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interp genet variabilidade humana, Notas de estudo de Bioquímica

GENETICA HUMANA

Tipologia: Notas de estudo

2013

Compartilhado em 26/02/2013

leonan-alves-4
leonan-alves-4 🇧🇷

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Baixe interp genet variabilidade humana e outras Notas de estudo em PDF para Bioquímica, somente na Docsity! BERNARDO BEIGUELMAN À Interpretação Genética da Variabilidade Humana © 2008, dos autores Direitos reservados desta edição Sociedade Brasileira de Genética Editora SBG Sociedade Brasileira de Genética Ribeirão Preto, SP Capa cubo multimidia Beiguelman , Bernardo A INTERPRETAÇÃO GENÉTICA DA VARIABILIDADE HUMANA. / Bernardo Beiguelman - Ribeirão Preto: SBG, 2008. 152p. I. Autor. II. Título. CAPÍTULO 6. EFEITO PRIMÁRIO DOS GENES, GENOCÓPIAS, EXPRESSIVIDADE E PENETRÂNCIA ......134 Erros inatos do metabolismo. ...............................................................................................................................136 Genocópias. .........................................................................................................................................................141 Expressividade variável e penetrância incompleta...............................................................................................144 O fenômeno da antecipação. ...............................................................................................................................148 O fenômeno da marca genômica (genomic imprinting)........................................................................................149 Questões e respostas...........................................................................................................................................152 Referências. .........................................................................................................................................................153 3 INTRODUÇÃO A interpretação genética da variabilidade humana, normal ou patológica, repousa sobre o mesmo princípio fundamental estabelecido para todas as espécies eucarióticas com reprodução sexuada, segundo o qual as informações genéticas necessárias ao desenvolvimento do ser humano, desde o momento em que se forma o zigoto até a morte do indivíduo dele resultante, estão contidas, basicamente, em seus cromossomos. O estudo da Citogenética facilitou, evidentemente, a aceitação desse princípio, já que essa especialidade forneceu abundantes exemplos de que numerosas alterações detectadas clinicamente somente podem ser interpretadas como causadas pela desorganização da informação genética contida nos cromossomos. Por outro lado, esses exemplos serviram, também, para revelar que algumas aberrações cromossômicas estão de tal modo associadas a anomalias específicas, que o cariótipo anormal constitui, nesses casos, o seu sinal patognomônico (do grego, pathos = doença e gnómon = que distingue, que discrimina). Obviamente, as alterações grosseiras do genótipo, isto é, aquelas visíveis ao microscópio comum (aberrações cromossômicas) só podem explicar uma pequena parte da variação patológica e, é claro, não podem ser responsabilizadas pela variabilidade humana normal. Por isso, é de crucial importância o arrolamento de outros exemplos, para que o leitor fique convencido de que, também na espécie humana, todas as informações genéticas necessárias a seu desenvolvimento estão contidas, basicamente, nos cromossomos. Durante muito tempo tal reconhecimento somente podia ser feito a partir do estudo de famílias e por inferência estatística. Atualmente, porém, os geneticistas podem valer-se, além desse método, da metodologia bioquímica, que inclui o estudo do DNA cromossômico, da imunologia e da citologia, ou da combinação delas. Contudo, em que pese a alta eficiência desses métodos poderosos, o reconhecimento dos diferentes padrões de herança somente pode ser feito por intermédio dos clássicos estudos familiais. Além disso, a metodologia clássica permite ao leitor acompanhar melhor a evolução do processo que levou a atribuir aos cromossomos humanos o papel de portadores da informação genética. 6 4 CAPÍTULO 1. A CLASSIFICAÇÃO DOS CARACTERES O termo caráter é utilizado em Genética com um sentido muito amplo, já que designa qualquer característica, normal ou patológica, passível de ser notada durante qualquer fase do desenvolvimento de um indivíduo, isto é, desde a sua formação até a sua morte. Essa amplitude de significação tende, no início, a confundir o leitor não familiarizado com os métodos, os problemas e os resultados da Genética. Realmente, não só em conseqüência da técnica de estudo, do instrumental utilizado, ou da capacidade do observador, mas, muitas vezes, simplesmente, pela conveniência de uma situação, designa-se como caráter ora uma determinada doença com todos os seus sinais e sintomas, ora apenas um sinal dessa doença. Por outro lado, em determinados casos, dá-se o nome de caráter a características tais como estatura, cor da pele, fertilidade, pressão arterial e, em outros, utiliza-se a mesma designação para nomear variedades contrastantes dessas mesmas características, ou seja, estatura alta e estatura baixa, pele branca e pele preta, fertilidade e infertilidade, pressão arterial alta e pressão arterial baixa. A plasticidade do significado e do emprego do termo caráter, que envolve sempre diferentes níveis de abstração, decorre da necessidade que o geneticista tem de aplicar a análise estatística à interpretação da realidade. E, para a descrição do mundo real em termos matemáticos, a edificação de uma imagem abstrata do mesmo é uma condição imprescindível. Tal atitude, às vezes empregada até com um certo excesso, é, entretanto, plenamente justificada quando se analisam os seus resultados, pois na Genética, do mesmo modo que nas ciências exatas, encontramos situações em que os conceitos artificiais utilizados na elaboração de hipóteses permitiram a obtenção, por dedução matemática, de leis que, ao serem aplicadas ao mundo real, passaram a representar um certo número de fenômenos naturais com alto grau de exatidão. CARACTERES GENÉTICOS E NÃO-GENÉTICOS O termo fenótipo, do grego, fainein = mostrar, pode ser usado para indicar uma característica especifica, mas pode ser empregado num sentido mais amplo, para designar o conjunto de todas as características perceptíveis de um indivíduo. Em outras palavras, tanto podemos nos referir ao fenótipo de um indivíduo, quando queremos fazer considerações sobre o conjunto de todos seus caracteres observáveis, quanto podemos designar por fenótipo uma característica específica dos indivíduos. Assim, por exemplo, podemos dizer que o caráter pressão arterial permite reconhecer, clinicamente, os fenótipos pressão alta, pressão baixa e pressão normal. 7 7 reconhecidos pelos anti-soros correspondentes. De fato, entre os caracteres qualitativos podem ser catalogados, por exemplo, os numerosos antígenos leucocitários pertencentes ao sistema HLA, que é a sigla da denominação inglesa human leukocyte antigens, ou as variantes, detectadas eletroforeticamente, de proteínas estruturais ou de enzimas oriundas do soro sangüíneo ou do hemolisado de hemácias humanas, como é o caso das variantes da haptoglobina, da transferrina, da alfa-l-antitripsina, da hemoglobina, da desidrogenase de 6-fosfato de glicose etc. As doenças genéticas, reconhecidas atualmente aos milhares, também são exemplos de caracteres qualitativos, porque elas propiciam uma classificação dicotômica dos seres humanos, isto é, elas permitem separar aqueles que manifestam uma determinada doença genética daqueles que não a apresentam. Quase sempre tais doenças constituem caracteres qualitativos raros porque, na maioria das vezes, cada uma delas tem incidência inferior a 1:10.000. CARACTERES QUANTITATIVOS Toda característica que puder ser representada por um valor numérico é denominada variável. As variáveis são ditas quantitativas, podendo ser contínuas ou discretas, quando atribuídas a caracteres que não permitem aos indivíduos serem classificados em classes sem conexão entre si. Tais caracteres, por sua vez, são denominados caracteres quantitativos e são, freqüentemente, representados por variáveis contínuas, isto é, medidas que podem ser classificadas ordenadamente e quantificadas em números reais (números inteiros ou decimais, a partir de zero) que permitem, pelo menos do ponto de vista teórico, a introdução de um número infinito de valores intermediários em um intervalo qualquer, por menor que seja. É o caso da estatura ou da medida de qualquer parte do corpo, do peso corporal ou de qualquer órgão, do nível plasmático de alguma substância como a creatinina, uréia, colesterol etc., da temperatura, da pressão arterial etc. Os caracteres quantitativos, entretanto, também podem ser representados por variáveis discretas, isto é, por medidas que só admitem números inteiros, e que também podem ser classificadas ordenadamente e quantificadas. É o caso do número de filhos de um casal, do número de pêlos em uma determinada área do corpo, do número de batimentos cardíacos por minuto, do número de cristas dermopapilares na falange distal dos dedos etc. Tais caracteres são denominados caracteres merísticos (do grego, meristos = dividido) . O estudo da distribuição dos caracteres quantitativos em amostras das populações humanas permite constatar serem numerosos aqueles que apresentam uma distribuição unimodal, isto é, que mostram apenas uma região de densidade máxima, a moda. Além disso, verifica-se que grande número desses caracteres apresenta uma distribuição cujo ajustamento à distribuição teórica denominada distribuição normal é bastante satisfatório, podendo-se, por esse motivo atribuir à distribuição de tais caracteres as propriedades da curva normal (Figura 1.1). Nessa conhecida curva 10 8 simétrica, com o aspecto de um sino, constata-se, facilmente, que a média aritmética ou, simpesmente, média (µ), coincide não apenas com o valor mais freqüente (moda), mas, também, com o ponto central da distribuição, isto é, com a mediana, pois os valores maiores do que a média ocorrem com freqüência idêntica à daqueles que são menores do que ela. Fig.1.1. A curva normal. µ = média; σ = desvio padrão. Para a determinação da curva normal é necessário, além da média, conhecer-se apenas o desvio padrão (σ), o qual mede a dispersão da variável em estudo em torno da média. O conhecimento do desvio padrão é muito importante porque, praticamente, 95% dos valores de uma variável com distribuição normal estão contidos no intervalo entre dois desvios padrão à direita e dois desses desvios à esquerda da média. Isso significa, portanto, que a probabilidade de encontrar, casualmente, um valor fora desse intervalo, isto é, em qualquer das duas caudas da distribuição, é igual a, praticamente, 5% (2,5% em cada cauda), o que é considerado pouco provável. Aqui é importante lembrar que o tratamento matemático dos dados com distribuição normal pode ser encontrado em qualquer livro elementar de Estatística. Apesar de apenas as variáveis contínuas poderem ter distribuição normal, as propriedades dessa distribuição são aplicáveis indistintamente aos caracteres contínuos e aos merísticos que se distribuem de modo aproximadamente normal. Isso acontece porque, na prática, nem os próprios caracteres contínuos mostram uma distribuição contínua, pois no mundo real lidamos com amostras de populações ou com populações finitas. Nelas não se pode, evidentemente, constatar uma distribuição contínua e sim uma tendência para tal, que será mais facilmente vislumbrada à medida que aumentarem o tamanho amostral e a precisão das mensurações. De fato, a estatura ou a distância interpupilar, do mesmo modo que outras medidas lineares, bem como a concentração sérica de uma substância como a glicose, ou a atividade de uma enzima como a NADH-redutase de metemoglobina nas hemácias são caracteres contínuos porque são representados por variáveis contínuas. Na prática, porém, como se pode constatar nos histogramas das Figuras 2.1 a 5.1, tais caracteres se distribuem de modo semelhante àqueles representados por 11 9 variáveis discretas, como é o caso, por exemplo, do número total de cristas dermopapilares na falange distal dos dedos ou do número dessas cristas contadas entre os trirrádios palmares a e b (Figuras 6.1 e 7.1). O essencial, contudo, é que a todos esses histogramas se pode sobrepor uma curva contínua que, nos exemplos em questão é uma curva normal mostrando, algumas vezes, ajustamento muito grande aos dados amostrais. Fig. 3.1. Histograma da distribuição de 300 homens segundo a distância interpupilar to- mada em milímetros e sobreposição de uma curva normal ajustada aos dados. Fig. 2.1. Histograma da distribuição de uma amostra de 100 escolares secundaristas brasileiros do sexo masculino segundo a estatura medida em centímetros. Ao histograma foi sobreposto uma curva normal ajustada aos dados. Fig. 4.1. Histograma da distribuição de 100 adultos do sexo masculino, clinicamente normais segundo os valores de glicemia em jejum medidos em mg%. Uma curva normal ajustada aos dados foi sobreposta ao histograma 12 12 Ainda no concernente aos caracteres quantitativos com distribuição normal ou aproximadamente normal é importante assinalar que o estado de normalidade, no sentido médico do termo, não pode ser atribuído aos indivíduos cujas medidas estão contidas no intervalo entre dois desvios padrão à direita e à esquerda da média. Apesar de tal intervalo incluir cerca de 95% dos valores da distribuição, isso não significa que ele contém os indivíduos normais sob o ponto de vista médico. De fato, se tomássemos a distribuição do Q.I. nas populações humanas e atribuíssemos inteligência normal aos indivíduos cujo Q.I. estivesse contido no intervalo entre dois desvios padrão à direita e à esquerda do Q.I. médio, chegaríamos à conclusão que estaríamos incluindo entre as pessoas de inteligência normal uma alta proporção de deficientes mentais, bem como de superdotados. Se o mesmo critério fosse aplicado para a pressão arterial, concluiríamos que somente casos graves de hipertensão e de hipotensão é que seriam rotulados como tendo esse distúrbio. CARACTERES SEMIDESCONTÍNUOS Certos caracteres contínuos apresentam distribuição contendo duas ou mais modas e uma ou mais antimodas, isto é, um ou mais intervalos de pequena freqüência entre as modas. Tais caracteres são denominados semidescontínuos porque, apesar de serem representados por variáveis contínuas, eles podem ser tratados como qualitativos, já que as antimodas permitem a separação de classes fenotípicas de uma maneira muitíssimo menos arbitrária do que aquelas que podem ser tentadas em relação aos caracteres com distribuição unimodal. Aliás, tal separação será tanto menos arbitrária quanto menor for a freqüência de indivíduos que ocorrem na(s) antimoda(s). Tomemos um exemplo para melhor entender o conceito de caráter semidescontínuo. Consideremos, inicialmente, o caso da reação gustativa à fenil-tio-uréia, também conhecida pela sigla PTC, tirada da designação inglesa phenyl-thio-carbamide. Há décadas se sabe que o grupamento químico =N-C=S dos compostos tio-uréicos, presentes em certos medicamentos e em numerosos vegetais, é capaz de provocar sensação gustativa amarga na maioria das pessoas (Fox, 1932; Hopkins, 1942). Se, a partir de uma solução inicial com 1.300 mg de PTC por litro de água fervida, prepararmos uma série de 14 soluções, cada qual com a metade da concentração da solução anterior, poderemos dizer que cada solução conterá n2 600.2 mg de PTC por litro de água, com n assumindo valores de 1 a 14. Isso permitirá que as soluções sejam numeradas logaritmicamente em concentração decrescente de 1 a 14, ficando a solução 1 com 1.300 mg, a 2 com 650 mg, a 3 com 325 mg de PTC por litro e assim por diante. Com o auxílio dessa série de soluções é possível testar a reação gustativa à PTC dos seres humanos empregando a técnica de Harris e Kalmus (1949), de acordo com a qual cada indivíduo deve iniciar o teste ingerindo 2 ml de água fervida e, sem seguida, a partir da solução 14, degustar 2 15 13 ml das outras soluções de PTC, na ordem crescente de concentração, até acusar que sentiu gosto amargo em uma delas. Quando isso ocorrer, a pessoa que estiver aplicando o teste deve fornecer oito copinhos ao indivíduo que está sendo testado, quatro dos quais contendo água fervida e os quatro restantes com a solução que ele reconheceu como tendo gosto amargo. No caso de o indivíduo que está sendo testado separar corretamente os copinhos de água daqueles contendo a solução de PTC, dir-se-á que o número dessa solução constitui seu limiar gustativo à PTC. Se a determinação for incorreta, em qualquer grau, deve-se prosseguir o teste com a solução seguinte. Por outro lado, se o indivíduo examinado não acusar gosto amargo mesmo ao tomar a solução 1 dir-se-á que seu limiar gustativo à PTC é menor do que 1 (< 1). A aplicação desse teste a 1.000 brasileiros caucasóides adultos e sadios (Beiguelman, 1964) permitiu constatar a distribuição representada pelo histograma da Figura 9.1. Fig. 9.1. Histograma da distribuição de 1000 brasileiros adultos e sadios segundo os limiares gustativos à PTC (Beiguelman, 1964). A natureza contínua da distribuição bimodal do caráter reação gustativa à PTC é óbvia, pois, teoricamente, é possível obter uma infinidade de diluições intermediárias a duas outras, que poderiam servir para discriminar, com precisão cada vez maior, limiares gustativos à PTC correspondentes a essas diluições. Por outro lado, é fácil distinguir no histograma da Figura 9.1 a existência de duas modas, representadas pelos limiares 1 e 9, bem como a presença de uma antimoda, que coincide com o limiar gustativo 5. 