produtividade —
produção por hora trabalhada — nos últimos anos, Parece que a evolução
impressionante da potência dos computadores e das tecnologias de comuni-
cação e informação foi uma das principais forças dessa tendência... A forte
aceleração do investimento de capital em tecnologias avançadas a partir de
1993 expressou sinergias de novas idéias, incorporadas em equipamentos
novos cada vez mais baratos, que elevaram os lucros esperados e ampliaram
as oportunidades de investimento, Os indícios mais recentes continuam com-
patíveis com a idéias de que o gasto de capital contribuiu para um notável
restabelecimento da produtividade — e talvez maior do que podem explicar
as forças normais dos ciclos empresariais.”
De fato, só um aumento substancial de produtividade poderia explicar a
explosão econômica dos EUA em 1994-9: 3,3% de crescimento anual do PIB,
com inflação abaixo de 2%, desemprego abaixo de 5% e aumento, embora mode-
rado, da média dos salários reais.
Embora parecesse que os círculos empresariais, nos EUA e no mundo intei-
ro, abraçavam a idéia de uma nova economia, na forma que sugeri acima, alguns
economistas acadêmicos respeitados (entre eles Solow, Krugman e Gordon) per-
maneciam céticos. Não obstante, até as provas estatísticas oferecidas em refuta-
ção da idéia do aumento significativo de produtividade, associadas à tecnologia
da informação, parecem confirmar a nova tendência de crescimento da produtivi-
dade, com a condição de que os dados sejam interpretados numa perspectiva
mais dinâmica. Portanto, o estudo mais citado em oposição ao aumento do cres-
cimento de produtividade em fins da década de 1990 é o que foi publicado na
Intemet em 1999 por um dos principais economistas da produtividade, Robert
Gordon.” Conforme demonstrado na figura 2.2 e na tabela 2.5, Gordon observou
uma elevação no crescimento da produtividade em período 1995-9, de uns 2,15%
ao ano, o que quase dobrou o desempenho durante 197295. Contudo, ao decom-
Por o aumento de produtividade em setores, ele descobriu que uma proporção
espantosa do aumento de produtividade estava concentrado na fabricação de com-
putadores, cuja produtividade subiu em 1995-9 à velocidade estonteante de 41,7%
por ano. Embora a fabricação de computadores só represente 1,2% da produção
dos EUA, o aumento de produtividade foi tão grande que aumentou o índice geral
de produtividade, apesar do desempenho lento do resto do setor industrial, e de
toda a economia.
i ção c 135
A nova cconomia: informacionalismo, globalização, funcionamento em rede
1992 = 100
Tendência
Real
Nora 7 76 78 80 B2 84 86 88 90 92 94 96 9899
Figura 2.2 Estimativa de evolução de produtividade nos Estados Unidos, 1972-1999
(produtividade / por hora)
Ponte: US Bureau of Labor Statistics conforme elaborada por Gordon (1999)
Tabela 2.5 Evolução da produtividade dos EUA por setores industriais e períodos
as Aumento percentual anual
Setor 1952-72 1972-95 1995-9
2,15
Empresa privada não-agrícola 2,63 ro e
Industrial 2,56 Dos a
Bens duráveis 2,32 5 a 4170
Computadores — | í : o
Não-computadores 2,23 Ss dos
Descartáveis 2,96 A
Fonte: US Bureau of Labor Stutistics conforme elaborada por Gordon (1999)
Numa perspectiva estática do crescimento econômico, a conclusão era
que só há um setor dinâmico na estrutura da economia ao redor da tecnologia a
informação, ao passo que o resto da economia continua em seu crescimento en-
to. Mas sabemos, pela história * e pelo estudo de exemplos de indústrias e Eua
presas na década de 1990,º que as aplicações das inovações fecnológicas & h e-
gam primeiro aos ramos de atividades que estão em sua fonte, depois se espalham
ê s . , -
Mme orando 5 crescimento extraordinário de produtividade na indústria dos
computadores pode, e deve, ser interpretado como formato do que está e ne
não como um acidente anormal na paisagem plana da rotina econômica. dota
motivo por que esse potencial de produtividade, uma vez Sesencadendo poe o
produtores, não se difunda na economia em geral, embora com cronologi
136 A nova economia: informacionalismo, globalização, funcionamento em rede
vulgação desiguais, contanto que, naturalmente, haja mudança organizacional e
institucional, e que a mão-de-obra se adapte aos novos processos de produção.
Mas, de fato, as empresas e os trabalhadores não terão muita escolha porque a
concorrência, tanto local quanto global, impõe novas regras e novas tecnologias.
eliminando gradualmente OS agentes econômicos incapazes de obedecer às re-
gras da nova economia.” É por isso que a evolução da produtividade é insepará-
vel das novas condições de competitividade. o
Informacionalismo e capitalismo, produtividade e lucratividade
Sim, a longo prazo, a produtividade é a fonte da riqueza das nações. E a
tecnologia, inclusive a organizacional e a de gerenciamento, é o principal fator
que induz à produtividade. Mas, de acordo com a perspectiva de agentes econô-
micos, a produtividade não é um objetivo em si. E o investimento em tecnologia
também não é feito por causa da inovação tecnológica. Por isso, Richard Nelson
em um perspicaz trabalho tratando do assunto, considera que a nova agenda da
teorização formal sobre o crescimento deveria programar estudos das relações
entre transformação tecnológica, capacidades das empresas e instituições macio.
nais * Empresas e nações (ou entidades políticas de diferentes níveis. tais como
Tegiões ou a União Européia) são os verdadeiros agentes do crescimento econô-
mico, Não buscam tecnologia pela própria tecnologia ou aumento de produtivi-
dade paraa melhora da humanidade. Comportam-se em um determinado contex-
to histórico, conforme as regras de um sistema econômico (o capitalismo infor-
macional, como proposto anteriormente), que no final premiará ou castigará sua
conduta. Assim, as empresas estarão motivadas não pela produtividade, e si
pela lucratividade e pelo aumento do valor de suas ações, para os quais af roda
tividade e a tecnologia podem ser meios importantes mas, com certeza, Tão os
únicos. E as instituições políticas, moldadas por um conjunto maior de valores e
interesses, estarão voltadas, na esfera econômi: a, para a maximização da com!
titividade de suas economias. A lucratividade e a competitividade são os veria
deiros determinantes da inovação tecnológica e do crescimento da produtivida-
de. São suas dinâmicas históricas concretas que nos podem fornecer as pistas
Para o entendimento dos caprichos da produtividade. Pe
Os anos 70 foram, ao mesmo tempo, a época provável do nascimento da
revolução da tecnologia da informação e uma linha divisória na evolução do
Pitalismo, conforme afirmei anteriormente. As empresas de todos os países Vea
giam ao declínio real da lucratividade ou o temiam e, por isso, adotavam novas
Algumas delas, como a inovação tecnológica e a descentralização
A nova economia: informacionalismo, globalização, funcionamento em rede 137
organizacional, embora essenciais em seu impacto potencial, tinham um horizon-
te de prazo relativamente longo. Mas as empresas procuravam resultados a curto
prazo que fossem visíveis em sua contabilidade e, em relação às empresas norte-
americanas, nos relatórios trimestrais. Para aumentar os lucros, em um determi-
nado ambiente financeiro e com os preços ajustados pelo mercado, há quatro
caminhos principais: reduzir os custos de produção (começando com custos de
mão-de-obra); aumentar a produtividade; ampliar o mercado; e acelerar o giro do
capital.
Com ênfases diferentes, dependendo das empresas ou países, todos esses
caminhos foram utilizados durante as duas últimas décadas do século XX. Em
todos, as novas tecnologias da informação foram instrumentos essenciais. Mas
proponho a hipótese de que houve a implementação de uma estratégia anterior e
com resultados mais imediatos: a ampliação de mercados e a luta por fatias de
mercado. Isso porque aumentar a produtividade sem uma expansão anterior de
demanda, ou o potencial para tanto, é arriscado demais do ponto de vista do
investidor. É por isso que o setor de eletrônica norte-americano precisava deses-
peradamente dos mercados militares em seus primeiros anos até que os investi-
mentos da inovação tecnológica pudessem valer a pena em uma ampla variedade
de mercados. E é pelo mesmo motivo que as empresas japonesas e, depois, as
coreanas váleram-se de um mercado protegido e um inteligente direcionamento
para setores e segmentos setoriais em âmbito global como forma de estabelecer
economias de escala para alcançar economias de escopo. A crise real dos anos 70
não foi a dos preços do petróleo. Foi a da inabilidade do setor público para conti-
nuar a expansão de seus mercados e, dessa forma, a geração de empregos sem
aumentar os impostos sobre o capital nem alimentar a inflação, mediante a oferta
adiciona! de dinheiro e o endividamento público.” Embora as respostas a curto
. prazo para a crise de lucratividade enfocassem a redução de mão-de-obra e o
desgaste salarial, o verdadeiro desafio para as empresas € para O capitalismo era
encontrar novos mercados capazes de absorver uma crescente capacidade de pro-
dução de bens e serviços.” Foi essa a causa da grande expansão do comércio em
relação à produção e, depois, a do investimento estrangeiro direto, nas duas últi-
mas décadas do século XX, que se transformaram em propulsores do crescimen-
to econômico em todo mundo.” É verdade que o comércio mundial cresceu em
ritmo menor nestes anos que durante a década de 1960 (devido a uma taxa mais
baixa de crescimento econômico, no geral), mas o número crucial é a relação
entre a expansão do comércio e o crescimento do PIB: em 1970-80, enquanto o
PIB mundial cresceu 3,4% ao ano, as exportações tiveram um crescimento anual
de 4%. Em 1980-92, os números correspondentes eram 3% e 4,9%. Houve gran-
de aceleração do comércio mundial, quando medido em valores, na segunda metade
142 A nova economia: informacionalismo, globalização, funcionamento em rede
pecuária para as industriais c não pode ser equiparada ao surgimento da econo-
mia de serviços. Há agropecuária informacional, indústria informacional e ativi-
dades de serviços informacionais que produzem c distribuem com base na infor-
mação e em conhecimentos incorporados no processo de trabalho pelo poder
cada vez maior das tecnologias da informação. O que mudou não foi o tipo de
atividades em que a humanidade está envolvida, mas sua capacidade tecnológica
de utilizar, como força produtiva direta, aquilo que caracteriza nossa espécie como
uma singularidade biológica: nossa capacidade superior de processar símbolos.
À economia global: estrutura, dinâmica e gênese
A economia informacional é global. A economia global é uma nova reali-
dade histórica, diferente de uma economia mundial. Segundo Fernand Braudel
e Immanuel Wallerstein,** economia mundial, ou seja, uma economia em que a
acumulação de capital avança por todo o mundo, existe no Ocidente, no mínimo,
desde o século XVI. Uma economia global é aigo diferente: é uma economia
com capacidade de funcionar como uma unidade em tempo real, em escala pla-
netária. Embora o modo capitalista de produção seja caracterizado por sua ex-
pansão contínua, sempre tentando superar limites temporais e espaciais, foi ape-
nas no final do século XX que a economia mundial conseguiu tornar-se verdadei-
ramente global com base na nova infra-estrutura, propiciada pelas tecnologias da
informação e da comunicação, e com a ajuda decisiva das políticas de desregula-
mentação e da liberalização postas em prática pelos governos e pelas instituições
internacionais.
Contudo, nem tudo é global na economia: de fato, a maior parte da produ-
são, do emprego e das empresas é, e continuará, local e regional. Nas duas álti-
mas décadas do século XX, o comércio internacional cresceu mais depressa que
a produção, mas o setor doméstico da economia ainda representa a maior parte do
PIB na maioria das economias. Os investimentos estrangeiros diretos aumenta-
ram ainda mais rapidamente do que o comércio na década de 1990, mas ainda é
uma fração do investimento direto total. Contudo, podemos afirmar que existe
uma economia global, porque as economias de todo o mundo dependem do de-
sempenho de seu núcleo globalizado. Esse núcieo globalizado contém os mer-
cados financeiros, o comércio internacional, a produção transnacional e, até cer-
to ponto, ciência e tecnologia, e mão-de-obra especializada, É por intermédio
desses componentes estratégicos globalizados da economia que o sistema econô-
mico se interliga globalmente. Assim, definirei de maneira mais precisa a econo-
j cionamento é o 143
A nova economia: informacionalismo, globalização, funcionamento em rede
mia global como uma economia cujos componentes centrais têm a capacidade
institucional, organizacional e tecnológica de trabalhar em unidade e em te mpo
real, ou em tempo escolhido, em escala planetária. Farei um comentário sucinto
das características principais dessa globalidade.
Tabela 2.6 Transações internacionais em obrigações e ações. 1970-1996
(percentagem do PIB)
1970 975 1980 1985 1990 1996!
0 151,5
8 42 9,0 35,1 894
japão " 15 77 630 120,0 82,8
Alemanha 33 51 75 33,4 573 196,8
França - - 84 214 536 229,2
Itália - 09 LI 40 26.6 4354
RU - - - 367,5 690,1 -
Canada 57 33 9,6 26,7 64,4 234,8
“ Janeiro-Setembro.
