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antropologia cultura unidade 1, Notas de estudo de Antropologia

Você já deve ter notado que as diferenças culturais sempre estão em pauta quanto se fala em mercado de trabalho. Como superar os conflitos, valorizar a aceitação das diferenças culturais dentro de um contexto de trabalho e ainda ser produtivo, apresentar as condições técnicas e competências exigidas em uma sociedade cada vez mais globalizada e acelerada? Talvez o primeiro passo seja compreender o que é cultura e quais os seus desdobramentos sob o olhar de uma disciplina que por excelência bu

Tipologia: Notas de estudo

2017

Compartilhado em 24/02/2017

sjfnet-12
sjfnet-12 🇧🇷

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Baixe antropologia cultura unidade 1 e outras Notas de estudo em PDF para Antropologia, somente na Docsity! Daisy Libório e Ana Paula Henrique Salvan Antropologia e cultura Capítulo 1 05 Introdução Você já deve ter notado que as diferenças culturais sempre estão em pauta quanto se fala em mercado de trabalho. Como superar os conflitos, valorizar a aceitação das diferenças culturais dentro de um contexto de trabalho e ainda ser produtivo, apresentar as condições técnicas e competências exigidas em uma sociedade cada vez mais globalizada e acelerada? Talvez o primeiro passo seja compreender o que é cultura e quais os seus desdobramentos sob o olhar de uma disciplina que por excelência busca a compreensão desse fenômeno desde o seu início: a Antropologia. Neste capítulo, iremos compreender melhor o conceito de cultura a partir de diferentes linhas teóricas da ciência antropológica. Você verá também o que é Antropologia e como essa ciência compreende a cultura e os seus diferentes fenômenos. Veremos o que é diversidade cultural – desde o determinismo geográfico, biológico ao desenvolvimento do conceito de cultura e de suas teorias modernas. Abordaremos também a dimensão simbólica do conceito de cultura, enfatizando a análise sobre o comportamento humano. Veremos como ocorre a construção das diferenças, tais como as acepções de etnocentrismo, re- lativismo, etnicidade e alteridade, ressaltando-os nas relações do mercado de trabalho. Por fim, buscaremos compreender o caráter essencialmente humano dos processos de produção cultural, enaltecendo as formas de articulação entre cultura e trabalho. Tenha um bom estudo! 1.1 Antropologia, cultura e diversidade cultural A cultura é um fenômeno necessariamente social, partilhado pelas pessoas de determinado gru- po. Não é difícil supor que os grupos partilham valores, regras da vida, modos de agir, de falar, de se vestir etc. Portanto, tenha em mente que há diferenças e similaridades entre um grupo e outro. A diversidade cultural refere-se aos diferentes modos de ser desses grupos de pessoas, que pre- cisam conviver e se relacionar nos mesmos espaços. O mercado de trabalho é um exemplo em que a diversidade cultural é bastante expressiva, em que precisa ser compreendida para transpor os conflitos. A Antropologia é uma das ciências que busca compreender os fenômenos culturais e pode con- tribuir para a promoção da tolerância, mostrando, como afirma Da Matta (2001), que o dife- rente não tem a denotação de inferioridade, mas que indica alternativas e equivalências. Neste tópico, vamos compreender melhor as relações entre a Antropologia e os conceitos de cultura e diversidade cultural. Diversidade cultural no mercado de trabalho 06 Laureate- International Universities Antropologia e cultura 1.1.1 A Antropologia como uma ciência que estuda a cultura Desde os seus primórdios, o homem fez comparações entre a sua cultura e a de outras socieda- des, buscando compreender as diferenças e semelhanças, o que, por vezes, originou conflitos e confrontos entre os povos. Contudo, conforme explica Laplantine (2003), o projeto de formar uma ciência do homem (ou Antropologia) é relativamente recente, datando do século XVIII. Foi nesse período que o homem passou a ser objeto de estudo, sendo analisado a partir do seu comportamento e de complexi- dades que não poderiam ser explicadas