Caderno de atenção básica

Caderno de diabetes
(Parte 1 de 10)
Cadernos de Atenção Básica - n.º 16
Brasília - DF 2006
Secretaria de Atenção à Saúde Departamento de Atenção Básica
Cadernos de Atenção Básica - n.º 16 Série A. Normas e Manuais Técnicos
Brasília - DF 2006
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Cadernos de Atenção Básica, n. 16 Série A. Normas e Manuais Técnicos
Tiragem: 1.ª edição - 2006 - 20.0 exemplares
Elaboração, distribuição e informações: MINISTÉRIO DA SAÚDE Secretaria de Atenção à Saúde Departamento de Atenção Básica SEPN 511, bloco C, Edifício Bittar IV, 4.º andar CEP: 70058-900, Brasília - DF Tels.: (61) 3315-3302 / 3225-6388 Fax.: (61) 3325-6388 Homepage: w.saude.gov.br/dab
Supervisão Geral: Luis Fernando Rolim Sampaio
Equipe de elaboração: Antônio Luiz Pinho Ribeiro Carisi Anne Polanczyk Carlos Armando Lopes do Nascimento José Luiz Dos Santos Nogueira Rosa Sampaio Vila Nova de Carvalho
Equipe técnica: Adelaide Borges Costa de Oliveira - DAB/MS Ana Cristina Santana de Araújo - DAB/MS Antônio Luiz Pinho Ribeiro - DAE/MS Carisi Anne Polanczyk - DAE/MS Carlos Armando Lopes do Nascimento - DAE/MS José Luiz Dos Santos Nogueira - DAE/MS Maria das Mercês Aquino Araújo - DAB/MS Micheline Marie Milward de Azevedo Meiners - DAB/MS Rosa Maria Sampaio Vila Nova de Carvalho (Coordenação) Sônia Maria Dantas de Souza - DAB/MS
Revisão técnica: Bruce Bartholow Duncan - UFRGS Carisi Anne Polanczyk - DAE/MS Erno Harzheim - UFRGS Maria Inês Schmidt - UFRGS
Impresso no Brasil / Printed in Brazil
Ficha Catalográfica _
Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica.
Diabetes Mellitus / Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde,
Departamento de Atenção Básica. – Brasília : Ministério da Saúde, 2006. 64 p. il. – (Cadernos de Atenção Básica, n. 16) (Série A. Normas e Manuais Técnicos)
ISBN 85-334-1183-9
1. Diabetes Mellitus. 2. Dieta para Diabéticos. 3. Glicemia. I. Título. I. Série. WK 810 _ Catalogação na fonte – Coordenação-Geral de Documentação e Informação – Editora MS – OS 2006/0635
Títulos para indexação: Em inglês: Diabetes Mellitus Em espanhol: Diabetes Mellitus
Equipe de apoio administrativo: Alexandre Hauser Gonçalves - DAB/MS Isabel Constança P. M. de Andrade - DAB/MS Maércio Carapeba Júnior - DAB/MS
Colaboradores: Alexandre José Mont’Alverne Silva - CONASEMS Amâncio Paulino de Carvalho - DAE/MS Ana Márcia Messeder S. Fernandes - DAF/MS Antônio Luiz Brasileiro - INCL/MS Augusto Pimazoni Netto - Consultor Médico/SP Carmem de Simone - DAB/MS Débora Malta - CGDANT/MS Denizar Vianna Araújo - INCL/MS Dillian Adelaine da Silva Goulart - DAB/MS Dirceu Brás Aparecido Barbano - DAF/MS Edson Aguilar Perez - SMS/São Bernardo do Campo-SP Flávio Danni Fuchs - UFRGS Lenildo de Moura - CGDANT/MS Mário Maia Bracco - CELAFISC Newton Sérgio Lopes Lemos - DAB/MS Regina Maria Aquino Xavier - INCL/MS Renata F. Cachapuz - ANS/MS Rubens Wagner Bressanim - DAB/MS Victor Matsudo - CELAFISCS
