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Guias e Dicas
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Codigo de hamurabi e manu, Notas de estudo de Cultura

CODIGO DE HAMURABI E MANU

Tipologia: Notas de estudo

2010

Compartilhado em 13/10/2010

fabiana-silva-41
fabiana-silva-41 🇧🇷

4.8

(69)

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Baixe Codigo de hamurabi e manu e outras Notas de estudo em PDF para Cultura, somente na Docsity! UNIVERSIDADE DE MARÍLIA - UNIMAR MIGUEL ANGELO GUILEN LOPES VULNERABILIDADE DO CONSUMIDOR: O EQUACIONAMENTO DE UMA PROBLEMÁTICA Marília 2006 MIGUEL ANGELO GUILEN LOPES VULNERABILIDADE DO CONSUMIDOR: O EQUACIONAMENTO DE UMA PROBLEMÁTICA Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em Direito da Universidade de Marília, como exigência parcial para obtenção do grau de Mestre em Direito, sob a orientação do Prof. Dr. Oscar Ivan Prux. Marília 2006 Agradeço a Deus e, indistintamente aos Doutores membros do respeitável Corpo Docente e aos Colegas membros do Corpo Discente, que, juntamente com os que atuaram na Direção, Coordenação e Secretaria deste Curso de Mestrado, mostraram competência e solidariedade, permitindo o alcance do objetivo. Especialmente, agradeço a Maria de Fátima Ribeiro, Oscar Ivan Prux, Walkíria Martinez Heinrich Ferrer, Ana Claudia Moraes Juliano e Cíntia Maria Trad. VULNERABILIDADE DO CONSUMIDOR: UMA PROBLEMÁTICA A SER EQUACIONADA. Resumo: Os estudos desenvolvidos nesta dissertação de mestrado apontam as ocorrências que tornam os consumidores vulneráveis e indicam as leis vigentes com conteúdo punitivo contra os fornecedores e prestadores de serviços que descumprem suas regras. Indicam ainda outras medidas alternativas capazes de evitar ou dificultar a vulnerabilidade do consumidor, observada atualmente. O Código de Defesa do Consumidor brasileiro – CDC - (Lei 8.078/90) está previsto na Constituição Federal de 1.988 – CF -, diante das manifestações antes apresentadas sobre a necessidade de regulamentação das relações de consumo. O texto demonstra o estado de vulnerável do consumidor que permanece, mesmo diante da modernidade das regras insertas no Código de Defesa do Consumidor, que foi sancionado em 11 de setembro de 1.990, vulnerabilidade que deve ser entendida como uma problemática a ser equacionada. As razões dessa vulnerabilidade e hipossuficiência do consumidor são identificadas e citadas – omissão do Estado quanto ás regras dos artigos 4º e 6º do CDC; inexistência de mecanismos eficientes de superação dessa fragilidade -, além de outras motivações, como a cultura brasileira, que tradicionalmente “procura meios próprios de interpretar as leis”, e até mesmo os vetos apresentados ao Projeto enviado à sanção presidencial resultaram na permanência de pontos polêmicos então suscitados no Anteprojeto, como o que suprimiu todas as multas civis criadas para compensar as suavidades das sanções penais e universalmente reconhecidas como instrumento adequado e idôneo de punição na área das relações de consumo; ou o que se insurgiu contra a participação dos consumidores e dos órgãos instituídos para a sua defesa na formulação das políticas de consumo, questão amparada pela norma constitucional – princípio da democracia participativa previsto nos artigos 6º, IV e 106º, X e XI da C.F. de 1988. Para expressar a necessidade que o consumidor tem de ser protegido, são expostos neste trabalho os aspectos históricos e os sistemas codificados de proteção ao consumidor, seus conceitos, princípios e direitos básicos. Adotando as várias normas protetoras, mas tendo como base a Lei nº 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor), é apresentada uma visão geral dos direitos do consumidor, objetivando explicitar as obrigações e responsabilidades decorrentes da relação de consumo que deve existir, com qualidade. Por fim, são apontadas formas de superação da vulnerabilidade do consumidor, como a adoção efetiva da responsabilidade objetiva decorrente da teoria do risco integral da atividade, onde o fornecedor assume integralmente os riscos dos danos causados decorrentes de sua atividade; a fixação exemplar de valor reparatório para os danos morais sofridos pelos consumidores em razão de práticas atentatórias por parte dos fornecedores contra a personalidade do consumidor, capazes de gerar alterações afetivas, psicológicas e sociais do seu patrimônio moral; a criação de novos órgãos públicos ou entidades operando efetivamente em favor dos consumidores, sem qualquer interesse político; a fiscalização pelo Estado para aferir se os princípios constitucionais – da dignidade da pessoa humana, da isonomia, da liberdade, da informação, do controle da publicidade e da eficiência -disponibilizados na CF de 1988, estão sendo efetivamente respeitados em favor dos consumidores. Palavras-chave: Mecanismos eficientes para superar a vulnerabilidade e hipossuficiência do consumidor. VULNERABILITY OF THE CONSUMER: A PROBLEMEN TO BE ANALYSED. Abstract: The studies developed in this master's degree dissertation point the occurrences that turn the consumers vulnerable and indicate the effective laws with punitive content against the suppliers of products and services that refuse to accomplish those rules. They still indicate other alternative measures capable to avoid the consumer's vulnerability, observed now. The Code of Defense of the Brazilian Consumer– CDC - (Law 8.078/90) it is foreseen in the Federal Constitution of 1.988– CF -, due to the manifestations before presented about the need of regulation of the consumption relationships. The text demonstrates the consumer’s state of vulnerable wich continues, in spite of the modernity of the rules inserted in the