por sua biologia. Saiba que o surgimento da Antropologia foi um marco importante, pois até então não havia uma área do conhecimento que estudasse o homem do ponto de vista da cultura segundo o olhar dessa ciência. Trata-se de um campo do saber que dialoga interdisciplinarmente com a História, Sociologia, Arte, Filosofia, entre outras. A Antropologia surgiu na Europa e ganhou legitimidade como saber acadêmico apenas na segunda metade do século XIX, quando foi definido seu objeto de estudo: o de explicar a existência de sociedades com costumes e hábitos diferenciadas, sob o parâmetro da cultura europeia tida como modelo de existência, de ser e estar no mundo. Para Lévi-Strauss, o estudo da Antropologia ocorre em três etapas: a Etnografia, a Etnologia e a Antropologia. A Etnografia seria o correspondente aos primeiros estágios da pesquisa, tratando do trabalho de campo e da observação; a Etnologia seria mais aprofundada, a elaboração de conclusões mais extensas que não seriam possíveis no primeiro momento (síntese). E, por fim, a Antropologia seria o terceiro e último passo do estudo, no qual estão inclusas as conclusões da Etnografia e da Etnologia. Dessa forma, a Antropologia é o campo maior do conhecimento. Já a Etnografia incorpora o uso de detalhes descritivos na análise de uma sociedade, ao passo que a Etnologia emprega a explicação das organizações humanas, como clãs, tribos e nações etc. Podemos estender as teorias de Lévi-Strauss ao mercado de trabalho característico do século XXI, ou seja, relacionar as três etapas propostas aos desafios encontrados pelos profissionais em um mundo globalizado e competitivo. A Etnografia corresponderia à busca por referências na área específica em que o profissional atua, isto é, à descoberta e ao contato com o novo, enquanto à Etnologia seria a interiorização dessas referências e familiarização com conceitos até então desconhecidos. Já a Antropologia representaria a elaboração de um posicionamento em relação às questões descobertas. Qual a relação entre os conceitos de Antropologia, Etnografia e Etnologia? Bem, con- forme mencionamos, elas constituem as três etapas do estudo antropológico. O pes- quisador emprega a Etnografia e a Etnologia para poder investigar, compreender e tirar conclusões a respeito do seu objeto de estudo. NÓS QUEREMOS SABER! Saiba que os primeiros antropólogos buscaram compreender as sociedades a partir de infor- mantes e não tinham contato real com seu objeto de análise. O foco inicial era o estudo de so- ciedades consideradas exóticas, muitas vezes previamente taxadas como primitivas e selvagens, portanto inferiores, quando concebidas pelo olhar da superioridade eurocêntrica. 07 Figura 1 – A cultura é um fenômeno necessariamente social. Fonte: Shutterstock, 2015. A Antropologia não estava focada apenas na compreensão das culturas diferenciadas da so- ciedade europeia. Saiba que se buscou observar também os agrupamentos culturais da própria realidade metropolitana ocidental, como os trabalhadores industriais e os grupos marginalizados urbanos. Foi nesse ponto que o antropólogo voltou o olhar para a sua própria sociedade e a descobriu digna de ser analisada como objeto de estudo. NÃO DEIXE DE VER... O campo antropológico possui uma produção cinematográfica efervescente. Confira o documentário experimental Baraka (1992), produzido por Ron Fricke, com imagens de 23 países que expressam a diversidade humana. Informações sobre o filme: <http:// www.imdb.com/title/tt0103767/>. É importante notar que o objeto da Antropologia passou a contemplar o homem como um todo, e não apenas o que o pesquisador europeu considerava exótico. Na verdade, podemos dizer que a Antropologia, como disciplina, passou a ser o estudo das nuances do homem em sociedade. Dessa forma, o pesquisador na atualidade se questiona sobre seus próprios procedimentos me- todológicos, pois reconhece seu papel extremamente subjetivo. A Antropologia passou a estudar como são compostas as sociedades em suas diversidades histó- ricas, geográficas e culturais (LAPLANTINE, 2003). Nesse sentido, o objeto da ciência