Sociedades científicas: José Péricles Steves - SBC Augusto Dê Marco Martins - SBC/DF Álvaro Avezum - FUNCOR/SBC Hélio Pena Guimarães - FUNCOR/SBC Marcos Antônio Tambasci - SBD Adriana Costa Forti - SBD Robson Augusto Souza dos Santos - SBH Pedro Alejandro Gordan - SBN Patrícia Ferreira Abreu - SBN José Nery Praxedes - SBN Mariza Helena César Coral - SBEM Sérgio Alberto Cunha Vêncio - SBEM Maria Inês Padula Anderson - SBMFC Hamilton Lima Wagner - SBMFC Fadlo Fraige Filho - FENAD
1. CONCEITO DO DIABETES MELLITUS | 9 |
2. EPIDEMIOLOGIA DO DIABETES | 9 |
3.CUIDADO INTEGRAL AO PACIENTE COM DIABETES E SUA FAMÍLIA | 10 |
4. CLASSIFICAÇÃO DO DIABETES | 1 |
4.1 Tipos de Diabetes | 1 2 |
4.2 Estágios de Desenvolvimento do Diabetes | 13 |
5. RASTREAMENTO E PREVENÇÃO DO DIABETES | 14 |
5.1 Rastreamento do diabetes tipo 2 | 14 |
5.2 Prevenção | 15 |
6.DIAGNÓSTICO DE DIABETES E DE REGULAÇÃO GLICÊMICA ALTERADA | 15 |
6.1 Principais Sintomas | 15 |
6.2 Confirmação Laboratorial | 15 |
6.3 Critérios Diagnósticos | 16 |
7. AVALIAÇÃO INICIAL | 17 |
8. PLANO TERAPÊUTICO | 20 |
9.MUDANÇAS NO ESTILO DE VIDA NO DIABETES TIPO 2 | 2 |
9.1 Alimentação | 2 |
9.2 Atividade Física | 23 |
10.TRATAMENTO FARMACOLÓGICO DO DIABETES TIPO 2 | 25 |
10.1 Metformina | 27 |
10.2 Sulfuniluréias | 28 |
10.3 Insulinoterapia | 28 |
APRESENTAÇÃO...............................................................................................................................7 SUMÁRIO
1.PREVENÇÃO E MANEJO DAS COMPLICAÇÕES AGUDAS DO DIABETES TIPO 2 | 29 |
1.1 Descompensação Hiperglicêmica Aguda | 29 |
1.1.1 Prevenção da Cetose e Cetoacidose | 29 |
1.1.2 Prevenção da Síndrome Hiperosmolar Não-Cetótica | 32 |
1.2 Hipoglicemia | 32 |
12. PREVENÇÃO E MANEJO DAS COMPLICAÇÕES DO DIABETES TIPO 2 | 34 |
12.1 Doença Cardiovascular | 35 |
12.1.1 Controle da Hipertensão Arterial | 35 |
12.1.2 Controle da Dislipidemia | 36 |
12.1.3 Uso de Agentes Antiplaquetários | 36 |
12.1.4 Controle do Tabagismo | 36 |
12.2 Retinopatia Diabética | 37 |
12.3 Nefropatia Diabética | 38 |
12.4 Neuropatia Diabética | 39 |
12.5 Pé Diabético | 41 |
12.6 Saúde Bucal | 43 |
12.7Vacinas Recomendadas para Portadores do Diabetes tipo 2 | 43 |
13.ATRIBUIÇÕES E COMPETÊNCIAS DA EQUIPE DE SAÚDE | 4 |
13.1 Recursos Necessários | 54 |
13.2Estimativa do número de pessoas com diabetes na comunidade | 45 |
13.3Atribuições dos diversos membros da equipe da Estratégia Sáude da Família | 45 |
14.CRITÉRIOS DE ENCAMINHAMENTOS PARA REFERÊNCIA E CONTRA-REFERÊNCIA | 50 |
15. ANEXOS | 50 |
Anexo 1. CONSERVAÇÃO E TRANSPORTE DE INSULINAS | 50 |
Anexo 2. TÉCNICA DE APLICAÇÃO DE INSULINA | 51 |
O Diabetes Mellitus configura-se hoje como uma epidemia mundial, traduzindose em grande desafio para os sistemas de saúde de todo o mundo. O envelhecimento da população, a urbanização crescente e a adoção de estilos de vida pouco saudáveis como sedentarismo, dieta inadequada e obesidade são os grandes responsáveis pelo aumento da incidência e prevalência do diabetes em todo o mundo.