Code of Defense of the Consumer, that was sanctioned on September 11, 1.990, vulnerability that should be understood as a problem to be analysed and solved. The reasons of the consumer's vulnerability and economical and technical weakness are identified and mentioned: State’s omission as the rules inserted in 4th and 6th CDC’s; inexistence of efficient mechanisms to overcome that fragility -, besides other motivations, as the Brazilian culture, that traditionally has it’s own manners of laws’ interpretation, and even the vetoes presented to the Project sent to the presidential sanction wich resulted in the permanence of controversial points raised in the Project, as what it suppressed all the fines civil maids to compensate the softness of the penal sanctions and universally recognized as appropriate and suitable instrument of punishment in the area of the consumption relationships; or what was revolted against the organs instituted for the consumers defense and the consumers' participation in the formulation of the consumption politics, subject aided by the constitutional norm – foundation of the interactive democracy foreseen in the articles 6th, IV and 106th, X and XI of C.F. of 1988. To express the need that the consumer has to be protected, they are exposed in this work the historical aspects and the codified systems of protection to the consumer, your concepts, beginnings and basic rights. Adopting the several protecting norms, specially the Law no. 8.078/90 (Code of Defense of the Consumer), a general vision of the consumer's rights is presented, clearing the obligations and current responsibilities of the quality consumption relationship that it should exist. Finally, they are pointed forms to struggle the consumer's vulnerability, as the adoption of the objective responsibility elapsed to the theory of the integral risk of the activity, where the supplier assumes the risks of the damages integrally caused current of your activity; the expressive value fixation for the moral damages suffered by the consumers in reason of offensive practices of the suppliers against the consumer's personality, capable to generate alterations affective, psychological and social of your moral patrimony; the creation of new public organs or entities operating indeed in the consumers' favor, without any political interest; the State fiscalization in order to confront the constitutional beginnings: of the human person's dignity, equality, freedom, information, efficiency and of the publicity control – all of them inside CF 1988, are being respected indeed in the consumers' favor. Keywords: Efficient mechanisms to overcome the vulnerability and the consumer's economical and technical weakness. 5.1.1.f Interpretação Integrativa do Contrato .................................................................................80 6. RESPONSABILIDADE CIVIL CONTRATUAL, PRÉ-CONTRATUAL E PÓS- CONTRATUAL ..........................................................................................................................82 6.1 RESPONSABILIDADE CIVIL...............................................................................................82 6.1.1 Responsabilidade Civil Contratual........................................................................................83 6.1.2 Requisitos da Responsabilidade Civil ...................................................................................85 6.1.3 Responsabilidade Pré-contratual...........................................................................................86 6.1.4 Responsabilidade Pós-contratual ..........................................................................................89 7. PRINCÍPIO DA BOA-FÉ .......................................................................................................92 7.1 A BOA-FÉ COMO PRINCÍPIO..............................................................................................92 7.1.1 Reflexões sobre o Princípio da Boa-Fé nas Relações de Consumo ........................................95 7.2 A BOA-FÉ OBJETIVA...........................................................................................................98 7.3 A APLICABILIDADE DA BOA-FÉ OBJETIVA COMO PRINCÍPIO...................................101 7.4 A BOA-FÉ SUBJETIVA ........................................................................................................102 8. AS CARACTERÍSTICAS DAS RELAÇÕES DE CONSUMO ............................................104 8.1 OS DIREITOS DOS CONSUMIDORES NA ESFERA EXTRACONTRATUAL E CONTRATUAL ...........................................................................................................................105 9. ASPECTOS E GARANTIAS JURÍDICAS PARA SUPERAR A VULNERABILIDADE DO CONSUMIDOR ............................................................................108 9.1 A POSIÇÃO DO NOVO CÓDIGO CIVIL (E DIREITO COMPARADO) E UM POSSÍVEL DIÁLOGO DAS FONTES COM O CÓDIGO DE PROTEÇÃO E DEFESA DO CONSUMIDOR ...........................................................................................................................108 9.2 MEDIDAS ADMINISTRATIVAS E TUTELA JUDICIAL E EXTRAJUDICIAL..................110 9.3 A PRÁTICA DO CONSUMO SUSTENTADO ......................................................................114 9.4 A BOA-FÉ E ASPECTOS RELATIVOS A RESPONSABILIDADE CIVIL ..........................115 9.4.1 A Prática da Boa-Fé e a Responsabilidade Civil Objetiva para o Fabricante .........................115 9.5 DA RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO POR OMISSÕES.............................119 9.6 DA RESPONSABILIDADE DO ESTADO POR DANO DECORRENTE DO