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Guias e Dicas
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gestão de sistemas de saúde, Notas de estudo de Políticas Públicas

Apostila para gestores em Saúde

Tipologia: Notas de estudo

2013

Compartilhado em 18/03/2013

lais-madalena-5
lais-madalena-5 🇧🇷

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Baixe gestão de sistemas de saúde e outras Notas de estudo em PDF para Políticas Públicas, somente na Docsity! —) | UT 4 be ce GestTÃoO DE SISTEMAS DE SAÚDE —] | segregar.pmá 1 9292009, 1256 PM | Dm UERJ Rei to ra Nilcéa Freire Vice-Reitor Celso Pereira de Sá INSTITUTO DE MEDICINA SOCIAL Dir e t o r João Regazzi Gerk Vice-Dire tora Jane Dutra Sayd segregar.pmd 9/29/2003, 12:56 PM2 S U M Á R I O SOBRE OS AUTORES .......................................................................................................... 7 APRESENTAÇÃO .................................................................................................................. 9 CONSTRUINDO O SUS: A LÓGICA DO FINANCIAMENTO E O PROCESSO DE DIVISÃO DE RESPONSABILIDADES ENTRE AS ESFERAS DE GOVERNO Renilson Rehem de Souza ...................................................................................... 15 PACTOS DE GESTÃO: DIVISÃO DE RESPONSABILIDADES ENTRE ESTADOS E MUNICÍPIOS NA DESCENTRALIZAÇÃO Maria Helena Carvalho Brandão Oliveira ...................................................... 59 TEXTOS NORMATIVOS X CONTEXTOS LOCAIS: ESTUDO DE CASO SOBRE OS DILEMAS DO PROCESSO DE DESCENTRALIZAÇÃO DA SAÚDE Lúcia de Fátima Nascimento de Queiroz ......................................................... 93 DISTRIBUIÇÃO ESPACIAL E ACESSO DA POPULAÇÃO AOS SERVIÇOS DE SAÚDE Gilvânia Westin Cosenza .....................................................................................133 MORTALIDADE HOSPITALAR NA REDE SUS: ESPELHO DOS ÓBITOS OCORRIDOS NA POPULAÇÃO BRASILEIRA? Tereza Cristina Lins Amaral ...............................................................................169 ANÁLISE DAS PRÁTICAS ASSISTENCIAIS NA ÁREA DE SAÚDE DA MULHER NAS EQUIPES DO PROGRAMA DE SAÚDE DA FAMÍLIA: UM ESTUDO DE CASO EM ESTADO SELECIONADO Heloiza Machado de Souza .................................................................................201 POLÍTICA DE MEDICAMENTOS DE ALTO CUSTO: O ATUAL PROGRAMA DE MEDICAMENTOS EXCEPCIONAIS Alberto Beltrame ......................................................................................................249 CENTROS COLABORADORES PARA A QUALIDADE DA GESTÃO E ASSISTÊNCIA HOSPITALAR: UMA EXPERIÊNCIA INOVADORA Marizete Almeida Silva ..........................................................................................281 UMA ANÁLISE DO PROCESSO DE IMPLANTAÇÃO DOS CENTROS DE REFERÊNCIA PARA O TRATAMENTO DA RETINOPATIA DIABÉTICA NA REDE DE SERVIÇOS DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE DO BRASIL EM 2000/2001 Ângela Maria Meira de Vasconcellos ...............................................................317 O PROCESSO DA REGULAMENTAÇÃO DA ASSISTÊNCIA SUPLEMENTAR NO BRASIL Paulo Henrique Ferreira de Melo .......................................................................355 segregar.pmd 9/29/2003, 12:56 PM5 —) | UT 4 be ce —] | segregar.pmá 6 9202008, 12:56 PM | Dm UERJ - INSTITUTO DE MEDICINA SOCIAL – 7 GESTÃO D E SI S T E M A S DE S AÚDE SOBRE OS AUTORES Alberto Beltrame Médico. Mestre em Administração em Saúde pelo Instituto de Medicina Social da UERJ. Ex-Diretor da Rede de Serviços de Saúde do Ministério da Saúde. Angela Maria Meira de Vasconcellos Arquiteta. Mestre em Administração em Saúde pelo Instituto de Medicina Social da UERJ. Ex-Assessora Técnica da Secretaria de Assistência à Saúde do Ministério da Saúde. Coordenadora Geral do Gabinete do Ministro da Saúde e Chefe de Gabinete do Ministério da Saúde – Substituta. Celia Regina Pierantoni Médica. Doutora em Saúde Coletiva pelo Instituto de Medicina So- cial da UERJ. Professora Adjunta do IMS/UERJ, Coordenadora do Mestrado Profissional. Cid Manso de Mello Vianna Engenheiro Químico. Doutor em Economia pelo Instituto de Economia da UFRJ. Professor Adjunto do IMS/UERJ, Coordenador do Programa de Pós-graduação e do Mestrado Profissional. Gilvânia Westin Cosenza Médica. Mestre em Administração em Saúde pelo Instituto de Medicina Social da UERJ. Ex-Assessora da Secretaria Executiva do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (CONASS). Assessora do Gabinete/Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde. Heloiza Machado de Souza Enfermeira. Mestre em Administração em Saúde pelo Instituto de Medi- cina Social da UERJ. Ex-Diretora do Departamento de Atenção Básica. Assessora do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (CONASS). segregar.pmd 9/29/2003, 12:56 PM7 10 – UERJ - INSTITUTO DE MEDICINA SOCIAL GESTÃO D E SI S T E M A S DE S AÚDE A necessidade de novas competências e a criação de novas ocupa- ções e especializações enfrentam, por outra via, interesses corporativos, tanto por parte das corporações mais organizadas como do sistema edu- cacional, o que afeta não só a velocidade, mas também a qualidade e a institucionalidade da incorporação dos novos perfis profissionais. No campo da saúde, a reforma do sistema, nos momentos relativos à definição constitucional do Sistema Único de Saúde, na década de 80; a definição macropolítica da reforma do Estado, na década de 90; a fixação de políticas relacionadas com a criação ou mudança do modelo assistencial (particularmente em meados da última década) e o fortaleci- mento das instâncias de participação social vêm gerando transforma- ções específicas em produtos, processos de trabalho e gestão para a área. Tais transformações fortalecem a necessidade de qualificação de quadros para o exercício dessa função. O Programa de Mestrado Profissional em Administração de Saúde do IMS/UERJ surgiu do desenvolvimento e consolidação de seu progra- ma de Pós-graduação em Saúde Coletiva e da experiência acumulada, desde 1976, com o Curso de Especialização (Pós-graduação lato sensu ) em Administração Hospitalar. Nessa área em particular, o movimento de transformação da gestão nas organizações de saúde pôde ser acompa- nhado por mudanças no perfil da clientela do curso: antes predominan- temente composta de médicos, incorporou progressivamente outros pro- fissionais da área de saúde. A realidade atual agrega, além desses pro- fissionais, aqueles com formação em administração e em áreas diversas, como engenharia, arquitetura, direito, informática, entre outras. Seu foco ampliou-se assim para além das unidades hospitalares, abrangendo a complexidade de sistemas e serviços de saúde. A diversidade da clientela, por outra via, promoveu o desenvolvimento e acúmulo de experiência no uso de metodologias de ensino-aprendizado voltadas para a valorização da experiência dos participantes, fertilizada com a de profissionais da área. Mais ainda, levou à criação de mecanismos de avaliação capazes de considerar a troca de experiências entre os alunos e a competência para o trabalho em equipe. O desenvolvimento do Programa de Mestrado Profissional em Admi- nistração de Saúde e na área de Saúde Coletiva representa desafio cons- tante para as instituições de ensino e de serviço, que só poderá ser con- solidado a partir de discussões e aprendizados mútuos. Exige audácia para o novo e o reconhecimento dos limites e possibilidades dos campos da educação e do trabalho, na formação e na produção de conhecimento. segregar.pmd 9/29/2003, 12:56 PM10 UERJ - INSTITUTO DE MEDICINA SOCIAL – 11 GESTÃO D E SI S T E M A S DE S AÚDE Os cursos, criados em 2000, além de proverem uma sistematização de conhecimentos relativos à área, têm sido importante estímulo para o desenvolvimento e disseminação de pesquisas nos serviços de saúde. Mais ainda, pela possibilidade de troca de experiências entre os alunos, favorecem o desenvolvimento institucional entre as esferas da gestão, também qualificando os processos de reflexão e avaliação, a partir de acúmulos sistematizados de conhecimentos teóricos aplicados à prática das organizações de serviços de saúde. Do ponto de vista acadêmico, esses cursos são importante facilitador na sistematização de conhecimentos e avaliação dos processos relacio- nados ao campo da gestão e das políticas públicas. Aproximam os cam- pos teóricos de produção de conhecimento da área de Saúde Coletiva com a prática e a dinâmica observadas na gestão dessas políticas. São um desafio para docentes e alunos: para os primeiros, pela adaptação de conteúdos dos diversificados campos de conhecimentos à expertise prática dos alunos; para estes, pela retomada de hábitos de leitura e reflexão daqueles campos de conhecimento por vezes não exercida devi- do à prontidão das demandas cotidianas da gestão do sistema de saúde. Assim, esta coletânea apresenta textos selecionados pelos organizadores, de forma aleatória, a partir dos temas apresentados nas dissertações de conclusão do Mestrado Profissional. No primeiro bloco, os estudos refletem o registro e a análise de questões relativas à implementação da política e seus aspectos normativos, o processo de descentralização, os avanços e dificuldades da capacidade gestora de níveis subnacionais, a distribuição espacial e o acesso da população ao sistema, além de limites e possibilidades de utilização mais abrangente de sistemas de informação vigentes. Os artigos do bloco seguinte abor- dam temas relativos à avaliação de programas e implementação de polí- ticas em áreas específicas. O primeiro texto analisa o financiamento e a divisão de responsabi- lidades entre os níveis de governo no processo de implantação do SUS. Destaca que o SUS começou a ser implantado como uma estratégia que buscou dar caráter universal à cobertura das ações de saúde, até então proporcionada pelo INAMPS para seus beneficiários. Foi desenvolvido a partir da hipótese de que, ao se adotar a lógica de um “INAMPS uni- versal” dentro de um modelo de federalismo que não define claramente os limites entre seus entes, determinou-se o modelo de financiamento que, por sua vez, produziu a estratégia de organização do novo sistema. O texto seguinte apresenta uma reflexão sobre alguns instrumentos criados para operacionalizar a estratégia de descentralização do SUS, segregar.pmd 9/29/2003, 12:56 PM11 12 – UERJ - INSTITUTO DE MEDICINA SOCIAL GESTÃO D E SI S T E M A S DE S AÚDE enfocando sobretudo a divisão de responsabilidades que se estabele- ceu entre estados e municípios durante a vigência da NOB-SUS 01/96. Para examinar as relações entre estados e municípios, avalia os pactos interesferas governamentais mediados direta ou indiretamente pelas Normas Operacionais. Analisa fatores relacionados ao processo de cri- ação de capacidade gestora no nível subnacional e às estratégias de superação e de enfrentamento das dificuldades relativas à formulação descentralizada das políticas de saúde. O terceiro texto aborda a questão da distribuição espacial e o acesso da população aos serviços de saúde. Discute os conceitos de eqüidade e acesso como uma de suas vertentes, avaliando a oferta de serviços de saúde no Brasil na década de 90, especialmente os serviços públicos, no que se refere à sua distribuição espacial e como a população perce- be o acesso às unidades de saúde. O estudo seguinte verifica a possibilidade de uso do Sistema de Informações Hospitalares do SUS (SIH/SUS) em perspectiva mais abrangente, via comparação dos óbitos registrados no SIH/SUS e no Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), no sentido de analisar se o perfil da mortalidade hospitalar na rede SUS reflete os óbitos ocor- ridos na população brasileira. Observa que ainda há grande variação em relação à compatibilidade e à consistência dos dados brutos aportados no SIH/SUS e no SIM, apontando para a necessidade de ajustes, maior controle e avaliação das informações prestadas. O sexto tema analisa as práticas assistenciais relativas à área de saúde da mulher nas equipes do Programa de Saúde da Família e o contexto de sua implantação, tendo como base estudo realizado em um estado previamente selecionado. A política brasileira de medicamentos é abordada a seguir, nos aspectos relativos à assistência farmacêutica de alto custo no país e, particularmente, ao processo de gerenciamento do chamado Programa de Medicamentos Excepcionais. O texto focaliza o comportamento do mercado farmacêutico, a regulação da atividade, a capacidade gestora do Ministério da Saúde e dos estados, e o acesso da população a medi- camentos de alto custo. A seguir, a experiência de implantação do Programa Centros Colabora- dores para a Qualidade da Gestão da Assistência Hospitalar é apresentada e identificada em seus objetivos, a saber: permitir o intercâmbio de conheci- mento e de tecnologia entre instituições hospitalares distintas para formar hospitais capacitados a gerenciar racionalmente os recursos disponíveis. segregar.pmd 9/29/2003, 12:56 PM12 UERJ - INSTITUTO DE MEDICINA SOCIAL – 15 CONSTRUINDO O SUS: A LÓGICA DO FINANCIAMENTO E O PROCESSO DE DIVISÃO DE RESPONSABILIDADES ENTRE AS ESFERAS DE GOVERNO Renilson Rehem de Souza 1. INTRODUÇÃO A Constituição Federal brasileira de 1988 redefiniu o modelo de pro- teção social adotando o conceito de Seguridade Social, integrada pelo conjunto das ações referentes a saúde, previdência e assistência social. No campo das políticas sociais, é dever do Estado assegurar a todos os cidadãos o direito à educação e à saúde (Brasil, 1988). Para assegurar esse direito, na área da saúde, a Constituição determinou a implantação do Sistema Único de Saúde (SUS), estruturado de forma descentralizada, hierarquizada e regionalizada, de acesso universal. Embora o parágrafo único do art. 198 da Constituição Federal defina que “o Sistema Único de Saúde será financiado, nos termos do art. 195, com recursos do orçamento da seguridade social, da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios, além de outras fontes”, tem havido, ao longo do processo de implantação do SUS, ênfase na partici- pação da União. Parte-se do pressuposto de que esse entendimento tem influenciado de forma decisiva o processo de implantação do SUS. Um dos fatores determinantes desse entendimento é, provavelmente, o papel desempenhado pelo Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (INAMPS), por meio do Programa de Desenvolvimento de Sistemas Unificados e Descentralizados de Saúde nos Estados (SUDS), no período imediatamente anterior à aprovação da Lei nº 8.080 e que continuou no início da implantação do SUS. O SUDS foi uma iniciativa do próprio INAMPS, no sentido de universalizar sua assistência, que até então beneficiava apenas os trabalhadores da economia formal e seus dependentes. Na análise deste processo, é importante destacar que o SUS come- çou a ser implantado por meio de uma estratégia que buscou dar caráter universal à cobertura das ações de saúde, até então proporcionada pelo INAMPS para seus beneficiários. A nossa hipótese é que, ao se adotar a lógica de um “INAMPS uni- versal” sobre um modelo de federalismo que não define claramente os limites entre seus entes, determinou-se o modelo de financiamento que, por sua vez, determinou a estratégia de organização do novo sistema. segregar.pmd 9/29/2003, 12:56 PM15 16 – UERJ - INSTITUTO DE MEDICINA SOCIAL GESTÃO D E SI S T E M A S DE S AÚDE Por outro lado, o Ministério da Saúde, na condição de gestor nacio- nal do sistema, se comporta de maneira ambivalente entre garantir um processo de transição sem “rupturas bruscas que ponham em risco o funcionamento do sistema” (NOB-SUS 93) e a manutenção de um pro- cesso que mais significa a universalização do INAMPS. Essa posição do MS é fortalecida por sua inadequada