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Aspectos Gerais da Fisiologia e Estrutura do Sistema Digestivo dos Peixes Relacionados a Piscicultura, Notas de estudo de Engenharia Biológica

Cartilha elaborada pela EMBRAPA

Tipologia: Notas de estudo

2010

Compartilhado em 03/12/2010

Pamela87
Pamela87 🇧🇷

4.5

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Baixe Aspectos Gerais da Fisiologia e Estrutura do Sistema Digestivo dos Peixes Relacionados a Piscicultura e outras Notas de estudo em PDF para Engenharia Biológica, somente na Docsity! Aspectos Gerais da Fisiologia e Estrutura do Sistema Digestivo dos Peixes Relacionados à Piscicultura ISSN 1517-1973 Dezembro, 2 0 0 3 53 República Federativa do Brasil Luiz Inácio Lula da Silva Presidente Ministério da Agricultura e do Abastecimento Roberto Rodrigues Ministro Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária - Embrapa Conselho de Administração José Amauri Dimárzzio Presidente Clayton Campanhola Vice-Presidente Alexandre Kalil Pires Ernesto Paterniani Hélio Tollini Luis Fernando Rigato Vasconcellos Membros Diretoria-Executiva da Embrapa Clayton Campanhola Diretor-Presidente Gustavo Kauark Chianca Herbert Cavalcante de Lima Mariza Marilena T. Luz Barbosa Diretores-Executivos Embrapa Pantanal Emiko Kawakami de Resende Chefe-Geral José Aníbal Comastri Filho Chefe-Adjunto de Administração Aiesca Oliveira Pellegrin Chefe-Adjunto de Pesquisa e Desenvolvimento José Robson Bezerra Sereno Chefe-Adjunto da Área de Comunicação e Negócios Autor Marco Aurélio Rotta Eng.º. Agrônomo, M.Sc. em Zootecnia, Pesquisador em Sistemas de Produção Aqüícolas, Embrapa Pantanal, Rua 21 de Setembro, 1880, Caixa Postal 109 CEP 79320-900, Corumbá, MS Telefone (67) 233-2430 rotta@cpap.embrapa.br, marcoarotta@yahoo.com.br www.mrotta.cjb.net Apresentação Embora a indústria da aquicultura no Brasil venha crescendo nos últimos anos a uma taxa superior a 15% a.a., o potencial para a expansão dessa atividade é pouco aproveitado. Isso se deve, entre outras questões, à falta de uma política efetiva para organizar e promover o desenvolvimento da aquicultura como produtora de alimentos. Muito embora não se tenha um diagnóstico de ciência e tecnologia sobre a atividade, é possível inferir que as pesquisas no tema, além de dispersas territorialmente, caracterizam-se pela falta de integração entre os setores que compõem os diversos elos de sua cadeia produtiva. Nas condições atuais, não há uma idéia real das potencialidades para o desenvolvimento da aquicultura no Brasil, das prioridades de pesquisa e das demandas do setor produtivo. Essa situação tem resultado em diversos problemas que estão retardando o desenvolvimento da atividade. Visualiza-se, portanto, um papel central da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária - Embrapa - em termos de apoio à aquicultura, visando otimizar o aproveitamento do potencial natural, material e de recursos humanos existentes no País, através de uma atuação em nível nacional. Diante deste quadro, a Embrapa Pantanal vem buscando suprir a falta de informações técnicas para embasar o desenvolvimento da piscicultura, a exemplo da presente publicação, que trata sobre a fisiologia da digestão nos peixes. Este assunto é de grande relevância para a otimização da produção, pois somente a partir do conhecimento das diferentes necessidades e comportamentos alimentares desses animais poderão ser formuladas rações que supram suas necessidades fisiológicas e bioquímicas. A importância desse conhecimento se torna ainda mais evidente quando levamos em conta a diversidade de espécies de peixes que possuímos, e que, só aqui no Pantanal, há cerca de 260, cada uma com suas singularidades quanto ao hábito alimentar e às exigências nutricionais. Emiko Kawakami de Resende Chefe-Geral da Embrapa Pantanal Sumário Aspectos Gerais da Fisiologia e Estrutura do Sistema Digestivo dos Peixes Relacionados à Piscicultura.......................................9 Introdução ....................................................................9 Digestão .....................................................................10 Anatomia do Aparelho Digestivo...............................11 Cavidade bucal...........................................................13 Esôfago.....................................................................17 Estômago ..................................................................17 Intestino ....................................................................20 Reto..........................................................................22 Inervação do trato digestivo .........................................23 Órgãos digestivos acessórios.......................................23 Consumo e Tempo de Passagem do Alimento........24 Consumo e tempo de enchimento gástrico ....................24 Motilidade e estase do intestino ....................................25 Secreções Digestivas ................................................26 Secreções da boca e do esôfago..................................26 Secreções gástricas....................................................27 Secreções do intestino ................................................28 Aspectos Gerais da Fisiologia e Estrutura do Sistema Digestivo dos Peixes Relacionados à Piscicultura 10 um mesmo viveiro, diminuindo, assim, a competição por alimento entre as elas e otimizando o aproveitamento dos recursos alimentares disponíveis. Esse trabalho tem por objetivo reunir as informações disponíveis sobre a fisiologia e estrutura do aparelho digestivo dos peixes, que, muitas vezes, são escassas e estão disponíveis de forma dispersa na literatura, e divulgá-las aos acadêmicos, estudiosos em nutrição de peixes e piscicultores de forma concisa, correspondendo a uma síntese dos principais conhecimentos sobre esse tema e sua relação com os manejos adotados na piscicultura. Digestão A digestão é a combinação dos processos mecânicos, químicos e microbianos que sofre o alimento ingerido, promovendo sua quebra em componentes que são absorvidos pelo organismo ou que permanecem na luz do intestino até serem excretados. As atividades mecânicas são a mastigação e as contrações do tubo digestivo; a principal atividade química é efetuada pelas enzimas secretadas pelo animal, nos diversos sucos digestivos; e a atividade microbiana dos alimentos também é enzimática, porém é realizada por bactérias e protozoários presentes geralmente na porção final do tubo digestivo. Os processos gerais de digestão nos peixes tem sido pouco estudados quando comparados com os animais homeotermos (animais de sangue quente e temperatura corporal constante). Porém, as informações disponíveis sugerem que os peixes são, de uma maneira geral, semelhantes aos outros vertebrados quanto aos processos digestivos. Os peixes apresentam múltiplas variações da estrutura básica do trato gastrointestinal (TGI) dos vertebrados, as quais estão geralmente correlacionadas ao tipo de alimento consumido e ao ambiente, e podem influenciar a presença, posição, formato e tamanho de um órgão em particular. Algumas adaptações nos peixes provavelmente são inexistentes nos vertebrados terrestres, pois alguns alimentos disponíveis para os peixes são encontrados unicamente no ambiente aquático. Entretanto, a maioria dos peixes é pouco especializada nos seus hábitos alimentares, isto é, são generalistas, uma condição necessária para ingerir, digerir e absorver os diferentes tipos de alimentos, explorando uma grande diversidade de itens alimentares disponíveis, naturais ou industrializados. Mesmo quando ingerem um único tipo de alimento, os peixes podem substituí-lo por outro totalmente diferente quando o primeiro se torna indisponível, ou podem mudar de hábito