PLANEJAMENTO.......................................................................................................................121 10 O EQUACIONAMENTO DA PROBLEMÁTICA DA VULNERABILIDADE DO CONSUMIDOR ..........................................................................................................................124 10.1 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS QUE SE APLICAM ÀS RELAÇÕES DE CONSUMO ..................................................................................................................................124 10.2 ESTADO: ELEMENTO FUNDAMENTAL PARA SANEAR O MERCADO CONSUMERISTA E A VULNERABILIDADE DO CONSUMIDOR..........................................128 CONCLUSÃO..............................................................................................................................134 REFERÊNCIAS ...........................................................................................................................143 11 INTRODUÇÃO A partir da metade do Século XX, buscando modernizar-se, o Brasil deixou de ser um país eminentemente agrícola, incrementando o seu já respeitado mercado industrial e destinando atenção especial a uma política de serviços, face ao grande número da população ativa que se envolvia nesse setor da economia nacional. Desse modo, a prestação de serviços e a relação de consumo ganharam contornos significativos exigindo dos governantes a implantação de lei específica, fazendo surgir o Código de Proteção e Defesa do Consumidor – CDC - (Lei nº 8.078 de 11.09.1990). Com o advento do Código de Defesa do Consumidor, surge uma nova realidade sócio- econômica e as relações de consumo estabelecem novos aspectos no mundo jurídico. Dentro dessa perspectiva, destacam-se as garantias estabelecidas no artigo 6º do CDC, onde estão resumidos os direitos fundamentais do consumidor quanto à saúde, à vida e à segurança. A lei também estabelece segurança ao consumidor contra serviços perigosos e nocivos, contra publicidade enganosa e abusiva, contra relações comerciais que usam métodos coercitivos ou desleais, contra cláusulas abusivas inseridas nos contratos. A lei nº 8.078/90 garante ainda a reparabilidade indenizatória dos danos patrimoniais e morais sofridos pelos consumidores e um tratamento diferenciado à parte mais vulnerável da relação consumerista, sabidamente, o consumidor. Diante de tantas regras legais que permitem equilibrar a relação, fornecedor- consumidor, é incompreensível que o consumidor continue hipossuficiente e vulnerável, notadamente quando se observa que o Estado age de forma insuficiente e, por vezes, se coloca como parte ativa na inobservância das regras específicas e codificadas. O foco principal desta dissertação concentra-se nas regras insertas nos artigos 4º e 6º do Código de Defesa do Consumidor, onde estão estampadas: a política nacional das relações de consumo, visando o atendimento efetivo das necessidades do consumidor; o respeito a sua dignidade, saúde e segurança; a proteção de seus interesses econômicos; a melhoria da sua qualidade de vida; a transparência harmônica das relações de consumo e, nos direitos básicos do consumidor. 12 Os incisos do artigo 4º do Código de Defesa do Consumidor expressam pilares fundamentais e capazes de equacionar a problemática da vulnerabilidade do consumidor, citando dentre eles: o reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo; a imperatividade de ação governamental no sentido de proteger eficaz e efetivamente o consumidor por iniciativa direta, criando e incentivando o surgimento de Agências Reguladoras, de Associações Representativas, de Delegacias de Proteção ao Consumidor, de Juizados Especiais, de Tribunais Especializados. Além dos pilares fundamentais elencados no parágrafo anterior, existem outros tão ou mais relevantes, quais sejam: direito à proteção contra a publicidade enganosa e abusiva; direito à modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais; direito de acesso aos órgãos judiciários e administrativos e à efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos, assegurando à proteção jurídica, administrativa e técnica aos necessitados. A facilitação da defesa dos direitos do consumidor é outro direito fundamental, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do julgador existir verossimilhança na alegação ou, quando o consumidor for hipossuficiente; direito à adequada e eficaz prestação dos serviços públicos em geral. A presente pesquisa propõe-se a fazer uma análise da sociedade de consumo e extrair uma visão geral do CDC brasileiro e mostrar a inexistência de aplicação de penas pecuniárias exemplares contra àqueles que não observam integralmente as regras da Lei nº. 8.078/90, apontando essa problemática a ser equacionada, inclusive através de intervenção estatal com aproveitamento dos mecanismos já existentes no ordenamento jurídico ou que por este possam ser adotados futuramente. 15 tinham caráter geral e buscavam a comunhão social como modo natural para a sobrevivência do homem, através de uma equação equilibrada entre as faculdades e os deveres, objetivando um aperfeiçoamento da sociedade. Por todas essas razões, e que ainda se mostram atuais, é que o Código de Manu é tido como o mais popular código de leis reguladoras da convivência social. A antiga Civilização Hindu teve como seu berço a Índia, região que apresentava uma sociedade dividida em castas, objetivando dividir o trabalho. Existia um regime de castas, divididas de forma hierárquica: a casta dos brâmanes, que administrava a justiça e exercia as funções religiosas; a casta dos guerreiros, que além de proteger a ordem natural, exercia a função de organizar e garantir a divisão dos trabalhos; a casta dos mercadores, pastores e agricultores, considerada como propulsora e geradora de riqueza. Existia também a classe dos sudras, cuja atividade exclusiva era a de prestar serviço às castas superiores, razão pela qual, mesmo sendo remunerada para tanto, era considerada a plebe da sociedade. Por fim, abaixo dos sudras, existiam os chamados párias, considerados indignos, portanto, sem casta.6 Importante relevar que a concepção de divisão do trabalho naquela época obedecia á ordem da natureza. Acreditavam que a economia somente poderia progredir se obedecesse a ordem estabelecida pela própria natureza. Serão abordados no próximo item, os direitos existentes no Egito Antigo, no Direito Romano e na Idade Média. 