16 14 Tendo em vista a continuidade do caráter em estudo, tem-se que a distribuição bimodal da Figura 9.1 pode ser interpretada como decorrente da imbricação dos extremos de duas distribuições normais, com a extremidade superior de uma sobreposta à inferior de outra. Uma das distribuições corresponderia à dos indivíduos que podem ser classificados como insensíveis à PTC e a outra à daqueles classificados como sensíveis à PTC (Figura 10.1). A distribuição bimodal serve, pois, para indicar a existência de duas populações que, no caso, são a dos sensíveis e a dos insensíveis à PTC, com variações em cada uma delas, visto que ambas populações apresentam indivíduos mais sensíveis do que outros ao gosto amargo de PTC. A área de sobreposição, representada pela região antimodal, corresponde aos indivíduos que podem ser incluídos em uma ou outra das duas populações, isto é, entre os sensíveis ou entre os insensíveis à PTC. Fig. 10.1. Interpretação da distribuição bimodal do caráter reação gustativa à PTC. Como se pode ver, os riscos de uma classificação arbitrária restringem-se aos indivíduos da região antimodal da distribuição, porque em relação aos que estão afastados dela, a sua classificação em uma ou outra população é bastante natural. Mas, como já se mencionou no início do presente tópico, no caso dos caracteres semidescontínuos, a distribuição dos indivíduos em classes fenotípicas será tanto menos arbitrária quanto menor for a sua freqüência na antimoda, pois a arbitrariedade cometida depende do risco de erro resultante da inclusão dos indivíduos dessa região em uma ou outra população. Considerando que, de acordo com a Figura 9.1, a freqüência na antimoda é baixa (apenas 1,6%), é claro que o erro cometido ao classificar os indivíduos pertencentes ao limiar antimodal (limiar 5) em uma ou outra população também será pequeno. Pode-se, por isso, aceitar que, entre os brasileiros caucasóides adultos e sadios, a classe fenotípica das pessoas sensíveis à PTC é composta por aquelas que sentem gosto amargo quando ingerem uma solução dessa substância em concentração igual ou inferior a 81,25 mg por litro de água (soluções 5 a 14). A classe fenotípica das 17 17 ficou entre 60% e 70%. Isso torna plausível aceitar que percentuais de INH acetilada iguais ou superiores a 65%, 8 horas após a sua ingestão, sirvam para classificar como acetiladores rápidos de INH tanto os caucasóides quanto os negróides. Evidentemente, os acetiladores lentos devem incluir aqueles que apresentarem percentuais de INH acetilada inferiores a 65% na urina colhida 8 horas após a ingestão de 10 mg de INH por kg de peso corporal. As distribuições da Figura 11.1 também permitem estimar que entre os caucasóides e negróides a proporção de acetiladores lentos é, respectivamente, 57% ± 4,5% e 50% ± 4,7%. Antes de encerrar o presente tópico é interessante assinalar que a determinação do fenótipo acetilador de INH tem grande importância prática na quimioterapia e quimioprofilaxia da tuberculose porque os acetiladores lentos desse medicamento, quando sob tratamento contínuo, estão sob risco cerca de 6 vezes maior do que os acetiladores rápidos de manifestar reações tóxicas a esse fármaco (geralmente neurite periférica e outros comprometimentos neurológicos). Esse risco pode ser bastante diminuído quando a INH é associada à vitamina B6. Os acetiladores rápidos, por sua vez, quando sob tratamento intermitente, respondem menos satisfatoriamente do que os lentos a essa terapia, necessitando receber INH em preparações de liberação lenta (Devadatta et al., 1960; Tuberculosis Chemotherapy Center, Madras, 1970, 1973). Também parece importante deixar claro, que, se um caráter semidescontínuo exibir duas antimodas e, portanto, três modas (distribuição trimodal), ele poderá ser interpretado como decorrente da imbricação de três distribuições. As duas antimodas separariam, pois, três populações. QUESTÕES E RESPOSTAS Q 1.Cite uma maneira arbitrária de classificar como qualitativos os caracteres temperatura corporal, pressão sistólica e glicemia em jejum. R 1. A temperatura corporal poderia ser classificada, por exemplo, em baixa, normal e febril. A pressão sistólica e a glicemia em jejum, por sua vez, poderiam ser classificadas, por exemplo, em alta, normal e baixa. Q 2. Dentre os caracteres quantitativos abaixo relacionados assinale aqueles que são merísticos: Glicemia Pressão sistólica ou diastólica Número de eritrócitos por mm3 Hematócrito Hemoglobina corpuscular média Número de cristas dermopapilares na falange distal dos dedos Número de núcleos com cromatina X Temperatura corporal 20 18 R 2. O número de eritrócitos por mm3, o número de cristas dermopapilares na falange distal dos dedos e o número de núcleos com cromatina X são caracteres merísticos. Q 3. Tendo em vista que os caracteres merísticos são representados por variáveis descontínuas, por que razão não estão eles incluídos entre os caracteres qualitativos e sim entre os quantitativos? R 3. Porque eles não permitem uma distribuição em classes sem conexão entre si. Q 4. O histograma abaixo refere-se à distribuição de 100 pacientes de uma enfermaria de homens, distribuídos segundo os valores de glicemia em jejum. Apresente uma hipótese para explicar a razão de tal distribuição não ser unimodal. R 4. A distribuição observada, que sugere trimodalidade, deve decorrer do fato de os pacientes de enfermaria constituírem uma amostra heterogênea. Q 5. Ao investigar a velocidade de acetilação da isoniazida em 100 brasileiros, um pesquisador observou que 50% eram acetiladores lentos. Outro pesquisador, fazendo a mesma investigação em 1.000 brasileiros, encontrou idêntica porcentagem. Visto que o primeiro investigador assinalou um desvio padrão de 5% e o segundo um desvio padrão de 1,58% quer-se saber a razão dessa diferença. R 5. A razão da diferença observada decorre do tamanho bem maior de uma das amostras. À medida que aumenta o tamanho amostral aumenta a precisão das estimativas. Q 6. As dosagens dos níveis sangüíneos de diaminodifenilsulfona em uma amostra de hansenianos, feitas 6 horas após a ingestão de 100 mg desse medicamento, mostraram que tais níveis tinham distribuição bimodal (Beiguelman et al., 1974). Uma das modas coincidiu com a concentração de 3,5 a 4 µg/ml. a outra com a concentração de 5,5 a 6 µg/ml, enquanto que a antimoda coincidiu com a concentração de 4,5 a 5 µg/ml. Pode-se grupar os pacientes dessa amostra em duas classes, isto é, sulfonemia alta e sulfonemia baixa? Em caso afirmativo, acima de que concentração devem esses pacientes ser considerados como manifestando sulfonemia alta? 21 19 R 6. Sim; acima de 4,5 µg/ml. Q 7. Visto que a sensação amarga causada pela feniltiouréia é devida ao grupamento NCS, presente em substâncias que entram na composição de muitos vegetais, pode-se supor que haja indivíduos mais sujeitos à ação de substâncias de efeito antitireoideano comuns na natureza? R 7. Pode-se supor que os insensíveis à PTC estariam mais sujeitos à ação dessas substâncias por ingerirem maior quantidade delas, já que não detectariam seu sabor amargo. REFERÊNCIAS Beiguelman, B. Taste sensitivity to phenylthiourea and leprosy. Acta Genet. Med. Gemellol. 13: 193-196,1964. Beiguelman, B. Os sistemas sangüíneos eritrocitários. FUNPEC Editora, Ribeirão Preto, SP, 2003. Beiguelman, B., Ramalho, A.S., Arena, J.F.P. & Garlipp, C.R. A aceti1ação da isoniazida em brasileiros caucasóides e negróides com tuberculose pulmonar. Rev. Paul. Med. 89: 12-15,1977. Beiguelman, B., Pinto Jr., W., El-Guindi, M.M. & Krieger, H. Factors influencing the level of dapsone in blood. Bull. W.H.O. 51: 467-471, 1974. Devadatta, S., Gangadharam, P.R.J., Andrews, R.H., Fox, W., Ramakrishnan, C. V., Shelkon, J.B. & Velu, S. Peripheral neuritis due to isoniazid. Bull. W.H.O. 23: 587-598, 1960. Eidus,L.,Varughese,P.,Hodkin, M.M., Hsu, A.H.E. & McRae, K.B. Simplification of isoniazid phenotyping procedure to promote its app1ication in the chemotherapy of tubercu1osis. Bull. W.H.O. 49: 507-516, 1973. Fox, A.L. The relationship between chemical constitution and taste. Proc. Nat. Acad. Sci., Wash., 18: 115-120,1932. Garlipp, C.R., Ramalho, A.S. & Beiguelman, B. A acetilação da isoniazida em paulistas descendentes de japoneses. Rev. Ass. Med Brasil. 28: 179-181, 1982. Hamilton, M., Pickering, G.W., Roberts, J.A.F. & Sowry, G.S.C. The aetiology of essential hypertension. 4. The role of inheritance. Clinical Sci. 13: 273-304, 1954. Harris, H. & Kalmus, H. The measurement of taste sensitivity to phenylthiourea (PTC). Ann.. Eugen. 15: 24-31,1949. Hodgkin, M.M., Eidus, L. & Hamilton, E.J. Screening of isoniazid inactivators by dilution test. Bull. W.H.O. 51: 428- 430, 1974. Hopkins, C. Y. Taste differences in compounds having the NCS linkage. Canad. J. Res. B 20: 268-273, 1942. Magna, L.A. & Beiguelman, B. NADH-methemoglobin reductase and methemoglobinemia among leprosy patients. Int. J. Leprosy 52: 475-481, 1984. Tuberculosis Chemotherapy Centre, Madras A controlled comparison of a twice-weekly and three once-weekly regimens in the initial treatment of pulmonary tuberculosis. Bull. WH.O. 43: 143-206, 1970. Tuberculosis Chemotherapy Centre, Madras A controlled comparison of two fully supervised once-weekly regimens in the treatment of newly diagnosed pulmonary tuberculosis. Tubercle, 54: 23-45, 1971 22 22 responsáveis pela produção dos antígenos M e N nas hemácias é autossômico. Assim, cada autossomo de um par homólogo poderia conter um desses genes, mas nunca ambos simultaneamente. Esses genes, que podem ser designados por M e N, seriam formas alternativas de um determinante genético que ocupa o mesmo lugar (loco) em um cromossomo específico, no caso um autossomo. Considerando que os genes pertencentes a um mesmo loco são denominados alelos (do grego, allelon = cada outro), pode-se, pois, dizer que o gene M é um alelo do gene N e vice-versa, ou que os genes M e N constituem um par de alelos. Na hipótese proposta está implícita a admissão da existência de indivíduos em cujo cariótipo os homólogos de um par autossômico possuem alelos idênticos, no caso MM ou NN, bem como de indivíduos nos quais os cromossomos desse mesmo par possuem alelos diferentes, no caso MN. Quando um indivíduo apresenta um par de alelos idênticos ele é dito homozigoto, ou possuidor de genótipo homozigoto em relação ao loco desses genes. Se os alelos de um par forem diferentes, o indivíduo será dito heterozigoto em relação ao loco desses alelos. Os genótipos MM e NN são, pois, homozigotos, enquanto o genótipo MN é heterozigoto. Sabendo-se que os gametas contêm um número haplóide de cromossomos, pois incluem apenas um dos dois de cada par cromossômico, está claro que, de acordo com a hipótese em apreço, cada gameta somente poderá ser portador de um dos alelos, a menos, é claro, que haja, excepcionalmente, falta de disjunção cromossômica durante a meiose. Com a união dos gametas haverá a restauração do número diplóide de cromossomos e a recomposição dos pares de alelos no zigoto. Esta é, aliás, a famosa primeira lei de Mendel, também conhecida como lei da segregação ou lei da disjunção ou, ainda, lei da pureza dos gametas, segundo a qual os caracteres hereditários são determinados por pares de genes, que segregam durante a formação dos gametas, voltando a se unir nos zigotos.(Gregor Johan Mendel, o pai da Genética, nasceu em 1822 e faleceu em 1884). Visto que, para explicar a determinação e a herança dos fenótipos alternativos, a hipótese aqui exposta leva em conta a atuação de um único fator, isto é, a ação de alelos pertencentes a um loco, e despreza não apenas o efeito do ambiente, mas também o de todos os outros genes de cada indivíduo, diz-se que ela é uma hipótese de herança monofatorial. Por outro lado, em relação ao mecanismo de transmissão hereditária, a mesma hipótese é dita de transmissão monogênica. Também é freqüente o emprego da expressão herança mendeliana como sinônimo tanto de herança monofatorial quanto de transmissão monogênica. Para que a hipótese de transmissão monogênica seja aceita é necessário demonstrar que, em conseqüência dos processos de redução cromossômica durante a meiose, os indivíduos com grupo sangüíneo MN, supostamente heterozigotos (genótipo MN) são capazes de produzir dois tipos de gametas em igual proporção, isto é, gametas com o gene M e gametas com o gene N em proporção 25 23 idêntica. Também é necessário demonstrar que os indivíduos homozigotos somente produzem um tipo de gameta, isto é, os indivíduos do grupo sangüíneo M, supostamente homozigotos MM, produziriam todos os gametas com o gene M, do mesmo modo que os do grupo sangüíneo N, supostamente homozigotos NN, produziriam todos os seus gametas com o gene N. Os dados familiais da Tabela 1.2 permitem aceitar a hipótese de transmissão monogênica porque: 1. Os 40 casais M × M geraram apenas filhos com grupo sangüíneo M, já que se demonstrou que o único filho com grupo sangüíneo MN era ilegítimo. Pode-se, pois, admitir que os cônjuges com grupo sangüíneo M têm genótipo MM e que todos os seus gametas têm o gene M. 2. Os 62 casais M × N geraram apenas filhos com grupo sangüíneo MN, o que satisfaz a hipótese de que a representação desses casais, segundo o genótipo, seja MM × NN. Pode-se, pois, admitir que todos os gametas dos cônjuges com genótipo MM têm o gene M, enquanto todos os gametas dos cônjuges com genótipo NN têm o alelo N, o que torna obrigatório a todos os filhos dos casais M × N terem grupo sangüíneo MN. 3. Os 162 casais M × MN geraram filhos dos grupos sangüíneos M e N em proporções que não se desviam significativamente das esperadas segundo a hipótese de transmissão monogênica, isto é, 1:1. (A comprovação de que as proporções observadas não se desviam significativamente das esperadas de acordo com a hipótese genética é feita por intermédio do teste do qui-quadrado (χ2), cujo emprego é ensinado em qualquer livro elementar de estatística). De fato, de acordo com a hipótese genética a probabilidade de um gameta conter o gene M é 100% ou 1 entre os indivíduos do grupo sangüíneo M e 50% ou 0,5 entre os indivíduos do grupo sangüíneo MN, pois as pessoas com o genótipo MN devem produzir gametas com o gene M ou com o alelo N em proporções idênticas (50%). Em conseqüência disso, a probabilidade de encontro desses gametas, isto é, a probabilidade de casais M × MN originarem um zigoto com genótipo MM (grupo sangüíneo M) deve ser igual a 50%, pois P = 1 × 0,5 = 0,5 ou 50%. Por raciocínio análogo concluímos que a probabilidade de os mesmos casais originarem um zigoto com genótipo MN (grupo sangüíneo MN) é idêntica à de gerarem um zigoto com genótipo MM. 4. Os 124 casais MN × MN geraram filhos com grupos sangüíneos M, MN e N em proporções que não se desviaram significativamente de 1: 2: 1, isto é, 25% de filhos com grupo sangüíneo M, 50% com grupo sangüíneo MN e 25% com grupo sangüíneo N, que são as proporções esperadas segundo a hipótese de transmissão monogênica. De fato, segundo ela, a probabilidade de um gameta de um indivíduo do grupo sangüíneo MN conter o gene M é idêntica à probabilidade de ele conter o gene N (50% em cada caso), de sorte que existem as seguintes alternativas para a formação