divisão de trabalho, que fraciona de modo excessivo as áreas da saúde, com sérias implicações no pro- cesso de financiamento e, por mais que se rejeite, reforça o componente assistencial, particularmente aquele de alta complexidade. Estes fatos nos fazem supor que os gestores, tanto nacional, como estaduais e municipais, não assumiram efetivamente sua parcela de res- ponsabilidade no sistema, o que nos leva a indagar, em que pese o avanço do SUS, se o processo desenvolvido até a NOB 96 foi a efetiva implantação do SUS, ou se tratou de um contínuo aperfeiçoamento do Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde (SUDS). As significativas alterações ocorridas no processo de implantação do SUS ao longo dos últimos dez anos fazem com que, para se entender o atual momento, seja necessário rever a origem e a própria história da reorganização do sistema de saúde, dado que é no entrecruzamento entre a implantação do novo sistema e a preservação de estruturas organizacionais e de financiamento antigas que se define a lógica de implantação do SUS. 2. METODOLOGIA O objeto deste estudo – o financiamento e a divisão de responsabili- dades entre os níveis de governo no processo de implantação do Sistema Único de Saúde – é histórico porque se desenvolve numa sociedade humana, que existe em determinado espaço, cuja formação social e confi- guração são específicas. De acordo com Minayo (1994), vivem o presente marcado pelo passado e projetado para o futuro, num embate constante entre o que está dado e o que está sendo construído. É uma questão social, pois a provisoriedade, o dinamismo e a especificidade são suas características fundamentais. O trabalho foi desenvolvido como um estudo exploratório que, segundo Gil (1996), tem como objetivo proporcionar maior familiarida- de com um problema, com vistas a torná-lo mais explícito ou a construir hipóteses. Frente à necessidade de considerar diversos aspectos relati- vos ao nosso objeto de estudo e objetivos, e que dizem respeito a sua implantação e financiamento, entendemos que esse tipo de pesquisa é bastante flexível e possibilitou a construção da nossa hipótese. segregar.pmd 9/29/2003, 12:56 PM16 UERJ - INSTITUTO DE MEDICINA SOCIAL – 17 GESTÃO D E SI S T E M A S DE S AÚDE Assume a forma de pesquisa documental, pois foi desenvolvido a partir de material já elaborado, constituído daqueles que ainda não re- ceberam tratamento analítico: documentos impressos para um determi- nado público, textos legais, tais como leis, portarias etc. Há ainda docu- mentos de segunda mão, que de alguma forma já foram analisados, tais como relatórios de pesquisa, tabelas estatísticas etc. (Gil, 1996). O processo de análise foi realizado conjuntamente com a interpretação dos dados, que consistiu em estabelecer a ligação entre os achados com outros resultados conhecidos e também na vivência profissional do autor. 3. ANÁLISE E RESULTADOS 3.1. ANTECEDENTES DO SUS Antes da criação do Sistema Único de Saúde, o Ministério da Saúde, com apoio dos estados e municípios, desenvolvia quase que exclusiva- mente ações de promoção da saúde e prevenção de doenças, com des- taque para as campanhas de vacinação e controle de endemias. Todas essas ações eram desenvolvidas com caráter universal, ou seja, sem nenhum tipo de discriminação com relação à população beneficiária. Na área de assistência à saúde, o MS atuava apenas por meio de alguns poucos hospitais especializados, nas áreas de psiquiatria e tuberculose, além da ação da Fundação de Serviços Especiais de Saúde Pública (FSESP), em algumas regiões específicas, com destaque para o interior das regiões Norte e Nordeste. A chamada assistência médico-hospitalar era prestada à parcela da população definida como indigente, por alguns municípios e estados e, principalmente, por instituições de caráter filantrópico. Essa população não tinha assegurado nenhum direito de acesso a serviços assistenciais e a assistência que recebia era uma forma de caridade. A grande atuação do poder público nessa área se dava através do Instituto Nacional de Previdência Social (INPS). O INPS foi o resultado da fusão, em 1966, dos Institutos de Aposentadorias e Pensões que, em 1978, por meio da Lei do SINPAS (Sistema Nacional de Previdência e Assistência Social), foi desdobrado em Instituto de Administração da Previdência Social (IAPAS), Instituto Nacional de Previdência Social (INPS) e Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Soci- al (INAMPS). Este tinha a responsabilidade de prestar assistência à saúde de seus associados, o que justificava a construção de grandes unidades de atendimento ambulatorial e hospitalar, como também a segregar.pmd 9/29/2003, 12:56 PM17 20 – UERJ - INSTITUTO DE MEDICINA SOCIAL GESTÃO D E SI S T E M A S DE S AÚDE crise que já se abatia sobre o INAMPS, essa medida significou grande melhoria nas condições de acesso dessa população aos serviços de saúde, particularmente na área hospitalar. “Tais medidas atraíram grande sim- patia da opinião pública em geral e de alguns grupos específicos de trabalhadores, como os rurais, que até então estavam submetidos a muitas dessas restrições” (Levcovitz, 1997). Esse processo culminou com a publicação do Decreto nº. 94.657, de julho de 1987, que cria o Programa de Desenvolvimento de Sistemas Unificados e Descentralizados de Saúde nos Estados (SUDS). O progra- ma foi implementado por meio da celebração de convênios entre o INAMPS e os governos estaduais. A fase inicial de implantação do SUDS, cujos primeiros convênios entre o INAMPS e as SES foram firmados já em 1987, caracteriza-se pela inexistência de uma normatização detalhada. “Somente em 1988 o SUDS adquiriu uniformidade jurídico-legal, através do Convênio-padrão SUDS 01/88. Este instrumento de relacionamento entre as esferas de governo induz uma estratégia de estadualização da gestão do sistema, pela trans- ferência de funções federais e pelo destaque dado à CIS” (Levcovitz, 1997). Em junho de 1988, o INAMPS publica a Norma Operacional Básica do Programa de Desenvolvimento de Sistemas Unificados e Descentralizado de Saúde nos Estados (NOB/SUDS), que estabelece instruções aos servi- dores do INAMPS responsáveis pela análise dos Planos de Aplicação de Recursos de Convênio e das prestações de contas correspondentes. O SUDS teve como principais objetivos a unificação dos sistemas (Ministério da Saúde e INAMPS - Ministério da Previdência e Assistência Social) e a conseqüente universalização da cobertura e descentralização. Em janeiro de 1989, nas palavras do Secretário-geral do MPAS, o SUDS é apresentado como “o precursor – por que não dizer viabilizador – do próprio texto constitucional: o Sistema Único de Saúde, preconiza- do nos artigos 196 a 200 da Carta Magna” (Brasil/MPAS, 1989). No período SUDS (1987/89), as mudanças ocorridas na esfera fede- ral tiveram como executores os estados da União. Essa questão é impor- tante para a discussão do processo de divisão de responsabilidades ocorrida durante a implantação do SUS. As iniciativas apresentadas de- monstram que começa a se construir no Brasil um sistema de saúde descentralizado e com tendência à cobertura universal, mesmo antes da aprovação da Lei nº 8.080, que instituiu o SUS. Isto foi motivado, por um lado, pela crescente crise de financiamento do modelo de assistência segregar.pmd 9/29/2003, 12:56 PM20 UERJ - INSTITUTO DE MEDICINA SOCIAL – 21 GESTÃO D E SI S T E M A S DE S AÚDE médica da Previdência Social e, por outro, à grande mobilização políti- ca dos trabalhadores da saúde, de centros universitários e de setores organizados da sociedade, que constituíam o então denominado “Movi- mento da Reforma Sanitária”, que teve seu auge na VIII Conferência Nacional de Saúde, no contexto da redemocratização do país. A Constituição Federal de 1988 determinou a implantação do Siste- ma Único de Saúde (SUS), estruturado de forma descentralizada, hierarquizada e regionalizada, de acesso universal. O Parágrafo Único do Art. 198 diz: “O sistema único de saúde será financiado, nos termos do art. 195, com recursos do orçamento da seguridade social, da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios, além de outras fon- tes”. Esta questão é de extrema importância, pois em todo debate sobre o financiamento do SUS, a ênfase é dada na participação da União, como se esta fosse a única responsável pelo mesmo. Um dos fatores determinantes desse entendimento é, provavelmente, o papel do INAMPS no início do SUS, como veremos mais adiante. Um aparente passo significativo na direção do cumprimento da defi- nição constitucional de construção do Sistema Único de Saúde foi a publicação do Decreto nº. 99.060, de 7 de março de 1990, que transferiu o Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (INAMPS) do Ministério da Previdência para o Ministério da Saúde. Por- tanto, anterior à promulgação da Lei nº 8.080, que só ocorreu em setem- bro do mesmo ano. No entanto, como procuraremos demonstrar aqui, a presença do INAMPS na estrutura do Ministério da Saúde e seu uso como base para a implantação do SUS levou a um caminho que pode ter dificultado essa implantação. A Lei nº 8.080 institui o Sistema Único de Saúde, com comando único em cada esfera de governo e define o Ministério da Saúde como gestor no âmbito da União. A Lei, no seu Capítulo II – Dos Princípios e Diretrizes, Art. 7º, estabelece, entre os princípios do SUS, a “universalidade de acesso aos serviços de saúde em todos os níveis de assistência”. A Lei nº 8.142, de dezembro de 1990, dispõe sobre a participação da comunidade na gestão do SUS e sobre as t ransferências intergovernamentais de recursos financeiros na área da saúde. Com relação à participação da comunidade, institui, em cada esfera de governo, a Conferência de Saúde e o Conselho de Saúde. No que se refere ao financiamento, detalha de modo significativo a participa- ção da União e, com relação às demais esferas de governo, apenas segregar.pmd 9/29/2003, 12:56 PM21 22 – UERJ - INSTITUTO DE MEDICINA SOCIAL GESTÃO D E SI S T E M A S DE S AÚDE faz referência à obrigatoriedade de contrapartida dos mesmos, que é definida como condição para o recebimento dos recursos federais por parte de estados e municípios. No seu artigo terceiro, estabelece que “os recursos serão repassados de forma regular e automática para os municípios, estados e Distrito Federal (...)”. Vai além, ao definir que 70% desses recursos deverão ser destinados aos municípios. 3.2. AS FUNÇÕES GESTORAS E AS ATRIBUIÇÕES DE CADA NÍVEL DE GOVERNO NO SUS Conforme mencionado anteriormente, o Sistema Único de Saúde é, por definição constitucional, um sistema público de saúde, nacional e de caráter universal, baseado na concepção de saúde como direito de cida- dania, na noção de unicidade e ao mesmo tempo nas diretrizes organizativas de descentralização, com comando único em cada esfera de governo; integralidade do atendimento e participação da comunidade. A implementação desse sistema, particularmente no que diz respei- to ao processo de descentralização e definição do papel de cada esfera de governo, é condicionada por e deve considerar o enfrentamento de, ao menos, três questões gerais: as acentuadas desigualdades existentes no país; as especificidades dos problemas e desafios na área da saúde; as características do federalismo brasileiro. Pode-se dizer que, de certa forma, houve na implementação das po- líticas de saúde nos anos 90 esforço no sentido de construir um modelo federativo na saúde, seja através das tentativas de definição do papel de cada esfera no sistema, seja através da criação de estruturas e mecanis- mos institucionais específicos de relacionamento entre os gestores do SUS e destes com a sociedade. Os gestores do SUS são os representan- tes de cada esfera de governo designados para o desenvolvimento das funções do Executivo na saúde, a saber: o Ministro de Saúde, o Secretário de Estado de Saúde e o Secretário Municipal de Saúde. Esses gestores devem atuar em dois âmbitos, bastante imbricados: o âmbito político e o âmbito técnico . A atuação política do gestor do SUS, norteada pela concepção da saúde como direito e pelo interesse público, também se consubstancia na permanente interação e relacionamento com outros atores do jogo democrático, tais como: o chefe eleito do Executivo respectivo que o designou; outros Ministros/Secretários; o Ministério Público; representantes do Poder Legislativo; do Poder Judiciário; prestadores de serviços; servidores públicos do setor saúde; profissio- nais de saúde; cidadãos usuários do SUS; representantes de entidades segregar.pmd 9/29/2003, 12:56 PM22 UERJ - INSTITUTO DE MEDICINA SOCIAL – 25 GESTÃO D E SI S T E M A S DE S AÚDE Ou seja, adotou-se como estratégia para a implantação do SUS a universalização do INAMPS. Várias foram as conseqüências dessa “preservação”: a manutenção de uma Tabela Nacional de Procedimentos e sua utilização como instru- mento de financiamento, pelo MS, de serviços e ações de saúde execu- tadas por estados e municípios; o processamento das informações e dos pagamentos realizados de modo centralizado; a realização de auditoria federal em prestadores de serviços, já sob a gestão dos estados; a con- servação do modo de relação com médicos autônomos (tipo 7), etc. Mas uma das mais importantes conseqüências foi, no início da im- plantação do SUS, o estabelecimento, pelo MS, de limites físicos e finan- ceiros para as Unidades Federadas na lógica do INAMPS e que garantiria a manutenção da situação até então vigente. Ou seja, o SUS não adota uma lógica própria para distribuição dos recursos financeiros destinados a custear a assistência à saúde de toda a população, o que significaria grande remanejamento de recursos entre os estados. A primeira alocação de recursos feita em 1991, pelo MS, agora gestor federal do SUS, baseou-se fundamentalmente nos gastos do INAMPS e carregou consigo imensa desigualdade na divisão dos recursos entre os estados, pois, agora, a assistência passava a ter caráter universal. Isto se evidencia nas Portarias n° 19 e 20, de 08/01/91, do Secretário Nacional de Assistência à Saúde do MS, que à época acumulava a Pre- sidência do INAMPS. Como se pode verificar na Tabela 2, no estabelecimento do limite de recursos para a assistência hospitalar (Portaria nº. 19), foram definidos quantitativos de AIH diferenciados entre os estados, que variavam de 5,0 internações para cada 100 habitantes/ano (estado de Roraima), até 12,84 para o estado do Tocantins, com uma média Brasil de 10,05. Claro está que essa distribuição não se baseava nas necessidades de assistên- cia hospitalar das respectivas populações e sim na série histórica de gastos do INAMPS. Nessa portaria são definidos quantitativos de AIH acima da mé- dia nacional, para os estados de Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, São Paulo, Goiás, Paraíba, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Paraná e Tocantins. Constata-se que entre os onze estados estão os três da Região Sul, três dos quatro da Região Sudeste, três da Região Centro-Oeste e apenas um da Região Nordeste e um da Região Norte. segregar.pmd 9/29/2003, 12:56 PM25 26 – UERJ - INSTITUTO DE MEDICINA SOCIAL GESTÃO D E SI S T E M A S DE S AÚDE Tabela 2 Distribuição do Quantitativo de AIH por UF (Brasil, 1991) Fonte: Portaria n° 19, de 08 de janeiro de 1991, do Secretário Nacional de Assistência à Saúde do Ministér io da Saúde, que à época acumulava a Presidência do INAMPS. Além da diferença quanto ao quantitativo de AIH, o volume de re- cursos por estado variava também em função do custo médio da AIH, que depende do nível de concentração de recursos assistenciais de maior tecnologia, presentes em maior proporção nos estados mais ricos. A Portaria nº 20, ao estabelecer o limite de recursos para a