antropoló- gica incorporou a noção de que a humanidade não é singular, mas plural. O projeto antropológico consiste, portanto, no reconhecimento, conhecimento, juntamente com a compreensão de uma humanidade plural. Isso supõe ao mesmo tempo a ruptura com a figura da monotonia do duplo, do igual, do idêntico, e com a exclusão num irredutível “alhures”. As sociedades mais diferentes da nossa, que consideramos espontaneamente como indiferenciadas, são na realidade tão diferentes entre si quanto o são da nossa. E, mais ainda, elas são para cada uma delas muito raramente homogêneas (como seria de se esperar) mas, pelo contrário, extremamente diversificadas, participando ao mesmo tempo de uma comum humanidade. (LAPLANTINE, 2003, p. 13) 10 Laureate- International Universities Antropologia e cultura Figura 2 – A cultura não é inata nem depende exclusivamente dos limites geográficos. Fonte: Shutterstock, 2015. Podemos dizer que as diferenças hereditárias não são essenciais para entendermos a diversidade de grupos e culturas. A história cultural de cada grupo é o que explica as diferenças; isso contra- diz o determinismo biológico, que, de acordo com Laraia (2001), são as velhas teorias que atri- buem a “raças” habilidades inatas, ou seja, que explicam as diferenças pela herança genética. Já o determinismo geográfico considera que as características do espaço físico condiciona a variação cultural (ou seja, os diversos padrões comportamentais) (LARAIA, 2001, p. 21). Graças à Antropologia, entretanto, compreendemos tais variações de modo mais abrangente. Sobre o determinismo geográfico, hoje sabemos que os fatores geográficos influenciam, mas não são suficientes para moldar completamente a concepção de mundo de um indivíduo, para determinar os fatores culturais. Ou seja, em um mesmo ambiente físico pode haver uma diversi- dade cultural gritante. No ambiente profissional, por exemplo, é possível observar esta afirma- ção, pois, a despeito de muitos indivíduos partilharem o mesmo ambiente, diferenças comporta- mentais significantes surgem diariamente. Tais diferenças precisam ser compreendidas e aceitas para que haja um ambiente de trabalho saudável. A diferença entre homens e mulheres não se encerra nas diferenças fisiológicas em uma socieda- de, mas nos papéis sociais e nos comportamentos de cada um. Em outras palavras, verificamos que a atribuição de um comportamento específico a um gênero decorre da educação direciona- da que cada um recebe em cada cultura. Se falamos em comportamento, portanto, é preciso dizer que ele é o resultado de aprendizado, o processo de endoculturação, isto é, do processo segundo o qual um indivíduo absorve os valores e significados do grupo ao qual pertence: de uma cultura já estabelecida. Os variados comportamentos existentes, portanto, são o resultado de educação diferenciada. Veja que não há hierarquização, não há culturas melhores ou piores nem processos de aprendizagem superio- res ou inferiores. Há modos culturais diferentes apenas. 11 O livro Aprender Antropologia (Editora Brasiliense, 2003), de François Laplantine, faz parte da bibliografia básica de Antropologia e possui uma linguagem bem simples e direta sobre a história desta disciplina e os conceitos essenciais no entendimento do homem e da cultura. NÃO DEIXE DE LER... Segundo Edward Tylor (1832-1917), o primeiro pesquisador a inserir o termo cultura na pauta antropológica, podemos romper todos os laços que unem a cultura à biologia (LARAIA, 2001). O termo vem do Kultur (alemão), surgido em 1871, que significa aspectos espirituais de uma comunidade. Já civilization (inglês) significa as realizações materiais de um povo. Culture (inglês) refere-se a conhecimentos, crenças, arte, moral, leis, costumes ou qualquer outra capacidade ou hábito adquirido pelo homem como membro de uma sociedade. Conforme os conceitos que vimos, destacamos que o termo “cultura” refere-se aos [...] padrões de comportamento socialmente transmitidos que servem para adaptar as comunidades humanas aos seus embasamentos biológicos. Esse modo de vida das comunidades inclui tecnologias e modos de