1.2 O EGITO ANTIGO, O DIREITO ROMANO E, A IDADE MÉDIA. Os antigos egípcios também tinham uma sociedade dividida em castas e algumas delas subdivididas em superior e inferior, como por exemplo, a sacerdotal, onde se encontravam os praticantes das profissões mais graduadas. 6 NASCIMENTO, Walter Viera Lopes. Lições de história do direito. Rio de Janeiro: Forense, 1984, p. 44-45. 16 Apesar da prestação de serviços daquele tempo ser muito diferente dos serviços prestados atualmente, a lição deixada pelos antigos egípcios e que acompanhou o desenvolvimento da humanidade foi á prestação de serviços com controle de qualidade. No Egito Antigo esse controle de qualidade era verificado normalmente pelo pai quando transmitia a profissão aos seus descendentes e, mais tarde, o mesmo controle era exercido pelas corporações no momento de suas estruturações. O Direito Romano possibilitou aos antigos jurisconsultos formularem novos institutos jurídicos e cultuar o Direito com regras de realizar a verdadeira Justiça, através da prática do que é bom e do que é justo, de como viver com dignidade e honestidade, sem ofender ao próximo. O Direito Natural, uma das mais antigas doutrinas onde razão e natureza eram interligadas entre si e indissolúveis, mostrava que o ser humano tinha o direito de ser livre, de ter saúde, educação e segurança. Por sua vez, o Direito Positivo, apresentava suas normas, que norteavam e compunham o ordenamento jurídico, formando as diretrizes necessárias para conduzir a sociedade a nível mundial. Extinta a realeza romana e deflagrada a revolução – 510 a 27 a.C. -, ocorreram significativas mudanças, sendo deflagrada uma greve pelos plebeus que sofreram grandes prejuízos, no aspecto econômico e político, ao contrário dos patrícios que viveram momentos de grande entusiasmo e glória. Então, os plebeus foram para o monte sagrado, paralisando por completo a parte produtiva e trabalhadora da cidade.7 Em busca de uma solução para o impasse que se instalou, os patrícios resolveram fazer um acordo com os plebeus, criando o tribuni plebis, de onde, mais tarde originou-se a figura do magistrado plebeu, que era considerado sagrado e inviolável, com direito de vetar as decisões a serem tomadas pelos organizadores da política da república.8 7 RÁO, Vicente. O direito e a vida dos direitos. 4ª ed. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991. p. 43. 8 MEIRA, Silvio. Curso de Direito Romano. São Paulo: LTr, 1996. p. 65. 17 Apesar dos progressos verificados, ainda existiam lutas entre os patrícios e plebeus, fomentando discussões a respeito de como introduzir uma lei que pudesse salvaguardar os interesses e direitos comuns a todos. Surgiu então, em 462 a.C., após os magistrados ordinários terem sido suspensos e seus poderes cassados, uma comissão composta por dez (10) membros, que tinham a função de apresentar a redação definitiva das leis, que foram elaboradas em dez tábuas, gravadas sobre bronze e carvalho, denominadas Lex duodecim tabutarum e expostas no comitium , tido como o Fórum da Justiça da época. Dois anos mais tarde, foram elaboradas outras duas tábuas, contendo normas que traduziam as responsabilidades das pessoas físicas e jurídicas, tanto no direito público quanto no direito privado, concluindo assim a denominada Lei das XII Tábuas.9 A partir de então a Lei das XII Tábuas passou a ter grande valor na ordem jurídica e para a formação de novas leis objetivando igualar as classes sociais, tanto que, deu origem ao Direito Civil, e serviu de fonte de equilíbrio para as diferenças que existiam entre as classes sociais.10 Para a elaboração deste trabalho, importante destacar que, na Roma antiga, a prestação de serviço era considerada relação negocial de intercâmbio. Os romanos exploravam o trabalho escravo, que era comparado como um negócio qualquer, sem qualquer grau de sentimentalismo.11 A contratação do trabalho escravo objetivava a execução dos serviços puramente, sem remunerar os executores dos serviços contratados, que eram tratados como escravos, e sujeitos ao poder de seu senhor, e entendidos como propriedade deste, passíveis de “locação”, denominação comum e usada pelos romanos nas contratações de máquinas, objetos e afins. 9 CÓDIGO DE HAMURÁBI – CÓDIGO DE MANU – Lei das XII Tábuas. São Paulo: EDIPRO, 1994. p. 134. 10 Ibidem, p. 135. 