alimentar ao longo da vida, sendo esta adaptação mais eficiente em peixes onívoros do que em carnívoros. Durante o desenvolvimento larval dos peixes, tanto nas espécies herbívoras como nas carnívoras, elas passam por uma mudança no hábito alimentar, que inicialmente é planctônico, alimentando-se primeiramente de fitoplâncton, depois de zooplâncton e, posteriormente, se especializando na ingestão de organismos animais ou vegetais. Aspectos Gerais da Fisiologia e Estrutura do Sistema Digestivo dos Peixes Relacionados à Piscicultura 11 Portanto, se tornar muito especializado quanto ao hábito alimentar pode ser uma estratégia arriscada à sobrevivência de determinada espécie. No ambiente natural os peixes conseguem balancear suas dietas escolhendo, entre diversos itens alimentares disponíveis, os que melhor suprem suas exigências nutricionais e preferências alimentares (capacidade também conhecida como palatabilidade metabólica), podendo recorrer a organismos animais e vegetais. Raramente observam-se sintomas de deficiências nutricionais nessas condições. O conhecimento do hábito alimentar das espécies em condições naturais e de criação permite a geração de tecnologia para a intensificação da produção, sendo, portanto, o sucesso da aquicultura associada ao conhecimento das características morfofisiológicas e comportamentais das espécies em criação, tanto nas fases adultas quanto nas fases jovens de desenvolvimento. Anatomia do Aparelho Digestivo O trato gastrointestinal ou digestivo é o tubo que vai da boca ao ânus e pelo qual passam os alimentos. Pode ser subdividido em cavidade bucal ou bucofaringeana, intestino anterior (esôfago e estômago), intestino médio (intestino propriamente dito) e intestino posterior (reto). Os vários tecidos e órgãos relacionados a ele estão envolvidos com a apreensão, mastigação e deglutição, seguidas da digestão e absorção dos nutrientes, como também com a excreção. Há uma estreita relação de interdependência entre a nutrição, o habitat e a organização do aparelho digestivo, a qual se manifesta especialmente por adaptações e modificações. Essas são variações morfológicas provocadas pela ação de fatores do ambiente sobre o organismo, podendo ser de caráter permanente, produzidas na evolução filogenética, como no caso das adaptações, ou de caráter temporário, produzidas no ciclo ontogenético do indivíduo (desenvolvimento do indivíduo desde a fecundação até a maturidade reprodutiva), chamadas de modificações. Portanto, a dieta é um dos principais fatores que confere aos órgãos do aparelho digestivo características funcionais, anatômicas e morfométricas próprias para cada regime alimentar. Apesar da grande diversidade das estruturas de alimentação e de digestão dos peixes, algumas generalizações são possíveis. Os peixes podem ser divididos, basicamente, em três grandes categorias, de acordo com o tipo de alimento consumido: • Os herbívoros ingerem itens de origem vegetal - a maioria se alimenta de poucas espécies de plantas e, freqüentemente, possuem estruturas de mastigação especializadas, obtendo o máximo valor nutricional através da completa trituração do alimento (p. ex.: piava, piau, piavuçu, pacu-peva; os nomes científicos dos peixes mencionados no texto estão listados no Anexo A); Aspectos Gerais da Fisiologia e Estrutura do Sistema Digestivo dos Peixes Relacionados à Piscicultura 12 • Os onívoros se alimentam de itens de origem animal e vegetal - possuem uma dieta mista e estruturas pouco especializadas. Freqüentemente consomem pequenos invertebrados, plantas e frutos (p. ex.: lambari, piraputanga, pacu, tambaqui, tambacu, tilápia, tuvira); • Os carnívoros ingerem sobretudo itens de origem animal - se alimentam de invertebrados de maior tamanho e outros peixes, podendo se especializar em algum tipo em particular. Essas preferências podem mudar com a disponibilidade sazonal dos alimentos (p. ex.: tucunaré, dourado, pintado, salmão, cachorra, piranha, traíra). Os peixes que se alimentam de plâncton, lama ou detritos (uma mistura de sedimento, matéria orgânica em decomposição e bactérias) não podem ser facilmente classificados como herbívoros ou carnívoros, devido a diversidade da origem dos organismos, sendo classificados como planctófagos (p. ex.: tamboatá), iliófagos ou detritívoros (p. ex.: curimbatá, acari). Herbívoros, onívoros e carnívoros podem ser encontrados na mesma família. Logo, parece que as estruturas do aparelho digestivo são altamente adaptáveis e facilmente modificáveis, pelo menos em termos evolutivos. Outro aspecto geral é que o comprimento do intestino está correlacionado com a dieta. Os herbívoros possuem um maior comprimento relativo do intestino (CRI), que leva em consideração o comprimento do intestino médio e do reto, que os carnívoros (Tabela 1). De modo geral nos carnívoros o CRI varia de 0,2 a 2,5, nos onívoros entre 0,6 e 8,0 e nos herbívoros de 0,8 a 15,0. Tabela 1. Comprimento relativo do intestino - CRI (comprimento do intestino / comprimento corporal) de algumas espécies de peixes. Espécie¹ Hábito Alimentar CRI Tuvira Carnívoro 0,4 Pintado Carnívoro 0,5 Traíra Carnívoro 0,7 Bagre-de-canal Onívoro 1,6 Carpa comum Onívoro 2,1 Tambaqui Onívoro 2,5 Carpa capim Herbívoro 1,9 Tilápia rendali Herbívoro 5,8 Carpa cabeça grande Fitoplanctófaga 15,0 Cascudo Herbívoro 15,9 ¹ Os nomes científicos dos peixes mencionados na tabela estão listados no Anexo A. Aspectos Gerais da Fisiologia e Estrutura do Sistema Digestivo dos Peixes Relacionados à Piscicultura 15 Existem basicamente quatro tipos de dentes presentes nos peixes, possuindo uma forte correlação entre a dentição, o hábito alimentar e o alimento ingerido. A dentição dos Teleósteos é normalmente composta por dentes maxilares, localizados nas bordas da boca e do palato, mais desenvolvidos em peixes carnívoros e ausentes ou muito pouco desenvolvidos nos herbívoros. Os herbívoros possuem os dentes faríngeos bem desenvolvidos (p. ex.: carpa capim) associados com os arcos branquiais (p. ex.: carpa prateada), localizados na parte posterior da cavidade opercular. Alguns peixes herbívoros possuem dentes mandibulares incisivos, que são utilizados para cortar as plantas macrófitas, entretanto a carpa capim não os possui. O tambaqui, considerado um peixe onívoro com tendência a frugivoria, possui dentes molariformes com as margens afiadas usados para triturar frutos e castanhas, mesmo as de casca muito dura. Uma ampla fenda bucal com uma dentição oral funcional e com um pequeno desenvolvimento do aparelho dentário faringiano e dos rastros branquiais são características de peixes que se alimentam, preferencialmente, de organismos animais, sendo geralmente carnívoros. Os peixes herbívoros/fitoplanctófagos geralmente apresentam dentes faringianos bem desenvolvidos (dispostos em placas ou ossos faringianos), que são utilizados para esmagar e moer vegetais ou outros materiais rígidos, facilitando a ação das enzimas digestivas devido ao aumento da área superficial do alimento (Fig. 2). Fig. 2. Três exemplos de ossos faringianos mostrando a variação da forma dos dentes faríngeos conforme o hábito alimentar dos peixes (à direita de um peixe fitoplanctófago, ao centro de um peixe que se alimenta de moluscos e à esquerda de um peixe piscívoro). Freqüentemente, os peixes que possuem esses dentes, como as carpas e as tilápias, apresentam um par superior e outro inferior, sendo esses pressionados entre si durante o processo de trituração do alimento (Fig. 3). Os dentes faringianos, por causa da sua orientação, podem ser também atuantes na deglutição do alimento. Os peixes apresentam modificações nos arcos branquiais, os chamados rastros branquiais (Fig. 4), que geralmente estão mais desenvolvidos nas espécies planctófagas (mais longas e