organização econômica, padrões de estabelecimento, de agrupamento social e organização política, crenças e práticas religiosas e assim por diante (KEESING, 1974 apud LARAIA, 2001, p. 59). Saiba que, no século XVIII e início do século XIX, havia a Antropologia evolucionista. Os antro- pólogos que seguiam essa vertente defendiam a existência de uma escala evolutiva na qual todos os grupos poderiam ser encaixados, dos mais primitivos aos mais desenvolvidos. A sociedade europeia era o exemplo de sociedade mais evoluída e civilizada. Esmagados sob o peso dos materiais, os evolucionistas consideram os fenômenos recolhidos (o totemismo, a exogamia, a magia, o culto aos antepassados, a filiação matrilinear...) como costumes que servem para exemplificar cada estágio. E quando faltam documentos, alguns (Frazer) fazem por intuição a reconstituição dos elos ausentes, procedimento absolutamente oposto, como veremos mais adiante, ao da etnografia contemporânea, que procura, através da introdução de fatos minúsculos recolhidos em uma única sociedade, analisar a significação e a função das relações sociais. (LAPLANTINE, 2003, p. 52). Figura 3 – As civilizações podem desaparecer, mas os traços culturais se mantêm. Fonte: Shutterstock, 2015. 12 Laureate- International Universities Antropologia e cultura Bronislaw Malinowski (1884-1942) foi sem dúvida um dos grandes nomes para a An- tropologia e as ciências que buscam entender a cultura e a diversidade cultural. Ele contribuiu significativamente para o desenvolvimento metodológico das Ciências So- ciais, proporcionando um modelo de trabalho de campo até então inexistente. Na sua descrição científica, relata as dificuldades da época em relação à pesquisa científica. A sua obra mais significativa foi Argonautas do Pacífico Ocidental (1922), considerado o primeiro trabalho etnográfico. VOCÊ O CONHECE? Kroeber (1917 apud LARAIA, 2001) foi pioneiro em assumir que o homem é diferente dos demais animais por dois motivos: na possibilidade da comunicação oral e na capacidade de fabrica- ção de instrumentos além do seu aparato biológico. Dessa forma, cai por terra o determinismo biológico, pois o homo sapiens possui maneiras diversas de lidar com os desafios a que é sub- metido diariamente, independentemente de sua filiação ou status como cidadão. No ambiente do trabalho tal afirmação é fácil de constatar, especialmente se tivermos em mente os diferentes comportamentos dos indivíduos. Em contrapartida à Antropologia evolucionista, Franz Boas defendeu que a Antropologia deveria reconstruir a história dos povos, comparando a vida social de grupos diferentes sem estabele- cer noções de superioridade ou inferioridade, evidenciando o particularismo histórico de cada cultura. Ele fundou a chamada Escola Cultural Americana, a qual abrangia a multilinearidade (abordagem segundo a qual cada grupo se desenvolve de forma única, rejeitando a ideia de que há apenas um modelo padrão ou linha evolutiva na qual todos os grupos podem ser encaixa- dos), o particularismo histórico, ou seja, a crença de que cada cultura teria sua própria história e evolução natural. Clifford Geertz (2008), partindo das ideias de Schneider (este dizia que a cultura é um sistema de significados), e de Max Weber (que acreditava que o homem era um animal preso em uma teia de significados por ele mesmo produzida), afirma que cabe ao antropólogo trazer à tona os significados e as suas relações, fazendo a interpretação semiótica (ou seja, uma interpretação dos significados) do objeto estudado. Podemos dizer que Geertz se interessa pela teia de significados tecida através da convivência dos indivíduos que compõem os diversos grupos humanos, isto é, o autor se dedica a interpretar a cultura como uma rede de significados. O autor afirma que a cultura é algo público, sem criado- res identificáveis, cujo movimento é espontâneo e adaptado. Para ele, a cultura é um fenômeno social (GEERTZ, 2008). Para ampliar a discussão sobre a cultura, Laraia (2001, p. 60-61) cita Roger Keesing, que propõe uma divisão para o termo: • cultura como um sistema cognitivo, ou seja, em