11GIERKE, Otto von. Las raices del contrato de servicios. Madrid: Civitas, 1989. p. 55, apud PRUX, Oscar Ivan, tese de Doutorado apresentada na Pontifícia Universidade Católica, 2001, p. 21 20 No período medieval já se observava uma proteção indireta ao consumidor, pois, o profissional que comprovasse seu conhecimento e habilidade sobre o trabalho praticado, recebia um certificado de garantia, comprobatório da qualidade do produto que produziu. Otto von Gierke19 informa que foi no Século XIII que surgiu o contrato de prestação de serviços domésticos, cujo modelo se aproxima aos contratos de prestação de serviços utilizados na atualidade. O contrato de prestação de serviço daquela época foi tido como uma relação obrigacional recíproca, em que uma parte se obrigava ao serviço, e a outra a remunerá-lo. No final do período medieval, atividades econômicas surgiram e já se reconhecia a dignidade do trabalho humano. O trabalho era reconhecido e louvado, enquanto a ociosidade era condenada, provocando o surgimento de variadas formas de atividades econômicas. Grande evolução ocorreu e uma grande variedade de prestação de serviços surgiu, obrigando a estrutura legal então existente a acompanhar essa evolução. Reconhecido o Princípio da Dignidade Humana, as mudanças na relação de consumo que se iniciaram com as Cruzadas, afetaram de forma significativa o comércio na Idade Média e proporcionaram um grande crescimento nas relações de consumo.20 Em meados do Século XV, o resultado dessa evolução já era impressionante, com surgimento de novas nações e com acentuadas divisões nacionais. Novas leis nacionais foram introduzidas para regular as relações de consumo. Novas línguas, novas igrejas nacionais e obediência ao rei se acentuaram, causando maior segurança e equilíbrio na relação consumerista, alicerçando os indícios de proteção ao cidadão-consumidor que existiam, em relação aos serviços que prestavam.21 Em seguimento, serão abordados os aspectos históricos, jurídicos e econômicos observados após a Idade Média. 19GIERKE, Otto von. Las raices del contrato de servicios. Madrid: Civitas. 1989. p. 23, apud PRUX, Oscar Ivan, tese de Doutorado apresentada na Pontifícia Universidade Católica, 2001, p. 27. 20HUBERMAN, Leo. História da Riqueza do Homem. 20. Ed. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1985, p. 69. 21Ibidem, p. 69. 21 1.3 IDADE MODERNA; PERÍODO DA REVOLUÇÃO INDUSTRIAL ATÉ O INÍCIO DO SÉCULO XXI Diante do significativo e histórico avanço da prestação de serviços verificado na Idade Média, foram necessários discutir, no período da Idade Moderna, novos aspectos históricos, jurídicos e econômicos, vivenciados por todos, dentre eles, o Código de Defesa do Consumidor do Brasil, que será objeto de maior observação no desenvolvimento desta dissertação. Com a Revolução Industrial – verificada na segunda metade do Século XVIII -, profundas e significativas alterações sociais e econômicas marcaram o crescimento da capacidade produtiva das empresas, que deram início a fabricação em série, surgindo a revolução tecnológica, em razão do grande desenvolvimento técnico alcançado depois da Segunda Grande Guerra Mundial.22 Em 1.789, diante da Revolução Francesa, novos princípios foram consagrados e até hoje seguidos, como o princípio da publicidade dos atos em juízo e o princípio da igualdade, hoje conhecidos como princípio do contraditório e da ampla defesa.23 Na Idade Média, como a produção era predominantemente artesanal e manual, não existiam conseqüências mais graves na relação de consumo, porém, com a evolução do comércio e com a fabricação dos produtos em série, desajustes e desequilíbrios surgiram com freqüência, gerando conflitos na relação consumerista, porque os comerciantes não estavam preparados para acompanhar a evolução tecnológica, notadamente no controle dos produtos, causando riscos freqüentes ao consumidor, diante dos erros técnicos e de produção. O próprio Poder Público estava defasado e deficiente em sua infra-estrutura, pois não conseguiu acompanhar o rápido crescimento das cidades.24 O rápido desenvolvimento urbano aliado a mecanização do trabalho rural, provocou significativa migração dos trabalhadores rurais para as cidades, causando graves desajustes 22ROCHA, Silvio Luis Ferreira. A Responsabilidade Civil do Fornecedor pelo Fato do Produto no Direito Brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 16. 23Ibidem, p. 16. 24Ibidem, p. 37. 22 sociais e deterioração dos serviços públicos essenciais, mas, ao mesmo tempo, possibilitando rápido fortalecimento das empresas privadas que buscaram atingir o público consumidor das grandes cidades. Esse desequilíbrio deixou os consumidores vulneráveis e sujeitos as manobras oportunistas dos grandes empresários, aumentando os conflitos sociais, que também ocorrem nos dias atuais. Os reflexos gerados pela Revolução Industrial nos setores sócio-econômico são lembrados por Carlos Alberto Bittar, ao afirmar que: Foi com o desenvolvimento do comércio e a expansão obtida depois com a denominada Revolução Industrial que, alterado profundamente o cenário econômico, começou a manifestar-se o desequilíbrio nas relações de consumo, exacerbado no século atual em função do fenômeno da concentração de grandes capitais, em empresas industriais, bancárias, de seguros, de distribuição de produtos e outras. Polarizou-se, ademais, o conflito no setor das relações entre produtor e consumidor, atraindo-se a atenção do legislador, a nível internacional e nacional, para a edificação do regime próprio e sem prejuízo dos mecanismos normais de defesa dos contratantes. 25 É certo que a Revolução Industrial teve reflexos positivos e produziu aumento na quantidade física de serviços e de bens, dando origem ao sistema econômico capitalista. Implantado o sistema capitalista, a própria sociedade passou a admitir valores imateriais como forma de parcela de riqueza, desmerecendo pensamento anterior de que riqueza correspondia á propriedade imóvel.26 Como lembrado antes, a Revolução Industrial alterou profundamente o cenário econômico, originando, em razão do grande desenvolvimento, desequilíbrio nas relações de consumo, muito observado no século passado e no início deste século, em função do fenômeno da concentração de grandes capitais, fenômeno que vem trazendo preocupação constante aos que defendem a idéia de um Estado Democrático de Direito, do primado da lei, enquanto expressão máxima da vontade geral expressada pela Revolução Francesa.27 25BITTAR, Carlos Alberto. Direito do Consumidor. 