de zigotos, com as respectivas probabilidades (P): 26 24 Espermatozóide Óvulo Zigoto Gene P Gene P Genótipo P M 0,5 M 0,5 MM 0,25 M 0,5 N 0,5 MN 0,25 N 0,5 M 0,5 MN 0,25 N 0,5 N 0,5 NN 0,25 Como se pode ver, de acordo com a hipótese de transmissão monogênica os casais heterozigotos têm 50% de probabilidade de gerar filhos com o mesmo genótipo que eles, porque esses casais apresentam duas alternativas com probabilidades idênticas (25%) de dar origem a indivíduos heterozigotos. O cálculo das probabilidades dos três diferentes tipos de zigotos originados pelos casais MN × MN pode ser obtido, mais claramente, por intermédio de um quadro como o representado abaixo. Nesse quadro as quatro células mostram os tipos de zigotos oriundos do encontro dos gametas e, entre parênteses, as probabilidades com que eles ocorrem, as quais são o produto das probabilidades de ocorrência dos gametas, pois são acontecimentos independentes. Espermatozóides Óvulos M (0,50) N (0,50) M (0,50) MM (0,25) MN (0,25) N (0,50) MN (0,25) NN (0,25) 5. Os 111 casais MN × N geraram filhos dos grupos sangüíneos MN e N em proporções que não se desviaram significativamente de 1:1. Tal resultado também está de acordo com a hipótese de transmissão monogênica, a qual estabelece que a probabilidade de um gameta conter um gene M é idêntica à de ele conter um gene N (50%). Desse modo, os casais MN × N (MN × NN) têm 50% de probabilidade de originar um zigoto MN e 50% de probabilidade de dar origem a um zigoto NN. 6. Os 30 casais N × N geraram apenas filhos com grupo sangüíneo N, o que também está de acordo com a hipótese de transmissão monogênica, isto é, de que todos os gametas dos indivíduos homozigotos NN contêm o gene N. Os dados da Tabela 1.2, além de permitirem a aceitação da hipótese de transmissão monogênica, levam à conclusão de que os alelos responsáveis pelos fenótipos M, MN e N devem estar contidos em um loco de um autossomo. Aliás, foram estudos familiais como o aqui exposto que deram o primeiro passo para se chegar ao conhecimento atual de que o loco dos genes do sistema MN está no braço inferior do cromossomo 4, mais precisamente na região 4q28-q31.1. O exposto até agora no presente tópico, a respeito da transmissão hereditária monogênica de caracteres autossômicos levando em conta um par de alelos freqüentes, pode, pois, ser generalizado e resumido. Assim, designando um par de alelos autossômicos freqüentes por A e a, teremos que os genótipos AA, Aa e aa se distribuirão de modo idêntico nos indivíduos de ambos os sexos. Isso }0,50 505050 27 27 associados ao sexo. O fenótipo M+ seria, pois o fenótipo dominante e uma conseqüência da homozigose do gene A, alelo de a (genótipo AA), ou de heterozigose desses genes (genótipo Aa). Nesse contexto, os casais M+ × M- devem incluir duas classes de casais, do ponto de vista genotípico (AA × aa e Aa × aa). Visto que somente os casais Aa × aa dão origem a filhos M+ (Aa) e M- (aa) com a mesma probabilidade (50%), enquanto todos os filhos dos casais AA × aa são M+ (Aa), está claro que o percentual de indivíduos M- entre os filhos de casais M+ × M- tem que ser menor que 50%, o que, de fato, foi observado (33%). Os casais M+ × M+, por sua vez, devem, de acordo com a hipótese genética, incluir três tipos de casais quanto ao genótipo (AA × AA, AA × Aa e Aa × Aa) dos quais apenas um tipo (Aa × Aa) tem 25% de probabilidade de dar origem a filhos M-, isto é, com genótipo aa. Disso resulta, portanto, que, entre os filhos de casais M+ × M+ o percentual esperado de indivíduos M- deve ser inferior a 25 %, o que, de fato, se observou (10%). A aceitação completa da hipótese monogênica, estabelecida com base na distribuição familial observada, será alcançada se, na prole de casais M+ × M- e M+ × M+ nos quais os cônjuges M+ são filhos de um genitor M (pai ou mãe), as proporções fenotípicas não se desviarem significativamente das esperadas segundo a referida hipótese. Isso porque, se a hipótese monogênica estiver correta, um indivíduo M+ cujo pai ou mãe é M- deve ser, seguramente, heterozigoto Aa, pois esse indivíduo recebeu, com certeza, um gene a do genitor M (aa). Em conseqüência, quando heterozigotos M+ (Aa) são casados com pessoas M- (aa) eles devem gerar filhos M+ (Aa) e M- (aa) na razão mendeliana de 1:1. Os casais M+ × M+ que são Aa × Aa devem, por sua vez, gerar filhos M+ e M- na razão 3: 1 porque as proporções genotípicas esperadas são AA : Aa : aa :: 1: 2: 1, de sorte que a distribuição fenotípica será A_: aa :: 3: 1 pois os indivíduos com genótipo AA não se distinguem daqueles com genótipo Aa. A razão 3: 1 também é chamada de razão mendeliana. Com a aplicação de conhecimentos elementares de Genética de Populações, a serem fornecidos em capítulos do volume do mesmo autor sobre essa especialidade, a hipótese monogênica também poderia ser aceita antes de demonstrar as razões 1: 1 e 3: 1 de indivíduos M+ e M- na prole, respectivamente, de casais M+ × M- e M+ × M+ cujos cônjuges M+ são filhos de pai ou mãe M-. Isso porque, com conhecimentos de Genética de Populações podemos estimar com grande precisão o número esperado de filhos M+ e M- nos três tipos de casais, como se fez na Tabela 3.2. Nessa tabela pode-se constatar que os números observados estão extremamente próximos dos esperados segundo a hipótese monogênica, o que nos permite atribuir a associação familial encontrada à ação de um par de alelos autossômicos. Um outro exemplo, que serve para ilustrar bem o modo pelo qual, a partir de dados familiais, se infere o mecanismo de transmissão monogênica de caracteres freqüentes com relação de 30 28 dominância e recessividade, pode ser extraído do nosso conhecimento a respeito do sistema sangüíneo Rh. Assim, consideremos os dados da Tabela 4.2 a respeito da distribuição de 100 famílias caucasóides segundo os grupos sangüíneos Rh, classificados com o auxílio de um único anti-soro, o anti-soro anti-Rho, também chamado de anti-D. Tabela 4.2. Distribuição de 100 famílias norte-americanas segundo os grupos sangüíneos Rh+ e Rh- (Wienner, 1946). Entre parênteses estão assinalados os números esperados de acordo com a teoria genética. Casal Filhos Tipo No. Rh+ Rh- Total Rh+ × Rh+ 73 248 (242,4) 16 (21,6) 264* Rh+ × Rh- 20 54 (55,0) 23 (22,0) 77** Rh- × Rh- 7 - 34 (34,0) 34 Total 100 302 73 375 * χ2(1) = 1,581; 0,20 < P < 0,30. ** χ2(1) = 0,064; P = 0,80. Na Tabela 4.2 é flagrante a associação familial dos grupos sangüíneos Rh+ e Rh-, pois todos os filhos dos casais Rh- x Rh- são, também, Rh-, enquanto que os casais discordantes quanto a reação de suas hemácias ao anti-soro anti-Rho (casais Rh+ × Rh-) geraram mais filhos Rh- (29,9%) do que os casais do tipo Rh+ × Rh+ (6,1 %). Pode-se, portanto, admitir que o fenótipo Rh- é recessivo em relação ao fenótipo Rh+ e supor a existência de um par de alelos responsáveis pela determinação desses fenótipos. De acordo com a hipótese de transmissão monogênica tais alelos, que costumam ser representados pelas letras D,d, devem ser autossômicos, porque os grupos sangüíneos Rh+ e Rh- não estão associados ao sexo. Ainda de acordo com tal hipótese os indivíduos Rh- são os homozigotos dd, enquanto que os Rh+ incluem os homozigotos DD e os heterozigotos Dd . Essa hipótese encontra apoio nas comparações entre os números observados de filhos Rh+ e Rh- nos três tipos de famílias, e os esperados com base no conhecimento de Genética de Populações. Como se pode constatar na Tabela 4.2, as diferenças entre esses números são tão pequenas que tornam desnecessário o uso de métodos estatísticos para demonstrar que elas nada mais representam que desvios casuais. Aqui é interessante assinalar que, atualmente, sabemos que o alelo d não existe. O que existe é um loco do gene D, denominado RHD, responsável pela produção de antígeno D, bem como mutações que impedem a produção desse antígeno (D-negativo ou Rh-negativo). É, por isso, que o suposto antígeno d nunca foi encontrado. Entretanto, por ser o fenótipo D-negativo recessivo, seu genótipo pode continuar a ser representado por dd, o que equivale a dizer que os indivíduos D- positivo podem continuar tendo seu genótipo representado por DD ou Dd, conforme sejam homozigotos ou heterozigotos. 31 29 A constatação de que um caráter qualitativo mostra associação familial é uma condição necessária, mas não suficiente, para que se suponha que ele é hereditário, pois tal tipo de associação pode ser conseqüência, predominantemente, de condições do ambiente. De fato, exagerando um pouco no exemplo, suponhamos que alguém quisesse analisar a distribuição familial do caráter lavar as mãos antes das refeições nas formas alternativas lavar e não lavar. Se essas alternativas forem representadas por L e N, respectivamente, têm-se, na hipótese de não haver influência do sexo sobre elas, que uma amostra aleatória de famílias coletadas em uma população permitiria o grupamento de três tipos de casais L × L, L × N e N × N. O resultado mais provável nas famílias assim grupadas é que os indivíduos L ocorram em maior proporção entre os filhos de casais L × L e em menor proporção entre os filhos de casais N × N, o inverso sendo observado quando se trata de indivíduos N. Os casais L × N, por sua vez, mostrariam proporção intermediária de filhos L e N. Apesar dessa associação familial, seria ilógico tentar responsabilizar um componente genético importante pela determinação dos fenótipos L e N, além do que, seria necessário provar que as proporções observadas dos fenótipos alternativos entre os filhos dos diferentes tipos de casais não se desviam significativamente das proporções esperadas segundo uma hipótese genética. Em outras palavras, um caráter pode ser familial sem ser hereditário, apesar de todo o caráter hereditário ser, obrigatoriamente, familial. Aproveitando essa discussão terminológica, vale a pena assinalar que nem todo caráter genético é hereditário, apesar de o inverso ser verdadeiro, isto é, todo o caráter hereditário, além de familial, é genético. Realmente, a síndrome de Klinefelter ou a síndrome de Turner, por exemplo, são caracteres genéticos, pois são conseqüência de alterações cromossômicas e, portanto, do material genético. No entanto, elas são esporádicas, isto é, não mostram recorrência familial, nem são transmissíveis hereditariamente, pois as pessoas que manifestam essas síndromes são estéreis. Finalmente, ainda no concernente à terminologia, é importante lembrar que o termo congênito significa apenas presente ao nascer ou nascido com o indivíduo, não devendo ser empregado como sinônimo de genético. De fato, são numerosos os defeitos anatômicos detectados em recém-nascidos que são causados por fatores do ambiente, como infecções (rubéola, citomegalovirus, Herpes hominis, Toxoplasma gondii, Treponema pallidum etc.), raios X em uma ou mais ocasiões durante os três primeiros meses de gravidez, ou ingestão de medicamentos ou drogas, inclusive álcool, pela gestante. O curioso é que muitas anomalias congênitas de etiologia exógena podem mimetizar defeitos genéticos e, quando isso é detectado, diz-se que tal anomalia constitui uma fenocópia. A fenocópia resulta, pois, de um genótipo que é capaz de interagir com um ambiente mais comum para produzir um fenótipo normal, mas que acaba produzindo um fenótipo anômalo em um ambiente que foi alterado. 32 32 Fig.1.2. Quadro clínico-patológico da anemia falciforme. O quadro clínico da anemia falciforme é exuberante, como se pode constatar na Figura 1.2, pois os pacientes sofrem crises hemolíticas, associadas a infecções, e crises trombóticas, em conseqüência da facilidade de aglutinação intravascular das hemácias falciformes, disso resultando infartos e comprometimento funcional de vários órgãos, bem como sintomatologia dolorosa, principalmente dos ossos longos, articulações e caixa torácica, além de anemia (7 a 8 g% de hemoglobina) com todas as suas conseqüências. As crianças com anemia falciforme que ainda possuem baço, pois nos pacientes com essa doença ocorre atrofia desse órgão ou autosplenectomia (do grego, splen = baço), podem sofrer crise de seqüestramento, isto é, um súbito aumento do baço e do fígado, com queda aguda do hematócrito. As complicações clínicas provocadas pela anemia falciforme não se manifestam nos primeiros meses de vida porque, nessa fase, os homozigotos SS estão protegidos pelos altos percentuais de hemoglobina F nas hemácias. Os problemas começam à medida que os níveis de hemoglobina fetal diminuem. Apesar de muitos pacientes com anemia falciforme exibirem níveis de hemoglobina F que variam entre 10% e 20%, eles também não estão livres das crises decorrentes de falciformação, porque a distribuição dessa hemoglobina nas hemácias não é homogênea, mas concentrada em clones celulares (Rucknagel, 1975). 35 33 Os heterozigotos βAβS ou, mais simplesmente, AS, conhecidos como portadores do traço siclêmico ou de siclemia são, freqüentemente, assintomáticos, porque suas hemácias, com cerca de 40% de hemoglobina S, requerem tensões de oxigênio muito baixas para que ocorra falciformação. Contudo, na presença de fatores predisponentes à produção de hemácias falciformes, os portadores de siclemia podem manifestar as mesmas complicações crônicas que os pacientes com anemia falciforme ou sofrer complicações agudas que podem ser letais. Na literatura pertinente não são poucas as descrições de acidentes fatais com heterozigotos AS em conseqüência de anestesia geral, vôo em avião não pressurizado ou excesso de esforço físico. A identificação da hemoglobina S pode ser feita em qualquer idade por intermédio da eletroforese mas, após os seis meses de idade, ela pode ser realizada de maneira muito mais fácil pelo emprego de um teste de solubilidade, que se baseia no fato de a hemoglobina S tornar-se insolúvel quando tratada por agentes redutores (Louderback et al., 1974). Uma técnica menos precisa, mas muito simples, para identificar a presença de hemoglobina S nas hemácias consiste em provocar a falciformação in vitro pela mistura de uma gota de sangue oxalatado com outra de um agente redutor (metabissulfito de sódio a 2%) sobre uma lâmina de microscopia coberta por uma lamínula com seus bordos lutados (Daland e Castle, 1948). A lâmina é mantida à temperatura ambiente e examinada após 30 minutos. ALELOS MÚLTIPLOS OU POLIALELISMO O reconhecimento de que o gene S determina uma alteração da estrutura das cadeias polipeptídicas beta que constituem a hemoglobina A permite aceitar, também, que esse alelo é um gene A alterado ou, como se diz em Genética, que o gene S é o resultado de um gene A que sofreu mutação, razão pela qual ele transmite uma informação genética modificada. Nesse contexto, pode- se logo imaginar que se o gene A for capaz de sofrer outras alterações casuais, diferentes daquela que resultou no gene S, originar-se-ão outros alelos por mutação. De fato, um ano após a descrição da hemoglobina S por Pauling et al. (1949), Itano e Neel (1950) descreveram outra variante, que passou a chamar-se hemoglobina C, a qual é resultado da substituição do ácido glutâmico da posição 6 da cadeia beta de globina por lisina. Logo em seguida, Itano (1951) identificou a hemoglobina D, denominada atualmente D Punjab, que é o resultado da substituição do ácido glutâmico da posição 121 da mesma cadeia beta por glutamina. Presentemente já foram detectadas centenas de mutações resultantes de substituição de um aminoácido da cadeia beta de hemoglobina. Aliás, atualmente, se sabe que todos esses alelos pertencem a um loco do braço superior do cromossomo número 11, situado, mais precisamente, na posição 11 p15.5. Visto que as mutações gênicas são conseqüência de alterações submicroscópicas casuais do material cromossômico, é claro que elas podem ocorrer durante a multiplicação tanto das células 36 34 somáticas quanto das germinativas. Do ponto de vista genético, porém, somente têm importância essas últimas, porque as mutações somáticas, apesar de poderem ter reflexo a nível individual, não permitem, como as mutações gaméticas, a introdução de novas formas alélicas na população por transmissão hereditária. Evidentemente, o conhecimento de que um gene pode ter mais de um alelo, isto é, de que existe um polialelismo, não afeta a interpretação monogênica que se dá aos caracteres por eles determinados, pois, no caso de caracteres autossômicos, somente se admite um par desses alelos nas células somáticas de um indivíduo e apenas um desses alelos em cada um de seus gametas. Desse modo, quando se leva em conta três dos alelos responsáveis pela produção de cadeias beta de hemoglobina, como, por exemplo, os alelos A, S e C, poderemos grupar os seres humanos segundo 6 genótipos, três dos quais homozigotos (AA, SS e CC) e três heterozigotos (AS, AC e SC). Além disso, tem-se que casais AS × AC geram filhos com genótipos AA, AS, AC e SC em proporções iguais. Quando se leva em conta quatro desses alelos, como, por exemplo, os alelos A, S, C e D, o número de genótipos possíveis passa a ser 10, quatro dos quais homozigotos (AA, SS, CC e DD) e seis heterozigotos (AS, AC, AD, SC, SD e CD). De maneira geral, pode-se dizer que com n alelos o número de genótipos possíveis é calculado a partir de 2 )1( − + nn n , que equivale a 2 2nn + . No caso de alelismo múltiplo o número de classes fenotípicas dependerá das relações de dominância e recessividade existentes entre os caracteres alternativos. Para exemplificar, consideremos o caso dos grupos sangüíneos do sistema ABO, descobertos por Landsteiner (1900,1901), os quais, de acordo com a concepção clássica, podem ser explicados pela admissão da existência de três alelos, ou seja, um gene A, responsável pela produção de antígeno A, um gene B, determinador da produção de antígeno B, e um gene O, que condiciona a ausência de antígenos A e B. Com base em tal modelo tem-se, portanto, a possibilidade de encontro dos seis genótipos seguintes entre os seres humanos, AA, AO, BB, BO, AB e OO. Considerando, porém, que, tanto a produção de antígeno A quanto a de antígeno B são fenótipos dominantes em relação à ausência de produção desses antígenos, mantendo os dois primeiros relação de codominância entre si, o número de classes fenotípicas fica reduzido a quatro. Assim, os genótipos AA e AO constituem uma classe fenotípica (grupo A), os genótipos BB e BO constituem outra (grupo B), enquanto que os genótipos AB e OO determinam cada qual, uma outra classe fenotípica (grupos AB e O, respectivamente). A Tabela 5.2, que mostra as proporções fenotípicas e genotípicas esperadas na prole de casais classificados segundo os grupos sangüíneos do sistema ABO clássico, foi preparada para ilustrar que, mesmo quando há relações de dominância e recessividade, o alelismo múltiplo também não afeta a interpretação monogênica. 