numerosas), pois permite a essas formar uma estrutura tipo "rede" para filtrar e concentrar o plâncton presente na água bombeada através das brânquias. Peixes planctófagos geralmente possuem rastros branquiais numerosos e bastante próximos Aspectos Gerais da Fisiologia e Estrutura do Sistema Digestivo dos Peixes Relacionados à Piscicultura 16 entre si, permitindo uma eficiente filtragem de partículas pequenas de alimento, como fitoplâncton (p. ex.: carpa prateada), zooplâncton (p. ex.: carpa cabeça grande), crustáceos e, em alguns casos, até mesmo diatomáceas (p. ex.: tilápia), que possuem um diâmetro muito pequeno. Nesses peixes a secreção de muco nos rastros branquiais e na faringe auxilia na aglutinação dessas pequenas partículas para a sua ingestão. Fig. 3. Desenho esquemático mostrando o funcionamento dos dentes faríngeos. A placa óssea superior desloca no sentido vertical e a placa óssea inferior no sentido horizontal (seta tracejada indica o sentido de passagem do alimento). A maioria das tilápias são excelentes filtradoras de plâncton, porém nem todas possuem rastros branquiais próximos, necessitando de forma mais intensa a produção de muco pelos rastros branquiais. Os rastros branquiais também protegem as brânquias contra partículas ingeridas que possam, acidentalmente, machucá-las. Fig. 4. Três exemplos de rastros branquiais mostrando a variação da forma das suas estruturas conforme o hábito alimentar dos peixes: (A) de um peixe filtrador, como a tilápia nilótica e o acará; (B) de outro peixe filtrador, como as carpas prateada e cabeça grande; (C) de um peixe piscívoro, como o pintado e o dourado (AR - arco branquial; FI - filamentos branquiais; RA1 - rastros branquiais curtos em forma de tubérculo; RA2 - rastros branquiais longos e numerosos; RA3 - rastros branquiais curtos em forma de seta). Esôfago Cavidade Bucal A B C AR FI RA2 AR FI RA1 AR FI RA3 Aspectos Gerais da Fisiologia e Estrutura do Sistema Digestivo dos Peixes Relacionados à Piscicultura 17 Peixes carnívoros geralmente possuem rastros branquiais em menor número e mais afastados entre si, auxiliando no aprisionamento de pequenos peixes dentro da cavidade bucal. A secreção de muco nos rastros branquiais dos peixes carnívoros ajuda a lubrificar presas maiores, aumentando a eficiência de captura e facilitando a ingestão do alimento. Esôfago O esôfago quase sempre é um tubo curto, largo, reto e muito musculoso, e sua função é de degustar o alimento (possui botões gustativos) e transportá-lo até o estômago com o auxílio das ondas peristálticas (contrações musculares cuja função é transportar os alimentos pelo TGI, misturá-los com os sucos digestivos e pôr os nutrientes digeridos em contato com a mucosa intestinal, para sua subseqüente absorção). Além de conduzir os alimentos da boca para o estômago ou intestino, o esôfago comunica- se com a vesícula gasosa e pode desempenhar diferentes funções, como a de osmorregulação em peixes eurialinos (animais aquáticos que podem viver em águas com diferentes salinidades, como o salmão) ou auxiliar na respiração. O esôfago é de difícil identificação na maioria dos Teleósteos, pois muitas vezes não possui o esfíncter cárdico que o separa do estômago. Geralmente inicia na boca e termina na região cárdica do estômago, porém, em peixes sem estômago (agástricos), o esôfago se conecta diretamente ao intestino (p. ex.: carpa comum). É revestido por uma camada epitelial provida de células mucosas que, junto as grandes pregas longitudinais que a estriam, facilitam a ingestão das grandes partículas dos alimentos, sendo mais distendível em espécies ictiófagas e menos em espécies detritívoras e herbívoras. A musculatura do esôfago tende a ser mais desenvolvida em peixes de água doce do que em peixes de água salgada, pois exerce a função de minimizar a entrada de água (hipo-homeostática) durante a ingestão do alimento. Em algumas espécies tropicais existem divertículos cegos (sacos esofágicos) presentes. Também pode auxiliar no armazenamento do alimento enquanto o estômago se encontra em repleção, como ocorre nas tuviras. Estômago O estômago pode ser dividido em três regiões, que são a cárdica (entrada), fúndica (saco) e pilórica (saída). A cárdia e o piloro possuem esfíncteres que controlam a passagem dos alimentos pelo estômago, porém, em alguns peixes, o esfíncter cárdico pode estar ausente (Fig. 5). A superfície interna (mucosa) contém uma variedade de células glandulares endócrinas e secretoras exócrinas. Estas últimas produzem o muco e o suco gástrico. As características das glândulas gástricas variam conforme o hábito alimentar do peixe, sendo mais ramificadas e desenvolvidas nos peixes carnívoros. O estômago armazena temporariamente o alimento e desempenha funções mecânicas que auxiliam na trituração e início da digestão dos alimentos. O tamanho do estômago pode ser usualmente relacionado com o intervalo entre as refeições e o tamanho das partículas do alimento ingerido. Os peixes que consomem grandes presas em intervalos esparsos possuem grandes estômagos e aqueles que se Aspectos Gerais da Fisiologia e Estrutura do Sistema Digestivo dos Peixes Relacionados à Piscicultura 20 Os peixes carnívoros geralmente se alimentam com menor freqüência, porém, consomem uma refeição maior, necessitando de um estômago de maior volume e com musculatura bastante elástica para acomodar as presas ingeridas. Peixes onívoros e herbívoros realizam muitas refeições diárias, porém, consomem pouco alimento por refeição e, por isso, geralmente apresentam estômago de menor volume. A forma do estômago também difere bastante. Nos peixes carnívoros o estômago é muito elástico, pois possui pregas bem desenvolvidas, o que permite sua distensão, podendo aumentar de três a quatro vezes o seu tamanho. Outro fator que auxilia a distensão é a ligação entre o estômago e o intestino, que geralmente ocorre na lateral do estômago, o que não permite que a presa force sua passagem pela sua válvula pilórica, diferentemente do que ocorre nos peixes com outros hábitos alimentares (Fig. 6). Dessa forma, as grandes presas ingeridas pelos peixes carnívoros podem se acomodar no estômago sem que este rompa a sustentação mesentérica do trato intestinal. Intestino O intestino é um tubo relativamente simples, iniciando na válvula pilórica e terminando no reto, não sendo separado em delgado e grosso, como nos mamíferos. Possui glândulas digestivas e um suprimento abundante de vasos de sangue e de linfa, onde se completa a digestão iniciada no estômago. No intestino é onde ocorre a maior parte da absorção dos nutrientes, íons e água oriundos da dieta, sendo os produtos da digestão mantidos em solução, o que facilita a absorção. Nos peixes, além da função de digestão e absorção, o intestino pode desempenhar outras funções, como auxiliar na osmorregulação ou na respiração. Há uma ampla variedade de estruturas especializadas encontradas no intestino de diferentes espécies de peixes. Uma das mais importantes são os cecos pilóricos, presentes em algumas espécies de peixes, como nos salmonídeos e nos curimatídeos. Os cecos pilóricos são divertículos cegos de formato digitiforme que se encontram na região pilórica e na porção anterior do intestino médio, estando livres entre si ou ocasionalmente fundidos à parede do estômago (Fig. 7). Suas características histológicas e histoquímica (composição química) são semelhantes às do intestino adjacente, sugerindo que os cecos pilóricos sirvam para aumentar a superfície intestinal sem aumentar o comprimento ou espessura do intestino. São mais desenvolvidos em peixes carnívoros e reduzidos, ou mesmo ausentes, nos herbívoros, possuindo uma função diferente dos cecos dos mamíferos e das aves, nos quais ocorre a fermentação do alimento. Entretanto, não