3ª Ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária. 1991, p. 9. 26VENOSA, Silvio de Salvo. Teoria Geral dos Contratos. 3ª Ed. São Paulo: Atlas, 1997. p. 20. 27MAIOR, Jorge Luiz Souto. Sumaríssimo: solução ou entrave?, Júris Síntese Millenium. Síntese São Paulo. p. 04. 25 destinatário final. Isso só ocorreu no Século XVII, quando do surgimento do Direito do Consumidor, por volta dos anos 1.603 a 1.830, quando vigiam as Ordenações Filipinas.29 A legislação daquela época era arcaica, nem era denominada como Direito do Consumidor, mas, sob influência da legislação portuguesa, situações esparsas vivenciadas apresentavam características de prestação de serviços. A história do Direito Brasileiro revela que, em 1824, a Constituição do Império aboliu as corporações de ofício, ou seja, instituiu a liberdade de trabalho.30 Em 1889, a Lei Áurea concedeu alforria, quando o regime escravocrata deixou de existir no Brasil, sem disciplinar um novo sistema de trabalho livre, condição que permaneceu quando os juristas elaboraram o Código Civil de 1916, aplicando a sistematização da prestação de atividade humana, razão pela qual, no texto que envolve e disciplina a prestação de serviços, foram inseridas diversas modalidades, como empreitada, mandato e locação de serviços.31 Diante das significativas mudanças sociais e da evolução tecnológica, observadas, houve desequilíbrio social, onde os mais fortes economicamente falando levavam vantagens, quando o contrato de trabalho se destacou, regido por ordenamento próprio – Direito do Trabalho -. Com o surgimento do Direito do Consumidor e o Direito do Trabalho, a modalidade, locação de serviços, deixou de ter expressão porque boa parte das relações jurídicas, que envolvia a matéria em discussão foi incluída nas legislações citadas, que eram mais específicas e atualizadas.32 Diante das legislações envolvendo as relações do trabalho e do consumidor, houve um rompimento da unidade do tratamento jurídico da prestação de serviços, visto que, o Direito do Trabalho passou a regular a prestação de serviços com sentido de subordinação, hierarquia e dependência econômica. 33 29 LARA, Silvia Hunold. Ordenações Filipinas. Companhia das Letras. São Paulo. 1999. p. 192. 30 PRUX, Oscar Ivan, tese de Doutorado. Pontifícia Universidade Católica, 2001, p. 38. 31 Ibidem, p. 38. 32TIMM, Luciano Benetti. Da Prestação de Serviços. Porto Alegre: Síntese, 1998. p. 39. 33 MANDELBAUM, Renata. Contratos de Adesão e Contratos de Consumo. São Paulo, Revista dos Tribunais, 1996, p. 12. 26 Por outro lado, a introdução do Direito do Consumidor favoreceu o crescimento do mercado consumidor, que diante das ofertas de produtos e de serviços verificadas em grande escala, introduziu uma significativa liberdade contratual. Decorrência natural dessa evolução surgiu a produção em série, de bens e de serviços, que, diante da expressividade da produção, fez aparecer a contratação pré-elaborada, que inviabilizou a discussão das cláusulas contratuais e restringiu a liberdade contratual de uma das partes contratantes – o consumidor -, que passou a ser visto como a parte vulnerável da relação consumerista, diante dos esquemas pré-estabelecidos pela outra parte contratante – o fornecedor – visto como mais forte e dominante na relação de consumo. Coube, então, ao consumidor, a possibilidade de aderir ou não ao contrato, restrição que causou grande prejuízo à parte mais vulnerável. 34 A síntese da história do Direito Brasileiro, aqui relatada, culmina com o advento do Código de Defesa do Consumidor – CDC – (Lei nº 8.078/90), que há pouco, completou quinze anos de vigência, e que será comentada adiante. O CDC brasileiro teve seu anteprojeto elaborado antes mesmo da promulgação da Constituição de 1.988 e após longo e ponderado trabalho que lhe conferiu grande qualidade, acabou sendo enviado à sanção presidencial, transformando-se então, com vetos parciais, na Lei nº. 8.078, de 11 de setembro de 1.990. É certo que o Código de Defesa do Consumidor brasileiro representa significativo avanço jurídico á proteção do consumidor - um dos temas mais atuais do direito em todo o mundo -; entretanto, o tema continua sendo um grande desafio desta era. Há pouco mais de duas décadas, o homem vive numa rotatividade impressionante, dentro de uma sociedade de consumo caracterizada por um número sempre crescente de produtos e serviços, pelo domínio do marketing e do crédito, ou seja, vive em função de um novo modelo de associação. 34 MACEDO JR. Ronaldo Porto, Contratos Relacionais e Defesa do Consumidor, São Paulo: Max Limonad, 1998. pp. 102-103. 27 Esse aspecto, somado à dificuldade de acesso à justiça, deixou patente que o consumidor do Século XX necessitava de uma proteção legal autônoma, carências que foram observadas e que justificaram a elaboração do CDC brasileiro. Não obstante, como mencionado antes, o Direito do Consumidor continua sendo um grande desafio diante de sua vulnerabilidade. Ainda não foram disponibilizados aos consumidores os mecanismos eficientes para superar tal qualidade ou estado de vulnerável; o próprio sistema – relação de mercado entre fornecedor e consumidor - não demonstra vontade ou não apresenta solução para superar isso, talvez por conveniência daqueles que estão engajados na proteção da parte mais forte dessa relação – o fornecedor-. Porém, o direito não pode ficar alheio a essa constatação, pelo que, uma nova mentalidade deve ser atrelada à lei, objetivando a efetiva tutela dos direitos e interesses dos consumidores. A observância do desamparo ao consumidor - e a inexistência