37 37 mecanismo é feito mais facilmente do que no caso de caracteres autossômicos, apesar de também ser necessário o conhecimento de Genética de Populações para se poder testar de modo mais completo a hipótese genética. Vejamos, pois, quais são essas facilidades. Chamemos de A ao fenótipo resultante dos genótipos XAY, XAXA e XA Xa (dominante nas mulheres) e de não-A àquele resultante dos genótipos XaY e XaXa (recessivo nas mulheres). Nesse caso teremos: 1. O fenótipo não-A será mais freqüentemente encontrado entre os indivíduos do sexo masculino, qualquer que seja a freqüência do alelo a, porque, neles, esse gene se manifesta em hemizigose, enquanto que nos indivíduos do sexo feminino, para que o fenótipo recessivo se manifeste, é necessário que os dois cromossomos X das suas células somáticas sejam portadores do alelo a. Isso também eqüivale a dizer que o fenótipo dominante (A) será mais freqüente nos indivíduos do sexo feminino. 2. Todas as filhas de casais A × A terão fenótipo A porque, independentemente de as mulheres A desses casais serem homozigotas XAXA ou heterozigotas XAXa, um dos cromossomos X do cariótipo de suas filhas será o paterno, tendo, portanto, sempre o alelo A, visto que o genótipo paterno é XAY. Entre os filhos de tais casais poderemos encontrar tanto o fenótipo A quanto o não-A com freqüências que dependerão das freqüências das mulheres XAXA e XAXa na população, pois apenas as mulheres com genótipo XAXa poderão transmitir o alelo a a seus filhos. 3. Os casais constituídos por marido A e mulher não-A terão todas as suas filhas com fenótipo igual ao do pai (A) e todos os seus filhos com fenótipo igual ao da mãe (não-A), pois os casais XAY × XaXa só podem dar origem a filhas heterozigotas XAXa e a filhos XaY , visto que as filhas herdam obrigatoriamente um de seus cromossomos X do pai (XAY) enquanto que o único cromossomo X do cariótipo dos filhos procede da mãe (XaXa). 4. Os casais constituídos por marido não-A (XaY) e mulher A (XAX-) terão filhos e filhas com os fenótipos A e não-A com freqüências que dependerão da freqüência dos alelos A,a na população. 5. Todos os filhos e filhas de casais não-A × não-A terão fenótipo não-A, pois o genótipo desses casais é XaY × XaXa. Com base no exposto e nos dados da Tabela 7.2 pode-se, pois, concluir que os grupos sangüíneos Xg(a+) e Xg(a-), que fazem parte do sistema sangüíneo Xg, podem ser aceitos como decorrentes de um par de alelos Xga e Xg localizados nos cromossomos X, sem alelos no cromossomo Y. Os grupos desse sistema ficaram conhecidos quando Mann et al. (1962) descobriram o anticorpo anti-Xga no soro de um indivíduo politransfundido, o qual era capaz de aglutinar as hemácias de uma parte dos seres humanos. Tais indivíduos passaram a ser denominados Xg(a+), enquanto aqueles cujas hemácias não são aglutinadas pelo anti-soro anti-Xga passaram a ser chamados Xg(a-). 40 38 Tabela 7.2 .Distribuição de 50 famílias segundo os grupos sangüíneos do sistema Xg. Entre parênteses estão assinalados os números esperados de acordo com a teoria genética. Extraído, com modificações, de Mann et al. (1962). Casal Filhos Filhas Marido ×Mulher No. Xg(a+) Xg(a-) Xg(a+) Xg(a-) Xg(a+) × Xg(a+) 30 23 (25,8) 12 (9,2)* 29 (29,0) - Xg(a+) × Xg(a-) 3 - 3 (3,0) 4 (4,0) - Xg(a-) × Xg(a+) 16 9 (9,6) 4 (3,4)** 10 (12,5) 7 (4,5)*** Xg(a-) × Xg(a-) 1 - 2 (2,0) - 1 (1,0) * χ2(1) = 1,156; 0,20 < P < 0,30. ** χ2(1) = 0,144; 0,70< P < 0,80. *** χ2(1) = 1,889; 0,10< P < 0,20 O alelo Xg é responsável pela manifestação do grupo sangüíneo Xg(a-) quando em homozigose (XgXg) na mulher (recessivo) ou em hemizigose (XgY). O alelo Xga, por sua vez, pode ser aceito como responsável pela manifestação do grupo sangüíneo Xg(a+) quando em homozigose (Xg a Xg a ) ou heterozigose (XgaXg) na mulher (dominante) ou quando em hemizigose (XgaY). Realmente, na Tabela 7.2 constata-se que na prole de casais Xg(a+) × Xg(a+) 100% das filhas foram Xg(a+), enquanto que entre os filhos foram encontrados os fenótipos Xg(a+) e Xg(a-). Dos casais formados por marido Xg(a+) × mulher Xg(a-) todas as filhas foram Xg(a+) como os pais e todos os filhos Xg(a-) como as mães. Na prole dos casais compostos por marido Xg(a-) × mulher Xg(a+) os fenótipos Xg(a+) e Xg(a-) foram encontrados tanto nos filhos quanto nas filhas, enquanto que os casais Xg(a-) × Xg(a-) geraram todos os filhos e filhas com fenótipo Xg(a-). Além disso, sabe-se que em todas as populações humanas, os indivíduos Xg(a-) são mais freqüentemente encontrados entre as pessoas do sexo masculino. Assim, por exemplo, nas populações caucasóides a freqüência de indivíduos Xg(a-) gira em torno de 35% nos homens e de 13% nas mulheres. Em populações chinesas a freqüência de indivíduos Xg(a-) é, em média, 47 % entre os homens e 22 % entre as mulheres (Race e Sanger, 1975). Finalmente, deve-se assinalar que a Tabela 7.2 mostra, nos quatro tipos de famílias, que os números esperados de filhos Xg(a+) e Xg(a-), calculados com base no conhecimento de Genética de Populações, não se desviam significativamente dos números observados. Se, ao invés de um par de alelos ligados ao sexo, estivéssemos levando em conta um número n qualquer desses genes, encontraríamos entre as mulheres 2 )1( − + nn n , que equivale a 2 2nn + genótipos possíveis, ao passo que entre os homens o número de genótipos corresponderia ao número de alelos (n). O sistema da desidrogenase de 6-fosfato de glicose, conhecida pela sigla G-6PD, tirada 41 39 da designação inglesa glucose-6-phosphate dehydrogenase, constitui um bom exemplo para ilustrar o que acabamos de mencionar. A G-6PD é a primeira enzima a participar da via oxidativa direta da glicólise (Fig. 2.2) e, por isso, tem função muito importante nas hemácias. Ela é mais comumente encontrada nos seres humanos sob a forma da variante eletroforética denominada B. Contudo, além dela, conhecem-se centenas de outras variantes de G-6PD, todas as quais determinadas por um sistema de alelos pertencentes a um loco situado na região mais distal do braço longo do cromossomo X, mais precisamente na região Xq28. Fig. 2.2. Via oxidativa direta da glicólise e sua relação com a redução da metemoglobina (HbFe+++) e glutatião (GSSG). NADP = fosfato de nicotinamida dinucleotídio. 1 = G-6PD; 2 = redutase de metemoglobina; 3 = desidrogenase de 6-fosfogliconato; 4 = redutase de glutatião; 5 = peroxidase de glutatião. Nas populações negróides é freqüente o encontro das variantes A (cerca de 20% dos homens) e A- (cerca de 10% dos homens). A variante A difere eletroforeticamente da variante B por mostrar maior mobilidade e por apresentar asparagina em lugar de ácido aspártico em um dos peptídios (Yosida, 1966, 1967a,b). Quanto à atividade, as variantes A e B não diferem muito, porque a primeira pode apresentar entre 80% da atividade da variante B até atividade idêntica à dessa última. Já a variante A-, que tem a mesma mobilidade eletroforética da variante A, é menos estável que essa última, degradando-se à medida que as hemácias envelhecem, de sorte que nos eritrócitos com a variante A- que possuem mais de 50 dias, essa variante tem apenas 8% a 20% da atividade da variante B (Yoshida et al., 1971; Lisker et al., 1977). Outras variantes são pouco freqüentes, mas nas populações de regiões próximas ao Mar Mediterrâneo, como nas da Sardenha, Sicília, Grécia e de Israel, é alta a freqüência de uma variante conhecida como Mediterrânea, a qual apresenta menos de 10% da atividade da variante B. Levando em conta apenas as variantes B, A, A- e Mediterrânea e tendo em mente que os alelos responsáveis por sua manifestação costumam ser representados por GdB, GdA, GdA- e GdMedit respectivamente, tem-se que, em comunidades multi-raciais com as do Sudeste e Sul do Brasil é 42 42 espécie humana, do mesmo modo que em outras, existem genes autossômicos que se manifestam fenotipicamente apenas em indivíduos de um dos sexos. É o caso, por exemplo, dos genes responsáveis pelo tipo de barba e pela distribuição de pelos no corpo, ou dos genes que determinam o tipo e a quantidade de leite produzido. Genes como esses, bem como os caracteres deles decorrentes, são denominados limitados a um sexo. No caso de os genes autossômicos se manifestarem de modo diferente nos indivíduos de ambos os sexos, diz-se deles e dos caracteres que eles originam que são controlados pelo sexo. É o caso, por exemplo, dos genes que determinam a calvície e daqueles que são responsáveis pela determinação dos diferentes tipos de voz do homem (baixo, barítono e tenor) e da mulher (contralto, meio-soprano e soprano). SEGREGAÇÃO INDEPENDENTE E GRUPOS DE LIGAÇÃO Tendo em mente que cada cromossomo é uma organela nuclear que contém muitos genes, deve-se esperar que, dentre os numerosos caracteres qualitativos com transmissão hereditária monogênica, seja possível, por meio de estudos familiais, distinguir grupos que mostrem segregação preferencial desses caracteres (grupos de ligação). E é isso o que, de fato, acontece, reconhecendo- se na espécie humana 24 grupos de ligação, 22 dos quais correspondem aos pares autossômicos, um ao cromossomo X e um outro ao cromossomo Y. Os genes pertencentes a grupos de ligação são ditos genes ligados. Os caracteres qualitativos determinados por genes pertencentes a grupos de ligação distintos, isto é, por genes localizados em cromossomos diferentes, que segregam independentemente, também devem, é claro, segregar independentemente. Casais duplamente heterozigotos se prestam muito bem para demonstrar se há ou não segregação independente. Por isso, para exemplificar, consideremos a prole de uma coleção de casais com grupo sangüíneo AB, do sistema ABO, e com grupo sangüíneo MN, do sistema MN, isto é, casais ABMN × ABMN. Ainda que desconhecêssemos que os genes do sistema ABO pertencem a um loco do cromossomo 9 (região 9q31.3-qter) e que os genes do sistema MN pertencem a um loco do cromossomo 4 (região 4q28-q31.1), chegaríamos à conclusão que os grupos desses dois sistemas segregam independentemente com base nas proporções fenotípicas observadas na prole dos casais ABMN × ABMN. Realmente, sabendo que de casais AB ×AB nascem filhos dos grupos sangüíneos A, B e AB nas proporções 1:2:1, isto é, com probabilidades 0,25, 0,50 e 0,25, respectivamente, e que de casais MN × MN nascem filhos com grupos sangüíneos M, MN e N, também na proporção 1:2:1, pode-se estimar as freqüências fenotípicas esperadas na prole de casais ABMN × ABMN segundo a hipótese de que não há associação preferencial entre os sistemas sangüíneos ABO e MN. Assim, na prole desses casais a freqüência dos indivíduos AM, por exemplo, não deve diferir 45 43 significativamente de 6,25%, porque, de acordo com a hipótese de associação independente dos sistemas sangüíneos ABO e MN, a probabilidade de ocorrência de um indivíduo com o fenótipo AM é o produto da probabilidade de ele ser do grupo sangüíneo A pela probabilidade de ele ser do grupo sangüíneo M, isto é, 0,25 × 0,25 = 0,0625 ou 6,25%. A Tabela 8.2 apresenta as freqüências fenotípicas esperadas na prole de casais ABMN × ABMN, de acordo com a hipótese de associação independente dos sistemas sangüíneos ABO e MN. Tabela 8.2. Freqüências fenotípicas esperadas na prole de casais ABMN × ABMN de acordo com a hipótese de associação independente entre os sistemas sangüíneos ABO e MN. Sistema MN Sistema ABO M (0,25) MN (0,50) N (0,25) A (0,25) AM (0,0625) AMN (0,1250) AN (0,0625) AB(0,50) ABM (0,1250) ABMN (0,2500) ABN (0,1250) B (0,25) BM (0,9625) BMN (0,1250) BN (0,0625) Para explicar a razão pela qual as proporções fenotípicas observadas na prole de coleções de casais ABMN × ABMN não diferem significativamente daquelas assinaladas na Tabela 8.2 temos que admitir que cada gameta de um indivíduo ABMN tem probabilidade igual a 25% de conter uma dentre as quatro combinações gênicas seguintes AM, AN, BM e BN. Isso porque os indivíduos duplamente heterozigotos de genes localizados em cromossomos diferentes podem formar quatro tipos de gametas em relação a esses dois pares de alelos, em quantidade idêntica. Disso também resulta que, tomando uma série suficientemente grande de casais ABMN × ABMN, esperamos encontrar entre os seus filhos os genótipos assinalados na Tabela 9.2, onde cada resultado tem probabilidade igual a 6,25%. Tabela 9.2. Genótipos possíveis na prole de casais ABMN × ABMN. Espermatozóides Óvulos AM AN BM BN AM AAMM AAMN ABMM ABMN AN AAMN AANN ABMN ABNN BM ABMM ABMN BBMM BBMN BN ABMN ABNN BBMN BBNN Visto que alguns dos resultados da Tabela 9.2 são idênticos, somamos as suas probabilidades de ocorrência e, desse modo, fica fácil constatar que as probabilidades de encontro dos diferentes fenótipos e genótipos na prole de casais ABMN × ABMN coincidem com as freqüências assinaladas na Tabela 8.2. De fato: 46 44 Fenótipo Genótipo Probabilidade AM AAMM 0,0625 ou 6,25% AMN AAMN 0,1250 ou 12,50% AN AANN 0,0625 ou 6,25% ABM ABMM 0,1250 ou 12,50% ABMN ABMN 0,2500 ou 25,00% ABN ABNN 0,1250 ou 12,50% BM BBMM 0,0625 ou 6,25% BMN BBMN 0,1250 ou 12,50% BN BBNN 0,0625 ou 6,25% Evidentemente, quando existe relação de dominância entre os fenótipos, as proporções fenotípicas observadas na prole de casais duplamente heterozigotos são diferentes. Para exemplificar, consideremos o caso de casais seguramente heterozigotos AO, em relação ao sistema ABO, e seguramente heterozigotos Dd, em relação ao sistema Rh. De acordo com a Tabela 10.2 é fácil constatar que na prole desses casais AODd × AODd, que, fenotipicamente, são ARh+ × ARh+, espera-se a seguinte distribuição fenotípica: ARh+ = 16 9 ou 0,5625 ou 56,25% ARh- = 16 3 ou 0,1875 ou 18,75% ORh+ = 16 3 ou 0,1875 ou 18,75% ORh- = 16 1 ou 0,0625 ou 6,25% Tabela 10.2. Genótipos possíveis na prole de casais AODd × AODd. Espermatozóides Óvulos AD Ad OD Od AD AADD AADd AODD AODd Ad AADd AAdd AODd AOdd OD AODD AODd OODD OODd Od AODd AOdd OODd OOdd Usando a notação genotípica, podemos, pois, escrever que, na hipótese de segregação independente, os genótípos A_D_ , A_dd, OOD_ e OOdd são esperados nas proporções 9:3:3: 1 na prole de casais AODd × AODd. Tais proporções, que somente são observadas na prole de coleções de casais duplamente heterozigotos, quando há relação de dominância nos dois caracteres estudados e segregação independente, também são denominadas proporções mendelianas, pois também foram percebidas pela primeira vez por Mendel, servindo-lhe para que estabelecesse a lei da segregação independente, também conhecida como segunda lei de Mendel. 