está bem definido se há relação entre a presença de cecos pilóricos e a dieta do peixe, pois eles ocorrem nos peixes carnívoros, onívoros e herbívoros. Nas espécies com poucos ou nenhum ceco ocorre maior desenvolvimento da mucosa e/ou maior comprimento do intestino médio para compensar a escassez ou ausência dessas estruturas. Servem também como reservatório de alimento. O número e formato dos cecos pilóricos variam de espécie para espécie e mesmo entre exemplares do mesmo tamanho e da mesma espécie, podendo alcançar o número de 70 ou mais. São responsáveis por grande parte da digestão dos lipídios e Aspectos Gerais da Fisiologia e Estrutura do Sistema Digestivo dos Peixes Relacionados à Piscicultura 21 das proteínas e recebem as secreções pancreática e biliar, participando também da absorção de aminoácidos, carboidratos, lipídios, água e íons. Uma característica básica do intestino dos Teleósteos é a presença de pelo menos dois segmentos intestinais, mesmo sem a separação entre intestino delgado e grosso. Na primeira porção ocorre a absorção de nutrientes em suas formas menores (monossacarídeos, aminoácidos e ácidos graxos), enquanto a segunda parte é responsável pela entrada de macromoléculas por pinocitose (mecanismo de penetração de fluidos na célula através da invaginação da membrana celular, com a formação de vesículas internas). As porções intestinais que apresentam mucosa mais complexa estão envolvidas, de modo geral, com processos absortivos. No pintado, os dois primeiros terços do intestino possuem esta característica. Fig. 7. Três exemplos de intestinos nos peixes com diferentes disposições e número de cecos pilóricos. (Et - estômago; CP - cecos pilóricos; Cl - colédoco; In - intestino). Outras estruturas que auxiliam na digestão são as dobras e cristas do epitélio mucoso no intestino médio que aparecem em grande quantidade e variedade e que servem para aumentar a superfície de secreção e absorção. Nos peixes em jejum, essas estruturas diminuem muito, como também o diâmetro e o comprimento do intestino. Intestinos mais curtos apresentam maior número de dobras, melhorando a eficiência de absorção dos nutrientes ingeridos, como no caso das espécies carnívoras. O comprimento do intestino varia conforme o hábito alimentar e as características dos alimentos naturalmente ingeridos pelos peixes. Os carnívoros possuem, basicamente, um intestino curto, reto e espesso, os onívoros um intestino em forma de “N” e os herbívoros possuem um intestino longo, enovelado e fino (Fig. 8). O comprimento do intestino parece estar mais correlacionado com a quantidade de materiais indigeríveis do que com a natureza do alimento (vegetal ou animal). Peixes herbívoros e fitoplanctófagos consomem alimentos de menor digestibilidade e apresentam, geralmente, intestinos mais longos se comparados aos peixes carnívoros. Portanto, existem duas adaptações gerais conforme o hábito alimentar: os herbívoros, que apresentam uma grande ingestão e rápido trânsito de alimento no intestino, distribuem a superfície absortiva em um longo intestino com mucosa pouco pregueada, CP Et In CP In CP In EtCl Et Aspectos Gerais da Fisiologia e Estrutura do Sistema Digestivo dos Peixes Relacionados à Piscicultura 22 permitindo que o alimento permaneça mais tempo em contato com as enzimas, de modo a aumentar a eficácia da digestão, compensando o baixo valor nutritivo do alimento ingerido; e os carnívoros, que apresentam um intestino curto, mas como a quantidade de alimento ingerido é menor e a qualidade é superior, o trânsito é mais lento, sendo este aspecto importante para favorecer a difusão dos nutrientes para dentro das numerosas e profundas pregas que existem na mucosa intestinal antes de serem absorvidos. As pregas da mucosa intestinal mais complexamente estruturadas estão relacionadas com o hábito alimentar carnívoro, estando envolvidas nos processos absortivos dado ao aumento da área superficial dessa estrutura. No caso dos peixes carnívoros com secos pilóricos, o trânsito alimentar é ainda mais lento, pois o alimento que entra nesses sacos de fundo cego deve retornar novamente a luz do intestino para então ser excretado. As pregas da mucosa intestinal também estão relacionadas com o transporte do material em processamento: pregas longitudinais auxiliam o transporte desse material, acelerando-o, ao passo que pregas transversais retardam o seu trânsito, uma vez que atuam como obstáculos à sua passagem. Fig. 8. Dois tipos característicos de intestinos nos peixes (à esquerda o do tambaqui, um peixe frugívoro, e à direita o do dourado, um peixe carnívoro). Deve-se destacar que peixes onívoros e herbívoros apresentam a capacidade de alterar a estrutura e as propriedades absortivas do seu sistema digestivo em resposta a mudanças na dieta, sendo portanto substrato dependentes. O aumento na quantidade de glicídios na alimentação pode provocar aumento no comprimento do intestino e na absorção de glicose por alguns Teleósteos, não ocorrendo este fato nos carnívoros, como o pintado e a truta arco-íris. Essas diferenças devem-se, provavelmente, à adaptação das espécies, pois peixes onívoros e herbívoros estão sujeitos a grandes variações na composição bromatológica da dieta, diferentemente do que ocorre na dieta dos carnívoros. Reto O reto possui uma parede muscular muito mais grossa que a do intestino e com uma grande capacidade de distensão. O reto pode ser diferenciado do intestino médio pelo decréscimo da vascularização e do número de células secretoras e pelo aumento do número de células produtoras de muco, as quais podem ser vistas histologicamente. Também há a possibilidade de ocorrência dos cecos retais, cuja função principal é a Aspectos Gerais da Fisiologia e Estrutura do Sistema Digestivo dos Peixes Relacionados à Piscicultura 25 se pensar que a atividade de consumo cesse quando o estômago esteja cheio, tem sido observado, em alguns peixes, que o alimento total consumido é limitado pelo peso específico deste alimento, pois pode influenciar na flutuabilidade do peixe e prejudicar sua movimentação vertical na coluna d’água. Um dos estimadores mais comuns da taxa de processamento do alimento pelo trato digestivo é o tempo necessário para o estômago se tornar vazio após uma refeição. Algumas generalizações são amplamente aceitas quando se deseja medir este tempo, que são: a taxa de esvaziamento e digestão do estômago é exponencial em relação à quantidade de alimento ingerido; grandes refeições são digeridas mais rapidamente, em proporção ao seu tamanho, do que pequenas refeições (uma refeição três vezes maior irá demorar o dobro de tempo para digerir); a temperatura controla fortemente a taxa de esvaziamento gástrico. Dietas que contenham grandes quantidades de gordura também aumentam o tempo de retenção do alimento no estômago. Motilidade e estase do intestino De modo geral, o controle nervoso da motilidade gástrica dos peixes Teleósteos é semelhante ao dos outros vertebrados superiores, sendo o peristaltismo estimulado pela acetilcolina e inibido pela adrenalina. A peristalsia também é estimulada pelo estiramento do intestino, sendo o tamanho da contração proporcional ao grau de estiramento. A peristalsia nos peixes Teleósteos é um reflexo verdadeiro que resulta da atividade de um nervo intrínseco localizado na parede do intestino. Esta atividade peristáltica se apresenta tipicamente como a dos vertebrados superiores. A colecistocinina, hormônio produzido pela mucosa do intestino e dos cecos pilóricos, é liberada quando gorduras, aminoácidos ou mesmo o quimo ácido entram no intestino ou nos cecos pilóricos. Esse hormônio reduz a motilidade gástrica e estimula a contração do esfíncter pilórico, levando a uma diminuição do esvaziamento gástrico. Além