"1982,
Fonte: FMI (1997: 60), compilada por Held et al. (1999: tabela 4.16)
Mercados financeiros globais
Os mercados de capitais são globalmente interdependentes, e isso não é
assunto de ponca importância na economia capitalista.“ O capital é gerem o
vinte e quatro horas por dia em mercados financeiros globalmente nr o
funcionando em tempo real pela primeira vez na história: transações no val or de
bilhões de dólares são feitas em questão de segundos, através de circuitos eletrô-
nicos por todo o planeta. As novas tecnologias permitem que o capital ia A
portado de um lado para o outro entre economias em curtís mo prazo, e, o na
que o capital e, portanto, poupança e investimentos, estão terconeciados =
todo o mundo, de bancos a fundos de pensão, bolsa de valores e câml o s
fluxos financeiros, portanto, tiveram um crescimento impressionante em volume,
i idade e conectividade. . .
OD omove uma medida do crescimento fenomenal e da dimensão
das transações internacionais de valores entre 1970 e 1996 nas principais ceono
mias de mercado: medidas como proporções do PIB, as transações intemaei a
aumentaram num fator de cerca de 54 para os EUA, 55 para o Japão c quase
para a Alemanha.
144 conomia: i
A nova economia: informacionalismo, globalização, funcionamento em rede
Tabela 2.7 Ativos e passivos estrangeiros como percentual do total de ativos e passivos
dos hancos comerciais em países selecionados, 1960-1997
1960 1970 1980 1990 1997
França
Aivos - 16,0 300 249 346
assivos - mo 20 :
Alemanha mo “e
Ativos 24 87 9,7
o o . , 16,3 182
Passivos 43 90 22 !
E , 131 20,6
Ativos 26 37 42
. 3, 2 139 16,4
Passivos 36 31 :
Pass . 73 1974 18
Ativos 58 49 9,6
. . , 77 364
Passivos 28 38 15,0 :
Reino Unido o , +50 48
Ativos 6,2 46,1 64,7
o , , ; 450 sLO
Passivos 139 497 67 :
Estados Unidos ' o dê é
Ativos 14 22 110
vi . , 4 56 38
Passivos 37 54 90 69 85
Fonte: Caleulada com dados de IME, Internatio) fal Stafi
, nal Fi Sh a :
de Held et al (1999. bela 4.17) nancial Statistics Yearbook (vários anos)
. A essa tendência das economias avançadas devemos acrescentar a integra-
são dos ditos “mercados emergentes” (isto é, países em desenvolvimento e eco-
nomias em transição) nos circuitos dos fluxos do capital global: o total dos fluxos
financeiros para os países em desenvolvimento aumentou num fator de 7 entre
1960 e 1996. Os bancos aceleraram sua internacionalização na década de 1990
(conforme mostra a tabela 2.7). Em 1996, enquanto os investidores compravam
ações e títulos de mercados emergentes por US$50 bilhões, os bancos fizeram
empréstimos de US$76 milhões nesses mercados. A aqui de ações estran-
Beiras feita por investidores de economias industrializadas aumentou num fator
de 197 entre 1970 e 1997. Nos EUA, o investimento no exterior feito por fundos
de pensão, de menos de 1% de seus ativos em 1980 para 17% em 1997. Na eco-
nomia global, por volta de 1995, os fundos mútuos, os fundos de pensão e os
investidores institucionais em geral controlavam US$20 trilhões; isto é, cerca de
dz vezes mais que em 1980, c uma quantia equivalente a cerca de dois terços do
B global daquela época. Entre 1983 e 1995, calculando-se os índices médios
anuais de mudança, enquanto o PIB real do mundo crescia 3,4%, e o volume
mundial de exportações aumentavam 0,6%, a emissão total de títulos e emprésti-
e ai pie
A nova economia: informacionalismo, globalização. funcionamento em rede 145
mos aumentou em 8,2%, é os estoques totais de títulos e empréstimos em circula-
ção aumentou 9,8%. Em consegiiência disso, em 1998 o total de estogues de
empréstimos e títulos em circulação chegava a cerca de US$ 7,6 trilhões, cifra
equivalente a mais de um quarto do PIB global.
Um acontecimento essencial na globalização financeira é o volume impres-
sionante do comércio de divisas, que condiciona o câmbio entre as mocdas nacio-
nais, solapando de maneira decisiva a autonomia dos governos nas políticas mone-
tárias e fiscais. A rotatividade diária dos mercados de divisas ao redor do mundo
em 1998 chegou a US$ 1,5 trilhão, o equivalente a mais de 1 10% do PIB do Reino
Unido em 1998. Esse volume do mercado de divisas representou um aumento no
valor do mercado global de divisas num fator de 8 entre 1986 e 1998. Esse
aumento extraordinário em geral não tinha relação com o comércio internacional.
A proporção entre a rotatividade real do câmbio c o volume de exportações no
mundo subiu de 12:1 em 1979 pata 60:1 em 1996, revelando assim a natureza
predominantemente especulativa do câmbio de moedas.
A interdependência global dos mercados financeiros é resultante de cinco
fatos principais. O primeiro fator é a desregulamentação dos mercados financei-
ros na maioria dos países e a liberalização das transações internacionais. Um
momento decisivo desse processo de desregulamentação foi o chamado “Big Bang”
da cidade de Londres em 27 de outubro de 1987. Essa nova liberdade financeira
permitiu que se mobilizasse capital de todas as Tontes de qualquer lugar para ser
investido em qualquer lugar. Nos EUA, entre 1980 e fins da década de 1990, os
investimêntos de fundos de pensão, fundos mútuos € investidores institucionais
cresceu num fator de 10 e, em 1998, a capitalização da bolsa de valores nos EUA
chegou a 140% do PIB.
O segundo elemento é a criação de uma infra-estrutura tecnológica, que
conta com telecomunicações avançadas, sistemas interativos de informações e
computadores potentes, capazes de processamento em alta velocidade dos mode-
los necessários para lidar com a complexidade das transações. O terceiro fator de
conectividade resulta da natureza dos novos produtos financeiros, tais como deri-
vativos (futuros, opções. swaps e outros produtos complexos). Os derivativos são
certificados sintéticos que quase sempre combinam os valores de ações, títulos,
opções, commodities c moedas de vários países. Operam com base em modelos
matemáticos. Recombinam valores ao redor do mundo e ao longo do tempo, ge-
rando assim capitalização de mercado oriunda da capitalização de mercado. Al-
gumas estimativas definem o valor de mercado dos derivativos negociados em
1997 em cerca de US$ 360 trilhões, o que resultaria em cerca de 12 vezes o valor
do PIB global.” Ao juntar produtos negociados em diversos mercados, os deriva-
146 A nova economia: informacionatismo, globalização, funcionamento em rede
tivos unem o desempenho desses mercados a sua valorização de produto em qual-
quer mercado. Se o valor de um dos componentes de um derivativo (cx.: uma
moeda) cai, a desvalorização pode ser transmitida a outros mercados por meio da
desvalorização do derivativo, seja qual for o desempenho do mercado onde o
derivativo é negociado. Contudo, essa desvalorização pode ser compensada pela
reavalização de outro componente do derivativo. As proporções relativas, e o
tempo, dos movimentos de valorização e desvalorização dos diversos componen-
tes são bastante imprevisíveis. Em razão dessa complexidade dos derivativos,
eles aumentam sua volatilidade nas redes financeiras globais.
Uma quarta fonte de integração dos mercados financeiros compreende
movimentos especulativos de fluxos financeiros, movimentando-se rapidamente
para dentro e para fora de determinado mercado, certificado ou moeda, para
aproveitar diferenças em valorização ou evitar uma perda, assim ampliando ten-
dências do mercado, em ambas as direções, e transmitindo esses movimentos
aos mercados ao redor do mundo.“ Nesse novo ambiente, as organizações finan-
ceiras originalmente configuradas para opor-se ao risco, tais como fundos de
hedge, tornaram-se uma das principais ferramentas da integração global, da es-
peculação e, em último recurso, de instabilidade financeira. Os fundos de hedge,
em geral sujeitos a regulamentação suave, e quase sempre localizados fora do
território dos principais mercados financeiros, administram o dinheiro de gran-
des investidores, inclusive bancos e investidores institucionais, na esperança de
obter índices de retorno mais altos (ao preço de risco mais alto) do que os ofere-
cidos pelo mercado dentro dos limites de um ambiente regulamentado. O capital
e a influência financeira dos fundos de hedge elevaram-se muito na década de
1990. Entre 1990 e 1997 seus ativos se multiplicaram por 12 e, em fins da década
de 1990, cerca de 3.500 fundos de hedge estavam administrando US$200 bi-
lhões e utilizando esse capital para fazer empréstimos — e apostas — de quan-
tias muito mais altas.*!
Em quinto lugar, as firmas de avaliação do mercado, tais como Standard &
Poor, ou Moody's, também são fortes elementos de interligação entre os mer-
cados financeiros. Ao classificar os certificados, e às vezes economias nacionais
em sua totalidade, segundo os padrões globais de confiabilidade, costumam ditar
regras em comum aos mercados de todo o mundo. Suas classificações costumam
disparar movimentos em certos mercados (ex.: Coréia do Sul em 1997) e, então,
espalhar-se por outros mercados.“
Uma vez que os mercados de capitais e as moedas são interdependentes, as
Políticas monetárias, as taxas de de juros e as economias de todas as partes tam-
bém o são. Embora os principais centros empresariais forneçam os recursos hu-
A nova economia: informacionalismo, globalização. tuncionamento em rede 149
manos € instalações necessárias para gerenciar uma rede financeira global cada
vez mais complexa,” é nas redes de informação que conectam esses centros que
as verdadeiras operações de capital ocorrem. O fluxos de capital tornam-se glo-
-vis o desempenho real
bais e, ao mesmo tempo, cada vez mais autônomos vi;
das economias.“
Por fim, é o desempenho do capital nos mercados globalmente interdepen-
dentes que decide, em grande parte, o destino das economias em geral. Esse de-
sempenho não depende inteiramente de normas econômicas. Os mercados finan-
ceiros são mercados, mas tão imperfeitos que só atendem parcialmente às leis da
oferta e da procura. Os movimentos nos mercados financeiros são o resultado de
uma combinação complexa de leis de mercado, estratégias empresariais, regula-
mentos de motivação política, maquinações de bancos centrais, ideologia de tec-
nocratas, psicologia de massa, manobras especulativas e informações turbulentas
de diversas origens.” Os fluxos de capital resultantes, de e para certificados espe-
cíficos, e mercados específicos, são transmitidos pelo mundo à velocidade da luz,
embora o impacto dessas movimentações seja processado específica e imprevisi-
velmente por cada mercado. Investidores financeiros ousados tentam domesticar
o tigre, prevendo tendências em seus modelos em computador e apostando numa
série de hipóteses. Assim fazendo, geram capital de capital, e elevam
exponencialmente o valor nominal (embora destruam ocasionalmente parte des-
se valor durante as “correções do mercado”). O resultado do processo é o aumen-
to da concentração de valor, e geração de valor, na esfera financeira, numa rede
global de fluxos de capital administrados por redes de sistemas de informática, e
seus serviços auxiliares. A globalização dos mercados financeiros é a espinha
dorsal da nova economia global.
x
Globalização dos mercados de bens e serviços: crescimento e
transformação do comércio internacional
O comércio internacional é, historicamente, o elo principal entre as econo-
mias nacionais. Não obstante, sua importância relativa no processo atual de glo-
balização é menor do que a da integração financeira e do que a da internacionali-
zação dos investimentos e da produção internacionais diretas. Não obstante, o
comércio ainda é um componente fundamental da nova economia global.* O
comércio internacional cresceu substancialmente nos últimos trinta anos do sé-
culo XX, tanto em volume quanto em percentagem do PIB, tanto para países
desenvolvidos quanto para países em desenvolvimento (ver figura 2.3).
152 A nova economia: informacionalismo, globalização, funcionamento em rede
Globalização versus regionalização?
Nas décadas de 1980 e 1990, a evolução do comércio internacional foi
marcada pela tensão entre duas tendências evidentemente contraditórias: de um
lado, a liberalização cada vez maior do comércio; de outro, uma série de projetos
governamentais para a criação de blocos de comércio. A mais importante dessas
áreas de comércio é a União Européia, mas a tendência óbvia de regionalização
da economia mundial estava presente em outras áreas do mundo, como exemplica
o Tratado de Livre Comércio da América do Norte (NAFTA), o MERCOSUL e a
Cooperação Econômica da Ásia e do Pacífico (APEC). Essas tendências, junta-
mente com o protecionismo persistente no mundo inteiro, em especial no leste e
no sul da Ásia, levaram inúmeros observadores, eu dentre eles, a propor a idéia de
uma economia global regionalizada. * Isto é, um sistema global de áreas de co-
mércio, com homogencização cada vez maior de alfândegas dentro da área, ao
mesmo tempo mantendo as barreiras comerciais com relação ao resto do mundo.
Contudo, um exame mais detido dos indícios, à luz dos acontecimentos de fins da
década de 1990, questiona a tese de regionalização. Held e colegas, depois de
analisar inúmeros estudos, concluem que “os indícios demonstram que a
regionalização do comércio é complementar, e cresceu paralelamente, ao comér-
cio inter-regional”.” De fato, um estudo de Anderson e Norheim sobre os pa-
drões de comércio mundial a partir da década de 1930 indica um crescimento
igualmente igual do comércio entre e dentro de regiões. A intensidade do comér-
cio inter-regional é, de fato, menos na Europa ocidental do que na América ou na
Ásia, o que solapa a importância da institucionalização no reforço do comércio
intra-regional.”! Outros estudos indicam um aumento na propensão ão comércio
extra-regional na América e na Ásia, e uma propensão flutuante na Europa.”