47 47 não tivéssemos considerado que os caracteres determinados tanto pelos alelos A,a quanto pelos alelos B,b apresentam relação de dominância e recessividade, as proporções seriam diferentes daquelas que foram assinaladas. Tabela 12.2. Proporções fenotípicas esperadas na prole de casais que incluem pelo menos um cônjuge duplamente heterozigoto de genes autossômicos, na hipótese de relação de dominância e recessividade entre os dois caracteres e taxa de recombinação x sendo 0< x <0,50. Casais Filhos Fenótipo Genótipo A_B_ A_bb aaB_ aabb AB/ab × ab/ab 2 1 x− 2 x 2 x 2 1 x− A_B_ × aabb Ab/aB × ab/ab 2 x 2 1 x− 2 1 x− 2 x AB/ab × aB/ab 4 2 x− 4 x 4 1 x+ 4 1 x− A_B_ × aaB_ Ab/aB × aB/ab 4 1 x+ 4 1 x− 4 2 x− 4 x AB/ab × Ab/ab 4 2 x− 4 1 x− 4 x 4 1 x− A_B_ × A_bb Ab/aB × Ab/ab 4 1 x+ 4 2 x− 4 1 x− 4 x AB/ab × AB/ab 4 )1(2 2x−+ 4 )1(1 2x−− 4 )1(1 2x−− 4 )1( 2x− Ab/aB × Ab/aB 4 2 2x+ 4 1 2x− 4 1 2x− 4 2x A_B_ × A_B_ AB/ab × Ab/aB 4 )1(2 xx−+ 4 )1(1 xx−− 4 )1(1 xx−− 4 )1( xx− Tendo em mente que, durante a meiose, a probabilidade de permuta entre cromátides, na região entre dois locos ligados, é proporcional à distância entre eles, a freqüência de indivíduos com combinações novas na prole de casais informativos foi usada como uma medida de distância entre os locos. A unidade dessa distância foi denominada centimorgan (cM), em homenagem a um pioneiro da Genética, o norte-americano Thomas Hunt Morgan, nascido em 1866 e falecido em 1945. Assim, por exemplo, se na prole de casais informativos de ligação, 4% dos indivíduos mostrarem combinações novas, estimar-se-á em 4 cM a distância entre os locos em estudo. A ocorrência de genes ligados em fase cis ou em fase trans impede que em estudos populacionais se faça a detecção de associação entre locos ligados. Assim, por exemplo, a ligação entre o loco do sistema sangüíneo eritrocitário Lutheran e o do sistema secretor de substâncias grupo-específicas ABH na saliva e outros líquidos do corpo, que foi o primeiro caso de ligação autossômica detectado na espécie humana (Mohr, 1951), não é observado em estudos de populações. De fato, na Tabela 13.2 é fácil constatar que se testarmos a hipótese de associação independente entre esses dois locos, que atualmente sabemos estar situados no cromossomo 19, constataremos que essa hipótese de inexistência de ligação pode ser erradamente aceita com base em dados 50 48 populacionais. Tal situação pode ser explicada pela admissão de que nas populações humanas a freqüência das combinações gênicas em posição trans tendem a igualar aquelas em posição cis quando não existe ligação absoluta. Tabela 13.2. Teste de independência entre os fenótipos do sistema secretor de substâncias grupo- específicas ABH e do sistema sangüíneo eritrocitário Lutheran em uma amostra de 400 indivíduos da população inglesa (Lawler e Renwick, 1959). Entre parênteses foram assinalados os valores em porcentagem. Fenótipo Lu (a+) Lu (a-) Total Secretor 27 (9,1) 270 (90,9) 297 Não-secretor 8 (7,8) 95 (92,2) 103 Total 35 365 400 χ 2 (1) = 0,168; 0,50 <P< 0,70 Durante muitos anos, geneticistas com grande formação matemática se preocuparam com a criação de métodos de análise de famílias, completas ou não, para investigar a existência e a intensidade da ligação entre dois locos, o que equivale a dizer, a distância entre eles (Penrose, 1935, 1946; Fisher, 1935a,b; Finney, 1940; Haldane e Smith, 1947; Smith, 1953, 1959; Morton, 1955, 1957). Foram tais métodos, de grande elegância e criatividade, que permitiram o início do mapeamento genético dos cromossomos humanos, que está sendo completado, atualmente. CARACTERES QUANTITATIVOS E HERANÇA POLIGÊNICA Os caracteres quantitativos que, em sua grande maioria, mostram distribuição normal ou próxima da normal, admitem a priori, do mesmo modo que os caracteres qualitativos, duas hipóteses alternativas para explicar a sua natureza. A primeira é a de que a variação genotípica exerceria pouca ou nenhuma influência sobre a variabilidade fenotípica, a qual dependeria, essencialmente, de fatores do ambiente. A segunda hipótese é a de que isso não é verdadeiro, porque o caráter quantitativo dependeria não apenas de fatores do ambiente, mas, ainda, obrigatoriamente, de um componente genético importante. Se a primeira hipótese for verdadeira, será difícil individualizar, dentre os numerosos fatores do ambiente, todos aqueles que interferem na determinação do tipo de distribuição do caráter em estudo. Contudo, será certo que eles não são poucos. De fato, suponhamos que quatro fatores do ambiente (A, B, C, D) com efeitos idênticos e cumulativos tenham a mesma probabilidade de atuar sobre um caráter que é determinado por um genótipo universal, isto é, idêntico em todos os indivíduos. Consideremos, ainda, que cada um desses fatores do ambiente provoque 20 mm adicionais de crescimento em uma estrutura anatômica que, sem a atuação desses fatores cresce 51 49 apenas 10 mm. Nesse caso, encontraríamos cinco classes fenotípicas, conforme o tamanho da estrutura anatômica em questão, isto é, indivíduos em que essa estrutura teria: a) 10 mm, por não terem estado sujeitos a qualquer um dos quatro fatores do ambiente; b) 30 mm, por terem estado sujeitos à ação de um dos quatro fatores (A, B, C ou D); c) 50 mm, por terem estado sujeitos à atuação de um par desses fatores, isto é, AB, AC, AD, BC, BD ou CD; d) 70 mm, por ter havido a atuação de três desses fatores (ABC, ABD, ACD ou BCD); e) 90 mm, por ter havido a atuação simultânea dos quatro fatores (ABCD). Se a probabilidade de os fatores do ambiente não atuarem sobre os indivíduos for denominada p e se ela for idêntica à probabilidade q de qualquer um dos fatores A, B, C ou D atuar, ter-se-á que p = q = 0,5 ou 50%. Com essas probabilidades as cinco classes fenotípicas acima relacionadas se distribuiriam na população segundo 1: 4: 6: 4: 1, ou seja, seriam encontradas nas proporções 6,25%: 25%: 37,5%: 25%: 6,25%, pois essa distribuição é dada pela expansão do binômio (p+q)4, isto é, p4+4p3q+6p2q2+4pq3+q4. Se no exemplo anterior tivéssemos levado em conta seis fatores do ambiente, em vez de quatro, com efeitos idênticos e cumulativos, resultariam sete classes fenotípicas, distribuídas segundo 1: 6: 15: 20: 15: 6: 1 ou 1,56%: 9,38%: 23,44%: 31,25%: 23,44%: 9,38%: 1,56%, conforme houvesse a participação de nenhum, um, dois, três, quatro, cinco ou seis fatores, respectivamente. Em outras palavras, a distribuição dessas classes seguiria o binômio (p+q) 6 = p6+ 6p5q+ 15p4q2+ 20p3q3+ 15p2q4+ 6pq5+ q6. No caso de oito fatores do ambiente com efeitos idênticos e cumulativos, nas mesmas condições dos exemplos anteriores, as classes fenotípicas resultantes seriam nove e obedeceriam a expansão do binômio (p+q)8, de sorte que elas se distribuiriam segundo 1: 8: 28: 56: 70: 56: 28: 8: 1, ou seja, 0,39%: 3,12%: 10,94%: 21,88%: 27,34%: 21,88%: 10,94%: 3,12%: 0,39%. Como se vê, à medida que o número de fatores do ambiente aumenta, cresce o número de classes fenotípicas, de modo que, se tais fatores forem numerosos, a distribuição binomial adquirirá o aspecto da distribuição normal, mesmo que se trate de uma binomial assimétrica (Figura 3.2). 52 52 Essa informação pode ser obtida de modo relativamente simples pelo estudo da regressão de dados familiais, ou pelo estudo de gêmeos, assuntos esses discutidos no capítulo 3 de O estudo de gêmeos do mesmo autor. Qualquer que seja a metodologia empregada, o que se pretende alcançar é a estimativa da herdabilidade do caráter, a qual é simbolizada internacionalmente por h2. A letra agá ao quadrado serve apenas para indicar que a herdabilidade é uma relação entre variâncias, pois ela pretende medir a proporção da variância fenotípica que deve ser atribuída à variância genotípica. Se a herdabililidade diferir significativamente de zero o caráter multifatorial será dito poligênico. Caso contrário, sua distribuição será atribuída apenas a fatores do ambiente. No caso dos caracteres poligênicos, a variância genotípica tem, além de um componente aditivo, aqueles que são devidos à dominância e à epistasia (componentes não-aditivos). Evidentemente, a dominância e a epistasia são relações entre genes que influenciam somente a manifestação genotípica individual, de sorte que, num sistema poligênico, o componente aditivo da variância genética é o único associado a genes que são transmitidos pelo indivíduo à sua prole. Infelizmente, no estudo de caracteres multifatoriais humanos não existem meios de avaliar corretamente a fração da variância genética total que é resultante do efeito aditivo dos genes. Se isso fosse possível, a razão entre essas variâncias, que poderia ser chamada de herdabilidade stricto sensu, poderia servir para predizer a influência que os efeitos aditivos dos genes teriam na geração seguinte a partir de fenótipos individuais. No capítulo 3 de O estudo de gêmeos do mesmo autor o leitor encontrará uma discussão sobre as maneiras de estimar a herdabilidade de um caráter quantitativo. GENES PRINCIPAIS E FATORES MODIFICADORES No capítulo anterior, ao estudar os caracteres semidescontínuos, tivemos a oportunidade de constatar que eles podem ser tratados como caracteres qualitativos, porque suas antimodas servem para a separação de classes fenotípicas. Essa peculiaridade dos caracteres semidescontínuos também oferece facilidades, como teremos oportunidade de verificar neste tópico, para o estabelecimento de uma hipótese genética simples, capaz de explicar a sua transmissão através de gerações. Para exemplificar, consideremos a velocidade de inativação da insoniazida (INH), a qual, por ter distribuição bimodal, permite o grupamento dos seres humanos em acetiladores lentos e rápidos desse fármaco. Visto que esses dois fenótipos são freqüentes e não estão associados ao sexo ou à idade das pessoas, tem-se que, em uma série de casais coletados aleatoriamente, podemos analisar a distribuição das formas alternativas do caráter acetilação da INH na prole dos casais grupados, segundo o fenótipo dos cônjuges, em acetiladores rápidos × acetiladores rápidos, acetiladores rápidos × acetiladores lentos e acetiladores lentos × acetiladores lentos. Evans, Manley e 55 53 McKusick (1960) fizeram isso numa amostra de 53 famílias norte-americanas e obtiveram os dados expressos na Tabela 14.2. Tabela 14.2. Distribuição de 53 famílias norte-americanas segundo o fenótipo acetilador de isoniazida. Entre parênteses estão assinalados os números esperados de acordo com a teoria genética. Extraído, com modificações, de Evans, Manley e McKusick (1960). Casal Filhos Tipo No. Rápido Lento Total Rápido × Rápido 13 31 (31,3) 7 ( 6,7) 38* Rápido × Lento 24 42 (40,6) 28 (29,4) 70** Lento × Lento 16 - ( - ) 51 (54,0) 51 * χ2(1) = 0,016; P = 0,90. ** χ2(1) = 0,115; 0,70 < P < 0,80. É fácil constatar na Tabela 14.2 que a distribuição familial das proporções fenotípicas é compatível com a hipótese de que o fenótipo acetilador rápido é dominante em relação ao fenótipo acetilador lento da INH, sendo possível explicar a distribuição encontrada por intermédio de um par de alelos autossômicos, que poderemos representar pelas letras L e l. O alelo l, quando em homozigose (ll), seria responsável pela manifestação do fenótipo acetilador lento (recessivo) ao passo que o alelo L seria responsável pela manifestação do fenótipo acetilador rápido (dominante) tanto em homozigose (LL) quanto em heterozigose (Ll). Essa hipótese monogênica é, contudo, insuficiente para explicar a existência de diferentes graus de velocidade de acetilação da INH, isto é, essa hipótese não explica a razão pela qual entre os acetiladores lentos existem os que acetilam a INH mais lentamente do que outros, do mesmo modo que entre os acetiladores rápidos encontramos os que metabolizam esse fármaco mais rapidamente do que outros. Além disso, a hipótese monogênica não fornece elementos para explicar a continuidade da distribuição. É por isso que, em relação a caracteres como esse, o par de alelos idealizado para explicá-lo não é considerado como o único fator responsável por sua determinação genética, mas sim como o fator mais importante. Além da participação desses genes, no caso os alelos L,l, que são denominados genes principais, aceitamos que o caráter depende da ação de fatores do ambiente, bem como de genes pertencentes a outros locos e que fazem parte da constelação gênica de cada indivíduo. No seu conjunto, tais fatores são denominados fatores modificadores. Como se vê, em relação a caracteres como a acetilação da INH, admitimos que eles são, de fato, caracteres multifatoriais, mas que sua distribuição familial comporta uma explicação monogênica, desde que se faça a ressalva de que os alelos envolvidos são genes principais. 56 54 Os mesmos procedimentos empregados no estudo da transmissão hereditária da velocidade de acetilação da INH foram aplicados, anteriormente, à investigação genética do caráter reação gustativa à fenil-tio-uréia ou PTC (Das, 1958). Eles permitiram considerar os indivíduos sensíveis à PTC como o fenótipo dominante, decorrente de um gene autossômico principal, que pode ser denominado T (inicial da palavra inglesa taster = degustador) em homozigose (TT) ou heterozigose (Tt), e os insensíveis à PTC como o fenótipo determinado pelo alelo t, quando em homozigose (tt). A atividade da lactase intestinal avaliada em adultos por intermédio da capacidade de absorção da lactose é outro caráter que tem distribuição bimodal, permitindo, por isso, a distinção de dois fenótipos: persistência e deficiência da lactase intestinal do adulto. Os estudos familiais desse importante caráter da espécie humana permitiram estabelecer que a persistência da lactase intestinal é o fenótipo dominante em relação à deficiência dessa enzima, podendo sua distribuição familial ser explicada, também por um par de alelos autossômicos principais (Lisker et al., 1975; Sahi et al., 1973; Sahi e Launiala, 1977; Beiguelman, Sevá-Pereira e Sparvoli, 1992). A exposição feita neste tópico nos conduz a aceitar que, toda a vez que nos depararmos com um caráter cuja distribuição é bimodal, poderemos incluir, entre as hipóteses explicativas dessa bimodalidade, aquela que considera a existência de um fenótipo dominante e de outro recessivo. Contudo, devemos ter sempre em mente que uma distribuição bimodal também pode ser causada por uma heterogeneidade de origem não-hereditária, de sorte que o estudo familial é essencial para a aceitação ou rejeição da hipótese genética. De fato, a bimodalidade de uma distribuição nos indica apenas que estamos diante de suas populações, mas nada nos informa a respeito da etiologia da mesma. Assim, por exemplo, em relação à estatura, uma amostra que reuna crianças e adultos mostrará, forçosamente, distribuição bimodal, ainda que seja composta por indivíduos com grande similaridade genética. Às vezes, a hipótese genética explicativa de uma distribuição bimodal pode ser rejeitada antes mesmo do estudo familial. Para ilustrar essa afirmação consideremos um exemplo. Ao medir os níveis sangüíneos de diaminodifenilsulfona (DDS) de 36 hansenianos adultos do sexo masculino, caucasóides, com função renal normal e sem diarréia ou emese, 6 horas após a ingestão de 100 mg desse medicamento, Beiguelman, Pinto Jr., El-Guindy e Krieger (1974) constataram que esses níveis mostraram distribuição bimodal. Os níveis sangüíneos de DDS não mostraram correlação com a idade nem com o peso dos pacientes, ou com o tempo de duração da doença, os anos de sulfonoterapia ou os níveis de hemoglobina, globulina e albumina. Havia, porém, correlação negativa significativa entre o nível sangüíneo de DDS e o valor do hematócrito. Diante da correlação encontrada, fez-se o ajustamento dos níveis de DDS para a média dos valores do hematócrito, por intermédio de ya = y + (x – x )b, onde ya é o valor ajustado do nível sangüíneo de DDS (y), x é a média dos valores do hematócrito (x) e b é o coeficiente de regressão 57 57 R 4. A probabilidade de a criança ser do grupo A é 100% . Q 5. Um homem é do grupo sangüíneo A e sua mulher é do grupo sangüíneo AB. A paternidade desse homem será excluída se seu filho for do grupo sangüíneo A? B? AB? O? R 5. Somente o grupo sangüíneo O permitirá a exclusão da paternidade e também da maternidade (troca de criança no berçário ou simulação de maternidade). Q 6. Entre os filhos de casais constituídos por um cônjuge dos grupos sangüíneos AB do sistema ABO e N do sistema MN, e o outro cônjuge dos grupos sangüíneos AB do sistema ABO e MN do sistema MN , quais as proporções esperadas de indivíduos dos grupos sangüíneos abaixo: AM ABM BM AN ABN BN AMN ABMN BMN R 6. AM = - ABM = - BM = - AN = 0,125 ABN = 0,25 BN = 0,125 AMN = 0,125 ABMN = 0,25 BMN = 0,125 Q 7. Uma criança com anemia falciforme necessita de transfusão de sangue. O pai e a mãe dessa criança ofereceram-se prontamente como doadores. Essa oferta deve ser aceita? Por quê? R 7. Não, porque os genitores de uma criança com anemia falciforme são, obrigatoriamente, heterozigotos (AS), possuindo, por isso, em seu sangue uma proporção variável de hemoglobina S. Q 8. Nenhum banco de sangue de países escandinavos faz a investigação rotineira de hemoglobina S no sangue de seus doadores. Essa conduta dos hemoterapeutas escandinavos está certa? Ela deve ser estendida aos bancos de sangue brasileiros? R 8. A conduta dos hemoterapeutas escandinavos está certa, mas não deve ser estendida ao Brasil, porque na população brasileira a proporção de pessoas com traço siclêmico é alta. Q 9. Você acha que durante o recrutamento militar, na admissão às Escolas de Educação Física e na seleção de atletas no Brasil dever-se-ia fazer a investigação da hemoglobina S como teste de rotina? R 9. Sim, porque os indivíduos com hemoglobina S estão sob risco alto de crise hemolítica e de infarto de vários órgãos (rins, baço, pulmões, ossos) por bloqueio de aglomerados de células falciformes nos vasos sangüíneos, em conseqüência de hipoxemia e acidose após esforço físico prolongado. Q 10. Você acha que se deve fazer a pesquisa de hemoglobina S em pacientes negróides ou com eventuais ancestrais negróides que precisam ser submetidos a anestesia geral? 