disso, a colecistocinina também estimula a contração da vesícula biliar, fazendo- a liberar a bile no lúmen intestinal. Alguns estudos mostram a existência de cílios nos intestinos de vários Teleósteos, principalmente nos peixes menores e nas pós-larvas. Os cílios devem possuir um importante papel no transporte de alimentos particulados, principalmente quando a motilidade intestinal está fraca. Com o tempo, à medida que o peixe se torna adulto, há um desaparecimento gradual desses cílios. Tanto cílios quanto microvilos são encontrados nas células da parede do intestino nos Teleósteos. É importante conhecer o tempo de esvaziamento do trato digestivo nos peixes, pois ele determinará quando o peixe irá se alimentar novamente. Peixes que esvaziam mais rapidamente o intestino apresentam maior apetite, ou seja, precisam ser alimentados com maior freqüência. O esvaziamento do trato digestivo depende da digestibilidade do alimento, como podemos ver nos peixes que se alimentam de moluscos ou de outros peixes, que possuem uma rápida digestão e esvaziamento gástrico (de 6 a 11 horas), enquanto os que se alimentam de vegetais ou crustáceos podem demorar mais que o dobro deste tempo. Aspectos Gerais da Fisiologia e Estrutura do Sistema Digestivo dos Peixes Relacionados à Piscicultura 26 Na maioria dos Teleósteos, quanto maior o tamanho ou a quantidade de alimento ingerido maior será o tempo para o esvaziamento. Portanto, peixes que ingerem presas grandes demoram mais para esvaziar o trato digestivo, enquanto que peixes detritívoros têm um esvaziamento muito mais rápido. Contudo, em algumas espécies, a presença de grande quantidade de alimento no estômago acelera a peristalse, facilitando o esvaziamento. O tamanho do peixe também influencia o esvaziamento do trato digestivo. Em pós-larvas isto pode ocorrer dentro de 2 a 9 horas, o que indica que o fornecimento de alimento deve ser mais freqüente que para os adultos. A parada da peristalsia é chamada estase, tendo como conseqüência a permanência do alimento no trato digestivo. Este é um acontecimento comum em mamíferos durante períodos de estresse, tendo também sido verificado nos peixes. Baixas temperaturas também podem acarretar este estado nos peixes. A estase está relacionada com o desenvolvimento de patógenos no TGI, pois com a parada do bolo alimentar esses patógenos podem penetrar pela parede do intestino com a ajuda das próprias enzimas digestivas. Essa situação pode ocorrer no transporte dos peixes, sendo, também por este motivo, indicado o jejum de 24 a 48 horas antes do manejo. A passagem de alimento pelo intestino dos peixes se acelera com o aumento da temperatura, devido a maior velocidade dos processos fisiológicos e bioquímicos (metabolismo) decorrentes desta elevação, podendo dobrar a taxa de passagem do alimento com um aumento de 10ºC. Para a carpa capim, o alimento passa através do intestino em aproximadamente oito horas, a uma temperatura de 30ºC. Secreções Digestivas Secreções da boca e do esôfago Somente alguns peixes secretam produtos digestivos dentro da cavidade bucal, incluindo a faringe. A maioria dos peixes secreta muco para proteger o epitélio que reveste a boca e que possui vários receptores gustativos. Este muco também pode servir como fonte de alimento às larvas dos herbívoros Ciclídeos (p. ex. tilápias) que incubam seus ovos na boca como também conter co-fatores que auxiliam na digestão. Os peixes, diferentemente dos mamíferos, não possuem atividade da amilase na boca, sendo a produção desta enzima restrita ao pâncreas e intestino, principalmente em animais onívoros e herbívoros. A parede do esôfago é freqüentemente pregueada e enrugada, algumas vezes em arranjos bem elaborados, produzem muco em grandes quantidades e possuem também botões gustativos. Os sacos esofágicos, quando presentes, podem produzir muco e armazenar ou moer o alimento. Na perca preta também foi detectada atividade proteolítica na sua mucosa esofágica. Aspectos Gerais da Fisiologia e Estrutura do Sistema Digestivo dos Peixes Relacionados à Piscicultura 27 Secreções gástricas As secreções do estômago (suco gástrico) são produzidas na região fúndica e tipicamente incluem água, sais inorgânicos, muco (mucina), enzima proteolítica pepsinogênio, lipase gástrica e ácido clorídrico a 0,1 N. Histologicamente o epitélio do estômago possui dois tipos de células secretoras: as mucóides, que produzem muco; e as células oxintopépticas, secretoras de ácido clorídrico e pepsinogênio. Vários fatores estão relacionados com o estímulo da secreção do muco e do suco gástrico, entre eles, a presença de alimentos na luz do estômago, hormônios e estímulos neurais do nervo vago. O muco, alcalino, protege a mucosa estomacal da ação do ácido clorídrico e também da irritação mecânica dos alimentos, sendo secretado continuamente pelas células superficiais da mucosa gástrica (células mucóides), que secretam também íons bicarbonato. A estrutura do muco é tal que impede a difusão de íons H+. Isto, em conjunto com a neutralização efetuada pelo íon bicarbonato, permite que o pH da célula epitelial seja próximo de 7 e da luz gástrica seja ao redor de 2 (Tabela 2). A produção de ácido clorídrico é estimulada pela acetilcolina (nervo vago), gastrina e histamina, e ocorre nas células oxintopépticas. O ácido clorídrico ativa o pepsinogênio pela remoção de um peptídeo de baixo peso molecular, transformando-o na enzima pepsina, a qual continua o processo de transformação por auto-catálise. Ataca fibras conjuntivas do tecido animal e a cobertura celulósica dos vegetais, complementando a mastigação. Atua também na desnaturação das proteínas, tornando-as mais suscetíveis a subsequente hidrólise efetuada pelas proteases. Auxilia na abertura e fechamento do piloro (anel muscular que controla a passagem de alimento entre o estômago e o intestino) e favorece a absorção de substâncias como vitamina C e ferro, além de ionizar a maioria dos sais inorgânicos contidos nos minerais e nos tecidos mineralizados ingeridos com a alimentação, tornando-os disponíveis à absorção pelo organismo. Possui poder bactericida notável, a ponto da porção inicial do duodeno ser praticamente estéril. Por último, estimula a liberação do hormônio secretina, responsável pela descarga do suco pancreático rico em íons bicarbonato que irão auxiliar na neutralização da acidez do quimo no duodeno. Quanto ao pepsinogênio, esse é ativado para pepsina pelo HCl e pela própria pepsina, porém, não ocorre a digestão das proteínas dentro das células secretoras, pois estas substâncias são produzidas por diferentes organelas, não havendo contato entre elas e a conseqüente ativação do pepsinogênio dentro das células oxintopépticas. A pepsina tem uma ótima atividade com o pH ao redor de 2, e, em alguns peixes, pode ter um segundo pH ótimo ao redor de 4. Esta endopeptidase (atua somente nas ligações internas da cadeia) é importante para as espécies carnívoras (p. ex.: traíra, pintado, dourado), pois inicia a digestão das proteínas por atacarem as suas ligações peptídicas, liberando peptídios e alguns aminoácidos livres. Nos peixes herbívoros que possuem um pH estomacal bastante ácido (entre 1 e 2), como é o caso das tilápias (Tabela 2), têm a capacidade de decompor a clorofila e de quebrar as pareces celulares das algas verde-azuladas, possibilitando, assim, uma subseqüente digestão intestinal por permitir que as enzimas entrem em contato com o conteúdo das células vegetais. Aspectos Gerais da Fisiologia e Estrutura do Sistema Digestivo dos Peixes Relacionados à Piscicultura 30 carnívoros apresentam maior atividade de lipases do que peixes onívoros e herbívoros. Há uma abundância de carboxilases nas espécies herbívoras, ocorrendo o contrário com os carnívoros, presumivelmente