de mecanismos eficientes de superação -, demonstra ser imprescindível a intervenção estatal nessa matéria. O Código de Defesa do Consumidor brasileiro surgiu exatamente para regular a relação de consumo e tutelar a parte mais frágil dessa relação. É cediço que esta fragilidade é multifária, que decorre ora da atuação dos monopólios e oligopólios, ora da carência de informação sobre preço, qualidade e outras características dos produtos e serviços que são disponibilizados aos consumidores. E o Estado deve atuar positivamente nas suas três esferas, formulando as normas jurídicas de consumo (legislativo); implementando tais normas de consumo (executivo) e, evitando os conflitos decorrentes da formulação e implementação de tais normas (judiciário). É observada a vulnerabilidade do consumidor em nível mundial, porém, a questão toma uma dimensão ainda maior em relação ao consumidor brasileiro cuja cultura e tradição o torna mais frágil, pelo que a intervenção do Estado Brasileiro se torna necessária. 30 A Responsabilidade Civil teve sua origem em Roma, nos Códigos de Manu e de Hamurábi, onde são encontradas suas raízes, através do princípio fundamental do neminem laedere, que exprimia a premissa de “não lesar a ninguém”. Antes da civilização romana, havia a vingança coletiva contra o agressor que ofendesse um dos componentes do grupo. Essa modalidade evoluiu posteriormente para a vingança privada, quando os homens agiam com as próprias mãos, aplicando suas vinganças através da conhecida “Pena do Talião”, cuja regra sacramentava a forma de se vingar: “olho por olho, dente por dente”. Porém, ao contrário do pensamento comum, a construção da Teoria da Responsabilidade Civil não surgiu diretamente do Direito Romano, mas sim, das atividades extraídas da vida prática, notadamente dos julgamentos realizados pelos juízes romanos, de onde foi elaborada a Teoria da Responsabilidade Civil, e que acabou por influenciar o direito pátrio. A evolução da Responsabilidade Civil, na história do Direito Romano, é observada desde a vingança privada (primeira fase), passando para a segunda fase da evolução, em que a reparação do dano se deu com a intervenção do Estado, onde ficou estabelecida a pena pecuniária, ou seja, a reparação pecuniária do dano. Com a Lex Aquilia de damno, ficou estabelecido que se o agente tivesse culpa, seu patrimônio deveria suportar o ônus da reparação do dano, ficando nesse caso a culpa como fundamento de sua responsabilidade. As sanções da Lex Aquilia se estenderam aos danos causados sem o estrago físico e material da coisa ou por omissão, onde o Estado passou a intervir nos conflitos privados, fixando o valor dos prejuízos e obrigando a vítima aceitar a composição, e essa composição tinha caráter de pena privada, “reparação”. Nessa época não havia distinção entre Responsabilidade Civil e Penal. Com a queda do Império Romano, o estudo do Direito Romano permaneceu esquecido, sendo reiniciado na Idade Média pelos glosadores, quando surgiu a distinção entre Responsabilidade Civil e Penal. 31 O Direito e a Responsabilidade Civil acompanharam a evolução verificada entre os períodos da Idade Média e Moderna, seguindo as Teorias Francesas, especialmente a de Domat, que abrangeu a Responsabilidade Civil. A noção moderna da Responsabilidade Civil adveio da doutrina francesa e do Código Napoleônico (1.804), que adotou a Teoria da Responsabilidade Civil e acabou influenciando outras legislações, dentre elas, o Código Civil Brasileiro. O Código Napoleônico trouxe a Teoria da Culpa, pressuposto da Responsabilidade Civil do agente, originando assim, a Teoria Subjetiva. Com o surgimento das máquinas, ocorreu um avanço tecnológico e o crescimento da indústria. A sociedade deixou de ser agrária e passou a ser industrial, criando um número maior de empregos e ensejando a produção de bens em massa. Essa evolução influenciou e refletiu no Direito e na teoria da Responsabilidade Civil, pois a Responsabilidade Subjetiva já não mais atendia o que a sociedade industrial exigia, pois os danos então ocorrentes apresentavam ser de outra natureza. Exemplo típico dessa afirmativa: se durante a jornada de trabalho acontecesse um acidente, em que o trabalhador fosse vítima de uma máquina, não era possível apurar a culpa ou saber se o empregador poderia se eximir dela em face de ser o funcionário o usuário da máquina. Com o avanço tecnológico, problemas surgiram, e diante do clamor da sociedade, foi necessário readaptar o Direito aos novos tempos e problemas vivenciados, surgindo então a Responsabilidade Civil Objetiva, onde a culpa se tornou irrelevante, considerando somente a noção de risco. O Código Civil Brasileiro do início do Século XX refletiu a tendência da época, e adotou a Teoria da Responsabilidade Civil Subjetiva, lembrando que, naquela época não havia no País indústrias de grande porte, e os conflitos sobre responsabilidade civil, eram os de uma sociedade agrária, observada no Código Napoleônico, que serviu de espelho para o nosso ordenamento civilista. Com o Brasil mais desenvolvido e já industrializado, o Código Civil tornou-se inapto para resolver os problemas que se apresentavam. Com isso, as doutrinas e jurisprudências, passaram a edificar os alicerces da Responsabilidade Civil Objetiva, adotada pela primeira 32 vez através da Lei de Responsabilidade Civil das Estradas de Ferro (Decreto-Lei n. º 2.681/12). Posteriormente, adveio a Lei de Acidentes do Trabalho (Decreto nº 24.637/34) e em outras específicas, até chegar à promulgação do moderno Código de Defesa do Consumidor Brasileiro, que versa sobre a Responsabilidade Civil Objetiva, que será objeto de estudo mais especificado, na seqüência deste trabalho. É essencial