relação à habilidade que o ser humano tem de aprender e assimilar novos conhecimentos. Podemos observar tal sistema quando um colaborador novo é introduzido à cultura solidificada de uma empresa; ele precisará aprender o jeito como os outros funcionários se portam para se adaptar ao ambiente; • cultura como sistema simbólico (no sentido de que o se humano tem a capacidade de simbolizar, ou seja, fazer uma ligação entre um conhecimento específico e o símbolo que o representa), em que a cultura não é um complexo de comportamentos fixos, mas um conjunto de mecanismos de controle para direcionar o comportamento. Todo homem é geneticamente programado para receber um programa, que é chamado de cultura e 15 1.3.1 Etnocentrismo Vimos que a cultura se refere aos valores e às visões de mundo de um grupo social. Esta é a constituição essencial do indivíduo, já que ressalta os parâmetros de comportamento, valores e modos de compreender o mundo que o cerca etc. Quando um indivíduo ou grupo toma a sua cultura pela perspectiva do juízo de valor, depreciando ou ignorando às demais variações cultu- rais, damos o nome de etnocentrismo. Para conseguir visualizar as variações culturais, pense em um ambiente de trabalho no qual há colaboradores de culturas diversas. Alguns colaboradores seguem uma crença que lhes deter- mina uma vestimenta específica uma vez por mês, ao passo que outros cantam canções e falam com sotaque e trejeitos específicos de sua cidade natal. A visão etnocêntrica desconsidera a lógica de funcionamento de outra cultura ou mesmo com- preende os mecanismos do processo cultural, limitando-se à sua visão e referência cultural. Tudo o que é diferente, para a visão etnocêntrica, é errado, inoportuno, diferente, e deve ser rejeitado. CASO Pedro foi enviado à Inglaterra para fechar um negócio por sua empresa. Quando chegou ao ho- tel, decidiu revisar seu discurso e ensaiar novamente seu possível diálogo com os representantes da organização colaboradora de sua empresa. Após ter se certificado de que tudo estava em ordem, pegou um taxi e foi até o local do encontro, atrasando-se cerca de uma hora. Quando chegou ao local marcado para o encontro, estava muito nervoso, pois sabia que os ingleses prezavam a pontualidade. No início da reunião, sentiu-se um pouco acanhado e des- culpou-se de forma assertiva pelo atraso. Os representantes ficaram um pouco desapontados in- cialmente, dizendo que consideravam esse tipo de falha uma tremenda falta de respeito, porém, à medida que a reunião e os negócios procederam de forma favorável, um clima de cordialidade estabeleceu-se e Pedro pôde negociar com a mesma organização inúmeras vezes. O etnocentrismo pode ser expresso em diversas nuances culturais – o jeito de falar, na forma de se vestir, no repertório culinário etc. E se de um lado há o etnocentrismo, por outro é preciso buscar uma forma de constatar as diferenças e aprender a lidar com elas. Este é um dos desafios do mercado de trabalho atualmente, ou seja, lidar bem com a diversidade cultural. Em suma, o etnocentrismo surge quando um indivíduo ou grupo considera a sua cultura como mais sofisticada e superior do que as culturas dos demais. Este é um fenômeno tão complexo e amplo que se pode dizer que foi esta lógica que direcionou as ações de estratégia geopolítica das nações que originaram o capitalismo como modo de produção. Através do Imperialismo, essas nações se viram na missão de proporcionar ao restante do mundo o modo de vida do eu- ropeu de “homem civilizado”, e com isso garantir dominação e hegemonia sobre outros povos considerados inferiores (COUCHE, 2004). Ao etnocentrismo há outros tipos de preconceitos relacionados, como a xenofobia (preconceito contra estrangeiros ou pessoas de outras localidades) e a intolerância de uma forma geral. Por intolerância, denota-se qualquer hostilidade contra um hábito ou comportamento diferente, ou seja, a incapacidade de aceitar algo que destoe do conhecido e aceito. Nota-se que, apesar da aceleração da tecnologia e do acesso à informação, o etnocentrismo não recuou em escala global, evidenciando um retrocesso mesmo com tamanha modernização. 