assistên- cia ambulatorial, define valores diferenciados de Unidade de Cobertura segregar.pmd 9/29/2003, 12:56 PM26 UERJ - INSTITUTO DE MEDICINA SOCIAL – 27 GESTÃO D E SI S T E M A S DE S AÚDE Ambulatorial (UCA) para os diversos estados, baseados também, den- tre outros critérios, em capacidade instalada e série histórica de gasto realizado pelo INAMPS. O valor da UCA variava entre CR$ 1.200,00 e CR$ 3.200,00, ou seja, uma variação de 266,66%. Com o menor valor (CR$ 1.200,00) se encontravam todos os estados da Região Norte (TO, RO, AP, AC, PA, RR e AM), três estados da Região Nordeste (PI, SE e MA) e dois estados da Região Centro-Oeste (MT e MS). Com valores intermediários, tínhamos: CR$ 1.600,00 (PE, PB, SC e MG); CR$ 2.000,00 (ES, BA, AL, RN e DF); CR$ 2.400,00 (GO, RJ, CE e PR). E com os maiores valores, os estados do Rio Grande do Sul, com CR$ 2.800,00, e São Paulo, com CR$ 3.200,00. Também em janeiro de 1991, o Presidente do INAMPS, por meio da Resolução nº. 258, institui a Norma Operacional Básica do SUS – NOB/ SUS 91, que “trata da nova política de financiamento do Sistema Único de Saúde – SUS para 1991”. É importante destacar dois aspectos: o fato de esse primeiro ato normativo da implantação do SUS ser assinado pelo presidente do INAMPS, embora o INAMPS já tivesse sido transferido para o Ministério da Saúde e, com a provação da Lei nº 8.080, o mesmo não ser mais o responsável pela assistência à saúde, e que esse se refira especifica- mente ao financiamento, embora fosse apenas para aquele ano. Santos (1991) critica severamente o papel assumido pelo INAMPS no financiamento do SUS e na sua normatização: “O INAMPS revigora a polí- tica do centralismo federal, ou seja, considera como (sua) a competência para prestar serviços de assistência médico-hospitalar (ainda que a Cons- tituição Federal e a Lei Orgânica da Saúde tenham disposto de forma diferente) e dá ‘um crédito de confiança aos Municípios e Estados’ para executarem serviços seus. É de se mencionar, também, que não há mais como alocar recursos para serviços de assistência à saúde no orçamento do INAMPS, uma vez que não lhe cabe mais prestar serviços”. Em julho do mesmo ano, o Secretário Nacional de Assistência à Saú- de, que à época acumulava a Presidência do INAMPS, por meio da Re- solução nº. 273, reedita, com alterações, a Norma Operacional Básica do SUS (NOB-SUS 91). Vale destacar que, enquanto nos considerandos da primeira versão só se fazia referência aos fundamentos legais, nessa versão se acrescenta: “Considerando propostas do CONASS, CONASEMS e outros setores da sociedade organizada que atuam na área da saúde como profissionais, prestadores de serviços e usuários”. Assim, pode-se segregar.pmd 9/29/2003, 12:56 PM27 30 – UERJ - INSTITUTO DE MEDICINA SOCIAL GESTÃO D E SI S T E M A S DE S AÚDE • PLANO MUNICIPAL DE SAÚDE – será a base das atividades e programação da Secretaria Municipal de Saúde e seu financia- mento será previsto na proposta orçamentária da Secretaria. • RELATÓRIOS DE GESTÃO – deverão permitir o acompanhamen- to, pelo Ministério da Saúde, através de seu sistema de auditoria, do executado em relação à programação aprovada da aplicação dos recursos repassados ao município. • CONTRAPARTIDA DE RECURSOS PARA A SAÚDE NO RESPECTI- VO ORÇAMENTO – deve ser comprovada pela publicação, no Di- ário Oficial do Município, da destinação global orçamentária. É recomendável que se observe a evolução dos recursos destinados à saúde no orçamento do município e que se estabeleça uma meta a ser alcançada de, aproximadamente, 10% do orçamento. • COMISSÃO DE ELABORAÇÃO DO PLANO DE CARREIRA, CAR- GOS E SALÁRIOS (PCCS), previsto o prazo de dois anos para a sua implantação. Ainda conforme a NOB-SUS 01/91, cabe ao estado controlar a manu- tenção do cumprimento de tais quesitos, “podendo até, em casos extre- mos, solicitar a rescisão do Convênio de Municipalização” (grifo nosso). Aqui se explicita uma contradição, ao se utilizar o convenio como instru- mento de implantação de um direito e dever do município, definido na Constituição Federal. Por outro lado, fica evidente a tentativa de obter a participação dos municípios no financiamento do SUS, o que não se con- cretiza, pelo menos no que se refere à explicitação desses valores. Em 20 de maio de 1993, o Ministro da Saúde assina a Portaria MS nº. 545, que estabelece normas e procedimentos reguladores do processo de descentralização da gestão das ações e serviços de saúde, através da NOB-SUS 01/93. Na apresentação, diz: “a transformação do sistema de saúde não comporta rupturas bruscas que desorganizem as práticas atu- ais antes que se instaurem novas, impondo, por isso, um período de transição no qual medidas de caráter inovador devem ser instituídas em todos os estados e municípios em intensidade compatível com sua pró- pria vontade e capacidade de absorção de responsabilidades gerenciais e políticas, de modo a evitar solução de continuidade na atenção à saú- de da população”. Aqui parece se assumir a dificuldade de abandonar a estrutura e a lógica do INAMPS como base para a implantação do SUS. Essa NOB, pela primeira vez, estabelece critérios para a definição de tetos financeiros por estado, separando recursos ambulatoriais e segregar.pmd 9/29/2003, 12:56 PM30 UERJ - INSTITUTO DE MEDICINA SOCIAL – 31 GESTÃO D E SI S T E M A S DE S AÚDE hospitalares, e prevê repasse desses recursos mensalmente, mas não estabelece o mecanismo. Este só foi criado por meio do4 Decreto nº. 1.232, em agosto de 1994, que dispõe sobre as condições e formas de repasse regular e automático de recursos do Fundo Nacional de Saúde para os fundos estaduais, municipais e do Distrito Federal. Com relação ao “Gerenciamento do processo de descentralização”, a NOB-SUS 01/93 inova, ao instituir as Comissões Intergestores Tripartite e Bipartite como espaços formais de pactuação política. No item 4, esta- belece as condições de gestão, sendo para os municípios: condição de gestão incipiente, condição de gestão parcial e condição de gestão semiplena. E para os estados estabelece: condição de gestão parcial e condição de gestão semiplena. Porém a manutenção do INAMPS e de sua lógica de financiamento não evitou que, a partir de maio de 1993, portanto pouco antes da sua extinção (em 27 de julho de 1993), o Ministério da Previdência Social deixasse de repassar para o Ministério da Saúde recursos da Previdên- cia Social (ou seja, produto do recolhimento com base na folha salari- al), criando enorme defasagem entre a nova responsabilidade constitu- cional e a disponibilidade orçamentária. Para que se possa ter idéia do significado dessa medida, vale apresentar os valores da execução orçamentária do MS em 1992. O valor total do orçamento executado pelo MS naquele ano foi de Cr$ 30.909.149.340.100,00, sendo Cr$ 23.175.035.438.000,00 pelo INAMPS e por toda a administração direta do MS. INAN, CEME, FUNASA e FIOCRUZ executaram os Cr$ 7.734.113.802.100,00 restantes. Ou seja, o orçamento do INAMPS naquele ano correspondia a aproximadamente 75% do orçamento total do MS. Do orçamento total do INAMPS, Cr$ 11.379.749.421.000,00 tinham como fonte a transferência do MPAS, ou seja, aproximadamente 50%. Dessa forma, a suspensão do repasse de recursos por parte do MPAS significou redução do orçamento do INAMPS à metade e uma redução do orçamento do MS em mais de 36%. Os anos seguintes foram de grandes dificuldades para o SUS, pela falta de recursos e de definição de fontes alternativas para financiamen- to. Essa situação só começou a ser resolvida a partir de 1997, com a aprovação da Lei nº 9.311, de outubro de 1996, que instituiu a CPMF. O período de grave crise no financiamento marcou o processo de implantação do SUS, principalmente a postura de estados e municípios, que assim buscaram manter uma relação de compra e venda de serviços com o Ministério da Saúde como forma de garantir a continuidade do segregar.pmd 9/29/2003, 12:56 PM31 32 – UERJ - INSTITUTO DE MEDICINA SOCIAL GESTÃO D E SI S T E M A S DE S AÚDE financiamento. Sendo estados e municípios prestadores de serviços para o Ministério da Saúde, este estaria obrigado a financiar a prestação de serviços. Desta forma, mesmo extinto, o INAMPS servia como modelo para o financiamento do novo sistema. É importante referir que essa manutenção não se deu por imposição do MS, mas pela necessidade, sentida por estados e municípios, de obter garantia na continuidade do financiamento iniciado pelo INAMPS por meio do SUDS. Em outubro de 1994, o Ministro da Saúde publicou a Portaria nº. 1.827, determinando à Secretaria de Assistência à Saúde (SAS) que definisse “os tetos financeiros de cada estado relativos ao custeio das atividades de assistência ambulatorial e hospitalar”. A SAS definiu a alocação de R$ 7.042.722.456,00 para assistência à saúde, estabelecendo, em uma portaria para cada estado (Portarias de n°. 172 a 198, de 31 de outubro de 1994), o respectivo teto financeiro (Tabela 3). Essa portaria, no parágrafo primeiro, do artigo primeiro, define: “Os tetos financeiros serão utilizados para a cobertura das atividades hospitalares (SIH/SUS) e ambulatoriais, incluindo o fornecimento de ciclosporina e eritopoitina, órteses e próteses ambulatoriais (SIA /SUS); programa de agentes comunitários; programa de interiorização e pro- grama de saúde da família”. Portanto, esses recursos eram também destinados para cobrir as despesas com ações que atualmente são definidas como de Atenção Básica. segregar.pmd 9/29/2003, 12:56 PM32 UERJ - INSTITUTO DE MEDICINA SOCIAL – 35 GESTÃO D E SI S T E M A S DE S AÚDE Quanto ao financiamento, a NOB-SUS 96 estabelece, no item 10 (Fi- nanciamento das Ações e Serviços de Saúde), no subitem 10.3 (Transfe- rências Intergovernamentais e Contrapartidas): “as transferências, regu- lares ou eventuais, da União para estados, municípios e Distrito Federal estão condicionadas à contrapartida destes níveis de governo (grifo nos- so), em conformidade com as normas legais vigentes”. Mais uma vez se registra a tentativa de contar com a participação de estados e municípi- os no financiamento do SUS. E mais uma vez não se obtém sucesso, pelo menos quanto à explicitação dos valores. No subitem 10.4 (Tetos Financeiros dos Recursos Federais), estabelece: “Os recursos de custeio da esfera federal, destinados às ações e serviços de saúde, configuram o Teto Financeiro Global (TFG), cujo valor, para cada estado e cada muni- cípio, é definido com base na PPI (Programação Pactuada Integrada). O teto financeiro do estado contém os tetos de todos os municípios, habilitados ou não a qualquer uma das condições de gestão. O Teto Financeiro Global do Estado (TFGE) é constituído, para efeito desta NOB, pela soma dos Tetos Financeiros da Assistência (TFA), da Vigilân- cia Sanitária (TFVS) e da Epidemiologia e Controle de Doenças (TFECD)”. No item 12 (Custeio da Assistência Hospitalar e Ambulatorial), institui o Piso Assistencial Básico (PAB), que, como detalharemos mais adiante, se constitui na primeira grande mudança na lógica de alocação de recursos federais. No item 15, estabelece as condições de gestão do município em Gestão Plena da Atenção Básica e Gestão Plena do Sistema Municipal. No item 16, estabelece as condições de gestão do estado em Gestão Avan- çada do Sistema Estadual e Gestão Plena do Sistema Estadual. Com relação às condições de gestão, tanto de estados quanto de municípios, pretende concluir o processo de transição, ao abandonar condição “incipiente” e “semi” para adotar o conceito de “gestão plena”. Todo o ano de 1997 foi consumido pela negociação do MS com esta- dos e municípios, tendo como espaço as reuniões da CIT. O principal ponto desse longo processo de negociação foi a definição do valor per capita a ser adotado para o PAB, já que estados e municípios pretendi- am obter o maior volume possível de recursos federais novos a serem somados àqueles que já eram gastos por meio da remuneração da pres- tação de serviços, tendo por base a tabela do SIA. Apenas a partir de março de 1998, com a edição da Portaria n° 2.121/ GM, é implantado o Piso da Atenção Básica (PAB) e, em decorrência, segregar.pmd 9/29/2003, 12:56 PM35 36 – UERJ - INSTITUTO DE MEDICINA SOCIAL GESTÃO D E SI S T E M A S DE S AÚDE dá-se a subdivisão dos recursos federais transferidos para estados e municípios para o custeio da assistência em Atenção Básica e Assistên- cia de Média e Alta Complexidade Ambulatorial e Hospitalar. O PAB de cada município, que é calculado tendo por base um valor per capita, é transferido de forma automática “fundo a fundo”, mudando a forma anterior de financiamento por prestação de serviços e passando para uma lógica de transferência de recursos em troca de o município assumir a responsabilidade sanitária por esse nível de atenção. Vale destacar que, enquanto os recursos do PAB fixo são transfe- ridos tendo por base o valor per capita, o valor do PAB variável depende da adesão do município a programas prioritários definidos pelo Ministério da Saúde, tais como os Programas de Agentes Comu- nitários de Saúde, de Saúde da Família e de Combate às Carências Nutricionais e a ações estratégicas, como a Farmácia Básica e as Ações Básicas de Vigilância Sanitária. Com a Portaria GM/MS n° 2.121 (março de 1998), o Ministério da Saúde concretizou o primeiro e significativo passo para a construção de um sistema de saúde que não se reduzisse apenas a um componente de assistência médica e para avançar na redução das desigualdades regionais quanto à distribuição dos recursos. Ou seja, a partir desse ato, se inicia o processo de rompimento com o modelo do SUDS e se dá um passo significativo na implantação do SUS. Porém, no que se refere à assistência de média e alta complexidades, ainda continuou o processo de aperfeiçoamento do SUDS. A existência, em 1996 – portanto, no momento da instituição do PAB – de 582 municípios que não recebiam recursos federais para as ações e serviço de saúde comprova esta afirmativa. Também para reforçar essa afirmativa, basta comparar o valor per capita efetivamente aplicado em 1997, por estado, nos procedimentos que passaram a constituir o PAB com o valor per capita do PAB (fixo mais variável) em vigor em 1998, apresentado na Tabela 5. segregar.pmd 9/29/2003, 12:56 PM36 UERJ - INSTITUTO DE MEDICINA SOCIAL – 37 GESTÃO D E SI S T E M A S DE S AÚDE Fonte: SE/MS. Tabela 5 Teto financeiro anual e valor per capita - atenção básica (Brasil, 1997 e 1998) segregar.pmd 9/29/2003, 12:56 PM37 40 – UERJ - INSTITUTO DE MEDICINA SOCIAL GESTÃO D E SI S T E M A S DE S AÚDE Na tabela acima está demonstrado que os estados com maiores percentuais de incremento no período foram: Acre (295,09%), Bahia (219,74%), Pará (209,64%) e Tocantins (205,10%). Os estados do Paraná (29,51%) de São Paulo (38,81%), Minas Gerais (40,59%) tiveram, no mesmo período, os menores incrementos. A Portaria GM n°. 