60 58 R 10. Sim, porque nos indivíduos com hemoglobina S, cuja freqüência é alta entre os negróides, a depressão respiratória que acompanha a anestesia geral aumenta os riscos apontados na resposta anterior. Q 11. A investigação da hemoglobina S deve ser restrita a brasileiros com cor de pele escura? R 11. Não, porque é possível o encontro de indivíduos com cor de pele branca que apresentam hemoglobina S, seja porque têm ancestrais negróides, seja porque são imigrantes ou descendentes de imigrantes oriundos de países da Bacia Mediterrânea. Q 12. Sabendo-se que cerca de 8% dos homens negróides e 3% dos homens caucasóides apresentam deficiência de G-6PD, qual a freqüência esperada de casos de síndrome de Turner negróides e caucasóides de nossa população que manifestam deficiência dessa enzima? R 12. Entre as pacientes negróides 8%. Entre as caucasóides 3%. Q 13. Uma paciente com a síndrome de Turner e cariótipo 45,X tem grupo sangüíneo Xg(a+), visão normal de cores e hemácias com deficiência de G-6PD. Seu pai e sua mãe têm grupo sangüíneo Xg(a+), visão de cores normal e não apresentam deficiência de G-6PD. Qual a origem do cromossomo X dessa paciente? R 13. O cromossomo X da paciente deve ter origem materna, sendo a mãe heterozigota do gene que determina a deficiência de G-6PD. Se o cromossomo X da paciente tivesse origem paterna, ela não apresentaria deficiência de G-6PD. Q 14. Um paciente com a síndrome de Klinefelter e cariótipo 47,XXY tem grupo sangüíneo Xg(a-), visão de cores normal e G-6PD com atividade normal. Seu pai e sua mãe têm grupo sangüíneo Xg(a-) e G-6PD com atividade normal. Quanto à visão de cores, apenas a mãe do paciente é daltônica (deuteranômala). Visto que a maioria dos casos de síndrome de Klinefelter não se origina de aberrações cromossômicas pós-zigóticas, qual a hipótese mais plausível para explicar o cariótipo anormal desse paciente? R 14. A hipótese mais plausível é a de que o zigoto que deu origem ao paciente foi formado por um espermatozóide com cromossomos sexuais XY e por um óvulo com um único cromossomo X. Q 15. Os dados da questão anterior permitem estabelecer o momento da espermatogênese em que se deu a falta de disjunção dos cromossomos sexuais? R 15. Sim. Primeira divisão meiótica da espermatogênese. Q 16. Um indivíduo com a síndrome de Klinefelter e cariótipo 47,XXY é daltônico como seu pai (protanômalo). A sua mãe tem visão de cores normal. A falta de disjunção dos cromossomos sexuais 61 59 ocorreu durante a espermatogênese paterna ou a ovogênese materna? Durante a primeira ou a segunda divisão meiótica? R 16. Durante a espermatogênese paterna, na primeira divisão meiótica, ou durante a ovogênese materna, na segunda divisão meiótica. Q 17. Nenhum banco de sangue de países escandinavos faz a investigação rotineira de G-6PD no sangue de seus doadores. A esmagadora maioria dos bancos de sangue brasileiros também não faz essa investigação. Os hemoterapeutas escandinavos estão certos? E os brasileiros? Por quê? R 17. Os hemoterapeutas escandinavos estão certos. O mesmo não pode ser dito dos brasileiros, porque a freqüência de deficiência de G-6PD é alta em nossas populações. Q 18. O avô paterno de um indivíduo é do grupo sangüíneo AB, enquanto seus outros avós são do grupo O. Qual a probabilidade de esse indivíduo ser do grupo sangüíneo: a) A? b) B? c) AB? d) O? R 18. a)25%; b) 25%; c) nula; d) 50%. Q 19. Um casal constituído por marido do grupo sangüíneo AB e mulher do grupo sangüíneo O tem dois filhos. Qual a probabilidade de esses dois filhos serem: a) Ambos do grupo A? b) Ambos do grupo B? c) Ambos do grupo O? d) Um do grupo A e outro do grupo B? e) O primeiro do grupo A e o segundo do grupo B? f) O primeiro do grupo A? g) O primeiro do grupo B e o segundo do grupo A? h) O primeiro do grupo B? R 19. a) 25%; b) 25%; c) nula; d) 50%; e) 25%; f) 50%; g) 25%; h) 50%. Q 20. Um homem é heterozigoto de 6 genes pertencentes a cromossomos distintos, isto é, a diferentes grupos de ligação (genótipo AaBbCcDdEeFf). Quantos tipos de espermatozóides pode formar esse homem em relação aos 6 pares de alelos em discussão? R 20. 26= 64. Q 21. Se na questão anterior os 6 pares de genes mencionados pertencessem a 3 grupos de ligação, sendo 2 de cada grupo, quantos tipos diferentes de gametas poderiam ser produzidos por esse homem em relação aos 6 pares de alelos, admitindo: a) a inexistência de permuta entre os locos ligados? h) a existência de permuta entre os locos ligados? R 21. a) 23 = 8; b) 26 = 64. 62 62 Σχ 2 = 1,086; Σ graus de liberdade = 6; 0,98 < P < 0,99 χ 2 total = 0,933; graus de liberdade = 3; 0,80 < P < 0,90 χ 2 Heter. = 0,153; graus de liberdade = 3; 0,98 < P < 0,98. REFERÊNCIAS Accioly, J. Anemia falciforme. Arq. Univ. Bahia. 2: 169-198, 1947. Beiguelman, B. Hereditariedade da reação de Mitsuda. Rev. Bras. Leprol. 30: 153-172, 1962. Beiguelman, B. Taste sensitivity to phenylthiourea and menstruation. Acta Genet. Med. Gemellol. 13: 197-199,1964. Beiguelman, B. Curso Prático de Bioestatística. FUNPEC Editora, Ribeirão Preto, 5a. ed., 2002. Beiguelman, B., Pinto Jr., W., El-Guindy, M.M. & Krieger,H. 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Eles incluem os irmãos, meio-irmãos (têm em comum apenas um dos genitores, isto é, somente o pai ou somente a mãe), primos, tios, tios-avós (irmãos dos avós), sobrinhos, sobrinhos-netos etc. de um indivíduo. Existe uma nomenclatura específica para designar os diferentes graus de consangüinidade entre os primos. Assim, os filhos de um indivíduo em relação aos filhos de seus irmãos são primos em primeiro grau, popularmente designados por primos-irmãos, primos-primeiros ou primos- germanos. Os primos em segundo grau de um indivíduo são os filhos de seus primos em primeiro grau, enquanto que os filhos de um indivíduo em relação aos filhos de seus primos em primeiro grau são primos em terceiro grau. Os primos em quarto grau de um indivíduo são os filhos de seus primos em terceiro grau, ao passo que os filhos de um indivíduo em relação aos filhos de seus primos em terceiro grau são seus primos em quinto grau, e assim por diante. Na nomenclatura inglesa a denominação first cousins corresponde, em português, a primos em primeiro grau, mas as designações second cousins e third cousins correspondem, em nossa língua, a primos em terceiro grau e primos em quinto grau, respectivamente. Para indicar os primos em segundo grau emprega-se, em inglês, a expressão first cousins once removed, querendo isso significar que, se fosse retirada uma geração, os consangüíneos em questão seriam primos em primeiro grau (first cousins). Por analogia, os primos em quarto grau são denominados em inglês second cousins once removed. Por ser baseada na nomenclatura inglesa, tem-se, na notação utilizada internacionalmente para indicar esses tipos de primos, que 1 C indica primos em primeiro grau, 1 ½ C primos em segundo grau, 2 C primos em terceiro grau, 2 ½ C primos em quarto grau, 3 C primos em quinto grau e assim por diante. Os ancestrais comuns mais próximos de parentes consangüíneos constituem o tronco da genealogia à qual pertencem. Quando as genealogias derivam de um único tronco, o que é mais freqüente, diz-se que, nelas, as relações de parentesco são simples. A consangüinidade será dita múltipla quando a genealogia incluir mais de um tronco. Assim, por exemplo, os filhos de dois irmãos casados com duas irmãs ou os filhos de dois casais compostos por um irmão e uma irmã casados, respectivamente, com a irmã do cunhado e com o irmão da cunhada são primos duplos em primeiro grau porque eles têm dois pares de avós como ancestrais comuns (dois troncos). Às vezes, 70 68 porém, os consangüíneos colaterais não chegam a ter um casal como ancestral comum, porque derivam de um único indivíduo (homem ou mulher) que casou duas vezes. Situações como essas são denominadas meia-consangüinidade. É o caso, por exemplo, de meio-irmãos. O número de gerações que separam os parentes consangüíneos colaterais do tronco que os originou serve para classificar a consangüinidade colateral em igual ou desigual, conforme haja ou não um número igual de gerações entre os parentes consangüíneos e o tronco. Assim, por exemplo, os primos em primeiro, em terceiro e em quinto graus são ditos consangüíneos em linha colateral igual, ao passo que os primos em segundo e em quarto graus, os tios e sobrinhos, bem como os tios- avós e seus sobrinhos-netos são ditos consangüíneos em linha colateral desigual. O HEREDOGRAMA A história genealógica registrada graficamente no heredograma oferece uma série de vantagens, pois permite: 1. a compreensão rápida das relações de parentesco entre diversos membros de uma genealogia, revendo as informações em tempo muito curto e permitindo, inclusive, avaliar a sua correção e melhor explorar a investigação em algumas delas; 2. verificar se uma doença se manifesta em um único indivíduo (caso esporádico) ou se ela se repete na genealogia e, nesse caso, se a repetição é feita preferencialmente na linha vertical, na linha colateral, ou em ambas, qual a distribuição dos casos afetados segundo o sexo, qual a ordem de nascimento dos doentes nas irmandades, qual a fertilidade dos casais etc.; 3. averiguar a ocorrência de casamentos consangüíneos e sua relação com a manifestação de uma doença. Os indivíduos do sexo masculino são representados no heredograma por pequenos quadrados, enquanto que os do sexo feminino são representados por pequenos círculos, sendo poucos os autores que preferem representar os indivíduos do sexo masculino pelo símbolo de Marte e os do sexo feminino pelo símbolo de Vênus (Figura 1.3. a-d).Tais símbolos, se escuros, significarão que os indivíduos por eles representados manifestam a anomalia estudada na genealogia (Figura 1.3. c,d); caso contrário, os símbolos serão claros (Figura 1.3. a,b). Quando se quer representar a variabilidade de manifestação de sinais de uma síndrome nas pessoas pertencentes a uma genealogia ou quando se deseja assinalar diferentes estados patológicos ou diferentes intensidades de sinais, os recursos gráficos são inteiramente livres, pois não existem critérios fixos estabelecidos para essas situações. Vide, por exemplo, no Capítulo 6, as Figuras 3.6 e 4.6. 71 69 . Fig. 1.3. Símbolos comumente empregados na representação gráfica de genealogias. Quando não há interesse em assinalar o sexo de um indivíduo, ou quando não se tem informações a respeito do sexo de um elemento, usa-se um losango para representá-lo (Figura 1.3. e). Assim, por exemplo, se o doente sabe que seu avô paterno fazia parte de uma irmandade de dois indivíduos, mas não sabe precisar se tinha um irmão ou uma irmã, usar-se-á o losango para representar a pessoa que pode ser um tio-avô ou uma tia-avó do paciente. Os casos de intersexo podem ser representados pelos símbolos dos sexos masculino e feminino combinados (Figura 1.3. f). Há autores, entretanto, que usam esse símbolo para indicar, de modo resumido, uma irmandade que contém indivíduos normais de ambos os sexos (McKusick e Milch, 1964). Assim, por exemplo, quando uma irmandade contém três indivíduos do sexo masculino e dois do sexo feminino, todos normais, esses autores a indicam por um pequeno quadrado limitando um círculo dentro do qual escrevem o número 5. Para evitar confusões essa notação deveria ser abolida e substituída por um 72 72 dizigóticos discordantes quanto ao sexo (IV-25 e IV-26) e um par de gêmeos de sexo masculino, cuja zigosidade não foi determinada (IV-27 e IV-28). O heredograma da Figura 2.3 informa, ainda, que a propósita tem outros tios maternos, além da tia III-14, todos mais velhos do que sua mãe (III-2, III-3, III-5, III-7, III-9 e III-11). A respeito desses parentes consangüíneos sabe-se que a tia III-2 é casada com o indivíduo III-l e não tem filhos; que o tio III-3 manifesta a mesma anomalia que a propósita e é casado com III-4, com a qual tem seis filhos normais (1V-1 a 1V-6); que o tio III-5 é casado com III-6 e tem um casal de filhos normais (IV-7 e 1V-8), o mesmo acontecendo com a tia III-7, casada com o indivíduo III-8; que a tia III-9, casada com o homem III-10, teve três gestações que não chegaram a termo (IV-11 a IV -13) e, finalmente, que a tia III-11, imediatamente mais velha do que a mãe da propósita, é solteira e apresenta a mesma anomalia que essa última. Quanto aos avós matemos (II-2 e II-3) e paternos (II-4 e II-5) da propósita, fica-se sabendo, por intermédio do heredograma da Figura 2.3, que eles são normais e que a avó materna (II-3) é irmã da avó paterna (II-4). Tendo em vista que os bisavós da propósita já são falecidos, o que é indicado no heredograma por cruzes junto aos símbolos que os representam, e que, tanto a avó materna (II-3), quanto a paterna (II-4) sabem, apenas, que antes de elas nascerem seus pais haviam tido uma criança, falecida com um ano de idade, mas não sabem de que sexo, esse indivíduo (tio-avô ou tia-avó da propósita) foi representado no heredograma por um losango (II-1). HEREDOGRAMAS ABREVIADOS É prática comum, mormente em publicações científicas, abreviar os heredogramas, de sorte que eles ocupem menos espaço. Para tanto, empregam-se alguns recursos simples. Um deles é o de indicar cada casal apenas pelo cônjuge que é consangüíneo do propósito, subentendendo-se que o consorte não simbolizado no heredograma não tem a anomalia em discussão. E, para fazer referência ao cônjuge não representado no heredograma, ele passa a ser designado pelo mesmo número do cônjuge simbolizado, seguido da letra a. Assim, por exemplo, se o cônjuge representado no heredograma tiver o número III-7, o outro, não representado, será designado por III-7a. Entretanto, se um casal for constituído por dois indivíduos afetados pela mesma anomalia apresentada pelo propósito, ou se um dos consangüíneos do propósito for casado mais de uma vez, tendo prole desses casamentos, tais casais não poderão ser representados de modo abreviado. Um outro recurso para reduzir o tamanho do heredograma é o de representar vários indivíduos normais pertencentes à mesma irmandade, consecutivos e do mesmo sexo, por um único símbolo, maior do que os outros utilizados para designar o sexo ao qual pertencem, no interior do qual se assinala o número de indivíduos que foram reunidos. Quando se usa esse recurso, não se deve alterar a numeração dos indivíduos na geração a que pertencem. Assim, por exemplo, se o 75 73 oitavo, nono, décimo e décimo-primeiro indivíduos de uma geração são representados por um único símbolo, por serem normais e pertencerem à mesma irmandade, deve-se escrever sob esse símbolo os números 8 -11 ou subentender essa numeração, no caso de não serem assinalados no heredograma os números arábicos indicadores da ordem de