Os acontecimentos da década de 1990 levam-nos a reexaminar mais pro-
fundamente a tese da regionalização. Em 1999 a União Européia tornou-se, para
todas as finalidades práticas, uma só economia, com alfândegas unificadas, uma
só moeda e um Banco Central Europeu. A adoção do euro pela Inglaterra e pela
Suécia parecia ser questão de tempo, para ajustar-se às exigências de suas políti-
cas domésticas. Assim, parece inadequado continuar considerando a União Eu-
ropéia um bloco comercial, já que o comércio intra-UE não é internacional, po-
rém inter-regional, semelhante ao comércio inter-regional dentro dos Estados
Unidos. Isso não significa o desaparecimento dos Estados europeus, como argu-
mentarei no volume II. Mas formaram, juntos, uma nova forma de Estado, um
estado em rede, cuja característica principal é uma economia unificada, não ape-
nas um bloco comercial.
A nova economia: informacionalismo, globalização, funcionamento cm rede 153
Vamos agora tratar do Pacífico asiático. Frankel calculava que a maior parte do
crescimento do comércio intra-asiático na década de 1980 ocorria em função dos
altos índices de desenvolvimento econômico na área, aumentando sua participação
na economia mundial, composta pela proximidade geográfica.” Cohen e Guerrieri,
em sua revisão da análise de Frankel, diferenciaram dois períodos de comércio intra-
asiático: 1970-85 e 1985-92.* No primeiro período, os países asiáticos exportaram
predominentemente para o resto do mundo, em especial para a América do Norte e
para à Europa. As importações intra-regionais na Ásia aumentaram de maneira cons-
tante durante esse período, Porém, dentro da Ásia, o Japão anunciou significati-
vos superavits de comércio em relação aos vizinhos. Assim, o Japão teve superavit
comercial com a América do Norte, a Europa e a Ásia, ao passo que os países
asiáticos compensaram seu deficit com o Japão aumentando o superavit com a
América e a Europa. No segundo período, o comércio intra-asiático aumentou
substancialmente, de 32,5 por cento das exportações asiáticas em 1985 para 39,8%
em 1992. As importações intra-regionais chegaram a 45,1 % de todas as importa-
ções asiáticas, Contudo, essa cifra agregada oculta uma assimetria importante: o
Japão passou a importar menos da Ásia, ao passo que suas exportações para a
Ásia aumentaram, em especial de produtos tecnológicos. O deficit comercial da
Ásia com o Japão aumentou substancialmente durante o período. Assim como no
primeiro período, para compensar seu deficit comercial com o Japão, os países
ticos geraram superavits com os Estados Unidos e, em grau menor, com a
Europa. As conclusões dessa análise foram de encontro à idéia de uma região
pacífico-asiática integrada. Isso porque a dinâmica interna do comércio na re-
gião, e o desequilíbrio entre o Japão e o resto da Ásia, foram sustentados pela
geração contínua de superavits comerciais com o resto do mundo, em especial
com os Estados Unidos. O crescimento do comércio intra-asiático não alterou a
dependência fundamental da região com relação ao desempenho de suas exporta-
ções no mercado mundial, especialmente em países não-asiáticos. A recessão da
economia japonesa na década de 1990, e a crise asiática de 1997-8, reforçou
ainda mais essa dependência dos mercados extra-regionais. Diante de uma de-
manda intra-regional em declínio, as economias asiáticas apostaram sua recupe-
ração na melhoria do desempenho da exportação em mercados fora da região,
para tornar-se mais compctivas, com êxito considerável, em especial para empre-
sas de Taiwan, Cingapura e Coréia do Sul (ver volume II, capítulo 4). O ingresso
da China como um dos principais exportadores (em especial para o mercado
estadunidense), e a orientação cada vez mais externa da economia indiana, altera-
ram o equilíbrio a favor de um padrão multidirecional de comércio nas econo-
mias asiáticas. Quanto à APEC, é apenas uma associação de consultoria, que
154 A nova economia: informacionalismo, globalização, funcionamento em rede
trabalha em colaboração íntima com os Estados Unidos e a Organização Mundial
do Comércio. A iniciativa mais notável da APEC, a declaração de Osaka, que
proclamava a meta de livre comércio por todo o Pacífico até 2010, não pode ser
interpretada como um passo rumo à integração regional, mas, pelo contrário, um
projeto de integração total dos países do Pacífico no comércio global. Ademais, a
integração institucional da área do Pacífico asiático depara-se com dificuldades
geopolíticas insuperáveis. A ascensão da China ao posto de superpotência, e as
recordações duradouras do imperialismo japonês na II Guerra Mundial, tornam
impensável um modelo de cooperação institucional semelhante ao da União Eu-
ropéia entre as duas economias gigantescas da região, e entre elas e suas vizinhas,
o que exclui a possibilidade de bloco do yen ou de uma união alfandegária no
Pacífico asiático. Em resumo, o que observamos é uma integração cada vez maior
do comércio do Pacífico asiático na economia global, em vez de uma implosão
intra-regional no Pacífico.
Já nas Américas, a NAFTA simplesmente institucionaliza a já existente
interpenetração das três economias norte-americanas. A economia canadense tem
sido, há muito tempo, uma região da economia estadunidense. A mudança signi-
ficativa diz respeito ao México, depois que os EUA conseguiram baixar as bar-
teiras tarifárias, principalmente para vantagem de empresas estadunidenses em
ambos os lados da fronteira. Mas a liberalização do comércio exterior e o inves-
timento no México já estavam em andamento na década de 1980, conforme exem-
plificado pelo programa das maquiladoras, Se acrescentarmos o movimento livre
de capital e moedas, os fluxos maciços de mão-de-obra mexicana através da fron-
teira, c a formação de redes de produção extra-fronteiras na manufatura e na
agricultura, o que observamos é a formação de uma economia, a economia norte-
americana, composta por EUA, Canadá e México, e não o surgimento de um
bloco comercial. As economias centro-americana e caribenha são, com exceção
de Cuba no momento, satélites do bloco da NAFTA, em continuidade histórica
com sua dependência dos Estados Unidos.
O MERCOSUL (formado por Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai, com a
Bolívia e o Chile em associação íntima na virada do século) é um projeto promis-
sor para a integração econômica da América do Sul. Com um PIB combinado de
US$1,2 trilhão em 1998, e um mercado em potencial de mais de 230 milhões de
pessoas, é, de fato, o único caso que mais se aproxima da idéia de bloco comer-
cial. Houve um processo gradual de unificação alfandegária dentro do MERCO-
SUL, levando a uma intensificação do comércio intra-MERCOSUL. Possíveis
acordos futuros com os países do Pacto Andino poderiam expandir a aliança
comercial a toda a América do Sul. Há, porém, graves obstáculos à consolidação
A nova economia: informacionalismo, globalização, funcionamento em rede 155
do MERCOSUL. O mais importante é a necessidade de coordenar as políticas
monetária e fiscal, que exigiriam a unificação das moedas dos países participan-
tes. As graves tensões que surgiram em 1999 entre o Brasil e a Argentina de-
monstraram a fragilidade do acordo na ausência de um método coordenado de
integração financeira na economia global. O aspecto mais significativo do desen-
volvimento do MERCOSUL é, de fato, que ele indica a independência cada vez
maior das economias sul-americanas em relação aos Estados Unidos. De fato, na
década de 1990, as exportações do MERCOSUL para a União Européia ultrapas-
saram as exportações para os Estados Unidos. Juntamente com os investimentos
europeus cada vez maiores na América do Sul (em especial da Espanha), a conso-
lidação do MERCOSUL poderia significar uma tendência ramo à integração
multidirecional da América do Sul na economia global.
Embora os projetos de blocos comerciais tenham fracassado ou evoluído e
se transformado em integração econômica total na década de 1990, a abertura do
comércio global foi impulsionada por inúmeros passos institucionais rumo a sua
liberalização. Depois da conclusão com êxito da Rodada Uruguai do GATT pelo
Acordo de Marrocos em 1994, que levou a uma redução significativa das tarifas
no mundo inteiro, foi criada uma nova Organização Mundial do Comércio (OMC)
para funcionar como cão de guarda da ordem comercial liberal e mediadora dos
litígios comericias entre os parceiros comerciais. Os acordos multilaterais patro-
cinados pela OMC criaram uma nova estrutura para o comércio internacional,
promovendo a integração global. Em fins da década de 1990, por iniciativa do
governo dos Estados Unidos, a OMC concentrou suas atividades na liberalização
do comércio de serviços, e em chegar a um acordo acerca dos aspectos relaciona-
dos a comércio de direitos de propriedade intelectual (TRIPS). Em ambos os
campos, indicava a ligação estratégica entre o novo estádio da globalização e a
economia informacional,
Portanto, em exame mais minucioso, a configuração da economia global na
virada do século afasta-se muito da estrutura regionalizada cuja hipótese foi for-
mulada no início da década de 1990. A União Européia é uma economia, e não
uma região, O Leste Europeu está no processo de tornar-se parte da União Euro-
péia e, durante algum tempo, será, em essência, um apêndice da UE. A Rússia vai
demorar muito para se recuperar de sua arrasadora transição para o capitalismo
selvagem, e quando estiver finalmente apta a negociar com a economia global
(além de seu papel atual de fornecedora de mercadorias primárias), vai fazê-lo
impondo suas próprias condições. A NAFTA e a América Central são, na verda-
de, complementos da economia dos EUA. O MERCOSUL é, por ora, um traba-
lho em andamento, sempre à mercê da mais recente mudança de humor presiden-
156 A nova economia: informacionalismo, globalização, funcionamento em rede
cial do Brasil e da Argentina. As exportações do Chile se diversificam no mundo
inteiro, É provável, portanto, que o mesmo aconteça com as exportações da Co-
lômbia, da Bolívia e do Peru, em especial se conseguíssimos avaliar seu principal
produto de exportação (que não é o café). Nessas condições parece que se ques-
tiona cada vez mais a dependência tradicional do comércio sul-americano aos
Estados Unidos. Consegjiientemente, parece não existir uma “região das Améri-
cas”, embora exista uma entidade EUA/NAFTA e, evoluindo independentemen-
te, o projeto do MERCOSUL. Não existe região do Pacífico asiático, embora
exista um substancial comércio trans-pacífico (com os EUA em uma de suas
pontas). A China e a Índia afirmam-se como economia: autônomas, continentais,
que estabelecem suas próprias conexões internacionais com as redes do comércio
internacional. O Ortente Médio continua a manter seu pape) limitado de fornece-
dor de petróleo, com pouca diversificação em suas economias domésticas. O nor-
te da África está se tornando satélite da União Européia, como uma espécie de
freio da imigração incontrolável c indesejável dos países empobrecidos. E a Áfri-
ca subsaariana, com a importante exceção da África do Sul, está sendo cada vez
mais marginalizada na economia mundial, como analisarci no volume II. Assim,
afinal, parece que há pouca regionalização na economia global, além do padrão
costumeiro dos acordos e dos litígios comerciais entre a União Européia, o Japão
e os Estados Unidos. Aliás, as áreas de influência dessas três superpotências eco-
nômicas se superpõem cada vez mais. O Japão e a Europa fazem incursões substan-
ciais na América Latina. Os EUA intensificam seu comércio com a Ásia e a
Europa. O Japão expande o comércio com a Europa. E a China e a Índia são
obrigadas a entrar na economia global com uma multiplicidade de parceiros co-
merciais. Em resumo, o processo de regionalização da economia global dissol-
veu-se, em grande parte, em favor de uma estrutura de padrões comerciais de
diversas camadas, diversas redes, que não se pode apreender por intermédio das
categorias de países como unidades de comércio e concorrência.
De fato, os mercados de mercadorias e serviços estão-se tornando cada vez
mais globalizados. Mas as verdadeiras unidades de comércio não são países, po-
tém empresas, e redes de empresas. Isso não significa que todas as empresas
atuem mundialmente. Mas quer dizer que a meta estratégica das empresas, gran-
des e pequenas, é comercializar onde for possível em todo o mundo, tanto direta-
mente como através de suas conexões com redes que operam no mercado mun-
dial, E, de fato, em grande parte graças às novas tecnologias da comunicação e
dos transportes, existem canais e oportunidades para negócios em todo lugar.
Entretanto, essa afirmação merece algumas ressalvas, pelo fato de que os mer-
cados domésticos representam a maior parte do PIB na maioria dos países e que,
atraso
A nova economia: informacionalismo, globalização, funcionamento em rede 157
nos países em desenvolvimento, as economi, nformais, voltadas principalmen-
te para os mercados locais, constituem a maior parte dos empregos urbanos. Além
disso, algumas grandes economias, por exemplo, o Japão, têm importantes seg-
mentos (obras públicas, comércio varejista etc.) protegidos da concorrência mun-
dial pelo governo e por isolamento cultural e institucional.” E os serviços públi-
cos é instituições governamentais por todo o mundo, que representam entre um
terço e mais da metade dos empregos em cada país, de forma geral estão e conti-
nuarão fora da concorrência internacional. No entanto, os segmentos e as empre-
sas predominantes, núcleos estratégicos de todas as economias, estão profunda-
mente conectados com o mercado mundial e seu destino é uma função de seu
desempenho nesse mercado. Os setores e as empresas que produzem bens e servi-
ços não-negociáveis não podem ser entendidos isolados dos setores negociáveis.
O dinamismo dos mercados internos depende, em última análise, da capacidade
das empresas do país e das redes de empresas para competir globalmente.” Ade-
mais, o comércio internacional não pode mais separar-se dos processos de produ-
ção transnacional de bens e serviços. Assim, O comércio intemacional intra-em-
presas talvez represente mais de um terço do total do comércio internacional.” E
a internacionalização da produção, e das finanças, está entre as mais importantes
fontes de crescimento no comércio internacional de serviços.”