1.399, de 15 de dezembro de 1999, regulamenta a NOB-SUS 01/96, no que se refere às competências da União, estados, municípios e Distrito Federal, na área de epidemiologia e controle de doenças, além de definir a sistemática de financiamento. No ano 2000 o Ministério da Saúde, através da FUNASA, começou a implementar o processo de descentralização dessa área. Com esse processo de descentralização, concluído no final do ano 2000, pelo menos para os estados, em 2001 passou a existir o teto finan- ceiro para os estados para o financiamento da Vigilância Epidemiológica e Controle de Doenças. Assim, a partir de junho de 2001, o volume de recursos anuais do Ministério da Saúde para os estados para o desen- volvimento de ações e serviços de saúde passou a ser subdividido em: • recursos para a atenção básica (PAB Fixo e PAB Variável); • recursos para a vigilância epidemiológica e controle de doenças; • recursos para a assistência de média complexidade; • recursos para a assistência de alta complexidade. Esses recursos federais, que, estima-se, correspondem a mais de 70% do total, progressivamente vêm sendo repassados a estados e municípi- os, através de transferências diretas do Fundo Nacional de Saúde aos fundos estaduais e municipais, conforme mecanismo instituído pelo Decreto nº 1.232, de 30 de agosto de 1994. Como já citamos, no início o SUS teve como principal fonte de finan- ciamento os recursos da Previdência Social, por meio do orçamento do INAMPS, que perdurou até maio de 1993. A partir daí, o SUS entrou numa grave crise de financiamento, que só começou a ser resolvida com a apro- vação da Contribuição Provisória sobre Movimentação ou Transmissão de Valores e de Créditos e Direitos de Natureza Financeira (CPMF), em outubro de 1996, com a Lei nº. 9.311. O art. 18 da lei estabelece: “O produto da arrecadação da contribuição de que trata esta lei será des- tinado integralmente ao Fundo Nacional de Saúde, para financiamento segregar.pmd 9/29/2003, 12:56 PM40 UERJ - INSTITUTO DE MEDICINA SOCIAL – 41 GESTÃO D E SI S T E M A S DE S AÚDE das ações e serviços de saúde, sendo que sua entrega obedecerá aos prazos e condições estabelecidos para as transferências de que trata o art. 159 da Constituição federal”. Em setembro de 2000, foi aprovada a Emenda Constitucional 29 (EC- 29), que determina a vinculação de receitas dos três níveis para o sistema e define que até o exercício financeiro de 2004, a União deverá aplicar: a) no ano 2000, o montante empenhado em ações e serviços públicos de saúde no exercício financeiro de 1999 acrescido de, no mínimo, cinco por cento; b) do ano 2001 ao ano 2004, o valor apurado no ano anterior, corri- gido pela variação nominal do Produto Interno Bruto (PIB). Os estados e Distrito Federal deverão aplicar doze por cento do produto da arrecadação dos impostos, deduzidas as parcelas que forem transferidas aos respectivos municípios. Os municípios e o Distrito Federal deverão aplicar quinze por cento do produto da arrecadação dos impostos. Define ainda que os estados, o Distrito Federal e os municípios que apliquem percentuais inferiores aos fixados deverão elevá-los gradualmente até o exercício financeiro de 2004, reduzida a diferença à razão de, pelo menos, um quinto por ano, sendo que, a partir de 2000, a aplicação será de pelo menos sete por cento. Por fim, a EC 29 estabelece que “os recursos dos estados, do Distrito Federal e dos municípios destinados às ações e serviços públicos de saúde e os transferidos pela União para a mesma finalidade serão apli- cados por meio de Fundo de Saúde, que será acompanhado e fiscaliza- do pelo Conselho de Saúde, sem prejuízo do disposto no art. 74 da Constituição federal”. Os recursos federais vêm progressivamente sendo repassados, atra- vés de transferências diretas do Fundo Nacional de Saúde, aos fundos estaduais e municipais, conforme mecanismo instituído pelo Decreto nº 1.232. A intensa habilitação de municípios e estados, a partir da NOB- SUS 96, gerou expressivo aumento dessas transferências, fazendo com que, em dezembro de 2001, a maior parte dos recursos da assistência já fosse transferida nessa modalidade, em contraposição à predominância de pagamento federal direto aos prestadores de serviços (Quadro 1). segregar.pmd 9/29/2003, 12:56 PM41 42 – UERJ - INSTITUTO DE MEDICINA SOCIAL GESTÃO D E SI S T E M A S DE S AÚDE Quadro 1 Indicadores de evolução da descentralização no SUS - posição no final de cada exercício – 1997/2001 Fonte: Ministério da Saúde – Dados de Habilitação SAS/SPS (1997/2001). Além das transferências do Fundo Nacional de Saúde, os fundos esta- duais e municipais recebem aportes de seus próprios orçamentos. Alguns estados promovem repasses de recursos próprios para os fundos munici- pais de saúde, de acordo com regras definidas no âmbito estadual. Quanto aos gastos com fonte nos orçamentos estaduais e municipais, não se dispõe de dados exatos, por se manter, até os dias atuais, prática semelhante à época do INAMPS, nos moldes das Ações Integradas de Saúde (AIS) e do SUDS, de se programar a aplicação apenas de recursos de origem federal. Essa resistência de estados e municípios, em progra- mar a aplicação dos seus recursos financeiros para a assistência à saúde, faz com que se reforce a idéia de que se tenha desenvolvido nos últimos anos um processo que mais significou um aperfeiçoamento do SUDS do que de efetiva implantação do SUS. A esfera federal ainda é a responsável pela maior parcela do financi- amento do SUS, embora se estime que a participação dos municípios venha crescendo ao longo dos últimos anos, e haja a perspectiva de que a parcela dos recursos estaduais no financiamento do sistema aumente significativamente, em decorrência da aprovação da EC-29. O pagamen- to aos prestadores de serviços de saúde é feito pela esfera de governo responsável por sua gestão. Vale destacar que, após mais de dez anos do início da implantação do SUS, o MS ainda realiza pagamento direto a prestadores de serviços. Independentemente da esfera de governo que execute o pagamen- to, o SUS utiliza um mesmo sistema de informações para os serviços ambulatoriais – o Sistema de Informações Ambulatoriais (SIA/SUS) – segregar.pmd 9/29/2003, 12:56 PM42 UERJ - INSTITUTO DE MEDICINA SOCIAL – 45 GESTÃO D E SI S T E M A S DE S AÚDE No âmbito do financiamento: a ) a implementação do Piso da Atenção Básica para o financiamen- to das ações de atenção básica desenvolvidas pelos municípios, representando a introdução de uma lógica de financiamento per capita pela primeira vez no SUS; b ) a adoção de incentivos específicos para áreas estratégicas e o aumento expressivo de transferências de recursos do Fundo Na- cional de Saúde para os Fundos Estaduais e Fundos Municipais de Saúde; c) a adoção de critérios para alocação de recursos federais para o custeio das ações e serviços de saúde que contribuíssem para a redução das desigualdades regionais; d ) a realização de investimentos na rede de serviços, com priorida- de para as Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Dentre os projetos executados nesse período, destaca-se o REFORSUS. O resultado desses avanços é demonstrado nas tabelas apresenta- das a seguir. Tabela 8 INAMPS x SUS - a superação das desigualdades na distribuição regional dos recur- sos para a assistência saúde (Brasil, 1986 a 2001) Fonte: SAS/MS Comparando-se a distribuição dos recursos do INAMPS por região, em 1986, com a atual distribuição dos recursos federais, constata-se que houve significativa redução na desigualdade na distribuição desses re- cursos entre as regiões, com uma aproximação entre os valores repassa- dos e a população correspondente. Enquanto em 1986 a Região Norte (com 5,8% da população do país) recebia apenas 2,27% do total dos recursos destinados aos estados, em segregar.pmd 9/29/2003, 12:56 PM45 46 – UERJ - INSTITUTO DE MEDICINA SOCIAL GESTÃO D E SI S T E M A S DE S AÚDE Pode-se verificar, na Tabela 10, o avanço na redução das desigual- dades regionais no período, quanto a alocação dos recursos federais para as ações e serviços de saúde. A Região Norte, com 7,53% da popu- lação, recebe 6,46% dos recursos, e a Região Sudeste, com 42,58% da população, recebe 44,38% dos recursos. Fonte: SAS/MS. 2001 (com 7,5% da população), recebe 6,46% desse total. Por outro lado, a Região Sudeste, que em 1986 recebia 59,28% do total dos recursos destinados aos estados, em 2001 recebe 44,38% desse total. A Tabela 9 apresenta o comparativo entre os valores financeiros anuais e respectivos per capita por região em 1994 e em 2001. Compara ainda o per capita de cada região com o per capita do Brasil. Enquanto que em 1994, o valor menor per capita, que era da Região Norte, correspondia a 64,7% do per cap i ta nacional , em 2001 passou a corresponder a 85,8%. Enquanto isso, o valor per capita da Região Nor- deste passou de 80,5% do per capita nacional, em 1994, para 96%, em 2001. Por outro lado, o valor per capita da Região Sudeste, que em 1994 correspondia a 115% do per cap i ta nacional , em 2001 passou a corresponder a 104,2%. E o valor per cap i ta da Região Sul, que correspondia a 110,1% do per capita nacional, em 2001 passou a 103,8%. Tabela 9 Comparativo dos limites financeiros anuais, respectivos valores per capita e proporção em relação ao per capita nacional, por região (Brasil, 1994 a 2001) segregar.pmd 9/29/2003, 12:56 PM46 UERJ - INSTITUTO DE MEDICINA SOCIAL – 47 GESTÃO D E SI S T E M A S DE S AÚDE Fonte: SAS/MS. No âmbito do modelo ass is tenc ial e da organização dos serviços : a ) a expansão da estratégia de Equipes de Saúde da Família e de Agentes Comunitários de Saúde; b ) a implementação de experiências inovadoras de atenção no âm- bito local e avanços, tanto na organização da atenção básica como na organização de redes de referência em vários municípios e estados. No âmbito da gestão: a ) milhares de municípios foram habilitados de acordo com as con- dições de gestão da NOB-SUS 01/96, integrando-se de forma voluntária e assumindo responsabilidades no Sistema Público de Saúde; b ) houve intensa transferência negociada de responsabilidades, atri- buições e recursos do nível federal para municípios e estados. Ao final do período de vigência da NOB-SUS 01/96, mais de 99% dos municípios brasileiros estavam habilitados a uma das condições de gestão dessa norma, sendo 89% em Gestão Plena da Atenção Básica e 10,1% em Gestão Plena do Sistema Municipal (Tabela 11). Entretanto, o percentual de municípios habilitados em cada uma dessas condições de Tabela 10 Limites financeiros anuais, população e respectivo valor per capita, por região (Brasil, 2001) segregar.pmd 9/29/2003, 12:56 PM47 50 – UERJ - INSTITUTO DE MEDICINA SOCIAL GESTÃO D E SI S T E M A S DE S AÚDE PROCESSO DE HABILITAÇÃO Em muitos casos, a habilitação ocorreu de forma cartorial. O proces- so de habilitação dos estados nem sempre apresentou relação direta com a capacidade efetiva da Secretaria de Estado da Saúde de exercer todas as suas funções gestoras. A maciça habilitação dos municípios em Gestão Plena da Atenção Básica representou um avanço do ponto de vista da responsabilização de milhares de gestores municipais e aumento da eqüidade na alocação de recursos por meio da implantação do PAB, mas não assegurou a qualidade e efetividade da atenção básica em todos esses municípios, nem foi suficiente para garantir o acesso dos cidadãos aos demais níveis de atenção. A habilitação em Gestão Plena do Sistema Municipal, por sua vez, representou um avanço para centenas de municípios, que passaram a dispor de maior autonomia de gestão; por outro lado, não foi suficiente para assegurar sua inserção no Sistema Estadual de Saúde e seu papel na garantia do atendimento às populações referidas de outros municípios com menor capacidade assistencial. FINANCIAMENTO DO SISTEMA Mesmo com o avanço que significou a implantação do PAB e os esforços para reduzir as desigualdades regionais na alocação dos recur- sos federais para a assistência de média e alta complexidades, a alocação dos recursos financeiros permanecia, em parte, vinculada à lógica da oferta. No âmbito dos estados, os critérios adotados para a distribuição de recursos entre os municípios eram, em geral, pouco explícitos. PLANEJAMENTO E ORGANIZAÇÃO FUNCIONAL DO SISTEMA Embora muitos estados tenham conduzido os processos de Progra- mação Pactuada e Integrada (PPI) com seus municípios, sua implementação foi efetiva em poucos casos, dificultando a integração intermunicipal. As limitações da capacidade de planejamento e coordenação das Secretarias Estaduais de Saúde aumentavam o risco de atomização dos sistemas municipais, da incorporação tecnológica irracional e da ado- ção de barreiras de acesso entre municípios. A prática de contratação de serviços privados e da construção de uni- dades públicas, sem a prévia análise da adequação do perfil da oferta segregar.pmd 9/29/2003, 12:56 PM50 UERJ - INSTITUTO DE MEDICINA SOCIAL – 51 GESTÃO D E SI S T E M A S DE S AÚDE existente às necessidades da população, dificultava a estruturação de uma rede regionalizada e resolutiva de unidades. RESOLUTIVIDADE E ACESSO AOS SERVIÇOS A configuração do elenco de procedimentos incluídos na atenção básica (Piso de Atenção Básica fixo – PAB fixo) era restrita, apresentan- do baixa capacidade de resolução dos problemas mais freqüentes dos usuários. Simultaneamente, ocorriam dificuldades de acesso à assistên- cia de média e alta complexidades, relacionadas à concentração desses serviços em poucos municípios ou mesmo à inexistência de determinados serviços de alta complexidade em diversos estados. MONITORAMENTO E AVALIAÇÃO CONTÍNUA DE DESEMPENHO Em geral não existia avaliação rotineira e sistemática do desempe- nho dos órgãos gestores e de monitoramento da implementação das atividades previstas nos Planos de Saúde e processos de programação. O controle e a auditoria da prestação de serviços por terceiros e do conseqüente faturamento apresentavam fragilidades e descontinuidades. PROCESSO DE HABILITAÇÃO DAS SECRETARIAS MUNICIPAIS DE SAÚDE (SMS) E TRANSFERÊNCIAS FUNDO A FUNDO O processo de habilitação dos municípios atingiu seu ápice, sendo residual o número de municípios que ainda não se encontra em uma das condições de gestão previstas na NOB 96. A taxa de crescimento do volume de recursos transferidos fundo a fundo, bastante significativa no primeiro ano de vigência da referida norma, apresentou desaceleração no período de dezembro de 1998 a dezembro de 2000, indicando a ne- cessidade do desenvolvimento de novos mecanismos para ampliar a descentralização dos recursos financeiros e buscar a superação progres- siva do financiamento pela compra de serviços para mecanismos de repasse de recursos entre gestores por produção de serviços. Face aos avanços e problemas descritos, ainda durante a fase de implementação da NOB-SUS 01/96, os diversos atores envolvidos no processo de consolidação do SUS passaram a discutir as estratégias ne- cessárias para enfrentar os grandes desafios colocados para as políticas de descentralização na saúde. Desse processo resultou a publicação da Norma Operacional da Assistência à Saúde (NOAS-SUS 01/01). segregar.pmd 9/29/2003, 12:56 PM51 52 – UERJ - INSTITUTO DE MEDICINA SOCIAL GESTÃO D E SI S T E M A S DE S AÚDE 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS 4.1. N ORMA OPERACIONAL DA ASSISTÊNCIA À SAÚDE – NOAS-SUS 01/01 Ao longo de todo o ano 2000, o Ministério da Saúde, através da Secretaria de Assistência à Saúde, em articulação com a Secretaria de Políticas de Saúde e a Secretaria Executiva, coordenou intenso pro- cesso de debate e negociação com as representações nacionais dos Secretários Estaduais (CONASS) e Municipais (CONASEMS) de Saú- de no âmbito da CIT e do Conselho Nacional de Saúde (CNS), acerca do aperfeiçoamento e consolidação do processo de implantação do Sistema Único de Saúde. A publicação da NOAS-SUS 01/01, em janeiro de 2001, é fruto desse longo processo de negociação. O objetivo geral da referida norma é “promover maior eqüidade na alocação de recursos e no acesso da po- pulação às ações e serviços de saúde em todos os níveis de atenção”. Para atingir esse objetivo, a NOAS adotou a regionalização como macroestratégia fundamental para o aprimoramento do processo de descentralização, nesse momento específico da implantação do SUS, e propôs três grupos de estratégias articuladas, como forma de promover a descentralização com eqüidade no acesso: 1 . elaboração do Plano Diretor de Regionalização e diretrizes para a organização regionalizada da assistência, visando à conforma- ção de sistemas de atenção funcionais e resolutivos nos diversos níveis; 2 . fortalecimento das capacidades