devido aos altos níveis de ingestão de carboidratos pelos herbívoros. Pode ocorrer distúrbios metabólicos quando são incluídos altos níveis desse nutriente nas dietas para peixes carnívoros. As enzimas necessárias para a degradação da maioria dos carboidratos da dieta são as dissacaridases, endoglicosidases e oligossacaridases. No intestino da carpa comum foi encontrada atividade de maltases, sacarases, lactases, melibiases, celobiases e glicosidases. Uma consideração muito importante na nutrição de carpas é a atividade de bactérias intestinais as quais auxiliam a digestão e podem fornecer uma suplementação de alguns nutrientes ao alimento ingerido. A atividade da celulase (enzima que hidrolisa a celulose), quando presente, está associada à microflora intestinal (bactérias que habitam o intestino) ou ao conteúdo estomacal e intestinal de algumas presas ingeridas. As celulases foram encontradas no trato digestivo de diversos peixes, mas aparentemente toda a sua produção é originária de bactérias simbióticas. Os peixes micrófagos e os zooplanctófagos possuem a enzima laminarinase que auxilia na digestão das algas. Na maioria dos peixes, boa parte das enzimas liberadas nos processos digestivos são reabsorvidas na região posterior do intestino médio. Peixes carnívoros e peixes de águas frias apresentam limitada secreção e atividade de amilase no trato intestinal, o que é suficiente apenas para digerir uma limitada quantidade de carboidratos. Outro aspecto que dificulta a digestão desses nutrientes nos peixes carnívoros é que seu TGI é bastante curto, impossibilitando a adequada digestão e absorção dos carboidratos mais complexos. A amilase pode ser inativada quando combinada ao amido cru, a dextrina e à albumina presente em alguns cereais. O pré-cozimento ou extrusão dos grãos e cereais promove a gelatinização do amido e destrói a albumina, melhorando a digestibilidade do amido, principalmente para espécies carnívoras. Espécies onívoras, como a carpa comum, podem compensar esta inativação da amilase pelo amido cru ou pela dextrina aumentando a sua secreção para cerca de 3 a 4 vezes mais que os níveis normais. Uma dieta rica em amido também estimula uma produção maior de amilase em peixes onívoros, sugerindo estes possuem uma maior plasticidade quando à produção do seu complexo enzimático. Já os peixes carnívoros parecem não ter esta habilidade bem desenvolvida. A digestão dos carboidratos nos peixes é rápida. Os processos digestivos finais dos carboidratos ocorrem no epitélio mucoso anterior do intestino, diminuindo à medida que avançam no trajeto ao reto, e incluem a ação de várias dissacaridases e oligossacaridases. Estas enzimas são secretadas através dos enterócitos e permanecem associadas à borda em escova da mucosa intestinal. Aspectos Gerais da Fisiologia e Estrutura do Sistema Digestivo dos Peixes Relacionados à Piscicultura 31 A bile é secretada pelos hepatócitos (células do fígado) e pode entrar diretamente na parte proximal do intestino ou ser estocada na vesícula biliar quando não é necessária imediatamente, tendo como função principal facilitar a digestão e absorção dos lipídios e substâncias lipofílicas, como as vitaminas lipossolúveis (A, D, E e K). A bile não é uma enzima mas sim uma mistura aquosa alcalina (pH 8) de compostos orgânicos (sais biliares de sódio e de potássio) e inorgânicos produzidos pelo fígado oriundos do catabolismo da hemoglobina e do colesterol, possuindo uma coloração amarelo- esverdeada. Os sais biliares (ácidos taurocólico e glicocólico) são anfipáticos, isto é, possuem uma face polar e uma apolar em sua molécula, e podem agir como agentes emulsificantes no intestino, auxiliando na preparação dos triacilgliceróis e outros lipídios complexos da dieta para a degradação pelas enzimas digestivas pancreáticas, formando as micelas (pequenas gotículas de gordura), que estabilizam as partículas à medida em que se tornam menores e impedem-as de coalescerem. A emulsificação das gorduras e a neutralização da acidez do quimo facilita a atividade das lipases gástrica e pancreática devido à maior superfície de contato das gorduras e pela ativação dessas enzimas pela elevação do pH. A bile contém, além dos sais biliares, bilirrubina, colesterol, ácidos graxos e lecitina. A bilirrubina, que é um pigmento produto da degradação da hemoglobina, como os outros pigmentos excretados na bile, não tem função digestiva e é o principal responsável pela coloração das fezes dos animais monogástricos, como é o caso dos peixes. As enzimas hidrolíticas que degradam no intestino os lipídios da dieta são secretadas pelo pâncreas, sendo sua secreção (suco pancreático) controlada por hormônios. As células na mucosa da parte inicial do intestino produzem um pequeno hormônio peptídico, a colecistoquinina (CCK), em resposta à presença de lipídios e proteínas parcialmente digeridas que entram nestas regiões do intestino. Este hormônio atua sobre a vesícula biliar, fazendo com que ela se contraia e libere a bile, e sobre as células exócrinas do pâncreas, fazendo com que elas liberem as pró-enzimas digestivas (zimogênios). Ele também diminui a motilidade gástrica, resultando em uma passagem mais lenta do conteúdo gástrico para o intestino. Outras células intestinais produzem outro pequeno hormônio peptídico, a secretina, em resposta aos baixo pH do quimo presente no início do intestino. A secretina faz o pâncreas liberar um solução aquosa rica em bicarbonato, a qual auxilia a neutralização do pH do conteúdo intestinal, trazendo-o a um valor adequado para uma melhor atividade das enzimas pancreáticas e intestinais. Absorção A absorção é um processo pelo qual os vários nutrientes presentes no alimento, proteínas, carboidratos, lipídios, vitaminas e minerais, são transferidos da luz do intestino para o sangue ou linfa. A água e os íons, que também são nutrientes, estão relacionados aos processos de osmorregulação, sendo sua absorção e excreção dependentes desses processos. Os mecanismos de absorção não são bem conhecidos nos peixes. Já nos mamíferos existem duas rotas de absorção. Os carboidratos e as proteínas passam através do epitélio do intestino e vão para a Aspectos Gerais da Fisiologia e Estrutura do Sistema Digestivo dos Peixes Relacionados à Piscicultura 32 corrente sangüínea. Os lipídios, se hidrolisados até glicerol e ácidos graxos, comportam-se semelhantemente, porém lipídios que não sofreram digestão são reduzidos a pequenos glóbulos ou quilomícrons e passam para os ductos linfáticos nas dobras intestinais, como uma rota indireta até a corrente sangüínea. Nos peixes existe um sistema linfático, porém a sua presença no intestino é reduzida, e, em algumas espécies, até mesmo inexistente. Nos peixes, as proteínas são absorvidas principalmente como aminoácidos. A absorção dos aminoácidos livres, que ocorre na membrana apical do enterócito, é realizada através de transportadores específicos dependentes de Na+, de transportadores não-dependentes de Na+ e por difusão. A absorção do aminoácido e do sódio não gasta energia diretamente, mas é dependente de um gradiente formado por um sistema de transporte ativo, usualmente a bomba de Na+/K+. Esta bomba cria um gradiente de sódio favorável à sua entrada no enterócito. Desse modo, o Na+ tende a entrar e, como o transportador só funciona se houver um aminoácido conectado, acaba por carregar ambos para dentro da célula, levando, assim, a uma absorção de Na+ pela célula. Do interior do enterócito o aminoácido passa por difusão para os capilares sangüíneos existentes nas dobras intestinais. Quando dois aminoácidos são absorvidos pelo mesmo transportador, a presença de grandes quantidades de um dos aminoácidos inibe a absorção do outro. Por esse e por outros motivos é necessário a