O debate sobre a regionalização da economia global denota, contudo, uma
questão importantíssima: o papel dos governos e das instituições internacionais
no processo de globalização. As redes de empresas, negociando no mercado glo-
bal, são apenas uma parte da história. Igualmente importantes são os atos das
instituições públicas no patrocínio, na restrição e na formação do livre comércio,
e no posicionamento dos governos em apoio a esses personagens econômicos
cujos interesses representam. Não obstante, não se pode entender a complexida-
de da interação entre as estratégias governamentais e a concorrência comercial
com as idéias simplistas de regionalização e blocos comerciais. Farei algumas
sugestões acerca dessa teoria político-econômica da globalização depois de ana-
lisar outra camada de sua complexidade: a internacionalização em rede do núcleo
do processo de produção.
A internacionalização da produção: grupos empresariais
multinacionais e redes internacionais de produção
Durante a década de 1990, houve um processo acelerado de internacionaliza-
ção de produção, da distribuição e da administração de bens e serviços. Esse proces-
162 A nova economia: informacionalismo, globalização, funcionamento em rede
tiva global, medida aproximada da dependência econômica. Porém mais reveladora
é a comparação de proporções entre áreas desenvolvidas. O Japão (com o altíssimo
índice de 116,5) exibe sua integração assimétrica nas redes de produção global.
Por outro lado, os EUA, com índice de 18,7, parece sofrer penetração profunda
de empresas estrangeiras. A Europa ocidental está entre esses dois extremos,
com índice de 40,3, exibindo o maior número de empresas-mães localizadas no
próprio país, mas, ao mesmo Lempo, também sendo a sede de 61.900 afiliadas
estrangeiras (em comparação com as 18.600 dos EUA). Essa penetração Tecípro-
ca das economias avançadas é confirmada pelo fato de que as ações de inves
mentos estrangeiros diretos nas economias mais avançadas cresceram substan-
cialmente na década de 1990. Em outras palavras, as empresas dos EUA e da
Europa ocidental têm números cada vez maiores de subsidiárias em ambos os
territórios; as empresas japonesas ampliaram seu padrão multilocal no mundo
inteiro, ao passo que o Japão continua muito menos permeável a subsidiárias
estrangeiras do que as outras áreas do mundo; as multinacionais localizadas nos
países em desenvolvimento estão fazendo incursões no sistema global de produ-
ção, embora ainda em escata limitada, As empresas com sede nos países da OCDE
estão presentes em todo o mundo em desenvolvimento: em fins da década de
1990, as MNC representavam cerca de 30% da manufatura doméstica na Améri-
ca Latina, entre 20% e 30% da produção particular total da China, 40% do valor
ásia e 70% em Cingapura — porém só 10% da
agregado em manufatura na Malá
produção manufaturada da Coréia, 15% de Hong Kong e 20% de Taiwan.
Até que ponto essas empresas multinacionais são nacionais? Existe uma
marca persistente de sua matriz nacional no pessoal do alto escalão, na cultura
empresarial e na relação privilegiada com o governo de seu país-natal.º Contu-
do, há inúmeros fatores que configuram o caráter cada vez mais multinacional
dessas empresas. As vendas e os lucros das afiliadas estrangeiras representam
uma proporção substancial dos ganhos totais de cada empresa, em especial das
empresas estadunidenses. O pessoal de alto nível não raro é recrutado tendo-se
em mente sua familiaridade com cada ambiente específico. E os melhores talen-
tos são promovidos dentro da cadeia de comando da empresa, seja qual for sua
origem nacional, contribuindo assim para uma mistura multicultural cada vez
maior nos mais altos escalões. Os contatos empresariais e políticos ainda são
fundamentais, porém são específicos do contexto nacional onde a empresa opera.
Assim, quanto maior a globalização da empresa, maior será seu espectro de con-
tatos empresariais e conexões políticas, segundo as condi
se sentido, são empresas multinacionais, e não transnacionais. Isto é, têm mútiplos
cod
A nova economia: informacionalismo. globalização, funcionamento em rede 163
em vez de serem indiferentes à nacionalidade e aos contextos
vínculos nacionais,
g.8
nacionais
Não obstante, a tendência crítica na evolução da produção global na década
de 1990 é a transformação organizacional do processo de produção, inclusive a
transformação das próprias empresas multinacionais. Cada vez mais, a produção
global de bens e serviços não é realizada por empresas multinacionais, porém por
redes transnacionais de produção, das quais as empresas multinacionais são com-
ponentes essenciais, porém componentes que não funcionariam sem o resto da
rede. Analisarei pormenorizadamente essa transformação organizaciona! no
capítulo 3 deste volume. Mas tratarei do assunto aqui para oferecer um relato
preciso da estrutura e do processo da nova economia global.
Além dos grupos de empresas multinacionais, empresas pequenas e mé-
dias em muitos países — com EUA (ex. Vale do Silício), Hong Kong, Taiwan e
norte da Itália hospedando os exemplos mais notáveis — formaram redes coope-
rativas, o que lhes permitiu tornarem-se competitivas no sistema globalizado de
produção. Essas redes ligaram-se a grupos multinacionais, tornando-se subcon-
tratadas recíprocas. Com maior frequência, as redes de empresas pequenas/mé-
dias se tornam subcontratadas de uma ou várias empresas grandes. Mas também
há casos fregiientes dessas redes que fazem acordos com multinacionais para
obter acesso ao mercado, tecnologia, capacidade de administração ou nome de
marca. Muitas dessas redes de empresas pequenas e médias também são transna-
cionais, por intermédio de acordos internacionais, conforme exemplificam os
fabricantes de computadores taiwancses e israelenses, ampliando suas redes até
o Vale do Silício.
Ademais, conforme argumentarei no capítulo 3, as multinacionais são, cada
vez mais, redes internas descentralizadas, organizadas em unidades semi-autôno-
mas, segundo os países, os mercados, os métodos e os produtos. Cada uma dessas
unidades se liga a outras unidades semi-autônomas de outras multinationais, na
forma de alianças estratégicas ad foc. E cada uma dessas alianças (na verdade,
redes) é um nó de redes secundárias de pequenas e médias empresas. Essas redes
de redes de produção tem uma geografia transnacional, que não é indiferenciada:
cada função produtiva encontra local próprio (em termos de recursos, custos,
qualidade e acesso ao mercado) e/ou se liga a uma nova empresa da rede que
esteja no local apropriado.
Assim, os segmentos dominantes da maioria dos setores de produção (tanto
bens, quanto serviços) estão organizados mundialmente em seus procedimentos
operacionais reais, formando o que Robert Reich rotulou de “a rede global”. O
processo produtivo incorpora componentes produzidos em vários locais diferen-
164 A nova ceonomia: informacionalismo, globalização, funcionamento em rede
tes, por diferentes empresas, e montados para atingir finalidades e mercados es-
pecíficos em uma nova forma de produção e comercialização: produção em gran-
de volume, flexível e sob encomenda. Essa rede não corresponde à idéia simplista
de uma empresa global com unidades fomecedoras diferentes em todo o mundo.
O novo sistema produtivo depende de uma combinação de alianças estratégicas e
projetos de cooperação ad hoc entre empresas, unidades descentralizadas de cada
empresa de grande porte e redes de pequenas e médias empresas que se conectam
entre si e/ou com grandes empresas ou redes empresariais. Essas redes produti-
vas transnacionais operam sob duas configurações principais: na terminologia de
Gereffi, cadeias produtivas controladas pelos produtores (em setores como o de
automóveis, computadores, aeronaves, máquinas e equipamentos elétricos) e ca-
deias produtivas controladas pelos compradores (em setores como o de vesttrá-
rio, calçados, brinquedos e utilidades domésticas). O que é fundamental nessa
estrutura industrial, bem ao estilo de uma teia, é que ela está disseminada pelos
territórios em todo o globo e sua geometria muda constantemente no todo e em
cada unidade individual. Nessa estrutura, o mais importante elemento para uma
estratégia administrativa bem-sucedida é posicionar a empresa (ou determinado
projeto industrial) na rede, de modo a ganhar vantagem competitiva pata sua
posição relativa. Conseguentemente, a estrutura tende a reproduzir-se c manter
sua expansão conforme a concorrência continua e, dessa forma, vai aprofundando
o caráter global da economia. Para que a empresa opere em uma geometria de
produção e distribuição tão variável, há necessidade de uma forma flexível de
gerenciamento que depende da flexibilidade da própria empresa e do acesso a
tecnologias de comunicação e produção adequadas a essa flexibilidade (ver capí-
tulo 3). Um'exemplo: para conseguir montar peças produzidas em fontes muito
diferentes, é necessário contar, de um lado, com uma qualidade de precisão ba-
seada em microeletrônica durante o processo de fabricação, de modo que as pe-
ças sejam compatíveis nos mínimos detalhes da especificação; de outro, com
uma flexibilidade proporcionada por computadores que capacitem a fábrica a
programar o escoamento da produção de acordo com o volume e as característi-
cas personalizadas de cada pedido. Além disso, o gerenciamento dos estoques
dependerá da existência de uma rede adequada de fornecedores treinados, cujo
desempenho foi melhorado na última década pela nova capacidade tecnológica
de ajustar a procura e a oferta on-fine. Assim, a nova divisão internacional da
mão-de-obra é, cada vez mais, intra-empresas. Ou, mais precisamente, intra-re-
des de empresas, Essas redes produtivas transnacionais, ancoradas pelas empre-
sas multinacionais, distribuídas pelo planeta de maneira desigual, dão forma ao
padrão de produção global e, por fim, ao padrão do comércio internacional.
A nova economia: informacionalismo, globalização, funcionamento em rede 165
Produção informacional e globalização seletiva da ciência
e da tecnologia
A produtividade e a competitividade na produção informacional baseiam-
se na geração de conhecimentos e no processamento de dados. À geração de
conhecimentos e a capacidade tecnológica são as ferramentas fundamentais para
a concorrência entre empresas, organizações de todos os tipos e, por fim, paí-
ses.” Assim, a geografia da ciência e da tecnologia deve surtir grande impacto
sobre as sedes e as redes da economia global, De fato, observamos uma concen-
tração extraordinária de ciência e tecnologia num número menor de países da
OCDE. Em 1993, dez países compunham 84% da P&D global, e controlavam
95% das patentes estadunidenses das duas décadas anteriores. Em fins da década
de 1990, os 20% da população mundial que vivem nos países de alta renda ti-
nham à disposição 74% das linhas telefônicas, e representavam 93% dos usuá-
rios da Internet" Esse predomínio tecnológico ia de encontro à idéia de uma
economia global baseada no saber, a não ser na forma de uma divisão hierárqui-
ca de mão-de-obra entre produtores baseados no saber, localizados em um pe-
queno número de “cidades e regiões globais” e o resto do mundo, composto de
economias tecnologicamente dependentes. Não obstante, os padrões de interde-
pendência tecnológica são mais complexos do que indicam as estatísticas da
desigualdade geográfica.
Em primeiro lugar, as pesquisas elementares, principal fonte de conheci-
mentos, localizam-se, em proporção muito grande, em universidades de pesquisa
e no sistema de pesquisas públicas ao redor do mundo (por exemplo, no Max
Planck da Alemanha; no CNRS da França; na Academia de Ciências da Rússia;
na Academia Sinica da China, e nas instituições dos EUA como o National Institute
of Health, principais hospitais e programas de pesquisa patrocinados por institui-
ções como a National Science Foundation e o DARPA do Departamento de De-
fesa. Isso significa que, com a importante exceção das pesquisas militares, o sis-
tema fundamental de pesquisas é aberto e acessível. De fato, nos EUA, na década
de 1990, mais de 50% dos títulos de PhD em ciências e engenharia foram confe-
ridos a estrangeiros. Cerca de 47% desses doutorados acabaram ficando nos EUA,
mas isso devido à incapacidade de seus países de origem atraí-los, e não por
indicar a natureza fechada do sistema científico (assim, 88% dos doutorandos da
China é 79% dos doutorandos da Índia ficaram nos EUA, mas só 13% do Japão e
11% da Coréia do Sul). Ademais, o sistema de pesquisas acadêmicas é globai.