16 Laureate- International Universities Antropologia e cultura 1.3.2 Relativismo cultural Nas primeiras décadas da Antropologia como ciência e disciplina, predominou a corrente evo- lucionista, ou seja, uma vertente que presumia uma linha evolutiva na qual todas as sociedades poderiam ser encaixadas; da mais bárbara e primitiva à mais civilizada. Mas será que dá para criar critério de análise para comparar uma cultura com outra de modo hierárquico cientifica- mente? É claro que não, e é aqui que entra o relativismo cultural! O relativismo cultural refere-se à incapacidade de mensurar a cultura de um grupo. A ideia de relativismo social tem origem com a Antropologia social, buscando comparações e cri- térios independentes. Pense bem: relativizar significa conceber uma cultura dentro de seu próprio contexto cultural. Quando um pesquisador se propõe a ir a campo, precisa se despir de qualquer parâmetro externo que possa ser considerado etnocêntrico. Parte-se em realizar a avaliação sem privilegiar os valores de um só ponto de vista (COUCHE, 2004). O relativismo cultural poderia ser uma prática para membros de qualquer cultura ou estaria li- gado ao fazer científico da Antropologia e de outras ciências do homem? O relativismo cultural é uma atitude necessária para aceitar a diversidade cultural em qualquer contexto, pois permite compreender que toda cultura é única. Grave bem: os costumes e as regras sociais de determi- nado grupo devem ser interpretados de acordo com as funções que possuem naquele grupo/ contexto específico. O relativismo cultural, como premissa teórico-metodológica da Antropologia, surgiu a partir do século XX como uma espécie de regra de conduta contra a atitude etnocêntrica, que impli- cava em uma visão muitas vezes evolucionista, em que a cultura do cientista servia de base às comparações. Pense aqui não numa linha evolutiva, mas em um espaço em que cada cultural é representada de acordo com suas próprias interpretações, sem qualquer escala hierárquica. 1.3.3 Etnicidade Etnicidade é outro conceito muito discutido em Antropologia. Trata-se de um conjunto de carac- terísticas comuns a um grupo de pessoas que as diferenciam de outro grupo. Pode ser composto de língua, cultura, aspectos biológicos e origem comum. Pode ser definida como uma espécie de autoconsciência da condição cultural e social de determinado grupo, ao pertencimento a uma cultura. Refere-se à percepção do papel social do indivíduo no seu próprio grupo e fora dele. A etnicidade envolve distinção de grupos e indivíduos pelo estilo das vestimentas, da língua, da religião e de outras características que são culturalmente percebidas e aprendidas. Todas as pes- soas em sociedade possuem etnicidade, mas o conceito é mais evidentemente percebido entre os grupos que sofrem preconceitos. Conforme Bobbio et al. (2000, p. 449), estas são as premissas que caracterizam o conceito: [...] falar a mesma língua, estar radicado no mesmo ambiente humano e no mesmo território, possuir as mesmas tradições são fatores que constituem a base fundamental das relações ordinárias da vida cotidiana. Marcam tão profundamente a vida dos indivíduos, que se transformam num dos elementos constitutivos da sua personalidade e definem, ao mesmo tempo, o caráter específico do modo de viver de uma população. Por outro lado, as relações sociais que derivam do fato de pertencer a mesma etnia criam interesses coletivos e vínculos de solidariedade caracteristicamente comunitários. A etnia refere-se às diferenças socioculturais aprendidas. Podem possuir similaridades biológicas (parentesco), mas isso não é uma regra. O conceito de raça pode ser confundido com etnia, porém trata-se de algo cada vez mais criticado na atualidade, posto que é menos abrangente. 