correta formulação das dietas para peixes quanto ao teor e proporção dos aminoácidos contidos na dieta. Pode ocorrer também a absorção de alguns aminoácidos através de mais de um tipo de transportador, de modo que nem todas as interações entre os aminoácidos resultem em competição. Vários estudos indicam que as taxas de transporte de aminoácidos no intestino de peixes herbívoros ou onívoros são menores do que nos peixes carnívoros. As proteínas também podem ser absorvidas inteiras, através da pinocitose, ou na forma de di e tripeptídeos. A absorção ocorre na porção posterior do intestino médio, independentemente do tipo de dieta e da idade do animal, sendo posteriormente hidrolisadas a aminoácidos no citosol dos enterócitos antes de entrarem na corrente sangüínea. Os transportadores para esses pequenos peptídios são diferentes dos transportadores de aminoácidos, parecendo ser dependente de um transporte de H+ e não de Na+. Neste caso, o cotransporte de Na+/H+ forma um gradiente favorável à entrada do hidrogênio no enterócito, o qual, aparentemente, favorece a absorção dos peptídios. Acredita-se que a absorção dos peptídios seja mais rápida que a absorção dos seus respectivos aminoácidos na forma livre. Logo, uma suplementação com aminoácidos livres não é a melhor maneira de aumentar a absorção de proteínas ou complementar uma ração que possui deficiência de algum determinado aminoácido. Esta característica pode explicar o fato dos peixes, quando alimentados com dietas à base de aminoácidos livres, apresentarem um menor crescimento quando comparados com os peixes alimentados com proteínas. Entretanto, o fato dos aminoácidos livres não serem prontamente absorvidos não necessariamente implica na ausência de sua absorção antes de ser excretado. A porção inicial do intestino absorve a maior parte dos carboidratos da dieta e a insulina não é requerida para a captação da glicose pelas células intestinais. Aspectos Gerais da Fisiologia e Estrutura do Sistema Digestivo dos Peixes Relacionados à Piscicultura 35 Aspectos Gerais da Digestão e da Alimentação das Larvas e Pós-larvas As larvas de peixes, de algum modo, são como embriões de vida livre, pois necessitam em sua ontogênese de substanciais modificações anatômicas, morfométricas e fisiológicas para interagirem adequadamente com o meio ambiente em que vivem, com conseqüentes mudanças nas suas exigências nutricionais. Com isso, na transformação para pós-larva, ocorrem altas taxas de mortalidade, freqüentemente relacionadas a práticas alimentares que não satisfazem as suas necessidades nutricionais. Dependendo do tamanho da larva e da especialização do seu trato digestivo no início da alimentação exógena, o alimento vivo permanece como uma necessidade essencial para muitas espécies de peixes. Logo, um dos principais problemas que prejudicam o desenvolvimento da produção de alevinos em escala industrial é a alimentação das larvas nos primeiros dias de vida. Além disso, as necessidades nutricionais das larvas são fortemente influenciadas pela composição nutricional do saco vitelínico e pela composição bioquímica do seu organismo no início da alimentação exógena (muito variáveis e dependentes da composição do vitelo formado durante a vitelogênese). Este é um fator bem conhecido e que pode ser modificado pela alteração do estado nutricional dos reprodutores. Para efeitos práticos, pode-se classificar as larvas, quanto ao desenvolvimento do trato digestivo e das enzimas secretadas no intestino, em dois grupos. Um com o trato digestivo completo e o outro com o trato digestivo rudimentar. As espécies que no momento da primeira alimentação possuem tratos digestivos completos (estruturalmente e funcionalmente diferenciados) possuem menor ou nenhum problema com a alimentação inicial. Aqueles que possuem sistemas digestivos rudimentares (imaturos ou pouco desenvolvidos na primeira fase de vida) são mais difíceis de se alimentar e freqüentemente necessitam de alimentos vivos como parte das suas dietas. As larvas com o trato digestivo completo aceitam e conseguem utilizar adequadamente rações fareladas de boa palatabilidade e com adequado balanceamento nutricional, pois apresentam estômago funcional antes da mudança do alimento endógeno para o exógeno, se alimentando pela via oral antes mesmo da completa absorção do vitelo. Neste grupo estão as larvas de tilápias, bagre-de- canal, truta arco-íris, salmonídeos, carpa comum, entre outras. As larvas que possuem o trato digestivo rudimentar geralmente apresentam em comum um pequeno tamanho e pouca habilidade natatória. Neste grupo estão as larvas de pacu, tambaqui, surubins, curimbatá, carpas chinesas, entre outras. Na eclosão, o trato digestivo da larva tem a forma de um simples tubo, mas, após um a três dias do início da alimentação, inicia-se a transformação com a diferenciação das células intestinais para então obter as características do trato digestivo da forma adulta. Algumas larvas não ingerem alimento após a eclosão, pois sua boca Aspectos Gerais da Fisiologia e Estrutura do Sistema Digestivo dos Peixes Relacionados à Piscicultura 36 ainda é muito pequena ou está total ou parcialmente fechada. As larvas das carpas chinesas possuem um pequeno período em que não se alimentam, durante o qual o saco vitelínico se encontra quase, mas não totalmente, absorvido. Este período pode variar de um a cinco dias, dependendo da temperatura da água e da espécie. As larvas podem viver somente do seu vitelo por um curto período de tempo, seguido de um curto período de alimentação mista (endógena e exógena), que vai sendo substituída completamente pelo consumo de alimento externo. Durante o período de absorção do saco vitelínico as larvas alternam períodos de atividade e inatividade e seus movimentos natatórios são verticais. Neste momento a boca e o sistema digestivo das larvas estão se desenvolvendo, mas ainda não estão totalmente formados. Deve-se dar às larvas alimentos exógenos apropriados antes da total absorção do vitelo. Para se testar a aceitação ou não dessa dieta pelas larvas, retiram-se amostras das larvas a partir do segundo ou terceiro dia de incubação, colocando-as em um bequer de 500 mL ou numa placa de Petri profunda juntamente com o alimento a ser ofertado e observa-se o seu comportamento. Se estiverem aceitando ou indo ao encontro do alimento inicia-se a alimentação exógena. Quando a boca das larvas se abre, ar é ingerido para encher a vesícula gasosa (bexiga natatória), iniciando-se uma grande atividade alimentar, mesmo com o saco vitelínico ainda não completamente absorvido e, portanto, ainda suprindo a larva com energia. Há uma mudança do movimento natatório vertical para o horizontal quando a maior parte do saco vitelínico estiver absorvido. Tão logo isto ocorra, deve ser dado às larvas alimentos vivos ou ração artificial. Neste estádio as larvas nadam livremente por toda a incubadora. No pintado isto ocorre a partir do segundo dia após a eclosão. Neste momento, quando as larvas estão em natação livre e se alimentando exogenamente, diz-se que passaram para o estádio de pós- larva (Anexo B). As pós-larvas de pacu, tambaqui, piracanjuba e matrinxã têm demonstrado a necessidade do uso de alimentos vivos nessa fase inicial, havendo preferência por pequenos cladóceros e náuplius de copépodos. Quando as pós-larvas consomem todo o vitelo e passam a utilizar alimento exógeno, o intestino é curto e as células da mucosa intestinal são pouco diferenciadas, de modo que a digestão é muito rudimentar. A absorção de nutrientes ocorre por pinocitose de macromoléculas e essas são posteriormente digeridas no interior dos enterócitos. Como o intestino é pequeno, o alimento é retido no trato digestivo apenas por um curto período de tempo, de modo que