Depende da comunicação incessante entre os cientistas do mundo inteiro. A co-
munidade científica sempre foi, em grande parte, uma comunidade internacional,
166 i
A nova economia: informacionalismo, globalização. funcionamento em rede
se não global, de acadêmicos, no Ocidente, desde os tempos da escolástica euro-
péia. As ciências estão organizadas em campos específicos de pesquisa,
estruturadas em redes de pesquisadores que interagem por intermédio de publica-
ções, conferências, seminários e associações acadêmicas. Porém, além disso, as
ciências contemporâneas caracterizam-se pela comunicação on-line como caracte-
rístic, permanente de seu trabalho. De fato, a Internet nasceu do casamento per-
vertido dos militares com a “grande ciência”, e seu desenvolvimento até o início
da década de 1980 estava, em grande parte, confinado às redes de comunicação
científica. Com a ampliação da Internet na década de 1990, e a acelera: jo da
velocidade e do âmbito das descobertas científicas, a Internet é o correio eletrônio
co contribuíram para a formação de um sistema científico global. Nessa comuni-
dade científica decerto há um viés favorável aos países c às instituições predomi-
nantes, pois o inglês é a língua internacional, e as instituições científicas dos
EUA e da Europa ocidental dominam de maneira abrangente o acesso às public:
ções, às verbas para pesquisas e aos cargos de prestígio. Contudo, dentro desses
limites, existe uma rede científica global que, apesar de assimétrica, garante a
comunicação e a difusão das descobertas e do saber. De fato, os sistemas acadê-
micos, como o da União Soviética, que proibiam a comunicação em alguns cam-
pos de pesquisa (ex.: informática) pagaram o alto preço do atraso incontornável
Se não for global, a pesquisa científica da nossa era deixa de ser científica. Não
obstante, embora as ciências sejam globais, a prática das ciências inclina-se ar:
as questões definidas pelos países avançados, conforme assinalou Jeffrey Sachs =
A maioria das descobertas das pesquisas acabam difundindo-se por todas as re
des planetárias de interação científicas, mas existe uma assimetria fundamental
no tipo de temas escolhidos para pesquisa. Problemas que são fundamentais para
os países em desenvolvimento, mas oferecem pouco interesse científico geral, ou
não têm um mercado promissor, são negligenciados pelos programas de pes qui-
sas dos países predominantes. Por exemplo, uma vacina eficaz contra a alária
poderia salvar a vida de dezenas de milhões de pessoas, principalmente crianças
mes dedicam se poucos recursos a um empenho persistente para sua descoberta,
Pp ra divulgar no mundo inteiro os resultados dos tratamentos promissores, em
sa parocnados pela Organização Mundial de Saúde. Os medicamentos para o
mento da AIDS criados no Ocidente são caros demais para uso na África, ao
passo que cerca de 95% dos portadores do vírus HIV estão no mundo em desen-
volvimento. Às estratégias administrativas das empresas farmacêuticas multina
cionais vêm bloqueando incessantemente as tentativas de produção mais barata
de algumas dessas drogas, ou de descobrir drogas alternativas, pois controlam as
patentes sobre as quais se baseiam a maioria das pesquisas. Por conseguinte, as
ciências são globais, mas também reproduzem em sua dinâmica interna o proces-
A nova economia: informacionalismo, globalização, funcionamento em rede 167
so de exclusão de um número significativo de pessoas, pois não trata de seus
problemas específicos, ou não os trata de maneira que possa produzir resultados
que levem à melhoria de suas condições de vida.
O desenvolvimento econômico e o desempenho competitivo não se baseiam
na pesquisa fundamental, mas na ligação entre a pesquisa elementar c a pesquisa
aplicada (o sistema P&D), e sua difusão entre organizações e indivíduos. A pes-
quisa acadêmica av ançada e um bom sistema educacional são condições necessá-
rias, porém não suficientes, para que 08 países, as empresas e Os indivíduos in-
gressem no paradigma informacional. Assim, a globalização seletiva da ciência
não estimula a globalização da tecnologia. O desenvolvimento tecnológico glo-
bal precisa da conexão com a ciência, a tecnologia e o setor empresarial, bem
como com as políticas nacionais e internacionais.” Existem mecanismos de di-
fusão, com seus próprios vieses e restrições. As empresas multinacionais e suas
redes de produção são, ao mesmo tempo, instrumentos de domínio tecnológico e
canais de difusão tecnológica seletiva.” As empresas multinacionais represen-
tam a maioria esmagadora da P&D não-pública, e usam esses conhecimentos
como bem fundamental para a concorrência, a penetração no mercado e o apoio
governamental. Por um Jado, em razão dos custos cada vez mais altos e da impor-
tância estratégica de P&D, as empresas realizam pesquisas em colaboração com
outras empresas, com universidades e com instituições públicas de pesquisa (ex.:
hospitais na pesquisa biomédica) do mundo inteiro. Ao fazê-lo, contribuem para
criar e dar forma a uma rede horizontal de P&D que penetra nos setores e nos
países. Ademais, para que as redes transnacionais de produção funcionem com
eficácia, as multinacionais precisam repartir parte de seus conhecimentos com os
parceiros, permitindo que empresas pequenas é médias aprimorem sua própria
tecnologia e, em última análise, sua capacidade de desenvolver uma curva de
aprendizado. Existem alguns indícios da repercussão positiva da presença de
afiliadas estrangeiras de multinacionais no sistema de produção dos países da
OCDE no avanço tecnológico e na produtividade desses países. Depois de
pesquisar estudos sobre esse tema, Held e colegas concluíram que
Embora faltem indícios sistemáticos, a pesquisa indica que, com o passar do
tempo, a globalização da produção envolve um desacoplamento progressivo
do desempenho econômico nacional do desempenho das MNCs com sede no
país de origem. Ademais, esse processo parece pronunciado em indústrias de
alta tecnologia, nas quais se pode esperar que os lucros da inovação sejam os
mais elevados.”
Isso implicaria que as políticas nacionais de apoio ao desenvolvimento de
alta tecnologia nos países mais desenvolvidos não assegura obrigatoriamente
172 A nova economia: informacionalismo, globalização, funcionamento em rode
turcos na Alemanha, e dos coreanos no Japão, são exemplos do uso do rótulo
“imigrante” como senha para designar as minorias discriminadas. Essa tendência
de multi-etnicidade tanto na América do Norte quanto na Europa ocidental se
acelerarão no século XX em consegiiência do índice mais baixo de natalidade da
população nativa, e quando novas ondas de imigração forem incentivadas pelo
desequilíbrio cada vez maior entre os países ricos e pobres.
Uma parte significativa da migração internacional é consegiiência de guer-
ras e catástrofes, que deslocaram cerca de 24 milhões de refugiados na década de
1990, especialmente na África. Embora essa tendência não esteja obrigatoria-
mente ligada à globalização da mão-de-obra, movimenta milhões de pessoas ao
redor do mundo, no rastro da globalização da miséria humana. Assim, conforme
relata o Relatório de Desenvolvimento Humano de 1999 das Nações Unidas, “o
mercado global da mão-de-obra integra-se cada vez mais para os capacitailíssimos
— executivos de empresas, cientistas, artistas e muitos outros que formam a elite
profissional global — com alta mobilidade e altos salários. Mas o mercado da
mão-de-obra não-especializada sofre muitas restrições das barreiras nacionais”,
Embora o capital seja global, e as principais redes de produção sejam cada vez
mais globalizadas, o maior contingente da mão-de-obra é local. Só a elite dos
especializados, de grande importância estratégica, é realmente globalizada.
Não obstante, além dos movimentos de pessoas pelas fronteiras, existe uma
interconexão cada vez maior entre os trabalhadores no país em que trabalham e o
resto do mundo, por intermédio dos fluxos globais de produção, dinheiro (remes-
sas), informações e cultura, A criação de redes globais de produção atinge traba-
Ihadores do mundo inteiro. Os migrantes enviam dinheiro para casa, Os empresá-
rios afortunados em seu país de imigração quase sempre se tornam intermediá-
rios entre o país de origem e o país de residência. Com o passar do tempo, cres-
cem as redes de familiares, amigos e conhecidos, e os sistemas avançados de
comunicação e transporte permitem que milhões vivam entre um e outro país.
Assim, o estudo do “transnacionalismo de baixo”, na terminologia dos principais
Pesquisadores dessa área, Michael P. Smith e Luis E. Guarnizo,'* revela uma
rede global de mão-de-obra que vai além da idéia simplista de uma força de traba-
lho global — que, no sentido analítico estrito, não existe. Em resumo, embora a
maior parte da mão-de-obra não seja globalizada, no mundo inteiro existe uma
migração cada vez maior, o que aumenta a multietnicidade na maioria das socie-
dades desenvolvidas, aumentando o deslocamento da população internacional, e
º surgimento de um conjunto de camadas múltiplas de conexões entre milhões de
pessoas entre fronteiras e culturas.
A nova cconomia: informacionalismo, globalização, funcionamento em rede 173
A geometria da economia global: segmentos e redes
É indispensável mais uma classificação para a definição do perfil da econo-
mia global: ela não é uma economia planctária. Em outras palavras, a economia
global não abarca todos os processos econômicos do planeta, não abrange todos
os territórios e não inclui todas as atividades das pessoas, embora afete direta ou
indiretamente a vida de toda a humanidade. Embora seus efeitos alcancem todo o
planeta, sua operação e estrutura reais dizem respeito só a segmentos de estrutu-
ras econômicas, países e regiões, em proporções que variam conforme a posição
particular de um país ou região na divisão internacional do trabalho. ,
Em meio a uma expansão substancial do comércio internacional, a fatia
dos países menos desenvolvidos no valor das exportações mundiais caiu de 31,1%
em 1950 para 21,2% em 1990. Embora a fatia dos países da OCDE nas exporta-
ções mundiais de bens e serviços tenha caído entre a década de 1970 e 1996,
ainda representava mais de dois terços do total das exportações em fins da dé-
cada de 1990 (ver figura 2.7). A maior parte do comércio internacional acontece
dentro da área da OCDE. Os investimentos estrangeiros diretos seguem um pa-
drão semelhante. Embora a fatia dos países da OCDE no total das FDI seja signi-
ficativamente menos do que na década de 1970, ainda representa quase 60%. Em
1997, os FDI chegaram a US$400 bilhões, sete vezes mais do que o nível de
1970, mas 58% destinados a economias industriais avançadas, 37% a países em
desenvolvimento e 5% a economias em transição do Leste Europcu. Ademais, os
FDI em países em desenvolvimento, embora tendo aumentado substancialmente
na década de 1990, está concentrado em poucos mercados: 80% foram para vinte
países, com a parte do leão pertencendo à China é, bem distantes, o Brasile o
México. Surge um padrão semelhante de globalização seletiva nos mercados
financeiros.
A nova ec : cionalis
nova economia: inlormacionalismo, globalização, funcionamento em rede
100
so
60
40
A Estados Árabes
África Subsaariana
ET sul da Ásia
Europa Ocidental e CIS
América Latina e Caribe
Sudoeste da Ásia e Pacífico
Leste da Ásia
1970s 19805 1990-6
20
Figura 2.7 Participação nas ões à
Sie ipaçi exportações (percentagem do total das exportações de bens e
Fonte: Dados do World Bank (1999) elaborados por UNDP (1999)
, Em 1996, 94% do portfólio e de outros fluxos de capitais de curto praz.
destinados a países em desenvolvimento e economias em transição foram a
minhados a apenas vinte países. Só 25 países em desenvolvimento têm acesso
aos mercados privados de títulos, ernpréstimos de bancos comerciais e particil a-
ções acionárias. Apesar de toda a conversa sobre os mercados emergentes nas
finanças globais, em 1998 eles só representavam 7% do valor total de cai italiza-
ção do mercado, ao passo que representavam 85% da população mundial 1% Com
relação à produção, em 1988 os países da OCDE, juntamente com os quatro
tigres asiáticos, representavam 72,8% das fábricas do mundo, proporção que
diminuiu muito pouco na década de 1990. A concentração é ainda maior na pro-
dução de alto valor: em 1990, os países do G-7 representavam 90% das fábricas
de alta tecnologia, e detinham 80,4% do poder de computação global.” Os da
Ties eludos pela UNESCO em 1990 indicavam que os recursos humanos cien-
As + s, proporcionalmente à população, eram 15 vezes maiores na
mérica do Norte do que o nível médio nos países em desenvolvimento. Os
A nova economia: informacionalismo, globalização, funcionamento em rede 175
gastos com P&D na América do Norte representavam mais de 42% do total mun-
dial, ao passo que os gastos na América Latina e na África, somados, atingiam
um total inferior a 1% do mesmo total.!*
Em resumo, a economia global está caracterizada por uma assimetria fun-
damental entre países, quanto à seu nível de integração, potencial para a concor-
rência e fatia dos benefícios do desenvolvimento econômico. Essa diferenciação
se estende a regiões no interior de cada país, como demonstra Allen Scott em sua
investigação de novos padrões de desenvolvimento regional desigual.'” A con-
segiiência dessa concentração de recursos, dinamismo e riqueza em certos terri-
tórios é a segmentação cada vez maior da população mundial, acompanhando a
segmentação da economia global e, por fim, levando a tendências globais de
aumento da desigualdade e da exclusão social.
Esse padrão de segmentação caracteriza-se por um movimento duplo: de
um lado, segmentos valiosos dos territórios e dos povos estão ligados nas redes
globais de geração de valor e de apropriação das riquezas; por outro lado, tudo, e
todos, que não tenha valor, segundo o que é valorizado nas redes, ou deixa de ter
valor, é desligado das redes e, finalmente, descartado.