Segundo estimativas da Organização Mundial de Saúde, o número de portadores da doença em todo o mundo era de 177 milhões em 2000, com expectativa de alcançar 350 milhões de pessoas em 2025. No Brasil são cerca de seis milhões de portadores, a números de hoje, e deve alcançar 10 milhões de pessoas em 2010. Um indicador macroeconômico a ser considerado é que o diabetes cresce mais rapidamente em países pobres e em desenvolvimento e isso impacta de forma muito negativa devido à morbimortalidade precoce que atinge pessoas ainda em plena vida produtiva, onera a previdência social e contribui para a continuidade do ciclo vicioso da pobreza e da exclusão social.
As conseqüências humanas, sociais e econômicas são devastadoras: são 4 milhões de mortes por ano relativas ao diabetes e suas complicações ( com muitas ocorrências prematuras), o que representa 9% da mortalidade mundial total. O grande impacto econômico ocorre notadamente nos serviços de saúde, como conseqüência dos crescentes custos do tratamento da doença e, sobretudo das complicações, como a doença cardiovascular, a diálise por insuficiência renal crônica e as cirurgias para amputações de membros inferiores.
O maior custo, entretanto recai sobre os portadores, suas famílias, seus amigos e comunidade: o impacto na redução de expectativa e qualidade de vida é considerável. A expectativa de vida é reduzida em média em 15 anos para o diabetes tipo 1 e em 5 a 7 anos na do tipo 2; os adultos com diabetes têm risco 2 a 4 vezes maior de doença cardiovascular e acidente vascular cerebral ; é a causa mais comum de amputações de membros inferiores não traumática, cegueira irreversível e doença renal crônica terminal. Em mulheres, é responsável por maior número de partos prematuros e mortalidade materna.
No Brasil, o diabetes junto com a hipertensão arterial, é responsável pela primeira causa de mortalidade e de hospitalizações, de amputações de membros inferiores e representa ainda 62,1% dos diagnósticos primários em pacientes com insuficiência renal crônica submetidos à diálise.É importante observar que já existem informações e evidências científicas suficientes para prevenir e/ou retardar o aparecimento do diabetes e de suas complicações e que pessoas e comunidades progressivamente têm acesso a esses cuidados.
Neste contexto, é imperativo que os governos orientem seus sistemas de saude para lidar com os problemas educativos, de comportamento, nutricionais e de assistência que estão impulsionando a epidemia de diabetes, sobretudo no sentido de reduzir a iniqüidade de acesso a serviços de qualidade. Por sua vez, o Ministério da Saúde implementa diversas estratégias de saúde pública, economicamente eficazes, para prevenir o Diabetes e suas complicações, por meio do cuidado integral a esse agravo de forma resolutiva e com qualidade.
Este Caderno de Atenção Básica traz o protocolo atualizado baseado em evidências científicas mundiais, dirigido aos profissionais de saúde da Atenção Básica, sobretudo os das equipes Saúde da Família, que poderão, com ações comunitárias e individuais, informar a comunidade sobre como prevenir a doença, identificar grupos de risco, fazer o diagnóstico precoce e a abordagem terapêutica inclusive a medicamentosa, manter o cuidado continuado, educar e preparar portadores e famílias a terem autonomia no auto-cuidado, monitorar o controle, prevenir complicações e gerenciar o cuidado nos diferentes níveis de complexidade, buscando a melhoria de qualidade de vida da população.
João Gomes Temporão Secretário de Atenção à Saude
O diabetes é um grupo de doenças metabólicas caracterizadas por hiperglicemia e associadas a complicações, disfunções e insuficiência de vários órgãos, especialmente olhos, rins, nervos, cérebro, coração e vasos sangüíneos. Pode resultar de defeitos de secreção e/ou ação da insulina envolvendo processos patogênicos específicos, por exemplo, destruição das células beta do pâncreas (produtoras de insulina), resistência à ação da insulina, distúrbios da secreção da insulina, entre outros.
2.EPIDEMIOLOGIA DO DIABETES
O diabetes é comum e de incidência crescente. Estima-se que, em 1995, atingia 4,0% da população adulta mundial e que, em 2025, alcançará a cifra de 5,4%. A maior parte desse aumento se dará em países em desenvolvimento, acentuando-se, nesses países, o padrão atual de concentração de casos na faixa etária de 45-64 anos.