nascimento. Essa convenção, contudo, nem sempre é seguida e há autores que numeram o símbolo que representa a reunião de vários indivíduos como se ele representasse uma única pessoa. O heredograma da Figura 4.3 serve bem para exemplificar a maneira de representar uma genealogia por um heredograma abreviado. Ele diz respeito a uma grande genealogia, que foi estudada por incluir numerosas pessoas com a síndrome onicopatelar, mais comumente conhecida como síndrome unha-rótula, cujos sinais básicos são displasia das unhas, principalmente do polegar, e ausência ou hipoplasia das rótulas. Outros sinais freqüentemente associados são esporões no osso ilíaco, anomalias dos cotovelos, que prejudicam a pronação e a supinação, complicações renais e alterações oculares (pigmentação em folha de trevo na margem interna da íris, ceratocone e catarata). Atualmente sabemos que o loco do gene responsável pela síndrome ônicopatelar está situado no braço inferior do cromossomo 9, na região 9q34. Fig. 4.3. Heredograma de parte de uma genealogia com recorrência da síndrome onicopatelar (Jameson et al., 1956) CUIDADOS NA OBTENÇÃO DA HISTÓRIA GENEALÓGICA Nunca é demais recomendar que a coleta de informações necessárias ao registro da história genealógica de um paciente, parte da qual servirá para a elaboração de um heredograma, merece e requer cuidados especiais e, sobretudo, muita paciência. A aparente perda de tempo na coleta desses dados será recompensada, posteriormente, de inúmeras maneiras. Para fazer um bom levantamento de uma história genealógica deve-se evitar, sempre que possível, valer-se apenas das informações dadas por um único elemento da genealogia. Tais informações podem estar incorretas ou incompletas, seja porque o informante ignora, seja porque ele esconde, deliberadamente, as informações a respeito da distribuição de uma doença em sua genealogia. É sempre aconselhável que os dados obtidos do informante, que pode ser ou não o propósito, sejam confrontados com aqueles fornecidos por outro elemento da mesma genealogia, de 76 74 preferência uma mulher mais idosa. As mulheres lembram, mais comumente, detalhes importantes a respeito dos antecedentes genealógicos, os quais escapam, muitas vezes, aos homens. Durante a obtenção de uma história genealógica é muito importante um registro minucioso da ocorrência ou não de casamentos consangüíneos entre os componentes da genealogia. Independentemente do grau de cultura do paciente devemos insistir a respeito da consangüinidade entre seus genitores com perguntas do tipo: O seu pai e a sua mãe são da mesma família? São primos? São parentes? Por outro lado, para evitar confundir o paciente devemos simplificar, ao máximo, a designação de seus ancestrais. Assim, ao invés de inquiri-lo a respeito de seus avós paternos e maternos, devemos perguntar a respeito do pai de seu pai, da mãe de seu pai, do pai de sua mãe e da mãe de sua mãe ou identificar essas pessoas pelo nome. Obviamente, nunca devemos nos considerar satisfeitos com respostas do tipo somos parentes de longe ou somos primos distantes, pois isso tanto pode significar que se trata de primos em segundo ou terceiro grau quanto pode significar ausência de consangüinidade. Quando um paciente informa que seus pais são primos ou que ele é casado com uma prima é necessário averiguar de que modo foi estabelecida a consangüinidade, pois, por exemplo, no caso de primos em primeiro grau é possível distinguir quatro tipos de primos, enquanto que no caso de primos duplos em primeiro grau pode-se distinguir dois tipos, conforme o parentesco entre seus pais (Figura 5.3). Evidentemente, os diferentes tipos de primos assinalados na Figura 5.3 não afetam a transmissão de genes autossômicos, mas têm grande importância quando se trata de genes do cromossomo X. Assim, um gene do cromossomo X presente no avô somente pode ser transmitido com a mesma probabilidade a um casal de primos em primeiro grau se tal casal for do tipo 1 da Figura 5.3 pois naqueles do tipo 2 o cromossomo X do avô pode ter sido herdado pelo primo, mas não pela prima, nos do tipo 3 nenhum dos primos o herda e naqueles do tipo 4 somente a prima pode herdá-lo. Fig. 5.3. Os quatro tipos de primos em primeiro grau (1-4) e os dois tipos de primos duplos em primeiro grau (5-6). 77 77 microcefalia e retardamento neuropsicomotor. Do ponto de vista clínico é indiferente que a microcefalia das crianças seja determinada geneticamente ou não. Para o geneticista, entretanto, essa informação é de crucial importância porque, no caso de a microcefalia ser genética, o risco de recorrência dessa anomalia entre os filhos do casal é de 25%. Se, entretanto, a etiologia não for genética, o risco de repetição da anomalia será nulo, desde que afastemos o agente etiológico ambiente. Consideremos, agora, que durante o estudo dessa família constatou-se que: 1. A reação de imunofluorescência para toxoplasmose apresentou um título de 1:4.000 na criança com quatro anos de idade. 2. Durante a anamnese a mãe revelou que no início de sua segunda gravidez ela esteve exposta a raios X porque, em vários e demorados exames radiográficos de seu primeiro filho, ela o segurava para evitar que ele se mexesse. Diante dessas constatações, as sugestões de que a microcefalia nessa família seria geneticamente determinada, apoiadas pela consangüinidade próxima do casal e pela recorrência familial, seriam desprezadas. Em outras palavras, rejeitaríamos a hipótese genética e aceitaríamos a hipótese de que a microcefalia dos meninos tem etiologia não-genética; no maior por toxoplasmose e no menor por raios X. A exposição feita no presente capítulo deve ter deixado bem claro que, em grande número de situações, a história genealógica não se identifica com uma mera investigação, durante a anamnese, dos antecedentes familiais do paciente, pois, freqüentemente, o geneticista clínico se vê obrigado a fazer, inclusive, o exame físico e a solicitar exames laboratoriais dos parentes consangüíneos dos propósitos. Essa foi a razão pela qual no título do presente capítulo se fez referência à história genealógica e não à história familial do paciente. QUESTÕES E RESPOSTAS Q 1. O.M., brasileiro, negro, 45 anos, foi encaminhado ao Ambulatório de Genética Clínica, com dores articulares que foram diagnosticadas como decorrentes de traço siclêmico. O levantamento de sua história genealógica mostrou que O.M. é viúvo de P.S.M., da qual teve três filhos (A.M., do sexo feminino, 15 anos; O.M.F., sexo masculino, 13 anos e E.M., sexo feminino, 12 anos). Casou-se novamente com A.M., brasileira, parda clara, viúva de seu irmão P.M. e com ela teve outros três filhos (L.M.F., sexo masculino, 9 anos; M.A.M., sexo feminino, 7 anos, e B.M., sexo masculino, 5 anos). A.M. tivera dois filhos com P.M. (P.M.F., sexo masculino, 14 anos e Y.M., sexo feminino 12 anos). A investigação de hemoglobina siclêmica revelou que, nessa genealogia, havia recorrência do traço siclêmico, o qual foi manifestado por E.M., L.M.F., B.M. e Y.M. Construa o heredograma representativo da genealogia descrita. 80 78 R 1. Q 2. Ao investigar a história genealógica de um paciente do sexo masculino, com 6 meses de idade, que manifestava a síndrome de Hurler, constatou-se que ele era o terceiro filho de um casal normal, cuja primeira filha faleceu aos 10 meses de idade, aparentemente de pneumonia. O segundo filho desse casal era um menino com 3 meses de idade, clinicamente normal. A mãe do paciente tinha uma única irmã, mais nova, solteira normal. O pai do paciente tinha dois irmãos mais velhos, normais, casados com mulheres não-consangüíneas. Cada um desses irmãos tinha duas filhas clinicamente normais. O sogro da mãe do paciente também é tio paterno dela. A sogra da mãe do paciente é a filha mais nova das três geradas pela irmã do bisavô paterno do paciente. Construa o heredograma que representa a genealogia descrita. R 2 . Q 3. Em relação à genealogia da questão anterior, qual o parentesco consangüíneo entre: a) os genitores do paciente? b) os avós paternos do paciente? c) o bisavô paterno e a mãe do paciente? R 3. a) Primos em primeiro grau. b) Primos em primeiro grau. c) O bisavô paterno é o avô paterno da mãe do paciente Q 4. Na história familial de um propósito com distrofia muscular do tipo Duchenne, verificou-se que ele é o terceiro filho de um casal que gerou uma irmandade constituída por quatro indivíduos. O primeiro filho do casal é do sexo masculino e o segundo do sexo feminino, ambos normais. O quarto filho do casal, do sexo masculino, também apresenta distrofia muscular do tipo Duchenne. A mãe do propósito é separada do marido tendo, após a separação, vivido maritalmente com dois outros homens. Com o primeiro deles teve um menino que manifestou distrofia muscular do tipo Duchenne e com o segundo teve um casal de filhos normais, dos quais o mais novo é do sexo masculino. Os 81 79 avós maternos do propósito são normais. O mesmo é verdadeiro em relação ao seu tio e à sua tia maternos, dos quais o primeiro é mais velho que sua mãe e a segunda mais nova. Esses tios maternos são casados com pessoas normais e têm cada qual, um casal de filhos normais. Dentre os filhos do tio materno do propósito, o mais velho é do sexo masculino, o inverso ocorrendo entre o casal de filhos de sua tia materna. Construa um heredograma abreviado que represente a genealogia descrita. R 4. Q 5. No heredograma da genealogia da questão anterior, qual o parentesco biológico entre os indivíduos. a) III-1 e III-2? b) III-5 e III-7? c) III-7 e III-9? d) III-8 e III-11? e) III-1 e III-5 (propósito)? f) III-5 e III-8? g) III-1 e III-8? R5. a) Irmãos. b) Meio-irmãos. c) Meio-irmãos. d) Primos em primeiro grau. e) Primos em primeiro grau. f) Meio-irmãos. g) Primos em primeiro grau. Q 6. A paciente M.F., brasileira, branca, com 16 anos de idade, foi encaminhada ao Ambulatório de Genética Clínica por um serviço de Ortopedia, porque apresentava anomalias esqueléticas graves nos membros inferiores. A investigação da sua história genealógica mostrou que a paciente tinha uma irmã (N.F.) com 14 anos, normal, bem como o pai (J.F., brasileiro, branco, 38 anos) e a mãe (L.A.F., brasileira, branca, 36 anos) normais. Não houve possibilidade de investigar os parentes do lado paterno da propósita M.F., pois eles viviam no Rio Grande do Sul, mas, de acordo com as informações prestadas por J.F., não havia qualquer caso de deformidade esquelética entre seus parentes. Entre os parentes do lado materno foi possível o levantamento de uma história genealógica razoável. Assim, verificou-se que L.A.F. tinha duas irmãs solteiras, uma das quais (M.L.A.), gêmea de L.A.F., apresentava anomalias esqueléticas enquanto a outra era normal (I.A., 23 anos), bem como dois 82 82 CAPÍTULO 4. OS PADRÕES DE HERANÇA DAS HEREDOPATlAS O modo pelo qual os indivíduos com um caráter qualitativo raro, como é o caso da esmagadora maioria das heredopatias, se distribuem nos heredogramas e se relacionam com seus consangüíneos facilita muito o reconhecimento do tipo de transmissão hereditária do caráter em estudo, isto é, do seu padrão de herança. O presente capítulo será dedicado ao estudo dos padrões de herança de caracteres qualitativos raros, os quais quando monogênicos, também são conhecidos pela designação de idiomorfismos, sendo os genes por eles responsáveis denominados idiomorfos. Por convenção, aceita-se que os genes com freqüência inferior a 1% na população devem ser designados como idiomorfos, recebendo a denominação de monomorfos aqueles cuja freqüência for superior a 99% (Morton, 1976/1977). Assim, por exemplo, se um gene A mostrar freqüência igual a 0,998 e seu alelo a freqüência igual a 0,002, o alelo A será dito monomorfo e o alelo a será classificado como idiomorfo. As freqüências intermediárias entre 1% e 99% caracterizam os genes polimorfos, mas um loco polimórfico pode incluir entre os alelos a ele pertencentes um ou mais alelos idiomorfos. É o caso, por exemplo, de um loco com três alelos A, a e aI , com freqüências iguais, respectivamente, a 0,600, 0,395 e 0,005. Nesse exemplo, os alelos A e a são polimorfos, enquanto o alelo aI é idiomorfo. Os caracteres freqüentes com transmissão hereditária monogênica estudados no capítulo 2 são resultantes de locos polimórficos que incluem, pelo menos, dois alelos polimorfos. Eles constituem os assim chamados sistemas genéticos polimórficos ou polimorfismos genéticos. PADRÃO DE HERANÇA DOMINANTE AUTOSSÔMICA MONOGÊNICA O heredograma da Figura 1.4 representa uma genealogia na qual houve recorrência familial de eliptocitose, uma alteração hematológica, também conhecida por ovalocitose, porque, após os 3 ou 4 meses de idade, começam a aparecer na circulação sangüínea hemácias que se apresentam como ovalócitos e cuja proporção ultrapassa a metade da concentração eritrocitária. O heredograma da Figura 2.4, por sua vez, representa uma genealogia com pessoas que manifestavam neurofibromatose múltipla, também conhecida como doença de von Recklinghausen, por ter sido descrita pela primeira vez, em 1822, pelo patologista Friedrich Daniel von Recklinghausen (1833- 1910). Essa heredopatia, com prevalência ao redor de 1:3.000, caracteriza-se pela presença, nos indivíduos adultos, de neurofibromas subcutâneos e vasculares múltiplos, arredondados ou fusiformes, podendo haver associação com outras alterações do sistema nervoso central, ósseo e muscular. Na infância, o único sinal dessa doença é a presença de seis ou mais manchas cutâneas pardas, com pelo menos 1,5 cm de diâmetro, denominadas manchas café-com-leite. Atualmente 85 83 sabemos que os locos dos genes responsáveis pela eliptocitose e pela doença de von Recklinghausen estão situados, respectivamente, nas regiões 1 pter-p34 e 17p11-q22. Fig. 1.4. Heredograma de parte de uma genealogia com recorrência de eliptocitose (Chalmers e Lawler, 1953). Fig. 2.4. Heredograma de uma genealogia com recorrência da doença de von Recklinghausen. Apesar de as alterações patológicas presentes nas genealogias das Figuras 1.4 e 2.4 e na Figura 4 do capítulo anterior (Figura 4.3) pertencerem a grupos nosológicos muito diferentes, é fácil constatar em tais heredogramas que a síndrome ônicopatelar, a eliptocitose e a neurofibromatose múltipla são doenças que têm o mesmo padrão de distribuição genealógica. De fato, em cada um desses heredogramas pode-se verificar que: 1. os indivíduos anômalos são filhos de pai ou de mãe com a mesma anomalia, havendo, pois, uma passagem da doença de uma geração a outra, segundo a linha reta de consangüinidade; 2. os indivíduos anômalos geram filhos normais e filhos anômalos na mesma proporção, em média; 3. tanto os indivíduos anômalos do sexo masculino quanto os do sexo feminino geram filhos anômalos de ambos os sexos e na mesma proporção, em média; 4. os indivíduos normais gerados por um anômalo não transmitem a anomalia a seus descendentes. As anomalias que seguem esse padrão de distribuição genealógica (mais de 2.500) são heredopatias ditas dominantes autossômicas monogênicas, porque essa distribuição é compatível 86 84 com a hipótese de elas serem determinadas, cada qual, por um gene autossômico raro, originado por mutação, que se manifesta em heterozigose. Assim, se o gene mutante determinador de uma heredopatia dominante autossômica qualquer for simbolizado por A, alelo de um outro, a, que, por não causar anomalias, é dito gene determinador de normalidade, ter-se-á que todos os indivíduos anômalos deverão ser considerados heterozigotos Aa, pois a raridade do gene A torna pouco provável, ou quase impossível, a ocorrência de homozigotos AA, visto que estes últimos somente podem ser gerados por casais anômalos (Aa × Aa), os quais, regra geral, são inexistentes na população. É fácil verificar que essa hipótese de dominância autossômica é satisfatória para explicar o padrão de distribuição genealógica das heredopatias referidas nos heredogramas das Figuras 4.3, 1.4 e 2.4 porque, de acordo com ela, os casais compostos por um indivíduo anômalo e por outro normal, representados genotipicamente por Aa × aa, devem ter a mesma probabilidade (50%) de gerar um filho Aa (com a anomalia) e um filho aa (normal). Além disso, por ser o par de alelos A,a autossômico, a razão de sexo entre os anômalos gerados pelos casais Aa × aa não deve desviar-se significativamente de 1: 1, isto é, deve haver 50% de cada sexo. Pela mesma razão, entre os filhos de pais anômalos a proporção de anômalos e de normais deve ser a mesma encontrada entre os filhos de mães anômalas, isto é, 50% de