As posições nas redes podem transformar-se com o passar do tempo, por
meio de reavaliação ou desvalorização. Isso [az com que países, regiões e popu-
lações estejam em mudança constante, o que equivale à instabilidade induzida
pela própria estrutura. Por exemplo, em fins da década de 1980 e durante toda a
década de 1990, os centros dinâmicos das economias asiáticas em desenvolvi-
mento, como a Tailândia, as Filipinas e a Indonésia, estavam conectados a redes
multinacionais de produção/comércio, e aos mercados financeiros globais. A cri-
se financeira de 1997-8 destruiu grande parte das riquezas recém-conquistadas
por esses países. Em fins de 1999, as economias asiáticas pareciam estar a cami-
nho da recuperação. Porém, uma parte substancial da manufatura, do mercado de
propriedades, e do setor bancário desses países, e grande parte do emprego for-
mal, fora exterminada pela crise. A pobreza e 0 desemprego aumentaram muitís-
simo. Na Indonésia, aconteceu um processo de desindustrialização c desurbani-
zação, quando milhões de pessoas voltaram ao interior, à procura de sobrevivên-
cia (ver volume HI, capítulo 4). As consequências da crisc asiática, da crise mexi-
cana, da crise brasileira, da crise russa, demonstram o poder destrutivo da
volatilidade na economia global. O novo sistema econômico é, ao mesmo tempo,
bem dinâmico, seletivo, exclusionário e instável dentro de scus limites. Alimen-
tado por novas tecnologias de comunicações e informática, as redes de capital,
produção e comércio estão aptas a identificar fontes de geração de valor em qual-
176 A nova economia: informacionalismo, globalização, tiincionamento em rede
quer parte do mundo, e vinculá-las. Contudo, embora os segmentos predominan-
tes de todas as economias nacionais estejam ligados à rede global, segmentos de
países, regiões, setores econômicos e sociedades locais estão desconectados dos
processos de acumulação e consumo que caracterizam a economia informacio-
nalglobal. Não afirmo que as sociedades desses setores “marginais” não estejam
conectadas ao resto do sistema, visto que não há nenhum vácuo social. Mas sua
lógica social e econômica baseia-se em mecanismos claramente distintos dos da
economia informacional. Embora a economia informacional afete o mundo intei-
ro c, nesse sentido, seja global mesmo, a maior parte das pessoas do planeta não
trabalha para a economia informacional/global nem compra seus produtos. Entre-
tanto, todos os processos econômicos e sociais relacionam-se à lógica da estrutu-
ra dominante nessa economia. Como e por que essa conexão é operada, e quem e
o que está conectado e desconectado ao longo do tempo constitui característica
fundamental de nossas sociedades e requer uma análisc específica e cuidadosa
(ver “O surgimento do Quarto Mundo” no volume II).
nest
A economia política da globalização: reestruturação
capitalista, tecnologia da informação e políticas estatais
Surgiu uma economia global, no sentido preciso definido neste capítulo,
nos últimos anos do século XX.'º Resultou da reestruturação das empresas e dos
mercados financeiros em consegiência da crise da década de 1970. Expandiu-se
utilizando novas tecnologias da informação e de comunicação. Tornou-se po:
vel e, em grande parte fo) induzida, por políticas governamentais deliberadas. A
economia global não foi criada pelos mercados, mas pela interação entre mer-
cados e governos e instituições linanceiras agindo em nome dos mercados — ou
de sua idéia do que devem ser os mercados.
Entre as estratégias empresariais para aumentar a produtividade, e aumentar à
lucratividade, figuravam a procura de novos mercados e a internacionalização da
produção. As novas indústrias manufatoras de alta tecnologia caracterizavam-se, desde
à início, por sua divisão internacional da mão-de-obra (ver capítulo 6).
A presença muito maior de multinacionais estadunidenses na Europa e na
Ásia gerou uma nova tendência de produção muttilocal, que contribuiu para a
xpansão do comércio internacional. Na década de 1980, essa estratégia foi ado-
ada também pelas multinacionais curopéias e japonesas, estabelecendo uma tcia
A nova economia: informacionalismo, globalização, [uncionamento em rede 177
de redes transnacionais de produção. Empresas do Japão, e dos países recém-
industrializados do Pacífico asiático, basearam seu hipercrescimento nas expor-
tações para os EUA e, em menor monta, para os mercados curopeus (ver volume
HI, capítulo 4). Ao fazê-lo, contribuíram para a simulação de concorrência no
comércio internacional, quando tanto os EUA quanto a Comunidade Européia
tomaram providências para reagir ao desafio do Pacífico a sua hegemonia econô-
mica anteriormente incontestável. A Comunidade Européia estendeu sua abran-
gência ao sul e ao norte da Europa e acelerou seu processo de integração econô-
mica a fim de expandir seu mercado interno, ao mesmo tempo em que apresenta-
va uma frente alfandegária unificada em relação aos concorrentes japoneses e
estadunidenses. Os EUA, com base em sua tecnologia superior e flexibilidade
empresarial, aumentou a pressão pela liberalização do comércio e pelos mer-
cados abertos, ao mesmo tempo mantendo, como trunfo, suas próprias barreiras
protecionistas.
Os mercados de capitais aumentaram sua circulação global com base no
mercado dos curodólares, grosso modo criado para permitir que as multinacionais
estadunidenses emprestassem e recebessem empréstimos fora dos EUA, contor-
nando as leis estadunidenses. Os fluxos financeiros se expandiram substancial-
mente na década de 1970 para reciclar os petrodólares dos países da OPEP c das
empresas de petróleo. Desde a década de 1970, a maioria das economias da OCDE
estavam em declínio, uma parcela substancial dos empréstimos foi concedida a
países em desenvolvimento, quase sempre sem controles apropriados de emprés-
timo, propiciando assim, ao mesmo tempo, a expansão global dos mercados ti-
nanceiros e a crise da dívida que estrangulou as economias da América Latina c
da África durante a década de 1980. A subsegicnte reestruturação dos mercados
financeiros de todo o mundo levou a uma explosão de fluxos financeiros interna-
cionais, investimentos globais de instituições financeiras e a uma internacionali-
zação completa das atividades bancárias, conforme documentado anteriormente.
Em 1985, o Banco Mundial, que não conseguia atrair investimentos privados
para “mercados do Terceiro Mundo”, criou uma nova expressão: “mercados emer-
gentes”. Isso indicava uma nova era de integração financeira cm todo o planeta,
pois os investidores de todas as partes procuravam oportunidades de altos retor-
nos, descontando o alto risco na esperança de apoio governamental em caso de
crises para os bancos c as moedas. Estavam plantadas as sementes das crises
financeiras da década de 1990 no México, na Ásia, na Rússia, no Brasil c em
outros lugares.
182 A nova economia: informacionalismo, globalização, funcionamento em rede
de cabeça para baixo as economias do Pacífico — quase sempre solapando seu
estado de desenvolvimento. Na maioria dos casos, depois de tal crise, o FMI e o
Banco Mundial vinham oferecer ajuda, porém com a condição de que os gover-
nos aceitassem as receitas de saúde econômica do FMI. Essas recomendações
normativas (de fato, imposições) baseavam-sc em pacotes prontos de políticas de
ajuste, semelhantíssimos uns aos outros. Fosse qual fosse a situação específica
de cada país, eram, de fato, produzidos em massa por economistas neoclássicos
ortodoxos, principalmente da Universidade de Chicago, Harvard, e do MIT. Em
fins da década de 1990, o FMI estava trabalhando e recomendando políticas de
ajuste em mais de oitenta países do mundo. Até as grandes economias de países
importantíssimos, como a Rússia, o México, a Indonésia ou o Brasil, dependiam
da aprovação de suas políticas pelo FMI. A maior parte do mundo em desenvol-
vimento, bem como das economias em transição, se tornaram protetorados eco-
nômicos do FMI — que, no fim das contas, significava Departamento de Tesouro
dos EUA. O poder do FMI era mais simbólico que financeiro. A ajuda do FMI
sempre tinha a forma de dinheiro virtual, isto é, uma linha de crédito à qual os
govemos podiam recorrer em caso de emergência financeira. O crédito concedi-
do pelo FMI significava credibilidade para os investidores. O país que perdesse a
confiança do FMI se tornava um pária financeiro, A lógica era essa: se o país
decidisse ficar fora do sistema (por exemplo, o Peru de Alan Garcia na década de
1980), cra punido com o ostracismo financeiro — e fracassava, confirmando
assim a profecia do FMI que promove a própria realização. Assim. poucos países
ousaram resistir a esse “bem-vindo ao clube” condicional, ao contrário da alter-
nativa da isolação dos fluxos globais de capital, tecnologia e comércio.
A Organização Mundial do Comércio, fundada em 1994, implantou uma
lógica semelhante de comércio internacional. Para os países que optassem por
uma estratégia de desenvolvimento externo, como as economias continentais da
China c da Índia, o acesso a mercados abastados era essencial. Porém, para obter
esse acesso, tinham de aderir às regras do comércio internacional. A adesão às
regras significava, em geral, desmantelar gradualmente a proteção às indústrias
que não eram competitivas em razão de sua chegada tardia à concorrência inter-
nacional, Mas a rejeição das regras era sancionada com sobretaxas rigorosas em
mercados ricos, anulando assim a oportunidade de desenvolvimento por meio de
Ótimas fatias de mercado nos mercados onde está concentrada a riqueza, Assim,
9 relatório de 1999 do PNUD afirma:
Um número cada vez maior de países em desenvolvimento adotou o comér-
cio aberto, deslocando-se das políticas de substituição de importações. Por
volta de 1997, a Índia havia reduzido suas sobretaxas de uma média de 82%
A nova economia: informacionalismo, globalização, funcionamento em rede 183
em 1990 para 30%, o Brasil, de 25% em 1991 para 12%, e a China, de 43%
em 1992 para 18%. Orientadas por tecnocratas, as mudanças tiveram forte
apoio de financiamentos do Fundo Monetário Internacional é do Banco
Mundial, o que fazia parte de uma abrangente reforma econômica e dos pa-
cotes de liberalização. As condições para afiliação à OMC e à OCDE eram
incentivos importantes. País após país passou por profunda liberalização
unilateral, não só no comércio, mas nos investimentos estrangeiros diretos.
Em 1991, por exemplo, 35 países fizeram mudanças cm 82 regimes regula-
dores, em 80 deles na direção da liberalização ou da promoção de investi-
mentos estrangeiros diretos. Em 1995 o ritmo se acelerou, com ainda mais
países — 65 — alterando o regime, a maioria deles dando prosseguimento à
tendência de liberatização.!”
Em novembro de 1999, a China chegou a um acordo comercial com os
Estados Unidos, para liberalizar suas leis de comércio e investimentos, abrindo
assim o caminho para a afiliação da China à OMC, e aproximando mais a China
das regras do regime capitalista global. Quanto mais países ingressam no clube,
mais difícil é para os que estão fora do regime econômico liberal seguir seu pró-
prio rumo. Assim, em último recurso, as trajetórias firmes de integração na cco-
nomia global, com suas regras homogêneas, ampliam a rede. e as possibilidades
de criação de redes de contatos para seus membros, ao mesmo tempo aumentan-
do o custo de ficar [ora da rede. Essa lógica auto-ampliável, induzida e imposta
por governos c instituições internacionais de finanças e comércio, acabou unindo
os segmentos dinâmicos da maioria dos países do mundo numa economia global
aberta. Por que os governos abraçaram essa imposição de globalização, solapan-
do assim seu próprio poder soberano? Se rejeitarmos as interpretações dogmáticas
que reduziriam os governos ao papel de ser “o comitê executivo da burguesia”, a
questão é bem complexa. Requer distinguir entre quatro níveis de explicação: os
interesses estratégicos percebidos de determinada nação-estado; o contexto ideoló-
gico; os interesses políticos da liderança; e os interesses pessoais das pessoas no
poder.
Com relação aos interesses do estado, a resposta varia para cada cstado. A
resposta é clara para o principal globalizador, o governo dos EUA: uma econo-
mia aberta e integrada é vantajosa para as empresas estadunidenses e para as
empresas com sede nos Estados Unidos, portanto para a economia estadunidense.
Isso se dá em razão da vantagem tecnológica, e da flexibilidade administrativa
superior, de que gozam os EUA em comparação com o resto do mundo. Junto
com a presença de longa data das multinacionais estadunidenses no mundo intei-
10, é com a presença hegemônica dos EUA nas instituições intemacionais de
184 A nova economia: informacionalismo, globalização, funcionamento em rede
comércio € finanças, a globalização é primordial para aumentar a prosperidade
econômica dos EUA, embora decerto não para todas as empresas, e não para todo
o povo dos Estados Unidos. Esse interesse econômico estadunidense é algo de
que Clinton e sua equipe econômica, especialmente Rubin, Summers e Tyson
entendiam bem. Trabalharam com afinco para divulgar o evangelho libera! no
mundo, aplicando a força econômica c política dos EUA quando necessário.
Para os govemos europeus, o Tratado de Maastricht, comprometendo-os
com a convergência econômica, e a unificação verdadeira em 1999, foi sua for-
ma específica de adotar a globalização. Foi percebido como o único meio de
cada governo competir num mundo cada vez mais dominado pela tecnologia
estadunidense, a fabricação asiática e fluxos financeiros globais que arrasaram a
estabilidade monetária européia cm 1992. Enfrentar a concorrência global com a
força da União Européia parecia ser a única chance de salvar a autonomia euro-
péia e, ao mesmo tempo, prosperar no novo mundo. O Japão foi relutante em
aceitar, mas, obrigado por uma recessão grave c duradoura, e uma profunda crise
financeira, em fins da década de 1990 realizou uma série de reformas que abri-
riam gradualmente a economia japonesa e alinhariam suas regras financeiras
com os padrões globais (ver volume III, capítulo 4). A China e a Índia viram na
abertura do comércio mundial a oportunidade de ingressar num processo de de-
senvolvimento e construir a base tecnológica e econômica para a renovação do
poder nacional. O preço a pagar era uma abertura cautelosa ao comércio interna-
cional, vinculando seu destino ao capitalismo global. Para os países de todo o
mundo em processo de industrialização, a maioria deles com experiência recente
em crise econômica e hiperinflação, o novo modelo de políticas públicas conti-
nha a promessa de um novo começo, € o significativo incentivo de apoio das
principais potências mundiais. Para os reformadores que assumiram o poder nas
economias de transição do Leste Europeu, a liberalização era primordial para o
corte definitivo com o passado comunista. E muitos países em desenvolvimento
espalhados pelo mundo nem tiveram de calcular seus interesses estratégicos: o
FMI e o Banco Mundial decidiram por eles, como preço pelo reparo de suas
economias arruinadas.