gestoras do SUS, que compreen- de um conjunto de estratégias voltadas para consolidar o caráter público da gestão do sistema, por meio da instrumentalização dos gestores estaduais e municipais para o desenvolvimento de funções como planejamento, programação, regulação, controle e avaliação, incluindo instrumentos de consolidação de compro- missos entre gestores; 3 . atualização dos critérios e do processo de habilitação de estados e municípios às condições de gestão do SUS, visando a torná-lo coerente com o conjunto de mudanças propostas. Um dos pontos mais importantes da NOAS-SUS 01/01 diz respeito ao processo de elaboração do Plano Diretor de Regionalização, coorde- nado pelo gestor estadual, com a participação do conjunto de municípi- os. Esse plano deve conter minimamente: segregar.pmd 9/29/2003, 12:56 PM52 UERJ - INSTITUTO DE MEDICINA SOCIAL – 55 GESTÃO D E SI S T E M A S DE S AÚDE estrutura organizacional do Ministério da Saúde. Essa estrutura mantém uma lógica de um antigo ministério, pré-SUS, que absorveu o INAMPS. Essa forma de organização do ministério levou as SES a se organizarem de modo semelhante, como forma de viabilizar uma relação mais produ- tiva com o ministério. A maior motivação para essa busca de semelhança é, a nosso ver, a participação majoritária do nível federal no financiamen- to do sistema. Ou seja, as SES se vêem obrigadas a se adaptar da melhor forma possível, para permitir maior captação de recursos do ministério. Essa condição, em menor grau, também se reflete nas Secretarias Munici- pais de Saúde. Essa situação leva a uma fragmentação das ações de saú- de, com inevitável domínio da área de assistência e graves reflexos sobre a integralidade da atenção à saúde. Assim, torna-se indispensável a definição de um “novo Ministério da Saúde”, que seja um projeto novo, compatível com o papel necessário a ser desempenhado pelo gestor federal, no presente estágio de implantação do SUS. Outro elemento importante nesse processo é o fato de muitos esta- dos ainda não terem assumido suas responsabilidades e deveres defini- dos na Constituição federal e na Lei nº 8.080. Essa posição é, em grande medida, determinada por uma estratégia adotada pelos estados para obter mais recursos do Governo federal. Tal situação deveria ser supe- rada com a aprovação da EC 29, o que até agora não ocorreu. Assim, entendemos ser necessária a revisão do pacto político que estabelece como voluntária a adesão do estado à Gestão Plena do Sistema Estadu- al, passando, de imediato, todos os estados a assumir seu integral pa- pel na condução do SUS. Dessa forma, se estaria encerrando a fase de transição que se arrasta há mais de dez anos. Para que o novo pacto seja possível, é necessário mudar de forma radical a estratégia de participação do MS no financiamento do SUS. A atual estratégia, que não consegue se desvencilhar da série histórica de gastos do INAMPS, por um lado, mantém a remuneração de serviços, particularmente na área de assistência de média e alta complexidades, como base para o financiamento dos estados. Por outro, leva a uma enorme fragmentação do financiamento, fazendo com que o resultado seja equivalente a uma relação de compra e venda de serviços, mesmo quando disso não se trata. Embora seja indispensável para o Ministério da Saúde, exercendo seu papel de gestor nacional do SUS, adotar políticas de incentivo a determi- nadas ações e serviços de saúde, o fracionamento do financiamento que segregar.pmd 9/29/2003, 12:56 PM55 56 – UERJ - INSTITUTO DE MEDICINA SOCIAL GESTÃO D E SI S T E M A S DE S AÚDE resulta da atual sistemática acarreta graves dificuldades para a organização dos sistemas estaduais e municipais de saúde. No entanto, para que isto possa ocorrer de modo conseqüente e responsável, é necessário que os Fundos Estaduais de Saúde sejam efeti- vamente implantados e funcionem como tal, recebendo não só os recursos federais, mas também todo o volume de recursos do orçamento estadual destinado à saúde. E, também, que esses recursos (federais e estaduais) sejam objeto de programação na PPI. A execução das ações prioritárias definidas pelo MS e a garantia do fiel cumprimento das obrigações constitucionais e legais, por parte dos estados, seriam definidas e acompanhadas por meio de um Termo de Compromisso ou Contrato de Metas, ou instrumento equivalente. Des- sa forma, seria possível para o MS alterar a lógica de sua participação no financiamento, extinguindo a utilização da tabela de serviços como base para o financiamento, bem como o fracionamento em diversos incentivos. De qualquer modo, seria recomendável a manutenção do Fundo de Ações Estratégicas e de Compensação (FAEC), com uso restrito a essas ações. O limite de um percentual máximo dos recursos para compor o FAEC poderia ser negociado entre as esferas de governo. Outro aspecto importante para viabilizar de forma responsável a con- clusão desse processo de transição é o fortalecimento técnico-operacional das Secretarias Estaduais de Saúde, particularmente dos estados menos desenvolvidos. Nesse processo, o CONASS, contando com o apoio do Ministério da Saúde, deve desempenhar papel fundamental. Outra questão importante para o futuro da implantação do SUS se refere aos espaços de pactuação política: as Comissões Intergestores Bipartite Tripartite. Embora seja inevitável reconhecer o quanto criati- va, produtiva e inovadora foram, é inegável que as mesmas já não cum- prem de forma satisfatória seus papéis. A situação parece ser mais grave no que se refere à CIB. A idéia de que uma comissão numericamente paritária entre representações (estado e municípios) com poder político desigual pudesse funcionar como um espaço democrático de negocia- ção tem-se mostrado irreal. Os pactos celebrados, principalmente de divisão de poder em relação aos prestadores de serviços, mostram a necessidade de se pensar uma nova alternativa para esse espaço de negociação. Embora não pareça simples encontrar esse novo caminho, entendemos ser inadiável o início de um debate sobre o tema. A Comissão Intergestores Tripartite não tem sido utilizada como es- paço de discussão dos aspectos políticos fundamentais do processo de segregar.pmd 9/29/2003, 12:56 PM56 UERJ - INSTITUTO DE MEDICINA SOCIAL – 57 GESTÃO D E SI S T E M A S DE S AÚDE implantação do SUS. Tem sido usada com freqüência para uma aliança entre o CONASEMS e o CONASS, em busca de mais recursos. Por fim, entendemos que, embora a implantação da NOAS signifi- que grande avanço na implantação do SUS, não será suficiente para resolver todos os problemas existentes. Dessa forma, torna-se indispen- sável a celebração de um novo pacto político entre as três esferas de governo que finalmente conclua a fase de transição que já se arrasta há mais de dez anos. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALMEIDA, C. M.. Novos modelos de reforma sanitária: bases conceituais e experiências de mudança : política de saúde e inovação institucional. Rio de Janeiro: Fiocruz, 1996. ________. Reforma do Estado e reforma de sistemas de saúde: experiências internacionais e tendências de mudanças. Revista Ciência e Saúde Coletiva . Rio de Janeiro, v. 4, n. 2, 1999. ANDRADE, L. O. M. SUS passo a passo: gestão e financiamento. São Paulo: Hucitec, 2001. GIL, A. C. Como elaborar projetos de pesquisa . São Paulo: Atlas, 1996. BRASIL. Ministério da Saúde. Descentralização das ações e serviços de saúde: a ousadia de cumprir e fazer cumprir a lei. Brasília: Ministério da Saúde, 1993. BRASIL. Ministério da Saúde. Avaliação do processo de implantação do Sistema Único de Saúde no Brasil. Relatório. Brasília: Ministério da Saúde, 1995. BRASIL. Ministério da Saúde . Norma Operacional Básica do Sistema Único de Saúde – NOB-SUS/96. Brasília: Ministério da Saúde, 1996. BRASIL. Ministério da Saúde. Regionalização da Assistência à Saúde : aprofundando a descentralização com eqüidade no acesso. Norma Operacional da Assistência à Saúde: NOAS-SUS 01/01. Portaria MS/ GM n.º 95, de 26 de janeiro de 2001. Regulamentação complementar. Brasília: Ministério da Saúde/Secretaria de Assistência à Saúde, 2001 (Série A, n. 116). BRASIL. Ministério da Previdência e Assistência Social. Coletânea da Legislação Básica (SUDS). Brasília: Governo Federal, 1989. segregar.pmd 9/29/2003, 12:56 PM57 60 – UERJ - INSTITUTO DE MEDICINA SOCIAL GESTÃO D E SI S T E M A S DE S AÚDE todos os brasileiros. Para o alcance desses princípios, foram estabelecidas as seguintes diretrizes organizativas do SUS: integração e hierarquização do Sistema; descentralização político e administrativa com direção úni- ca em cada esfera de governo; o controle social, mediante a organização de Conselhos de Saúde paritários entre os usuários e o governo em todos os níveis do sistema. Em cumprimento do pressuposto constitucional, tanto a organiza- ção quanto o financiamento do SUS tornam-se responsabilidades co- muns às três esferas de governo. Quanto ao financiamento, em 2000 foi aprovada a Emenda Constitucional 29 (EC-29), que determina a vinculação de receitas nas três esferas. A parte correspondente aos re- cursos federais vem sendo repassada aos estados e municípios median- te transferências diretas do Fundo Nacional de Saúde aos fundos esta- duais e municipais, conforme mecanismo instituído pelo Decreto n. 1.232, de 30 de agosto de 1994. Essas transferências correspondiam, por oca- sião da realização do estudo, de 60% a 65% do total de recursos dispo- níveis para a saúde no âmbito governamental (Piola e Biasoto Jr., 2001). Do ponto de vista da aplicação da legislação na organização do SUS, vale destacar que o Brasil apresenta um sistema político federativo pe- culiar, por ser constituído por três esferas de governo –União, estados e municípios –, consideradas pela Constituição Federal de 1988 como entes federativos, com autonomia administrativa e sem vinculação hierárqui- ca. Compõem a República Federativa do Brasil 26 estados, um Distrito Federal e 5.560 municípios. O federalismo brasileiro apresenta algumas especificidades que me- recem destaque por suas implicações para a área da saúde. Neste senti- do, cabe destacar o grande peso dos municípios, considerados entes fe- derativos com muitas responsabilidades na implementação de políticas públicas. Por outro lado, a diversidade desses entes federativos, em ter- mos de porte, desenvolvimento político, econômico e social, capacidade de arrecadação tributária e capacidade institucional do Estado, implica diferentes possibilidades de implementação de políticas públicas de segregar.pmd 9/29/2003, 12:56 PM60 UERJ - INSTITUTO DE MEDICINA SOCIAL – 61 GESTÃO D E SI S T E M A S DE S AÚDE saúde, em face da complexidade e de contradições no enfrentamento dessas realidades. Outro aspecto relevante é o fato de o federalismo brasileiro ainda se encontrar em construção, uma vez que ao longo de toda a história foi atravessado por períodos de centralismo e autoritarismo, sendo ainda recente a redemocratização do país. Esse processo de construção do federalismo é caracterizado por muitas tensões e conflitos, inclusive na descentralização das políticas e redefinição de papéis das três esferas de governo nas políticas públicas. No que diz respeito à saúde, a agen- da política da década de 1990 foi fortemente marcada pela temática da descentralização e pelos esforços de definição das responsabilidades dos governos em cada nível (Levcovitz, Lima e Machado, 2002). 3. O PROCESSO DE DESCENTRALIZAÇÃO DA ASSISTÊNCIA NO BRASIL A implantação do SUS foi gradual e exigiu mecanismos de regulação dinâmicos que permitissem, em cada estágio de implementação do sistema, redefinir estratégias aplicáveis a cada momento, identificando e estimulan- do avanços e corrigindo problemas. Dentre as várias estratégias adotadas no processo de descentralização do SUS, vale destacar o papel das Normas Operacionais de Saúde, das Comissões Intergestores, dos mecanismos en- tre fundos de saúde e do processo de habilitação de estados e municípios. 3.1. A EDIÇÃO DE NORMAS OPERACIONAIS As normas operacionais básicas de saúde, instrumentos fundamen- tais de regulação da descentralização do SUS, têm servido principal- mente para regulamentar a divisão de responsabilidades entre União, estados e municípios, a relação entre os três níveis de governo e os mecanismos de financiamento, incluindo critérios e fluxos de recursos. Desde a promulgação da Lei Orgânica da Saúde, em 1990, foram publicadas seis normas operacionais, cujas principais características for- mais estão expostas no quadro 1: segregar.pmd 9/29/2003, 12:56 PM61 62 – UERJ - INSTITUTO DE MEDICINA SOCIAL GESTÃO D E SI S T E M A S DE S AÚDE Fonte: Elaboração própria. No quadro 1 pode-se observar o quanto o SUS tem como marca de origem a estrutura do Instituto Nacional de Assistência Médica e Previ- dência Social (INAMPS). A primeira norma operacional (NOB-SUS 01/ 91) foi assinada pelo Presidente do INAMPS; a segunda, pelo Secretá- rio Nacional de Assistência à Saúde, que na época acumulava a Presi- dência do Inamps. Anal isando mais detidamente, a própria descentralização também tem raízes no Inamps. Os serviços e funções transferidos aos estados e municípios foram, na maioria, serviços e funções desempenhados pelo INAMPS e, portanto, organizados e lo- calizados para atender à clientela previdenciária. O Ministério da Saú- de (MS), antes da fusão com o INAMPS, e as secretarias estaduais esta- vam organizados para resolver os problemas denominados de saúde pública. E, portanto, existiam poucos serviços assistenciais do MS ou Quadro 1 Aspectos formais das normas operacionais segregar.pmd 9/29/2003, 12:56 PM62 UERJ - INSTITUTO DE MEDICINA SOCIAL – 65 GESTÃO D E SI S T E M A S DE S AÚDE principalmente porque induzem habilitações apenas cartoriais , sem conseqüências reais para a organização do sistema. Durante a vigência da NOB-SUS 01/96 foram habilitados 5.535 municípios (99,55% do total de municípios brasileiros), sendo 4.970 municípios na condição de gestão Plena da Atenção Básica (PAB) e 562 na condição de gestão Plena do Sistema Municipal (GPSM). 