anômalos e 50% de normais, independentemente de o genitor anômalo ser o pai ou a mãe. Finalmente, os indivíduos normais que são gerados por anômalos não transmitem a anomalia a seus descendentes, porque têm genótipo homozigoto aa. A Figura 3.4 resume o que foi mencionado neste parágrafo. Fig. 3.4 Esquema de segregação alélica nas anomalias com padrão de herança dominante autossômica monogênica. Evidentemente, se a anomalia dominante autossômica manifestada por um indivíduo for conseqüência de uma mutação ocorrida em um dos gametas ou no zigoto que lhe deu origem, tal pessoa aparecerá no heredograma como filho(a) de pais normais, além do que não terá irmãos(ãs) 87 87 A fenilcetonúria clássica é uma heredopatia com incidência entre 1: 10.000 e 1: 15.000 nas populações caucasóides, decorrente da deficiência de urna enzima hepática, a hidroxilase de fenilalanina, que catalisa a transformação da fenilalanina em outro aminoácido essencial, não sintetizado no organismo, a tirosina. Nos indivíduos com essa deficiência enzimática, a fenilalanina e seus metabólitos se acumulam em grande quantidade no sangue e no líquido céfalo-raquidiano. Dentre esses derivados da fenilalanina, o mais importante é o acido fenilpirúvico (ácido fenilcetopirúvico), excretado em grande quantidade na urina, conferindo-lhe um odor característico. Durante a vida fetal não existe aumento de fenilalanina e de seus derivados no feto porque a hidroxilase de fenilalanina do fígado materno é suficiente para evitar isso. Esse aumento só começa após o nascimento. A principal conseqüência da hiperfenilalaninemia é a manifestação de deficiência mental, geralmente grave (oligofrenia fenilpirúvica) e, eventualmente, convulsões. Esse quadro pode ser evitado se a fenilcetonúria for diagnosticada precocemente, isto é, antes dos dois meses de idade, submetendo-se os fenilcetonúricos a uma dieta contendo uma quantidade mínima de fenilalanina, suficiente para evitar que o organismo decomponha suas próprias proteínas, o que voltaria a causar hiperfenilalaninemia. Essa dieta carente de fenilalanina deve ser mantida até os 6 anos de idade, aproximadamente, quando o cérebro já está suficientemente desenvolvido para suportar, sem danos, níveis altos de fenilalanina. Se a retirada da fenilalanina da alimentação dos fenilcetonúricos é feita a partir dos seis meses e antes de um ano de idade ainda é possível evitar a deficiência mental grave, mas será muito pouco provável que eles venham a apresentar inteligência normal. Fig. 5.4. Alguns passos bioquímicos do metabolismo da fenilalanina. Nos pacientes com fenilcetonúria clássica, o nível plasmático de tirosina, apesar de abaixar, não fica afetado de modo apreciável pela falta de conversão de fenilalanina em tirosina, porque esse último aminoácido é obtido da dieta ingerida normalmente. Entretanto, a concentração sangüínea elevada de fenilalanina compromete a biotransformação da tirosina, prejudicando, assim, a 90 88 produção de 3,4-di-hidroxifenilalanina (DOPA), necessária à síntese de melanina (Figura 5.4). Essa é a razão pela qual os pacientes fenilcetonúricos caucasóides têm pele mais clara e cabelos aloirados. Atualmente se sabe que o loco do gene que determina a produção da hidroxilase de fenilalanina está situado na região 12q22-q24.2. Os recém-nascidos afetados pela ictiose congênita tipo feto Arlequim têm, geralmente, peso corporal baixo para a idade gestacional e apresentam a superfície cutânea coberta por uma carapaça queratinizada (daí o nome ictiose, do grego ichthys = peixe) que esconde o nariz e os pavilhões auriculares. Essa carapaça impede todos os movimentos, inclusive os respiratórios, de sorte que o recém-nascido permanece com os membros em fIexão rígida e tem dificuldades de respiração. Tais dificuldades e as infecções provocam a morte dessas crianças poucas horas ou, no máximo, poucos dias após o nascimento. Por ter a carapaça queratinizada sulcos profundos que formam figuras rombóides, essa ictiose recebeu a designação tipo feto Arlequim, em alusão à roupa desse personagem da antiga comédia italiana. A doença de Tay-Sachs, descrita inicialmente, em 1881, por Warren Tay, um oftalmologista inglês e, poucos anos depois (1887), de modo independente, por B. Sachs, um neurologista norte- americano, é decorrente de um gene autossômico que, em homozigose, determina a deficiência acentuada de uma enzima lisossômica denominada hexosaminidase A. Essa enzima, cuja produção depende de um alelo situado em um loco do braço inferior do cromossomo 15, na região 15q23- q24, participa do metabolismo de um lipídio do sistema nervoso, o gangliosídio GM2. Na ausência da hexosaminidase A o gangliosídio se acumula nas células ganglionares do cérebro e de outros órgãos e tecidos, provocando, ainda na fase de lactação, retardamento do desenvolvimento, que é seguido de demência, cegueira, paralisia, e, finalmente, óbito no segundo ao quarto ano de vida. No exame de fundo de olho das crianças com a doença de Tay-Sachs é característico o encontro de uma área cinza-claro em torno da fóvea central, devido ao acúmulo de lipídio nas células ganglionares, bem como um ponto central de cor vermelho-cereja. Por causa desse tipo de cegueira a doença de Tay-Sachs também já foi denominada idiotia amaurótica (a palavra amaurose é oriunda do grego, amauros = escurecer, em alusão à perda da visão decorrente de afecção do nervo óptico, retina ou cérebro, sem qualquer alteração ocular externa perceptível). Os heterozigotos do gene que determina a doença de Tay-Sachs podem ser detectados porque a sua hexosaminidase A apresenta 40% a 60% da atividade da dos indivíduos normais. Visto que a determinação da atividade dessa enzima pode ser feita em leucócitos e em fibroblastos mantidos em cultura, é fácil rastrear os heterozigotos desse gene na população normal e a realização do diagnóstico pré-natal da deficiência da hexosaminidase A. A xerodermia pigmentar (xeroderma pigmentosum) é uma heredopatia recessiva autossômica caracterizada pela deficiência de uma endonuclease necessária à regeneração do DNA, 91 89 que se fragmenta por ação dos raios ultra-violeta. Em conseqüência dessa deficiência, a pele, que já nos primeiros anos de vida mostra muitas sardas, bem como áreas de cornificação e de atrofia, torna-se muito sensível ao sol e suscetível a alterações malignas. O albinismo óculo-cutâneo tirosinase-negativo, também conhecido como albinismo generalizado ou do tipo clássico caracteriza-se pela presença de melanócitos amelânicos na pele, porque nessas células chegam a formar-se os pré-melanossomos, mas neles não se deposita a melanina. Os cabelos desses albinos também têm cor branca e os bulbos capilares não produzem melanina mesmo que sejam incubados com tirosina, o que indica a falta de tirosinase nesses indivíduos. A íris, por sua vez, é vermelha, devido à falta de melanina, a qual também está ausente da retina dos albinos, que sofrem fotofobia e mostram nistagmo. Em heredogramas como os da Figura 4.4, verifica-se que, em contraste com aqueles a respeito de anomalias dominantes autossômicas, os genitores dos indivíduos anômalos, bem como outros ascendentes, quase nunca manifestam essa anomalia. Em outras palavras, os indivíduos anômalos, representados por pessoas de ambos os sexos, na mesma proporção, em média, quase sempre são filhos de pessoas sem a anomalia em estudo e, por isso, denominadas normais. Isso acontece porque a maioria esmagadora das cerca de 1.200 anomalias recessivas autossômicas monogênicas conhecidas ocorre com freqüências muito baixas nas populações humanas, pois cada uma delas é determinada por um gene raro. De fato, consideremos um par de alelos autossômicos A,a, e que o gene a seja o alelo raro que condiciona uma anomalia quando em homozigose (aa), o que eqüivale a dizer que os indivíduos com genótipos AA ou Aa são normais. Se essa heredopatia não permitir aos indivíduos por ela afetados chegar à idade adulta e procriar, como é o caso de numerosas anomalias recessivas, é claro que todos os indivíduos anômalos (aa) serão gerados por casais heterozigotos (Aa × Aa) e, portanto, normais. Entre os ancestrais dos indivíduos anômalos e mesmo entre os consangüíneos colaterais que não são seus irmãos também será mais provável o encontro de indivíduos normais, porque os heterozigotos (Aa) sempre terão maior probabilidade de casar com homozigotos AA do que com heterozigotos idênticos a eles, se casarem com pessoas que não são seus parentes consangüíneos. Mesmo que um indivíduo anômalo aa chegue à idade reprodutiva e case com um indivíduo normal, com o qual não tenha parentesco consangüíneo, será mais provável que seu cônjuge seja homozigoto AA, o que, nesse caso, torna impossível a geração de outro anômalo. Dito de outro modo, um casal anômalo × normal somente poderá gerar filhos anômalos se o cônjuge normal for heterozigoto (aa × Aa), o que é um acontecimento menos provável quando não existe parentesco consangüíneo entre os cônjuges do que quando tal parentesco existe, porque os genes que condicionam as anomalias recessivas são raros na população. 92 92 filhos heterozigotos desse gene, que, por isso, devem ser normais. Contudo, a normalidade somente é observada nos casos em que o cônjuge fenilcetonúrico é o marido. Nos casos em que o cônjuge com a fenilcetonúria tratada é a mulher, a possibilidade de nascimento de filhos normais só se verifica se, durante a gestação, ela voltar a seguir uma dieta que reduza o nível sérico de fenilalanina a menos de 0,15 mg por ml. Caso contrário, o feto ficará exposto a níveis muito altos desse aminoácido e resultará numa criança microcefálica, com retardamento neuropsicomotor. PADRÃO DE HERANÇA DOMINANTE MONOGÊNICA LIGADA AO CROMOSSOMO X O padrão de transmissão hereditária das anomalias dominantes determinadas por genes ligados ao cromossomo X difere daquele apresentado pelas heredopatias dominantes autossômicas, apesar de, nesses dois padrões de herança, os indivíduos anômalos serem, usualmente, filhos de pai ou de mãe com a mesma anomalia, e de os indivíduos normais, filhos de anômalos, não transmitirem a anomalia a seus descendentes. É que numa heredopatia determinada por um gene ligado ao cromossomo X, os homens anômalos casados com mulheres sem a anomalia somente são capazes de transmitir essa heredopatia a suas filhas, mas não a seus filhos, pois, normalmente, o cromossomo X paterno só é transmitido às filhas. Assim, se designarmos por A o gene determinador de uma anomalia dominante ligada ao cromossomo X, poderemos representar os casais constituídos por marido anômalo e mulher normal por XAY × XaXa. De tais casais nascem, obrigatoriamente, filhas anômalas (XAXa) e filhos normais (XaY) (Figura 8.4.I), a menos que, excepcionalmente, por falta de disjunção cromossômica durante a espermatogênese se origine um filho com síndrome de Klinefelter (XAXaY) ou que, por falta de disjunção cromossômica durante a espermatogênese ou perda de um cromossomo XA ou Y durante o desenvolvimento de um zigoto XAXa ou XaY seja originada uma filha com síndrome de Turner (45,Xa). Nas heredopatias ligadas ao cromossomo X, a distribuição de anômalos e normais entre os filhos de ambos os sexos de casais formados por mulher anômala e marido normal não difere daquela observada nas famílias nas quais um dos cônjuges manifesta uma heredopatia dominante autossômica. Isso acontece porque as mulheres são heterozigotas (XAXa), pois os genes responsáveis pelas anomalias são raros na população. Desse modo, os casais constituídos por marido normal e mulher anômala podem ser representados por XaY × XAXa. Tais casais geram, portanto, filhos normais (XaY) e anômalos (XAY) e filhas normais (XaXa) e anômalas (XAXa) em proporções idênticas (Figura 8.4.II). Uma outra característica das heredopatias dominantes ligadas ao cromossomo X é a de que o número de mulheres afetadas por tais anomalias é, praticamente, o dobro da quantidade de homens que as manifestam. Isso é facilmente compreensível, porque as mulheres têm duas oportunidades de 95 93 herdar um cromossomo X com o gene determinador de uma anomalia ligada ao sexo (por intermédio do pai ou por intermédio da mãe), ao passo que nos homens esse cromossomo somente pode ter origem materna. Fig. 8.4 Esquema de segregação alélica nas anomalias com padrão de herança dominante monogênica ligada ao cromossomo X. A Figura 9.4 mostra o heredograma de uma genealogia com indivíduos que manifestavam hipofosfatemia, uma anomalia dominante ligada ao cromossomo X, decorrente de um gene cujo loco sabemos, atualmente, estar na região Xp22.3-p21.3. Essa heredopatia caracteriza-se pela presença de fosfato em níveis baixos no soro sangüíneo (menos de 4 mg% após jejum de 12 horas) e níveis altos na urina, em conseqüência de um defeito de reabsorção de fósforo inorgânico pelos túbulos renais, na ausência de outras anomalias funcionais dos rins. Por volta dos seis meses de idade o crescimento das crianças hipofosfatêmicas passa a ser feito bem mais lentamente do que o das crianças normais e, daí por diante, evidenciam-se sinais de raquitismo conseqüente à hipofosfatemia, ficando os membros inferiores muito deformados por causa da osteomalácia e do peso do corpo. É o raquitismo hipofosfatêmico ou raquitismo resistente à vitamina D, porque os pacientes com essa heredopatia só respondem a altas doses diárias dessa vitamina (10.000 a 50.000 U.I). Nos indivíduos do sexo feminino as manifestações clínicas da hipofosfatemia são, porém, freqüentemente, menos acentuadas do que nos do sexo masculino. Esse fenômeno é, provavelmente, uma conseqüência da inativação casual de um dos dois cromossomos X nas células femininas com cariótipo normal, de acordo com a teoria de Lyon (Beiguelman, 1982). O tratamento dos pacientes hipofosfatêmicos com doses altas de vitamina D2, apesar de poder corrigir o raquitismo, não evita o nanismo associado à hipofosfatemia, além do que pode provocar episódios de hipercalcemia. Para corrigir o nanismo, o tratamento com vitamina D2 tem sido associado à ingestão diária de 1 a 4 g de fosfato inorgânico divididos em 5 doses (Glorieux et 96 94 al., 1972). Tal tratamento deve ser feito sob rigorosa supervisão médica, por causa da possibilidade de manifestação de hiperparatireoidismo e outras alterações. Fig. 9.4. Heredograma de parte de uma genealogia com pessoas que manifestavam raquitismo hipofosfatêmico (Winters et al., 1958). As mulheres II-10 e II-12 desse heredograma apresentavam apenas hipofosfatemia, sem sinais claros de raquitismo. PADRÃO DE HERANÇA RECESSIVA MONOGÊNICA LIGADA AO CROMOSSOMO X Nas genealogias com pessoas que manifestam heredopatias recessivas ligadas ao cromossomo X nota-se, do mesmo modo que naquelas que incluem indivíduos com anomalias recessivas autossômicas, que os anômalos são, quase sempre, filhos de genitores sem a anomalia. Contudo, diferentemente do que ocorre nessas últimas, os indivíduos com a anomalia são, quase sempre, do sexo masculino. Aliás, também na população, as heredopatias recessivas ligadas ao cromossomo X predominam nos indivíduos do sexo masculino. Isso está de acordo com a teoria genética, pois, se um gene freqüente A do cromossomo X, que não causa qualquer anomalia, originar, por mutação, um alelo raro a, tal mutante terá a oportunidade de se manifestar toda a vez que estiver presente em um indivíduo do sexo masculino (XaY), mesmo que só se expresse em homozigose nas pessoas do sexo feminino (XaXa). Por ser raro, o alelo a será encontrado nas pessoas do sexo feminino mais provavelmente no estado heterozigótico (XAXa). Em conseqüência disso, se tal mutante determinar uma anomalia, as pessoas que a manifestarão serão predominantemente do sexo masculino, isto é, os hemizigotos XaY (Figura 10.4). Se em uma genealogia ocorrer um anômalo XaY originado por mutação, ele será, evidentemente, um caso esporádico em sua família, isto é, ele não terá irmãos afetados pela anomalia que manifesta. Entretanto, se o indivíduo com a heredopatia recessiva ligada ao cromossomo X tiver sido gerado por uma mulher heterozigota (XAXa). haverá 50% de probabilidade de essa mulher dar origem a outro filho com a mesma anomalia. Isso acontece porque essas mulheres heterozigotas, casadas com homens normais (XAXa × XAY), podem gerar filhos XAY (normais) e XaY (anômalos) com a mesma probabilidade. Suas filhas, porém, serão todas normais (heterozigotas XAXa ou homozigotas XAXA, com a mesma probabilidade). É por isso que, nas 97
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