Os interesses dos Estados sempre são percebidos dentro de uma estrutura
ideológica. E a estrutura da década de 1990 se constituiu ao redor do colapso do
estatismo, e a crise de legitimidade do previdencialismo e do controle governa-
mental durante a década de 1980, Mesmo nos países do Pacífico asiático o estado
do desenvolvimento sofreu uma crise de legitimidade quando se tornou obstácu-
lo para a democracia, Os ideólogos neoliberais (denominados “neoconscrvadores”
nos EUA) saíram de seus armários no mundo inteiro, e receberam na cruzada a
adesão dos recém-convertidos, que lutavam por negar seu passado marxista, de
A nova economia: informacionalismo, globalização, funcionamento em rede 185
nouveaux philosophes franceses a brilhantes romancistas latino-americanos. Quan-
do o neoliberalismo tornou-se conhecido como nova ideologia, transbordou seu
modelo Reagan/Thatcher de mentalidade estreita, para se moldar numa série de
expressões adaptadas a culturas específicas; instituiu rapidamente uma nova
hegemonia ideológica. No início da década de 1990, passou a constituir o que
Ígnacio Ramonet denominou Ja pensée unique (“o pensamento único”). Embora
o atual debate ideológico fosse consideravelmente mais rico, superficialmente
parecia que as instituições políticas do mundo inteiro haviam adotado um alicer-
ce intelectual em comum: uma corrente intelectual não obrigatoriamente inspira-
da por Von Hayek c Fukuyama, porém decerto tributária de Adam Smith e Stuart
Mill. Nesse contexto, esperava-se que os mercados livres reatizassem milagres
econômicos e institucionais, em especial quando acoplados às novas maravilhas
tecnológicas prometidas pelos futurólogos.
O interesse político dos novos líderes que assumiram o govemo em fins da
década de 1980 e início da década de 1990 favorecia a opção da globalização. Por
interesse político quero dizer ser eleito para o governo e permanecer nele. Na
maioria dos casos, os novos líderes eram eleitos em consegiência de uma ccono-
mia em declínio, ou às vezes falida, e consolidavam o poder melhorando substan-
cialmente o desempenho econômico do país. Esse foi o caso de Clinton em 1992
(ou, pelo menos, era o que diziam as estatísticas econômicas viciadas, para cons-
ternação de George Bush). Sua campanha presidencial bem-sucedida foi criada
ao redor do lema “É a economia, idiota!”, e a principal estratégia da política
econômica de Clinton era maior desregulamentação e liberalização, doméstica e
internacional, conforme exemplificado pela aprovação da NAFTA em 1993.
Embora não se possa acusar a política de Clinton de ser a causa do desempenho
excepcional da economia dos EUA na década de 1990, Clinton e sua equipe
ajudaram o dinamismo da nova economia ao sair do caminho das empresas priva-
das, e ao usar a influência dos EUA para abrir os mercados do mundo inteiro.
Cardoso foi inesperadamente eleito presidente do Brasil em 1994, com base
no bem-sucedido Plano Real, de estabilização monetária, que implementara quando
Ministro da Fazenda, destruindo a inflação pela primeira vez na história do país.
Para manter a inflação sob controle, ele teve de integrar o Brasil na economia
global, facilitando a concorrência das empresas brasileiras. Essa meta, por sua
vez, exigia estabilização financeira. Houve acontecimentos similares no México,
com Salinas e Zedillo, reformadores econômicos dentro do PRI, com Menem na
Argentina, invertendo o nacionalismo tradicional de seu partido peronista; com
Fujimori no Peru, que surgiu do nada; com o novo governo democrático do Chi-
le; e, muito antes, com Rajiv Gandhi na Índia, com Deng Xiao Ping e, mais tarde,
Jiang Zemin e Zhu-Rongji na China, e com Felipe Gonzalez na Espanha.
186 A nova economia: informacionalismo, globalização, funcionamento em rede
Na Rússia, Yeltsin, e sua sucessão infindável de equipes econômicas, joga-
ram como carta única a integração da Rússia o capitalismo global, e entregaram
sua soberania econômica ao FMI e aos governos ocidentais. Na Europa ociden-
tal, na década de 1990, as políticas de ajuste impostas pelo Tratado de Maastricht
esgotaram o capital político dos governos em exercício, e abriram o caminho
para uma nova onda de reformas econômicas. Blair na Inglaterra, Romano Prodi
eo Partito Democratico di Sinistra na Itália, e Schrocder na Alemanha, todos
apostaram no aprimoramento da economia e na luta contra o desemprego, im-
plantando políticas econômicas liberais, temperadas com inovadoras políticas
sociais. Jospin na França seguiu uma política pragmática, sem os temas ideológi-
cos do liberalismo, porém com uma convergência de facto com políticas da União
Européia voltadas para o mercado. A guinada irônica da história política é que os
reformadores que implantaram a globalização, no mundo inteiro, provinham da
esquerda em sua maioria, rompendo com o passado de defensores do controle
governamental da economia. Seria um erro considerar isso uma prova de oportu-
nismo político. Pelo contrário, foi realismo acerca dos novos acontecimentos eco-
nômicos e tecnológicos, e a percepção da maneira mais rápida de tirar as econo-
mias de sua estagnação relativa.
Depois de escolhida a opção pela liberalização/globalização da economia,
os líderes políticos foram obrigados a procurar o pessoal apropriado para admi-
nistrar essas políticas econômicas pós-keynesianas, sempre bem distantes das
orientações tradicionais pró-governo das políticas de esquerda. Assim, Felipe
Gonzalez assumiu o poder em outubro de 1982, em meio a uma grave crise eco-
nômica e social, nomeado como super ministro da economia, um dos poucos
socialistas com trânsito pessoal nos círculos conservadores das altas finanças
espanholas. Os compromissos subsegiientes do indicado configuraram uma clas-
se completamente nova de tecnocratas neoliberais em todo o governo socialista
espanhol, alguns deles recrutados nos círculos do FMI. Em outro exemplo desse
Processo, o presidente Cardoso do Brasil, quando se deparou com uma crise
monetári sobre a qual estava perdendo o controle em janeiro de 1999, demitiu
dois presidentes consecutivos do Banco Central em duas semanas e acabou no-
meando o financista brasileiro que antes administrara o fundo de hedge de Soros
para o Brasil, contando com sua capacidade de lidar com os especuladores dos
mercados financeiros globais. Ele conseguiu, de fato, tranguilizar o tumulto fe
nanceiro, pelo menos durante algum tempo. Minha argumentação não é que o
mundo financeiro controla os governos. Na verdade, é o contrário. Para que os
governos administrem as economias no novo contexto global, precisam de pes-
soas com experiência na sobrevivência diária nesse admirável mundo novo eco-
A nova economia: informacionalismo, globalização, funcionamento em rede 187
nômico. Para cumprir com sua obrigação, esses especialistas em economia pre-
cisam de mais gente, que tenha qualificações, linguagem e valores semelhantes.
Por terem os códigos de acesso à administração da nova economia, esse poder
aumenta desproporcionalmente a sua atratividade política. Por conseguinte, criam
uma relação simbólica com os líderes políticos que assumem O poder em razão
da atratividade que exercem sobre os eleitores. Juntos, trabalham para melhorar
seu fado por meio do desempenho na concorrência global — na esperança de
que isso também beneficie seus acionistas, como os cidadãos passaram a ser
denominados.
Há uma quarta camada de explicação acerca da atração fatal dos govemos
pela globatização econômica: os interesses particulares de pessoas em cargos
com poder de decisão. Em geral, esse não é, em hipótese alguma, o fator mais
importante da explicação das polític governamentais rumo à globalização. E é
fator desprezível em alguns casos de altos níveis de governo que pude observar
pessoalmente — por exemplo, na presidência do Brasil em 1994-9. Contudo, os
interesses pessoais dos líderes políticos e/ou seu pessoal de alto escalão no pro-
cesso de globalização exerceram influência na velocidade e no formato da globa-
lização. Esses interesses pessoais assumem, primordialmente, a forma de riqueza
pessoal cada vez maior, obtida por meio de dois canais principais. O primeiro
consiste nas compensações financeiras, e nos compromissos Juerativos assumi-
dos ao deixar o cargo governamental, conquistados em consequência da rede de
contatos que criaram e/ou em agradecimento por decisões que ajudaram em tran-
sações comerciais. O segundo canal é, de maneira mais flagrante, a corrupção em
suas diversas formas: subormos, aproveitar-se de informações internas em transa-
ções financeiras e aquisições de imóveis, participação em negócios de risco em
troca de favores políticos etc. Decerto, os interesses comerciais particulares (líci-
tos ou ilícitos) dos funcionários políticos são histórica bem antiga, talvez uma
constante com relação aos políticos na história registrada. Não obstante, minha
argumentação aqui é mais específica: favorecem as políticas pró-globalização
porque abre um mundo novo de oportunidades. Em muitos países em desenvolvi-
mento é, de fato, o único jogo existente, já que o acesso ao país é O principal bem
controlado pelas elites políticas, o que lhes permite participar das redes globais
da riqueza. Por exemplo, não se pode entender a administração catastrófica da
transição econômica russa sem levar cm conta sua lógica predominante: a forma-
ção de uma oligarquia financeira protegida pelo governo, que recompensou pes-
soalmente muitos dos principais reformadores liberais russos (e foi decisiva na
ajuda à reeleição de Yeltsin em 1996), em troca do privilégio de serem interme-
diários entre os ricos russos e o comércio e os investimentos globais — enquanto
192 A nova economia: informacionalismo, globalização, funcionamento em rede
portais, comércio eletrônico e locais de entrega de áudio e vídeo. Entre as empre-
sas dessa camada estão a Oracle, a Microsoft, a Netscape e u Adobe (mas vale
lembrar que só me refiro à parte relativa à Internet dessas empresas, e não ao
software em geral). A receita trimestral dessa camada era cerca de US$20 bi-
lhões, com um crescimento anual de 61% em receita e 38% cm emprego. O nú-
mero total de empregos em 1999 era de 560 mil (embora nem todos esses empre-
gados, nesse caso, trabalhassem em empresas relacionadas com a Internet). A
receita por empregado era de quase US$40.000, As dez primeiras empresas dessa
camada estavam entre as maiores empresas de produção de soffware e de consul-
toria, e representavam 43% da receita da camada.
. À terceira camada contém um novo tipo de empresas que não geram receita
direta de transações comerciais, porém de publicidade, contribuições de afiliação
e comissões, pelos quais oferecem serviços gratuitos via Intemet. Algumas des-
sas empresas são provedoras de conteúdo, outras são intermediárias no mercado.
Entre essas empresas há alguns nomes famosos, apesar do curto histórico: Yahoo!,
E-Bay e E*Trade. Embora representassem o menor segmento do ramo, com re-
ceita de cerca de US$17 bilhões, estavam crescendo rapidamente em 1999, a
52% em receita e 25% em empregos, e cram grandes empregadores, com mais de
meio milhão de empregados em fins de 1999. A receita por empregado era a mais
baixa do ramo, a US$37.500, e o ramo era menos concentrado, com as dez pri-
meiras empresas representando 23% da receita.
A quarta camada pode representar o futuro da Internet, do ponto de vista de
1999. São empresas que realizam transações econômicas, tais como Amazon, E-
toys, Dell-Direct World ou The Street.com: seu tipo de comércio é o que normal-
mente se rotula de e-commerce (comércio eletrônico). Em 1998-9 esse segmento
cresceu 127% em receita e 78% em empregos, com receitas trimestrais de US$
37,5 bilhões. Com base no índice composto de crescimento, isso se projetava
numa receita anual de US$170 bilhões em 1999. A maior parte da receita da
quarta camada ainda estava concentrada entre empresas de computadores, Não
obstante, as dez primeiras empresas da camada representavam apenas 32% da
receita, ao contrário da primeira e da segunda camadas, que eram mais capitaliza-
das. Lojas eletrônicas, bancos e financeiras estavam entrando nessa camada em
grandes números.
. Quanto à repercussão dos ramos de atividades da Internet sobre a econo-
mia, Os empregos relativos à Internet nos EUA aumentaram de 1,6 milhão no
primeiro trimestre de 1998 para 2,3 milhões no primeiro trimestre de 1999. O
comércio eletrônico representava o setor que mais rapidamente crescia. A veloci-
dade do crescimento do novo ramo não tinha precedente: um terço das 3.400
A nova economia: informacionalismo, globalização, funcionamento em rede 193
empresas pesquisadas em 1999 não existiam em 1996. Só essas novas empresas
somavam mais de trezentos mil empregos. A proporção de receitas provenientes
da Intemet em relação ao total das receitas empresariais aumentou de 10% em
1998 para 14% em 1999. O aumento da receita das indústrias da Internet cm 1999
com o
134
estava projetado para representar US$200 bilhões — isso em comparas
crescimento total em receita na economia dos EUA de cerca de US$340 bilhões.
Na virada do século, a economia da Internet, e os ramos da tecnologia da infor-
mação, tinham-se se tornado o núcleo da economia dos EUA — não só qualitati-
va, porém quantitativamente.
Parece que a bolsa de valores reconheceu cssa tendência. O valor de capita-
lização na bolsa das empresas da Internet subiu à estratosfera. Assim, em 1999,
as 294 empresas que faziam mais negócios na Internet tinham um valor de capi-
talização no mercado de US$18 bilhões. Era um valor trinta vezes maior que o
valor médio de capitalização no mercado das das 5.068 empresas da Nasdag, a
bolsa de valores da alta tecnologia. Em janeiro de 1999, uma matéria jornalisti-
cas reveladora comparou o valor de capitalização no mercado de algumas dessas
empresas da Internet com o valor de alguns nomes lendários da cra industrial.