No Brasil, no final da década de 1980, estimou-se que o diabetes ocorria em cerca de 8% da população, de 30 a 69 anos de idade, residente em áreas metropolitanas brasileiras. Essa prevalência variava de 3% a 17% entre as faixas de 30-39 e de 60-69 anos. A prevalência da tolerância à glicose diminuída era igualmente de 8%, variando de 6 a 1% entre as mesmas faixas etárias.
Hoje estima-se 1% da população igual ou superior a 40 anos,o que representa cerca de 5 milhões e meio de portadores (população estimada IBGE 2005).
O diabetes apresenta alta morbi-mortalidade, com perda importante na qualidade de vida. É uma das principais causas de mortalidade, insuficiência renal, amputação de membros inferiores, cegueira e doença cardiovascular. A Organização Mundial da Saúde (OMS) estimou em 1997 que, após 15 anos de doença, 2% dos indivíduos acometidos estarão cegos e 10% terão deficiência visual grave. Além disso, estimou que, no mesmo período de doença, 30 a 45% terão algum grau de retinopatia, 10 a 20%, de nefropatia, 20 a 35%, de neuropatia e 10 a 25% terão desenvolvido doença cardiovascular.
Mundialmente, os custos diretos para o atendimento ao diabetes variam de 2,5% a 15% dos gastos nacionais em saúde, dependendo da prevalência local de diabetes e da complexidade do tratamento disponível. Além dos custos financeiros, o diabetes acarreta também outros custos associados à dor, ansiedade, inconveniência e menor qualidade de vida que afeta doentes e suas famílias. O diabetes representa também carga adicional à sociedade, em decorrência da perda de produtividade no trabalho, aposentadoria precoce e mortalidade prematura.
3.CUIDADO INTEGRAL AO PACIENTE COM DIABETES E SUA FAMÍLIA
Considerando a elevada carga de morbi-mortalidade associada, a prevenção do diabetes e de suas complicações é hoje prioridade de saúde pública. Na atenção básica, ela pode ser efetuada por meio da prevenção de fatores de risco para diabetes como sedentarismo, obesidade e hábitos alimentares não saudavéis; da identificação e tratamento de indivíduos de alto risco para diabetes (prevenção primária); da identificação de casos não diagnosticados de diabetes (prevenção secundária) para tratamento; e intensificação do controle de pacientes já diagnosticados visando prevenir complicações agudas e crônicas (prevenção terciária).
O cuidado integral ao paciente com diabetes e sua família é um desafio para a equipe de saúde, especialmente para poder ajudar o paciente a mudar seu modo de viver, o que estará diretamente ligado à vida de seus familiares e amigos. Aos poucos, ele deverá aprender a gerenciar sua vida com diabetes em um processo que vise qualidade de vida e autonomia.
Este manual apresenta recomendações específicas para o cuidado integral do paciente com diabetes para os vários profissionais da equipe de saúde. No processo, a equipe deve manter papel de coordenador do cuidado dentro do sistema, assegurando o vínculo paciente-equipe de saúde e implementando atividades de educação em saúde para efetividade e adesão do paciente e efetividade das ações propostas às intervenções propostas. Além disso, deve procurar reforçar ações governamentais e comunitárias que incentivam à uma cultura que promove estilos de vida saudáveis.
Abaixo encontram-se algumas ações e condutas que devem fazer parte do trabalho de toda a equipe a fim de garantir o fortalecimento do vínculo, a garantia da efetividade do cuidado, a adesão aos protocolos e a autonomia do paciente:
•Oferecer cuidado a todos os pacientes, com sensibilidade para aspectos culturais e desejos pessoais, na visão de cuidado integral centrado na pessoa.
• Encorajar relação paciente-equipe colaborativa, com participação ativa do paciente na consulta; criar oportunidades para que o paciente expresse suas dúvidas e preocupações; respeitar o papel central que o paciente tem no seu próprio cuidado, reconhecendo os aspectos familiares, econômicos, sociais e culturais que podem prejudicar ou facilitar o cuidado.
•Assegurar-se de que conteúdos-chave para seu auto-cuidado tenham sido abordados.
•Avaliar periodicamente o estado psicológico dos pacientes e sua sensação de bem-estar, levando em consideração a carga de portar uma doença crônica, respeitando as crenças e atitudes dos pacientes. Explicitar os objetivos e abordar as implicações de um tratamento longo e continuado.
•Negociar com o paciente um plano individualizado de cuidado, revisando-o periodicamente e mudando-o de acordo com as circunstâncias, condições de saúde e desejos do paciente.
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