3.3. AS COMISSÕES INTERGESTORES COMO ESPAÇO DE NEGOCIAÇÃO As Comissões Intergestores merecem destaque no processo de descentralização, tanto no nível federal quanto no estadual. A Comis- são Intergestores Tripartite (CIT) que iniciou seus trabalhos em 1991 foi institucionalizada em 1993 pela NOB-SUS 01/93. Quando da regulamen- tação, teve a finalidade definida de “assistir ao Ministério da Saúde na elaboração de propostas para a implantação e operacionalização do SUS, submetendo-se ao poder deliberativo e fiscalizador do Conselho Nacional de Saúde” (NOB-SUS 01/93, MS). Essa Comissão, desde então, vem funcionando regularmente e é com- posta por 15 membros, de modo paritário: representantes do Ministério da Saúde; representantes dos Secretários Estaduais de Saúde, indicados pelo Conselho Nacional de Secretários de Saúde (CONASS); e represen- tantes dos Secretários Municipais de Saúde, indicados pelo Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde (CONASEMS). Observa-se, contudo, que o fato da representação paritária entre os três gestores não garante o mesmo peso de forma automática nas decisões. O Minis- tério da Saúde coordena a CIT, sendo esta coordenada pelo Secretário Executivo, que também responde pela Secretaria Executiva da CIT. A CIT é um fórum importante de acordos e pactos sobre a gestão do sistema, inclusive quanto aos recursos federais alocados no SUS. Até então, na CIT, apenas são discutidas questões ligadas aos recursos federais para a saúde. Essa comissão, portanto, quase nunca debate, por exemplo, a alocação dos recursos estaduais para a saúde ou quais seriam as priorida- des de alocação dos recursos dos municípios de uma determinada região do Brasil. Também vale ressaltar que os recursos federais que são objeto das discussões tripartite não representam a totalidade dos recursos fede- rais destinados à saúde; de forma paralela, o Ministério mantém estratégias de alocação de recursos sem discussão na CIT. Mesmo frente a esses fatores, a CIT desempenha papel relevante, particularmente na decisão sobre temas relacionados à implementação segregar.pmd 9/29/2003, 12:56 PM65 66 – UERJ - INSTITUTO DE MEDICINA SOCIAL GESTÃO D E SI S T E M A S DE S AÚDE descentralizada de diretrizes nacionais do sistema e aos diversos meca- nismos de alocação de recursos financeiros federais do SUS. Nos estados, por sua vez, estão constituídas as Comissões Intergestores Bipartites (CIB). Estas foram regulamentadas pela Norma Operacional Básica de 1993 (NOB-SUS 01/93), como “instância privile- giada de negociação e decisão quanto aos aspectos operacionais do SUS”. Fazem parte das discussões na CIB aspectos relacionados ao pro- cesso de descentralização no âmbito estadual. As definições e propos- tas dessa comissão devem ser referenciadas pelo respectivo Conselho Estadual de Saúde. A CIB de cada estado foi constituída por ato normativo da Secretaria Estadual de Saúde respectiva. Nos estados, as CIB são formadas paritariamente por representantes do governo estadual, indicados pelo Secretário de Estado de Saúde, e por representantes dos Secretários Municipais de Saúde indicados pelo Conselho de Secretários Municipais de Saúde daquele estado (COSEMS). O Secretário Municipal de Saúde da Capital é membro nato da CIB. Assim como na CIT, o processo decisório nas CIB se dá por consenso, visto que é vedada a utilização do mecanismo do voto, por se entender que a decisão é da representação e não de cada membro individualmen- te. Esta posição estimula o debate e a negociação entre as partes. A parti- cipação nas reuniões mensais, em geral, é aberta a todos os secretários municipais e às equipes técnicas das secretarias, embora o poder de deci- são se limite aos membros formais da comissão. Dessa forma, muitas vezes as reuniões da CIB são momentos de intenso debate e interação entre as equipes municipais e destas com a estadual. Aqui também, apesar de paritária, a Secretaria Estadual de Saúde (SES) tem algumas vantagens na CIB. A primeira é que os representan- tes da SES decidem sempre junto com o secretário estadual, consideran- do que existe uma relação de hierarquia dentro da representação. En- quanto isto, a representação municipal integra interesses os mais diver- sos, desde diferenças partidárias às diferenças de interesses entre muni- cípios grandes e pequenos, entre municípios plenos e não-plenos, e outros mais. O consenso interno da representação do COSEMS é sem- pre muito trabalhoso e, se não for muito bem cuidado, a SES consegue adesão de parte da representação municipal e fragiliza a defesa do inte- resse da maioria dos municípios. Considerando este problema e face ao segregar.pmd 9/29/2003, 12:56 PM66 UERJ - INSTITUTO DE MEDICINA SOCIAL – 67 GESTÃO D E SI S T E M A S DE S AÚDE grande número de municípios e à diversidade do perfil dessas unidades federativas, em alguns estados, um ponto importante para o funciona- mento e representatividade das CIB concerne aos critérios adotados pelos COSEMS ao definir a representação dos secretários municipais na CIB. Esses critérios diferem bastante. Em síntese, as Comissões Intergestores se afirmaram na área da saúde como instâncias privilegiadas e estratégicas de negociação en- tre os gestores de diferentes esferas de governo. Ao deliberar conjun- tamente sobre as políticas de saúde no âmbito nacional e estadual, a CIB configura um avanço da tentativa de concretizar um arranjo fede- rativo na saúde. Desta forma, as reuniões dessas comissões constitu- em um espaço de expressão de conflitos e construção de consensos entre os gestores, além de representarem oportunidades de trocas de experiências e de formação dos gestores. 3.4. TRANSFERÊNCIA DE RECURSOS FUNDO A FUNDO Outro aspecto que contribuiu decisivamente para o êxito da descentralização da saúde no Brasil foi a criação da modalidade de repasses de recursos de forma direta e automática do Fundo Nacio- nal de Saúde (FNS) para o Fundo Estadual de Saúde (FES) e Fundo Municipal de Saúde (FMS). Este mecanismo rompeu com a relação convenial existente até então entre o MS e os estados e municípios para custeio dos serviços e levou a melhores possibilidades de ges- tão descentralizada. No gráfico 1 pode ser observada a evolução da modalidade de pagamento do Ministério da Saúde que demonstra a execução cada vez menor do pagamento direto aos prestadores de serviço e o au- mento da transferência dos recursos aos estados e, principalmente, aos municípios para que estes assumam a gestão junto aos prestadores de serviços do SUS. Até dezembro de 2001, 66,9% dos recursos federais do SUS destinados à assistência já eram transferidos diretamente a estados e municípios. Até 1997, apenas os municípios recebiam recursos na mo- dalidade fundo a fundo. A NOB-SUS 01/93, apesar de prever a habilita- ção de estados, com prerrogativa de repasse de recursos, não teve esse mecanismo implantado. segregar.pmd 9/29/2003, 12:56 PM67 70 – UERJ - INSTITUTO DE MEDICINA SOCIAL GESTÃO D E SI S T E M A S DE S AÚDE àquela população que necessita de um sistema que lhe é próprio” (Item 4 - Sistemas de Saúde Municipais da NOB-SUS 01/96, MS). Com a NOB de 1996, os municípios puderam habilitar-se em duas condições: Gestão Plena da Atenção Básica e Gestão Plena do Sistema Municipal, com responsabilidades específicas definidas quanto à ges- tão do Sistema, salvo se a CIB ou a CIT definir outra divisão de respon- sabilidades (NOB-SUS 01/96, MS). Em 1998 teve início a implantação da NOB-SUS 01/96, já alterada por portarias do Ministro da Saúde editadas em 18 de dezembro de 1997. Os municípios começaram, então, a encaminhar os pleitos de ha- bilitação e as CIB passaram a debater a questão da responsabilidade pela gestão e pela gerência da rede de serviços – comando único – que resultou nos pactos de gestão a serem adotados. Em alguns estados não existiam dúvidas quanto a essa questão e os municípios que já eram habilitados na gestão semiplena pela NOB-SUS 01/93 geriam a totalida- de dos serviços que compõem o Sistema de Saúde Municipal. Em outros estados, contudo, a questão foi polêmica mesmo durante a vigência da norma anterior, pois os municípios habilitados na gestão semiplena apenas geriam parte dos serviços e, conseqüentemente, dos recursos. Nesses casos, a CIB manteve a mesma posição durante a vigência da NOB-SUS 01/96. Existem ainda situações em que tal questão não foi nem mesmo deliberada pela CIB, e o estado decidiu quais serviços iri- am ser transferidos e quais ficariam sob sua gestão, de forma unilateral. Os argumentos mais utilizados, nesses casos, para que os serviços não fossem transferidos para os municípios foram: tendência à especia- lização, na qual o município assume ações de menor complexidade; a impossibilidade de transferir a gestão de serviços estaduais ou universi- tários; a fragilidade e as dificuldades municipais; a questão dos serviços de referência intermunicipal. A abertura existente na NOB-SUS 01/96 para que a CIB decidisse em contrário ao regulamentado no texto da própria norma, quanto à defesa do comando único sobre os prestadores, permitiu que a exceção virasse a regra, desencadeando que variados acordos fossem feitos. Esse fato é identificado como um problema para a organização do SUS no Brasil. Na maioria dos casos, os pactos são desorganizativos , ocasionam confli- tos permanentes entre os gestores estadual e municipal e levam ao rom- pimento do princípio do comando único sobre o sistema em cada nível. Finalmente, comprometem o controle, a regulação e a avaliação do sis- tema e dificultam o acesso dos usuários. segregar.pmd 9/29/2003, 12:56 PM70 UERJ - INSTITUTO DE MEDICINA SOCIAL – 71 GESTÃO D E SI S T E M A S DE S AÚDE Essa problemática se mostra relevante e tem importância na avalia- ção dos resultados da gestão descentralizada. Não se pode avaliar de modo semelhante municípios que têm 100% da gestão dos serviços exis- tentes em seu território e aqueles municípios que têm apenas parte da gestão da rede de serviços. Ao avaliar municípios habilitados em gestão plena do sistema municipal (GPSM) pela NOB-SUS 01/96, o grau de responsabilidade assumida de fato na gestão do sistema deve ser consi- derado. Em pesquisa contratada pelo Ministério da Saúde (MS) para avaliar os municípios em GPSM, ficou evidente que aqueles que assu- miram integralmente a gestão apresentaram melhor desempenho (“Pes- quisa de Avaliação da Gestão Plena do Sistema Municipal”, MS, 2002). Diante desse fato, algumas indagações são freqüentes: quais foram os pactos de gestão que vigoraram a partir da implantação da NOB-SUS 01/ 96? Por que os pactos de gestão entre estados e municípios ocorreram de forma tão diferenciada durante a vigência da NOB-SUS 01/96? Quais as- pectos interferiram para que esses pactos fossem estabelecidos? 5. METODOLOGIA UTILIZADA NA ANÁLISE DOS PACTOS EXISTENTES NA VIGÊNCIA DA NOB-SUS 01/96 Para entender e analisar melhor as possíveis razões que levaram estados a escolherem diferentes formas de divisão de responsabilida- des, que repercutiram na formalização dos pactos com os municípios, foram analisados os municípios habilitados em gestão plena do sistema municipal, a partir da implantação da NOB-SUS 01/96. Essa escolha se apóia no reconhecimento que essa condição de gestão é aquela na qual mais se diferencia a divisão de responsabilidades entre estados e muni- cípios. Os municípios habilitados na Gestão Plena da Atenção Básica (GPAB) têm as responsabilidades definidas e o financiamento das ações é com base em recursos per capita. Este estudo se restringiu à análise da descentralização da assistên- cia e aos pactos estabelecidos para a gestão. Frente à dificuldade de identificar o pacto nos 562 municípios habilitados em GPSM, em dezem- bro de 2001, optou-se por analisar o conjunto de municípios em Gestão Plena do Sistema (GPSM) em cada estado. Não foi incluído o Distrito Federal, por não ter municípios. Nos casos em que foi necessário ampli- ar o foco sobre determinado problema, com o objetivo de detalhar os aspectos de maior relevância, foi feita análise da situação da gestão nas capitais quando estas estavam habilitadas em GPSM. Quando a capital não estava habilitada nessa condição, foi analisado o município habili- tado na GPSM com maior população. segregar.pmd 9/29/2003, 12:56 PM71 72 – UERJ - INSTITUTO DE MEDICINA SOCIAL GESTÃO D E SI S T E M A S DE S AÚDE No momento em que o estudo foi realizado, em oito estados brasilei- ros (AC, AP, AM, RO, BA, SP, ES e SC) a capital não se encontrava habili- tada em GPSM. Embora, em alguns casos, os municípios analisados não alcançassem porte e complexidade semelhante às capitais, nenhum esta- do foi excluído do estudo, em decorrência da opção metodológica de incluir pelo menos um município de cada estado brasileiro. Em etapa seguinte à seleção dos municípios a serem estudados, foi efetuada a identificação da esfera de governo responsável pelo paga- mento dos prestadores de serviços ao SUS, localizados em municípios em GPMS. Para análise dos pactos foram utilizados dados referentes aos valores faturados no SIA e SIH/SUS, destinados ao pagamento de serviços de média e alta complexidades, oferecidos pelos prestadores públicos e privados em cada município selecionado. A opção foi traba- lhar com os valores totais faturados e não com aqueles transferidos fundo a fundo para os municípios. A escolha fundamenta-se na premis- sa de que a identificação do gestor (estadual ou municipal) que autoriza o pagamento dos prestadores de serviços é relevante para identificar os pactos intergestores estabelecidos ao longo da implantação da NOB- SUS 01/96. Para analisar a procedência dos pacientes e sua relação com a gestão dos serviços, foram utilizados os dados do SIH/SUS. Com base nas justificativas para divisão de responsabilidades colhi- das durante o debate intergestores, buscou-se o entendimento da lógica dos pactos firmados. Isso foi feito, inicialmente, através da análise da situação da gestão, relacionada aos seguintes aspectos: gestão dos servi- ços de alta complexidade; natureza jurídica dos prestadores relacionada à gestão; fluxo de pacientes procedentes de outros municípios para aque- les em GPSM em relação à gestão dos serviços; porte dos municípios em cada estado e a influência deste fator sobre os pactos estabelecidos. 6. ANÁLISE DOS DADOS E OS RESULTADOS ENCONTRADOS NESTE ESTUDO O gráfico 2 demonstra dados relativos aos gastos globais com a as- sistência de média e alta complexidades no conjunto de municípios ha- bilitados em GPSM, nos vinte e seis estados brasileiros. A análise da divisão de responsabilidades assumida por estados e municípios, ex- pressa pelo percentual de recursos federais gastos com a assistência, geridos pelos municípios em GPSM, durante o ano de 2001, exibe gran- de diversidade de situações entre os estados. Enquanto alguns estados transferiram acima de 90% de recursos de custeio da assistência para os municípios em GPSM (AC, SC, PI, ES, AM, GO, PA, RS, RO e RJ), outros transferiram menos de 50% dos recursos (CE, AP, RR, PE e SE). segregar.pmd 9/29/2003, 12:56 PM72 UERJ - INSTITUTO DE MEDICINA SOCIAL – 75 GESTÃO D E SI S T E M A S DE S AÚDE Gráfico 4 Distribuição percentual dos recursos financeiros para assistência ambulatorial, em municípios habilitados em GPSM. Segundo gestão, 2001 Fonte: DDGA/SAS/MS. Pelos dados apresentados nos três gráficos acima e buscando com- provação para o argumento de não transferir serviços por serem de alta complexidade e entendendo que a alta complexidade existe tanto na área ambulatorial como hospitalar, percebemos que há problemas em alguns estados. O Mato Grosso, por exemplo, apresenta alto percentual de recursos sob gestão estadual na área ambulatorial (50%) em relação à área hospitalar (1%). Podemos deduzir que serviços hospitalares de alta complexidade ficaram sob gestão municipal, enquanto outros servi- ços de média complexidade ambulatorial ficaram sob gestão estadual. É provável que, em estados em que menos de 80% dos recursos estejam com os municípios (MA, AL, MT, BA, SP, RN, PB, TO, CE, AP, RR, PE e SE), o critério utilizado para essa divisão não seja apenas nível de com- plexidade. A alta complexidade não representa este percentual de re- cursos no conjunto de municípios em GPSM nesses estados. Buscando ampliar informações que contribuíssem para o entendimento dos pactos objeto do estudo e ainda com referência ao nível de complexi- dade dos serviços, foi analisada a divisão de gestão da alta complexidade nas capitais em cada estado quando esta estava habilitada em GPSM. Quando isso não ocorria, foi analisado o maior município habilitado nes- sa forma de gestão. O gráfico 5 apresenta a proporção de recursos faturados na alta complexidade ambulatorial, por nível de gestão. 