à medida que a pós-larva cresce, a mucosa intestinal se desenvolve e uma maior quantidade de enzimas digestivas são produzidas, facilitando a digestão extracelular. Sabe-se que a habilidade de um organismo para digerir partículas de alimento depende da presença e da quantidade apropriada de enzimas digestivas. Como as pós-larvas iniciam a ingestão de alimento antes da total absorção do vitelo e do seu total desenvolvimento gástrico, muito pouco se aproveita do alimento inicialmente ingerido. Logo, não são capazes de aproveitar bem as primeiras dietas artificiais. Isto se deve à ausência de algumas enzimas digestivas que podem prejudicar a utilização de rações preparadas para pós-larvas. Aspectos Gerais da Fisiologia e Estrutura do Sistema Digestivo dos Peixes Relacionados à Piscicultura 37 Em pós-larvas de pacu a alimentação exógena se inicia no quinto dia de vida, quando o saco vitelínico já está bastante reduzido, a boca encontra-se aberta, porém o ânus ainda está fechado (Fig. 10), aceitando tão bem as dietas artificiais quanto o alimento natural. Fig. 10. Larva de pacu com comprimento total entre 6 e 6,6 mm e idade de aproximadamente 5 dias apresentando boca terminal com mandíbula articulada. O zooplâncton, como os protozoários, rotíferos, náuplios e adultos de cladóceros e copépodos, entre outros organismos, são o primeiro alimento externo para as pós- larvas da maioria dos peixes e possui enzimas necessárias para o seu crescimento e sobrevivência, pois as enzimas proteolíticas do próprio zooplâncton são liberadas pela ação física dos processos de captura e ingestão pelas pós-larvas. Essas enzimas exógenas desencadeiam a hidrólise das proteínas do próprio zooplâncton ingerido, estimulando a secreção de enzimas endógenas pelo trato digestivo das pós-larvas, que são substrato dependentes. A utilização de náuplios vivos de artêmia (Artemia salina) na alimentação de pós-larvas leva vantagem por conter várias enzimas proteolíticas, as quais apresentam um importante papel no desenvolvimento do trato digestivo das pós-larvas (Fig. 11). Fig. 11. Pós-larva de pintado com comprimento total entre 7,7 e 8,1 mm e idade de 6 a 7 dias sem saco vitelínico aparente e com boca e ânus funcional no quarto dia de alimentação exógena, alimentando-se de náuplios de artêmia. Um dos primeiros aspectos a serem levados em consideração na alimentação de pós-larvas é o tamanho da boca. Se o criador não souber as dimensões da boca pode fornecer o alimento em partículas muito grandes, quando se tratar de ração artificial, ou presas grandes demais para a larva ingerir, quando dado alimento natural, podendo as larvas morrerem de subnutrição. Quando as partículas de alimento são muito menores do que a boca, os peixes gastam mais energia para ingerir a quantidade de alimento adequada para suprir suas necessidades Aspectos Gerais da Fisiologia e Estrutura do Sistema Digestivo dos Peixes Relacionados à Piscicultura 40 lixiviação na água, principalmente os hidrossolúveis. Desta forma, as rações para pós-larvas devem apresentar adequada flutuabilidade, reduzindo a sua superfície de contato com a água, como também as perdas de nutrientes por lixiviação. Além disso, recomenda-se uma suplementação vitamínica de 3 a 4 vezes maior e uma suplementação mineral de 2 a 3 vezes maior que as exigências preconizadas para a espécie adulta como forma de compensar estas perdas. As rações devem ter uma composição tal que, sendo administradas diariamente, mantenham um nível adequado e constante de vitaminas no organismo dos peixes. Assim, uma formulação adequada das dietas é essencial, devendo-se ter sempre atenção para o fato de que grande parte das vitaminas hidrossolúveis (p. ex. vitamina C e as do complexo B) nas rações são perdidas muito rapidamente quando em contato com a água, antes do alimento ser ingerido pelos peixes. Em geral, quanto menor for a partícula de alimento e maior o seu tempo de permanência na água, antes de ser ingerida, tanto maior será a perda de vitamina. O ácido ascórbico, que é utilizado pelas larvas para o desenvolvimento das cartilagens e da matriz óssea, é particularmente sensível à lixiviação. Calcula-se que 50% a 70% da vitamina presente na ração é perdida depois de um período de 10 segundos de imersão na água. Quando cultivados, os peixes têm se mostrado altamente sensíveis a dietas deficientes em ácido ascórbico, especialmente nos estágios iniciais de crescimento. Com relação a alimentação com organismos vivos, os náuplios de artêmia parecem possuir uma biodisponibilidade de vitamina C superior as dietas enriquecidas com ácido ascórbico sintético. Além disso, a artêmia salina também pode ser enriquecida com diferentes níveis de ácido ascórbico, tornando-se um importante método para a melhoria da qualidade das larvas no início da alimentação exógena. Muitos sinais, como crescimento reduzido, perda de apetite, conversão alimentar prejudicada, deformidades esqueléticas (lordose e escoliose), deformidades no opérculo e nas cartilagens das brânquias e diminuição da resistência às doenças têm sido encontrados em muitas espécies de peixes que consomem dietas deficientes em ácido ascórbico. Logo, atenção especial deve ser dada à vitamina C nas fases iniciais de vida. Agradecimentos Agradeço aos colegas Thierry Ribeiro Tomich, Agostinho Carlos Catella e Emiko Kawakami de Resende pela criteriosa correção e pelas sugestões extremamente pertinentes feitas ao texto original, que em muito contribuíram para a elaboração desse trabalho. Aspectos Gerais da Fisiologia e Estrutura do Sistema Digestivo dos Peixes Relacionados à Piscicultura 41 Anexos Anexo A. Relação dos nomes comuns dos peixes citados no trabalho e seus respectivos nomes científicos. Nome Comum Nome Científico Acará Geophagus brasiliensis Acari Sturisoma robustum Arraia Raja sp. Bagre-de-canal Ictalurus punctatus Cachara Pseudoplatystoma fasciatum Cacho Leuciscus cephalus Cachorra Acestrorhynchus pantaneiro Carpa cabeça grande Aristichthys nobilis Carpa capim Ctenopharyngodon idella Carpa comum Cyprinus carpio Carpa prateada Hypophthalmichthys molitrix Carpas da China Aristichthys nobilis; Ctenopharyngodon idella; Hypophthalmichthys molitrix Carpas da Índia Catla catla; Labeo rohita; Cirrhinus mrigala Cascudo Hypostomus plecostomus Curimbatá Prochilodus lineatus Dourado Salminus maxillosus Enguia européia Anguilla anguilla Jundiá Rhamdia quelen Lambari Astyanax fasciatus; Astyanax bimaculatus Lúcio Esox lucius Matrinxã Brycon sp. Pacu Piaractus mesopotamicus Pacu-peva Mylossoma paraguayensis;Mylossoma orbinyanum Aspectos Gerais da Fisiologia e Estrutura do Sistema Digestivo dos Peixes Relacionados à Piscicultura 42 Nome Comum Nome Científico Peixe escorpião Cottus sp. Peixe pulmonado africano Protopterus sp. Perca preta Girella tricuspidata Piau Leporinus friderici Piava Schizodon borelli Piavuçu Leporinus macrocephalus Pintado Pseudoplatystoma corruscans Piracanjuba Brycon orbignyanus Piranha Serrasalmus spilopleura; Serrasalmus marginatus Piraputanga Brycon microlepis Pirarucu Arapaima gigas Robalo Dicentrarchus labrax Robalo muge Morone saxatilis Salmão Salmo salar; Oncorhynchus spp. Surubins Pseudoplatystoma corruscans; P. fasciatum Tamboatá Hoplosternum littorale Tainha Mugil sp. Tambacu C. macropomum x P. mesopotamicus Tambaqui Colossoma macropomum Tilápia mossâmbica Oreochromis mossambicus Tilápia nilótica Oreochromis niloticus Tilápia rendali Tilapia rendalli Traíra Hoplias malabaricus Truta arco-íris Oncorhynchus mykiss (Salmo gairdneri) Tucunaré Cichla sp. Tuvira Gymnotus carapo Aspectos Gerais da Fisiologia e Estrutura do Sistema Digestivo dos Peixes Relacionados à Piscicultura 45 DABROWSKI, K.; MATUSIEWICZ, M.; BLOM, J. H. 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