17 A etnicidade possui as seguintes características gerais: • a etnicidade é construída a partir da relação com o outro (alteridade); • os grupos que possuem similaridades são considerados cultural ou socialmente distintos; • as diferenças podem ser determinadas pelo outro e incorporadas pelo grupo; • as diferenças étnicas são legitimadas por aspectos históricos, sociais e políticos; • cada grupo étnico elabora um discurso sobre o outro; • os grupos étnicos estão em constante mudança – há um processo dinâmico; • é importante ressaltar que não é a diferença cultural que está na origem da etnicidade, mas a comunicação cultural que sugere a ideia de diferença. Imagine que a etnia diz respeito ao conjunto de informações orais, escritas e comportamentais que absorvemos durante nossa convivência com determinado grupo. Um grupo étnico, portanto, refere-se a um alinhamento entre seres que convivem no mesmo espaço. Esse conjunto de in- formações é passado adiante e adaptado durante gerações, formando o que podemos entender como a “teia de significados” (ou rede de significados) de Geertz, mencionado anteriormente. 1.3.4 Alteridade Para Laplantine (2003, p. 13), a alteridade é a descoberta proporcionada pela distância em re- lação a nossa sociedade, ou seja, “[...] aquilo que tomávamos por natural em nós mesmo é, de fato, cultural; aquilo que era evidente é infinitamente problemático”. Para o autor, a alteridade nos leva à experiência da “diferença”, em aceitar no outro aquilo que acabamos descobrindo em nós mesmos, já que os seres humanos têm em comum a capacidade para se diferenciar uns dos outros, para elaborar valores, costumes, línguas, conhecimento etc. Assim, é também objeto da Antropologia o reconhecimento e conhecimento da compreensão de humanidade plural, ou seja, se a ciência antropológica estuda o homem e suas pluralidades e se a alteridade é o estudo das diferenças e o estudo do “outro”, é tarefa essencial da Antropologia discuti-la. É preciso decentralizar o olhar para perceber as diferenças e similaridades que nos cercam. Des- sa forma, a alteridade implica em deixar de rejeitar as peculiaridades dos outros, isto é, daqueles que são diferentes de nós, reconhecendo esses aspectos em nós mesmos. NÃO DEIXE DE VER... Assista ao curta Ilha das Flores (1989), de Jorge Furtado, que mostra as relações de- siguais entre os seres humanos de forma atual e pertinente. Disponível em: <http:// portacurtas.org.br/filme/?name=ilha_das_flores>. 20 Laureate- International Universities Síntese Neste capítulo, você pôde: • compreender que a Antropologia é por excelência uma ciência que busca compreender o homem, a cultura e a diversidade cultural; • constatar que a Antropologia possui diferentes tendências desde a sua origem e que a cultura sempre foi o seu objeto de estudo; • concluir que a cultura é toda atividade física ou mental que não advém necessariamente da biologia, mas uma construção social, partilhada pelos membros de um grupo que possuem características comuns entre si; • entender que a linguagem é um aspecto muito importante, pois permite que haja a assimilação cultural e serve para orientar a conduta individual imposta pela sociedade; • perceber que o ambiente de trabalho é apenas outro espaço em que as diferenças culturais são percebidas e que estas devem ser compreendidas e até mesmo valorizadas. Síntese 21 Referências Associação Brasileira de Antropologia – ABA. Disponível em: <http://www.portal.abant.org.br>. Acesso em: 15 jun. 2015. BARAKA. Documentário dirigido por Ron Fricke. Estados Unidos, Mark Magidson, 1992. Disponí- vel em: <https://www.youtube.com/watch?v=19uks0YagCY>. Acesso em: 29 abr. 2016. BOBBIO, Noberto et al. Dicionário de Política. Brasília: UnB, 2000. BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas simbólicas. São Paulo: Perspectiva, 1998. G1. Catalunha faz consulta popular sobre independência da Espanhã. 2014. Disponí- vel em: < http://g1.globo.com/mundo/noticia/2014/11/catalunha-faz-consulta-popular-sobre- -independencia-da-espanha.html>. Acesso em: 21 jun. 2015. COUCHE, Denys. A noção de cultura em Ciências Sociais. Lisboa: Fim de Século, 2004. COMUNIDADE Virtual de Antropologia. Disponível em: <http://www.antropologia.com.br/>. Acesso em: 15 jun. 2015. CUNHA, Manuela Carneiro da. Antropologia do Brasil: mito, história, etnicidade. São Paulo: Brasiliense, 1987. 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