0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100 AC SC AM PI ES RO GO RJ PA RS MG PR MA MS AL AP SP BA MT RR TO CE PB RN PE SE Gestão Municipal Gestão Estadual segregar.pmd 9/29/2003, 12:56 PM75 76 – UERJ - INSTITUTO DE MEDICINA SOCIAL GESTÃO D E SI S T E M A S DE S AÚDE 2 As capitais, quando habilitadas em GPSM; nos estados em que isto não ocorre, o maior município habilitado em GPSM. Em quatro estados, os maiores municípios em GPSM não têm qual- quer serviço de alta complexidade ambulatorial em seu território. A aná- lise deste aspecto ficará, portanto, prejudicada nos seguintes municípios: Senador Guiomar/AC; Manacapuru/AM; Santana/AP; e Ji-Paraná/RO. Em João Pessoa/PB, Recife/PE, Natal/RN, Boa Vista/RR e Aracaju/SE, todos os serviços de alta complexidade localizados na capital estão sob gestão estadual. Em três municípios, a gestão da alta complexidade está exclusi- vamente sob gestão municipal: Linhares/ES, Teresina/PI e Joinville/SC. Nos demais municípios, a gestão da alta complexidade está dividida entre estados e municípios. Nove municípios têm a gestão de mais de 50% dos recursos da alta complexidade ambulatorial: Maceió/AL, Goiânia/ GO, São Luís/MA, Belo Horizonte/MG, Campo Grande/MS, Belém/PA, Curitiba/PR, Rio de Janeiro/RJ e Porto Alegre/RS. Em cinco municípios, a gestão dos recursos é de menos de 50%: Vitória da Conquista/BA, Forta- leza/CE, Cuiabá/MT, Campinas/SP e Palmas/TO. Portanto, se analisar- mos apenas a gestão ambulatorial de alta complexidade, podemos con- cluir que os estados de PB, PE, RN e RR podem ter optado pelo critério de divisão de responsabilidades da gestão da alta complexidade. Gráfico 5 Proporção do gasto com internação de alta complexidade ambulatorial nos mu- nicípios analisados2 segundo gestão. Competência 2001 Fonte: DDGA/SAS/MS. 0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100 Gestão Municipal Gestão Estadual S en ad or G ui om ar d M ac ei ó M an ac ap ur u S an ta na V itó ri a da C on qu is ta F or ta le za B as íli a Li nh ar es G oi ân ia S ão L ui s B el o H or iz on te C am po G ra nd e C ui ab á B el ém Jo ão P es so a R e ci fe T er es in a C ur iti ba R io d e Ja ne iro N at al Ji -P ar an á B oa V is ta P or to A le gr e Jo in vi lle A ra ca ju C am pi na s P al m as segregar.pmd 9/29/2003, 12:56 PM76 UERJ - INSTITUTO DE MEDICINA SOCIAL – 77 GESTÃO D E SI S T E M A S DE S AÚDE O gráfico 6 mostra a gestão da alta complexidade hospitalar. Em cinco estados, os maiores municípios em GPSM não têm qualquer servi- ço de alta complexidade hospitalar em seu território, conforme informa- ções do SIH/SUS (Senador Guiomar/AC, Manacapuru/AM, Santana/AP, Vitória da Conquista/BA e Ji-Paraná/RO). Em treze estados a gestão é exclusivamente dos municípios em GPSM: Linhares/ES, Goiânia/GO, Belo Horizonte/MG, Campo Grande/MS, Cuiabá/MT, Belém/PA, João Pessoa/PB, Teresina/PI, Curitiba/PR, Rio de Janeiro/RJ, Natal/RN, Por- to Alegre/RS e Joinville/SC. A gestão é dividida entre estados e municí- pios em Fortaleza/CE, São Luís/MA, Campinas/SP e Palmas/TO. Em três estados a gestão é exclusivamente estadual: Recife/PE, Boa Vista/RR e Aracaju/SE. Destaca-se que, em João Pessoa/PB, 100% da alta complexi- dade ambulatorial estavam com o estado e 100% da gestão da alta com- plexidade hospitalar estavam com o município. Em três estados (PE, RR e SE) a análise dos dados da assistência no conjun- to reforça o argumento de que a gestão dos serviços de alta complexidade foi um critério para a divisão de responsabilidades entre estados e municípios. Gráfico 6 Proporção do gasto com internação de alta complexidade hospitalar nos municípios analisados3 segundo gestão. Competência 2001 3 As capitais, quando habilitadas em GPSM; nos estados em que isto não ocorre, o maior município habilitado em GPSM. Fonte: DDGA/SAS/MS. 0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100 Gestão Municipal Gestão Estadual S en ad or G ui om ar d M ac ei ó M an ac ap ur u S an ta na V itó ri a da C on qu is ta F or ta le za B as íli a Li nh ar es G oi ân ia S ão L ui s B el o H or iz on te C am po G ra nd e C ui ab á B el ém Jo ão P es so a R e ci fe T er es in a C ur iti ba R io d e Ja ne iro N at al Ji -P ar an á B oa V is ta P or to A le gr e Jo in vi lle A ra ca ju C am pi na s P al m as segregar.pmd 9/29/2003, 12:56 PM77 80 – UERJ - INSTITUTO DE MEDICINA SOCIAL GESTÃO D E SI S T E M A S DE S AÚDE 5 As capitais, quando habilitadas em GPSM; nos estados em que isto não ocorre, o maior município habilitado em GPSM. Fonte: DDGA/SAS/MS. do Ministério. Além disso, quando os serviços municipais ficam sob ges- tão estadual, o teto financeiro desses serviços é definido diretamente pelo estado, enquanto que, depois de transferida a gestão, o limite financeiro desses serviços tem que ser negociado com o respectivo município. Em alguns municípios ocorrem atrasos no pagamento dos serviços estaduais e outras vezes os limites financeiros desses serviços ficam limitados, devi- do ao limite do teto municipal. Os municípios argumentam, em alguns casos, que o estado investe pouco na saúde e que, portanto, ele deveria arcar com os custos dos serviços sob sua gerência. Tal procedimento, assumido por poucos municípios, serve como argumento para que a discussão do comando único sobre os prestadores estaduais ganhe resis- tência em alguns estados. Quadro 3 Gestão dos recursos financeiros para a assistência hospitalar no SUS, segundo natureza jurídica dos prestadores, municípios selecionados5. Competência 2001 segregar.pmd 9/29/2003, 12:56 PM80 UERJ - INSTITUTO DE MEDICINA SOCIAL – 81 GESTÃO D E SI S T E M A S DE S AÚDE 6.3. DIVISÃO DE RESPONSABILIDADES, CONSIDERANDO-SE SERVIÇOS DE REFE- RÊNCIA Argumento bastante utilizado pelos estados que propõem divisão na gestão em municípios em GPSM é que os serviços que recebem população de outros municípios não deveriam ser municipalizados. Assim, espera-se que os serviços municipalizados devem atender à população própria, e aqueles que estão sob gestão estadual devem atender predominantemente à população de outros municípios. No gráfico 7, serão analisadas as internações hospitalares realiza- das nas capitais em GPSM (quando estas não estiverem em GPSM, foi escolhido o maior município do estado nesta condição de gestão), de pacientes residentes fora do município analisado. Gráfico 7 Proporção do gasto com internações nos municípios analisados6 segundo proce- dência do paciente e gestão. Competência 2001 6 As capitais, quando habilitadas em GPSM; nos estados em que isto não ocorre, o maior município habilitado em GPSM. Fonte: DDGA/SAS/MS. No gráfico acima podemos ver que em 14 municípios (excluído Brasília) a gestão é municipal e os serviços atendem tanto à população 0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100 Paciente de Fora- Gestão Municipal Paciente de Fora- Gestão Estadual Paciente Residente - Gestão Municipal Paciente Residente - Gestão Estadual Paciente de Fora- Gestão Municipal Paciente de Fora- Gestão Estadual Paciente Residente - Gestão Municipal Paciente Residente - Gestão Estadual Municipal Municipal Estadual Estadual S en ad or G ui om ar d M ac ei ó M an ac ap ur u S an ta na V itó ria d a C on qu is ta Fo rta le za B as íli a Li nh ar es G oi ân ia S ão L ui s B el o H or iz on te C am po G ra nd e C ui ab á B el ém Jo ão P es so a R e ci fe Te re si na C ur iti ba R io d e Ja ne iro N at al Ji -P ar an á B oa V is ta P or to A le gr e Jo in vi lle A ra ca ju segregar.pmd 9/29/2003, 12:56 PM81 82 – UERJ - INSTITUTO DE MEDICINA SOCIAL GESTÃO D E SI S T E M A S DE S AÚDE própria quanto a referenciada (Senador Guiomard/AC, Vitória da Con- quista/BA, Linhares/ES, Goiânia/GO, Campo Grande/MS, Cuiabá/MT, Belém/PA, João Pessoa/PB, Teresina/PI, Rio de Janeiro/RJ, Natal/RN, Ji- Paraná/RO, Porto Alegre/RS e Joinville/SC). Em dois municípios (Manacapuru/AP e Santana/AM), a gestão hospitalar é estadual e os serviços atendem tanto à população do próprio município quanto a referenciada. Em nove municípios (Maceió/AL, Fortaleza/CE, São Luís/ MA, Recife/PE, Curitiba/PR, Boa Vista/RR, Aracaju/SE, Campinas/SP e Palmas/TO) a gestão hospitalar é dividida entre o estado e o município, e os serviços atendem tanto à população própria quanto a referenciada, independentemente da gestão. Belo Horizonte/MG é o único município entre os analisados que apresenta situação peculiar: o estado gere um pequeno percentual de internações no município e elas atendem exclu- sivamente à população não-residente em Belo Horizonte. 6.4. A INFLUÊNCIA DO PORTE POPULACIONAL DOS MUNICÍPIOS EM GPSM NOS PACTOS DE GESTÃO Neste item serão analisados dados relativos ao porte dos municípios em GPSM, em cada estado, e a influência desse fator sobre o modelo de gestão assumido. A NOB-SUS 01/96 permitiu que qualquer município brasileiro pudesse pleitear a GPSM, independentemente de porte, locali- zação e papel no sistema. Entre os 562 municípios habilitados nessa mo- dalidade de gestão, até dezembro de 2001, encontram-se municípios de todos os portes. O menor deles é Santópolis de Aguapeí/SP, com 3.810 habitantes; e o maior é o Rio de Janeiro, com 5.897.485 habitantes. A pergunta que surge quanto ao porte do município que se habili- tou em cada estado é: este aspecto pode ter influenciado o modelo de gestão assumido? A divisão de comando na capital é em geral mais conflituosa do que em municípios do interior. Na capital estão localiza- dos os serviços de maior complexidade e visibilidade político-adminis- trativa. Esses fatos, associados aos conflitos político partidários freqüen- tes entre o estado e a capital, fazem com que a habilitação da capital seja um fator de tensão. Para contribuir na análise proposta, serão apresentados, no gráfico 8, dados dos municípios habilitados em GPSM, por porte populacional, em cada estado. Os dados contidos no gráfico requerem cuidado na análise, considerando que nos estados cujo número de municípios ha- bilitados em GPSM é pequeno (AC, AP, MT, PI, RR, e SE) o porte dos municípios pode parecer mais uniforme do que nos estados cujo núme- ro de municípios habilitados é maior. Entretanto, é possível visualizar a segregar.pmd 9/29/2003, 12:56 PM82 UERJ - INSTITUTO DE MEDICINA SOCIAL – 85 GESTÃO D E SI S T E M A S DE S AÚDE importantes. O primeiro é a programação pactuada e integrada da assis- tência (PPI), consolidada através de um instrumento eletrônico (SIS PPI). Tal instrumento consolida os pactos acordados para divisão dos recur- sos e explicita os recursos destinados à população residente e os desti- nados à população de referência. O segundo mecanismo consiste no Termo de Garantia de Acesso, assinado pelos gestores estadual e muni- cípios habilitados em GPMS pela NOAS. Foi criado também o Termo de Compromisso Entre Entes Públicosm, que dá a garantia de que mesmo no teto do município em GPSM, recursos destinados às unidades de natureza pública estaduais sejam repassados diretamente do Fundo Nacional de Saúde ao estado. Entretanto, conforme evidenciado nas análises anteriores, a ques- tão do consenso quanto à melhor divisão de responsabilidades entre estados e municípios era bastante complexa. Antes mesmo da implanta- ção da NOAS, surgiu no CONASS um movimento para alterar o texto da norma em dois pontos. O primeiro referia-se ao fortalecimento dos ins- trumentos definidos para controlar os recursos de referência alocados nos municípios em GPSM. E, o segundo, permitir que módulos assistenciais pudessem ser qualificados mesmo mantida a gestão da sede sob responsabilidade estadual7 . Os instrumentos definidos para a organização da assistência, estabe- lecidos pela NOAS, vêm-se caracterizando como importantes ferramentas de planejamento dos Sistemas Estaduais de Saúde. Embora o papel coor- denador dos estados venha sendo instrumentalizado, o mesmo não vem ocorrendo quanto à adesão dos municípios à NOAS. Alguns fatores po- deriam estar dificultando a adesão dos municípios à NOAS, associados à sistemática de habilitação condicionada ao papel do município no PDR estadual; aos baixos indicadores na avaliação da atenção básica; aos bai- xos incentivos financeiros adicionais para atenção básica; à exigência de 7 Em dezembro de 2002, quinze estados encontravam-se habilitados na NOAS-SUS: quatorze na gestão plena do sistema estadual (PA, MS, MT, GO, DF, PR, SC, RJ, CE, AL, SE, PB, MG e RS) e um na gestão avançada do sistema estadual (AP). Os estados, ao pleitearem a habilitação, devem encaminhar o cronograma de ajuste do comando único no estado aprovado pela CIB e CES respectivos. Esse instrumento busca superar a divisão de comando nos municípios habilitados em GPSM pela NOB-SUS 01/96. Em alguns estados, os ajustes estão sendo feitos (CE, MS e PB). Entretanto, em alguns estados, onde as partilhas de responsabilidades existiam com força sustentada pela participação estadual na gestão de prestadores, em municípios habilitados em GPSM, estes não se habilitaram. Por outro lado, em alguns estados habilitados a questão do comando já estava superada e o entendimento era de que o comando sobre os prestadores deveria ficar com os municípios habilitados em GPSM. Nestes estados o ajuste foi possível, o que representa menor esforço (RJ, MG, PR e SC). segregar.pmd 9/29/2003, 12:56 PM85 86 – UERJ - INSTITUTO DE MEDICINA SOCIAL GESTÃO D E SI S T E M A S DE S AÚDE referência unicêntrica para município-sede de módulo assistencial; ao acompanhamento fragmentado da assistência e da atenção básica pelo MS; a exigências da Lei de Responsabilidade Fiscal; e a relações entre estado e municípios afetadas pelo ano eleitoral. O processo de habilitação do município, na sistemática da NOAS, estava atrelado à habilitação do estado. Assim, em decorrência da renegociação de alguns pontos da NOAS 01/01e a edição da NOAS/SUS 01/02, durante dezoito meses não ocorreram habilitações municipais. Além disso, alguns estados não se organizaram para se habilitar. Poste- riormente, esse ponto da norma foi alterado e hoje os municípios loca- lizados em estados não-habilitados podem se habilitar. As novas res- ponsabilidades que o município habilitado deve assumir a partir da implantação da NOAS não encontraram correspondência com os valo- res financeiros adicionais propostos (PABA e M1). A referência unicêntrica, por sua vez, para o município-sede do módulo assistencial, enfrentou grandes problemas durante a negociação da PPI. Nesse particular, o deslocamento do financiamento de procedimentos da média complexidade ambulatorial (M1) de municípios satélites que já dis- põem desses serviços para municípios sede de módulo parece não ser viável. A estrutura do Ministério da Saúde, na forma que se encontrava, dificultou um processo integrado e articulado de acompanhamento da NOAS, principalmente em relação à atenção básica e ao Sistema de Informação em Orçamentos Públicos de Saúde, que são requisitos para a habilitação. A Lei de Responsabilidade Fiscal, por seu turno, tornou os gestores mais cautelosos para assumir novas responsabilidades, princi- palmente frente aos limites e compressão financeira. Um último fator se refere ao contexto eleitoral do ano de 2002, no qual as relações entre estados e municípios são afetadas por disputas políticas. 