Como ilustração do argumento aqui apresentado, vale informar quais são algu-
mas dessas empresas. Assim, a America OnLine, com dez mil empregados e re-
ceita de US$68 milhões no quarto trimestre de 1998, foi avaliada em US$66,4
bilhões, quase o dobro do valor total das ações da General Motors (US$34,4
bilhões), apesar do fato de que a Gencral Motors empregava seiscentos mil traba-
lhadores e declarava receita trimestral superior a US$800 milhões. Yahoo!, com
673 empregados, estava avaliada em US$33,9 bilhões, apesar da magra receita
trimestral de US$16,7 milhões, em comparação com a Boeing, que empregava
230.000 trabalhadores, com receita trimestral de US$347 milhões, contudo ape-
nas um pouco mais valorizada do que a Yahoo!, com capitalização de mercado
US$35,8 bilhões. Apenas miragem de uma bolha financeira? Na verdade, o fato é
mais complexo. Embora muitas ações da Internet estivessem (e estejam) super-
valorizadas demais, e sujeitas a correções periódicas na bolsa de valores, parece
que a tendência geral de valorização reage a uma expectativa racional das novas
fontes de desenvolvimento econômico. Ademais, ao fazê-lo, os investidores cha-
mam atenção para o potencial das empresas da Internct, o que atrai mais investi-
mentos de capital, tanto em capital de risco quanto em ações. Em consegiiência
disso, a indústria recebe grande quantidade de dinheiro, gozando assim de am-
plas oportunidades de inovação e empreendedorismo. Por conseguinte, mesmo
que houvesse (c talvez ainda haja) uma bolha, era (c é) uma bolha produtiva,
incentivando o crescimento econômico da “verdadeira” economia da Intemet,
antes de estourar e, assim, desfazer os efeitos colaterias de sua espiral especulativa.
194 A nova economia: informacionalismo, globalização, funcionamento cm rede
Isso me leva à segunda fonte principal da transformação da economia: a própria
indústria financeira.
O mundo financeiro foi transformado na década de 1990 pelas mudanças
institucionais e pelas inovações tecnológicas. Em benefício da clareza, vou dife-
renciar alguns acontecimentos importantes que, na vida real, são entrelaçados.
As raízes da transformação das finanças encontram-se na desregulamentação
desse ramo e na liberalização das transações financeiras domésticas e interna-
cionais durante as décadas de 1980 e 1990, primeiro nos EUA e na Inglaterra e
depois, gradualmente, na maior parte do mundo." O processo chegou ao ponto
culminante em novembro de 1999, quando o presidente Clinton aboliu as barrei-
ras institucionais à consolidação entre os diversos segmentos do ramo financei-
ro, regulamentadas nas décadas de 1930 e 1940 para evitar o tipo de crise finan-
ceira que levou à Grande Depressão de 1929. Do ano 2000 em diante, os bancos,
as corretoras de ações e as empresas de seguros dos Estados Unidos podem ope-
rar em conjunto ou mesmo fundir as operações numa única empresa financeira.
Já fazia alguns anos que a proliferação das operações bancárias internacionais e
das empresas de investimentos — por exemplo, os fundos de hedge — já contor-
navam muitas das restrições financeiras. E megafusões, como a fusão de CitiCorp
e Travelers, debochavam das leis. Contudo, ao oficializar a política de não-inter-
venção federal, os EUA deram liberdade às empresas privadas de administrar
dinheiro e títulos mobiliários de qualquer mancira que o mercado suportasse,
sem nenhum limite além dos estabelecidos pela lei e pelos fóruns relacionados
com o comércio em geral.
O setor financeiro aproveitou-se dessa liberdade recém-descoberta para se
reinventar tecnológica e organizacionalmente. No mundo inteiro as grandes fu-
sões entre empresas financeiras levaram à consolidação do setor em poucos
megagrupos, capacitados para alcance global, que cobriam uma vasta gama de
atividades financeiras, de maneira cada vez mais integrada (por exemplo, uma só
agência com todos os tipos de serviços para clientes de varejo e investidores). Por
outro lado, a tecnologia da informação alterou qualitativamente a maneira de
tealizar as transações financeiras. Computadores potentes e modelos matemáti-
cos avançados permitiam projetos, rastreamento e prognósticos avançados de
produtos financeiros cada vez mais complexos, funcionando tanto em tempo real
quanto no futuro, As redes eletrônicas de comunicação e o uso generalizado da
Internet revolucionaram o comércio financeiro entre empresas, entre investido-
res e empresas, entre vendedores e compradores e, por fim, as bolsas de valores, '”
Uma das principais conseguências da transformação das finanças foi a inte-
gração global dos mercados financeiros, conforme analisamos anteriormente neste
A nava economia: informacionalismo, globalização, funcionnento em rede 195
capítulo. Outro acontecimento importante foi o processo de desintermediação
financeira, isto é, as relações diretas entre investidores e mercados de títulos,
passando por cima das empresas tradicionais de corretagem, com base nas redes
de comunicações eletrônicas (ECNs). Embora a tecnologia da Internet fosse fun-
damental para que essa tendência tomasse forma, uma mudança institucional
importante viabilizou o comércio eletrônico. Foi a criação da Nasdag em 1971,
na função de bolsa de valores eletrônica embutida em redes de computadores,
sem um pregão central. Novas leis, com a finalidade de incentivar o comércio
eletrônico na década de 1990, permitiram que as ECN enviassem as encomendas
dos clientes ao sistema da Nasdaq e recebessem comissão quando a transação se
realizasse. Um grande número de investidores entraram sozinhos na bolsa de
valores, por intermédio do poder da tecnologia. Os conhecidos day-traders, cujos
alvos de investimento favoritos eram ações de empresas da Internet, foram os que
realmente popularizaram o comércio eletrônico. Chamam-se day-traders porque
costumam encerrar sua posição no fim do dia, já que operam com margens pe-
quenas de mudança na valorização dos títulos, e não têm reservas financeiras.
Assim, ficam até obter lucro suficiente, comprando e vendendo em transações de
curtíssimo prazo — ou até terem perdas suficientes no dia.!* Segundo a Securities
Exchange Commission, os negócios on-line aumentaram de menos de 100.000
transações por dia em meados de 1996 para mais de meio milhão por dia em fins
de 1999. Em 1999, nos EUA, as transações eletrônicas já eram usadas em cerca
de 25% das transações feitas por investidores. Muitas empresas, inclusive algu-
mas grandes corretoras de Wall Street, reposicionaram-se no novo mundo tecno-
lógico, montando redes eletrônicas privativas de transações, tais como a Instinet.
Essas redes não se sujeitavam às mesmas leis que Nasdaq ou a New York Stock
Exchange. Por exemplo, permitem que os investidores realizem transações anô-
nimas. As empresas de corretagem, lideradas pela Charles Schwab & Co., ingres-
saram ativamente no comércio eletrônico: em 1998, 14% dos títulos negociados
nos EUA o foram on-line, aumento de 50% com relação a 1997. Em 1997 a
corretagem on-line nos EUA tinha cerca de 9,7 milhões de contas, três vezes o
número de 1997, com quase um trilhão de dólares em patrimônio de clientes —
cifra que provavelmente encolherá no início do século XXI.
As transações eletrônicas se espalharam rapidamente de ações para títulos.
Em novembro de 1999, o município de Pittsburgh aproveitou a oportunidade da
desintermediação eletrônica para oferecer US$55 milhões em títulos municipais
diretamente aos investidores institucionais pela Internet, sem intermediação de
Wall Street. Foi a primeira vez em que títulos municipais foram vendidos direta-
mente em meio eletrônico. É provável que o ingresso do comércio eletrônico no
196 A nova economia: informacionalismo, globalização, funcionamento em rede
mercado de títulos, um mercado de US$ 13,7 trilhões, transforme ainda mais os
mercados financeiros. De fato, enquanto em 1995 só 0,6% dos títulos dos EUA
fossem negociados cletronicamente, a parcela de negócios eletrônicos projetada
para 2001 é de 37%, com a parcela de transações eletrônicas com títulos do go-
verno dos EUA chegando a uma cifra ainda maior, 55%.!ºº
Os mercados de ações do mundo inteiro adotaram as transações eletrônicas
na segunda metade da década de 1990, O mercado alemão de futuros de títulos é
controlado pela Eurex, uma rede eletrônica criada em 1990 com a fusão dos mer-
cados alemão e suíço de derivativos. O mercado francês de futuros (MATIF)
passou totalmente à operação eletrônica em 1998, e mais tarde a LIFFE de Lon-
dres fez o mesmo. Em fins de 1999, a Bolsa de Valores de Nova York estava
preparando-se para criar seu próprio sistema de transações eletrônicas. E a vene-
rável Chicago Board of Trade estava em tumulto, com a diretoria discutindo so-
bre como adaptar-se ao novo meio tecnológico depois que precisou ceder à Eurex
sua posição de maior mercado de futuros e opções do mundo.!*º
Por que é importante a tecnologia das transações? Qual é sua repercussão no
setor financeiro? Reduz os custos das Lransações (até 50% em fins da década de
1990 nos EUA), atraindo assim uma base muito mais ampla de investidores, e
reduzindo os custos do comércio ativo. Também gera oportunidades de investi-
mentos para milhões de investidores, que analisam os valores e aproveitam as opor-
tunidades com base nas informações on-line. Há três consequências. Em primeiro
lugar, há um aumento substancial na quantidade de valores negociados, tanto porque
imobiliza poupanças à procura de retornos mais elevados, quanto porque acelera
consideravelmente o índice de giro do capital. Em segundo lugar, as informações,
e, portanto, as turbulências nas informações, se tornam fundamentais na movimen-
tação do capital e, portanto, no valor dos títulos. Em terceiro lugar, a volatilidade
financeira aumenta exponencialmente porque os padrões de investimentos se tor-
nam descentralizados, os investidores entram e saem dos negócios com títulos e
as tendências do mercado disparam reações quase imediatas. Ademais, o declínio
dos mercados centrais, e as regulamentações mais frouxas do comércio eletrônico,
dificultam o rastreamento das movimentações de capitais. O sigilo cada vez maior
nos investimentos atrai grandes fontes de capital. Os pequenos investidores, po-
rém, embora tendo acesso a informações on-fine, não têm o mesmo acesso às in-
formações que não são públicas às quais as grandes empresas ou os investidores
institucionais têm. Por terem informações impcrfcitas, esses investidores têm de
reagir rapidamente a sinais indiretos de alterações nos valores dos títulos, aumen-
tando a instabilidade do mercado. Assim, no mercado eletrônico financeiro há
muitos investidores com uma série de estratégias contra a incerteza, que
A nova economia: informacionalismo, globalização, funcionamento em rede 197
usam de rapidez e flexibilidade para compensar os baixos níveis de informação.
O resultado geral é maior complexibilidade e maior volatilidade no mercado.
É no mercado financeiro que, como último recurso, o mercado atribui valor
a qualquer atividade econômica — representada por ações, títulos ou qualquer
outro tipo de patrimônio (inclusive derivativos). O valor das empresas, e, assim,
sua capacidade de atrair investidores (ou de defender-se de outras firmas que
queiram assumir o controle à força), depende do juízo do mercado financeiro.
Como se forma esse juízo? Quais são os critérios fundamentais da valorização do
mercado” Esta é uma das questões mais complexas da teoria da nova economia e,
decerto, não há consenso entre os especialistas financeiros. Contudo, é a pedra
fundamental da economia política da Era da Informática, porque somente se sou-
bermos como se atribui valor às atividades econômicas é que poderemos enten-
der as fontes do investimento, do crescimento e da estagnação. Ademais, o juízo
de valor do desempenho de qualquer sistema econômico (capitalismo informático,
no nosso caso) dependerá muito dos critérios que se acreditem serem os padrões
para o julgamento de o que é valor. Decerto decepcionarei o leitor por nem ao
menos tentar responder a essa pergunta fundamental: simplesmente não temos
informações fidedignas suficientes para avaliá-la com rigor. Contudo, arriscarei
algumas idéias que podem ajudar a indicar um caminho para a investigação.
Sabemos que o capitalismo se baseia na procura incessante de lucros. As-
sim, a resposta à pergunta formulada acima deve ser simples: o mercado valoriza
ações, e outros títulos, segundo a lucratividade da firma ou da atividade econô-
mica, Contudo, nesse capitalismo da virada do milênio, não é isso que acontece.
O exemplo citado com mais fregiiência é o das empresas relacionadas com a
Internet, com pouco ou nenhum lucro, não obstante publicando aumentos feno-
menais no valor de suas ações (ver acima). É verdade que muitas empresas
iniciantes fracassam, afundando junto com seus investidores. Porém, tanto os
empresários quanto seus investidores quase sempre têm outras opções, e o fra-
casso só se traduz em catástrofe para uma minoria de investidores: afinal, a
rotatividade de propriedade das ações da maioria das empresas em fins da dé-
cada de 1990 nos EUA era de mais ou menos 100%; isto é, os acionistas possu-
fam ações por menos de um ano — o que tornava as perdas uma questão de
momento errado, e não de mau julgamento da empresa. É claro que, a longo
prazo, e para toda a economia, o crescimento decerto requer lucros para incenti-
var os investimentos. E o mercado usa os lucros como um dos padrões para
aumento de valor. No geral, porém, a valorização de determinado título não tem
relação direta com a lucratividade a curto prazo da empresa emitente. Uma forte
indicação dessa idéia é a ausência de relação entre a distribuição de dividendos e