8. CONSIDERAÇÕES FINAIS O presente trabalho procurou conjugar uma aval iação dos determinantes locais com aqueles definidos pelo governo central, objetivando, em primeiro lugar, proceder a uma análise realista da diversidade dos processos de descentral ização em curso. E, em segundo lugar, buscar associar um conjunto de condições afetas à capacidade de planejamento e gestão e do porte dos municípios com variáveis de cobertura e gastos com assistência à saúde, no sentido de conferir uma base empírica às categorizações dos pactos de ges- tão de assistência à saúde. segregar.pmd 9/29/2003, 12:56 PM86 UERJ - INSTITUTO DE MEDICINA SOCIAL – 87 GESTÃO D E SI S T E M A S DE S AÚDE Tal empreendimento, ainda que restrito, pode descrever e analisar a variedade dos pactos intergestores assumidos durante o processo de descentralização da gestão. Embora não objetivasse propor soluções para os intricados problemas da reprodução nos níveis subnacionais da fragmentação das ações assistenciais, de vigilância sanitária e vigilância epidemiológica que estruturaram o Sistema de Saúde brasileiro, este trabalho indica a importância de que, nos pactos intergestores no SUS, a questão da eqüidade e da integralidade caminha em direção à organi- zação regional, conforme argumentam Teixeira, Paim et al . (2000). A importância de maior detalhamento das trajetórias da descentralização, a partir da análise da interação das três esferas de go- verno expressa à primeira vista, que as variáveis político-institucionais locais são as que definem os reais modelos de habilitação e de gestão, e certa inocuidade da capacidade indutora do Ministério da Saúde. No sen- tido contrário das teses que destacam as condições locais dos estados e municípios, situam-se aqueles que julgam que o Ministério da Saúde de- termina os rumos do processo de descentralização. O poder de indução desse ministério seria diretamente proporcional aos recursos financeiros controlados pelo poder central. Alguns autores ressaltam características democratizantes da descentralização, como o funcionamento de milhares de conselhos de saúde, mas reafirmam que o processo em curso não rompe com a tradição centralizadora das políticas de saúde (Elias, 2001). Uma possível contribuição do presente estudo é buscar categorias mais adequadas para analisar o processo de descentralização dos siste- mas assistenciais em curso e repensar, mediante uma avaliação crítica, a formulação de novas estratégias de descentralização voltadas à constru- ção de um Sistema de Saúde Público de alcance universal e equânime. As evidências sobre as relações entre o processo de descentralização dos serviços e das ações de saúde e a ampliação de cobertura e melhoria das condições de saúde não só se fazem notar no âmbito assistencial, mas talvez adquiram mais nitidez na dimensão gerencial. As distintas estratégias que foram sucessivamente desenhadas para viabilizar o SUS nos últimos dez anos revelam as complexas possibilidades de reinterpretação das diretrizes de descentralização. Apesar de proposta pela Constituição Brasileira em 1988, fortalecida pela Lei Orgânica da Saúde, em 1990, regulamentada pelas normas operacionais, a descentralização do sistema de saúde é, ainda hoje, um ponto de muita polêmica e conseqüentemente de muita negociação nas instâncias deliberativas do SUS. O sistema se organiza para a população segregar.pmd 9/29/2003, 12:56 PM87 90 – UERJ - INSTITUTO DE MEDICINA SOCIAL GESTÃO D E SI S T E M A S DE S AÚDE dificuldades alegadas pelos estados. O fato de a gestão dos serviços estar com o município habilitado em GPSM ou com o estado ou até mesmo dividida entre os dois não interfere no acesso dos pacientes referenciados. Melhor dizendo, não se pode afirmar que a restrição de acesso é característica nos municípios em GPSM, que assumiram a tota- lidade dos serviços em seu território. Em síntese, constata-se que, na maioria dos casos, a divisão de respon- sabilidades observada, entre estados e municípios habilitados em GPMS, não se apresentou com uma lógica pautada em uma razão sistêmica. Em grande parte dos estados, houve mais de um critério para a não-transferên- cia dos serviços pelo estado. Parece que não houve um só critério mais relevante e sim uma soma de critérios. Nos estados em que o comando está dividido nos municípios em GPSM, não se encontrou uma lógica que aju- dasse a organizar o sistema; ao contrário, esta divisão dificultou a estruturação do sistema e, muitas vezes, pareceu fruto de casuísmos locais. A divisão de responsabilidades estabelecida entre estados e municí- pios habilitados em GPSM, durante a vigência da NOB-SUS 01/96, foi identificada como um problema a ser enfrentado durante a elaboração das NOAS 01/01 e 01/02. Reconhecendo os graves problemas trazidos para a gestão do SUS, devido à divisão de comando sobre os prestadores dentro do território de um município, a NOAS-SUS radicalizou, fazendo dois movimentos: o primeiro, no sentido de fortalecer o papel do esta- do em suas funções coordenadoras, e o segundo, determinando que os municípios habilitados em GPSM sejam responsáveis pela gestão de to- dos os prestadores localizados no âmbito de seu município. Não há muita dúvida de que a NOAS está sendo um importante instrumento de indução no planejamento das ações do estado, fortale- cendo seu papel coordenador.A dúvida que se coloca hoje quanto à NOAS diz respeito ao pequeno número de municípios que pediram a sua habilitação. Vários são os fatores que podem estar trazendo essa dificuldade, mas a verdade é que a NOAS só se implanta, de fato, a partir do momento em que regiões de saúde estiverem qualificadas, o que não pode ocorrer sem que os municípios estejam habilitados. É muito importante que os atores/gestores do SUS estejam atentos e pos- sam continuar modificando a NOAS (ela já sofreu algumas modificações neste sentido), fazendo dela um instrumento de organização dos siste- mas municipais e regionais de saúde. Os estados que se habilitaram e que já tiveram municípios habilita- dos em GPSM pela NOAS-SUS 01/02 estão gradativamente superando a segregar.pmd 9/29/2003, 12:56 PM90 UERJ - INSTITUTO DE MEDICINA SOCIAL – 91 GESTÃO D E SI S T E M A S DE S AÚDE divisão de comando sobre os prestadores. Há, no entanto, que se per- guntar se os estados que resistem à lógica do comando único sobre os prestadores irão aderir à NOAS. E, se não aderirem, os municípios loca- lizados nesses estados permanecerão com o comando dividido sobre os prestadores? É desejável que o Ministério da Saúde venha a incentivar os estados que aderirem à Gestão Plena do Sistema. A NOAS estimulou, em quase todos os estados brasileiros, o debate sobre o acesso da população aos serviços. Essa norma foi a que mais trabalhou as questões referentes à organização dos serviços e ao aces- so. Curiosamente, ela não conseguiu influenciar decisivamente as ações do Ministério da Saúde. Apesar de conter importante estratégia para organização do sistema, a maioria dos atos normativos do Ministério publicados no período de vigência da NOAS não fez referência a ela. Não podemos dizer que ela foi o eixo orientador nem mesmo de toda a assistência. O papel de condução para a elaboração, negociação e implantação da NOAS ficou quase restrito à Secretaria de Assistência à Saúde. Esta prática do Minis- tério da Saúde induziu processos divergentes nos estados e municípios e é alvo de muitas críticas por parte de gestores estaduais e municipais. Este trabalho indica que novos estudos deverão ser realizados, no sentido de detalhar pontos que não foram devidamente elucidados. Exemplo disso é a melhor identificação dos grupos de procedimentos ambulatoriais, que estão sob gestão estadual. A partir desta análise, será passível entender melhor se o novo papel do estado está se conso- lidando, ou se continua disputando com os municípios a gestão de to- dos os procedimentos. Há também que se registrar a insuficiência deste estudo, uma vez que não houve, durante sua realização, visita aos estados ou entrevis- tas com os gestores envolvidos. É provável que, se isso ocorrer, muitos dados passarão a ter outro sentido. O processo de implantação e consolidação do SUS no Brasil é um desafio que continua se colocando todos os dias para os atores/gestores desse imenso Sistema Público de Saúde. Quanto mais se faz, mais há por fazer. A busca da universalidade e da eqüidade – conquistadas como direitos da população brasileira –, ao lado da premissa da organização de um sistema que seja único e se estruture de foram descentralizada, com participação de mais de cinco mil gestores e com controle social forte, colocam como pauta permanente a avaliação de todo o processo de descentralização. Este artigo pretende contribuir com essa discussão. segregar.pmd 9/29/2003, 12:56 PM91 92 – UERJ - INSTITUTO DE MEDICINA SOCIAL GESTÃO D E SI S T E M A S DE S AÚDE REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BRASIL. Ministério da Saúde. Pesquisa de Avaliação da Gestão Plena do Sistema Municipal. Coordenação de Ana Luiza d‘Ávila Viana. Brasília. 2002 Disponível em: www.saude.gov.br/sas/ddga/ homeddga.htm (Estudos e Projetos). 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Assim, embora o princí- pio do comando único em cada nível de poder preveja, tanto para o Ministério da Saúde quanto para as Secretarias Estaduais de Saúde e SMS, responsabilidades e prerrogativas na formulação da política setorial sob sua competência, as condições estruturais e conjunturais presentes em alguns estados do país têm conferido feições singulares ao processo de descentralização, influenciando as modalidades de implantação do SUS e suas condições de sustentabilidade. Na origem dessa diversifica- ção podem ser destacados três grandes grupos de fatores: • a heterogeneidade geográfica, as dimensões continentais e po- pulação numerosa, irregularmente distribuída no território naci- onal, com influências distintas sobre os determinantes envolvi- dos no processo saúde-doença da população, sobre as necessi- dades assistenciais e, em decorrência, sobre a definição das polí- ticas setoriais e exercício da ação gestora; • a heterogeneidade socioeconômica e a concentração de renda, traduzidas nos indicadores de disparidades regionais e individu- ais de renda, que guardam estreita relação com o perfil sanitário e de acesso da população aos bens e serviços de saúde. A diver- sidade que marca o país manifesta-se igualmente no hiato relati- vo às capacidades políticas e organizativas dos estados e municí- pios, acentuando a necessidade de implantação de políticas soci- ais de inclusão social, redistribuição da renda e redução das ini- qüidades estruturais. Assim, a implantação do SUS ocorre num cenário marcado pelo caráter concentrador e excludente do pro- cesso de produção de riqueza e pelas diferentes capacidades ad- ministrativas e fiscais dos entes federados; • os traços particulares da organização política federativa, na qual os três níveis de governo (27 estados e 5.560 municípios - 77,9% deles com população abaixo de 25 mil habitantes, no qual resi- dem 23,7% da população total do país) gozam de ampla autono- mia administrativa, sem vinculações hierárquicas entre si. Segundo a Constituição Federal de 1988, aos municípios cabem res- ponsabilidades na implantação das ações e serviços de saúde, que de- mandam investimentos para acumular o poder e as capacidades 1 Deste modo, é importante distinguir descentralização e desconcentração, sendo o segundo o processo no qual os níveis subnacionais criam corpos administrativos com objetivos limitados à operacionalização de políticas centralmente definidas, sem qualquer autonomia decisória ou responsabilidade política (Gremaud, 1999). segregar.pmd 9/29/2003, 12:56 PM95 96 – UERJ - INSTITUTO DE MEDICINA SOCIAL GESTÃO D E SI S T E M A S DE S AÚDE institucionais indispensáveis ao exercício dessas funções. No entanto, as possibilidades concretas de estruturação municipal e estadual se en- contram sob forte determinação do porte e potencial arrecadador de cada ente federativo, extremamente diversificados e apontados como potencializadores de diferenças e iniqüidades, que o modelo assistencial anterior fortalecia e que o SUS se propôs a superar. Além destes condicionantes estruturais, Cohn (1998) identifica outros obstáculos adicionais, de caráter conjuntural, presentes no processo de descentralização. A redução de recursos orçamentários para investimento nas duas últimas décadas, ao repercutir sobre o cenário administrativo no qual o SUS se realiza, favorece a manutenção de estruturas administrativas arcaicas, descoladas de propostas de reformas da administração pública coerentes com as responsabilidades sociais previstas na Constituição Fede- ral de 1988. De outra parte, a influência conservadora e patrimonialista, sobre a organização dos serviços públicos, exercida pelas forças políticas que sustentaram o governo central nas duas últimas décadas, colide com a proposta de um sistema de saúde que pressupunha, nos três níveis de governo, uma administração pública profissionalizada, com padrões de efi- ciência e eficácia distantes dos atuais. De fato, predomina a insuficiente autonomia institucional. As condi- ções de desempenho das funções e de responsabilidades gestoras per- manecem na fase de pré-modernização (Campos, 2001) da administra- ção pública brasileira, alheias aos movimentos de implantação de for- mas institucionais antipatrimonialistas, voltados para a excelência bu- rocrática e que se caracterizam por contemplar avaliação de desempe- nho, gestão pública estratégica, profissionalização e valorização do ser- vidor público, fomento gerencial, dentre outros. Por sua vez, no aparelho burocrático nacional, a ocupação de cargos dirigentes permanece atendendo a relações de laços de amizade ou indica- ção política, resultando em instituições públicas com quadros de pessoal que extrapolam o contingente legal, com profissionais instáveis ou incapa- citados para o exercício das habilidades e responsabilidades propostas na Constituição Federal de 1988, sendo cenário mais comum o de negação da função da administração pública como agente do Estado, não raramente se justificando sua manutenção como mero instrumento de governo. Outro elemento conjuntural se relaciona com a magnitude e complexi- dade atingida pelos problemas sociais, como a pobreza e a desigualdade, segregar.pmd 9/29/2003, 12:56 PM96 UERJ - INSTITUTO DE MEDICINA SOCIAL – 97 GESTÃO D E SI S T E M A S DE S AÚDE carentes de um novo projeto de sociedade e reformas necessárias à sua superação. O país tem apresentado taxas de analfabetismo, de- semprego e mortalidade infantil superiores a de países em patamar seme- lhante de crescimento econômico. Paradoxalmente, esse contexto dificulta a organização da sociedade civil em torno de temas como cidadania, direi- tos e justiça social e associando-se, comumente, à menor capacidade de cobrança de desempenho da população junto aos dirigentes públicos, no que lhes compete como formuladores e responsáveis pela implantação de políticas sociais e pela elevação do padrão dos serviços públicos. Enfim, o SUS requer formulações extra-setoriais compatíveis com seu vasto projeto de engenharia política e institucional, que inclui o fortaleci- mento da capacidade gestora nas três esferas de governo e a implantação de processos democráticos de condução político-institucional. 2.1. CONSIDERAÇÕES SOBRE A CONSTRUÇÃO DO SUS NO ÂMBITO ESTADUAL As dificuldades na implantação do processo de descentralização não se expressam da mesma forma em todos os estados brasileiros, sendo uma dimensão importante no seu acompanhamento a análise das estraté- gias que vêm sendo adotadas na definição do papel que cabe a cada esfera de governo no SUS. As divergências neste âmbito, que têm motiva- do conflitos entre os gestores do SUS, podem ser imputadas, em grande parte, às peculiares do federalismo brasileiro, mas dependem também da condução dada pelas instâncias decisórias, particularmente, da indução pelo Ministério da Saúde. Neste sentido, há riscos de desconexão entre as políticas indutoras e o processo de criação das capacidades gestoras dos níveis estaduais e municipais, bem como do grau de institucionalização atingido no processo de construção da descentralização. Um primeiro aspecto para a compreensão das Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde como cenários concretos de construção do SUS decorre da premissa de que a sustentabilidade dos avanços propostos na Constituição Federal de 1988 dependem da consolidação de estrutu- ras político-institucionais nos três níveis de poder, daí derivando a ne- cessidade de que avaliações sobre a implantação do SUS considerem os diferentes contextos político-institucionais e os determinantes sociais e econômicos envolvidos no processo. Neste sentido, a preocupação em aferir o grau de institucionalização da descentralização nos estados levou ao resgate de análise realizada segregar.pmd 9/29/2003, 12:56 PM97
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