analisar os pressupostos necessários para configuração da Responsabilidade Civil, notadamente por haver divergências entre os estudiosos do direito, carecendo melhor definição a respeito se, os pressupostos da Responsabilidade Civil decorrem da culpa e da imputabilidade, ou se será necessária á existência do dano, do fato e da antijuricidade. Nesse quadro divergente, foram destacados como pressupostos necessários à responsabilização civil: Ação comissiva ou omissiva – se apresenta sob a forma de um ato ilícito ou lícito, e o fundamento da responsabilidade é a culpa, e paralelo a esta há também o risco, mas sabe-se que nem sempre toda obrigação decorre de ato ilícito, como por exemplo, o caso da reparação nos acidentes de trabalho. Dano moral ou patrimonial – decorre de um ato comissivo ou omissivo do agente ou terceiro; sabendo-se que não haverá responsabilidade civil sem a ocorrência de um dano a alguém. Nexo de causalidade - nexo entre o dano e a ação; não existe responsabilização civil sem vínculo entre a ação e o dano; não se deve esquecer que há causas excludentes do nexo causal, e os casos são de culpa exclusiva da vítima, culpa concorrente da vítima e o agente, e por culpa comum (esse é o caso em que a vítima e o agente causam juntos os danos). Os pressupostos necessários acima destacados devem estar presentes nas modalidades: Responsabilidade Civil Objetiva e Responsabilidade Civil Subjetiva, que serão estudadas nos próximos itens. 35 Maria Antonieta Zanardo Donato afirma que: “A teoria subjetiva, não se mostra á caracterização do dano e o correspondente dever de indenizar, mas sim o dano decorrente do comportamento culposo do agente é que gerará o dever de indenizar”.38 A ilicitude decorre de um ato praticado com culpa pelo agente, e que esteja em desacordo com a norma jurídica, capaz de violar direito subjetivo individual e causar prejuízo á outrem. A culpa pode ocorrer nas modalidades, contratual e extracontratual. A culpa contratual decorre de um dever contratual violado, fundamentando a Responsabilidade Civil Contratual; por sua vez, a culpa extracontratual deriva da violação de direito, do desrespeito ás pessoas e aos bens alheios, fundamentando a Responsabilidade Civil Extracontratual ou Aquiliana. 2.1.4 Adoção da Responsabilidade Civil Objetiva pelo Código de Defesa do Consumidor A Responsabilidade Civil Objetiva foi adotada pelo Código de Defesa do Consumidor – artigos 12 ao 18 -, e se caracteriza mesmo que não exista culpa do agente. O Código de Defesa do Consumidor adotou a Responsabilidade Civil Objetiva, para assegurar ás vitimas, o ressarcimento imediato e mais completo possível, sem necessidade de comprovar a culpa do agente. A motivação maior da adoção da Responsabilidade Civil Objetiva pelo CDC decorreu da injusta relação de consumo existente entre o fornecedor e o consumidor - entendido como hipossuficiente e a parte mais vulnerável dessa relação -. A Responsabilidade Civil Objetiva observada no Código de Defesa do Consumidor é aplicável em todas as relações de consumo, incorrendo ao fornecedor a obrigação de indenizar o consumidor pelos danos que causar á este. 38 DONATO, Maria Antonieta Zanardo. Proteção ao Consumidor: Conceito e extensão. São Paulo: RT, 1.993, p. 214. 36 O inciso VI, do artigo 6º, do mesmo diploma legal indica que o fundamento da indenização integral é o risco da atividade exercida pelo fornecedor, no qual está submetido, pelo que, não poderá o fornecedor alegar, como fatores excludentes de sua Responsabilidade Civil Objetiva, a ocorrência de caso fortuito ou força maior. Na prática, a aplicação da Responsabilidade Civil Objetiva nas relações de consumo, representou um grande instrumento para a defesa dos direitos dos consumidores, pois, na maioria dos casos, era muito difícil apurar a culpa do agente. Embora a Responsabilidade Civil Objetiva tenha sido acolhida pelo Código de Defesa do Consumidor, algumas causas excludentes que mitigam a Responsabilidade Civil Objetiva são observadas no artigo 12, § 3º, incisos I, II e III, do mesmo diploma legal, onde está previsto que, o fornecedor só não será responsabilizado quando provar: I: que não colocou o produto no mercado; II: que, embora haja colocado o produto no mercado, o defeito inexiste; III: a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro. 2.1.5 Mitigação da Responsabilidade Civil Objetiva no caso dos Profissionais Liberais e por Vícios do Produto ou Serviço A regra geral do Código de Defesa do Consumidor é a da Responsabilidade Civil Objetiva, em que se desconsideram os aspectos subjetivos da conduta do fornecedor, mas, em alguns casos, como citado no item anterior, o fornecedor poderá se eximir da responsabilidade de reparação dos danos, arguindo a inexistência do nexo de causalidade entre sua atividade e o dano produzido. A primeira possibilidade excludente da Responsabilidade Civil Objetiva do fornecedor, prevista no Código de Defesa do Consumidor, é observada quando o fornecedor consegue provar que não colocou o produto no mercado, de forma voluntária e consciente, ou seja, que o produto foi colocado no mercado à sua revelia. Esta circunstância exime o fornecedor da Responsabilidade Civil Objetiva decorrente do defeito ou falsificação apresentado pelo produto. 37 Contudo, o fornecedor não se eximirá da responsabilidade na hipótese do produto defeituoso ser colocado no mercado gratuitamente, com o fim de ajudar pessoas carentes. A segunda possibilidade excludente da responsabilidade do fornecedor decorre da inexistência de defeito ou vício do produto, pois se assim não fosse, e o produto apresentasse defeitos, a responsabilidade seria do fornecedor. A terceira possibilidade de excludente trata da culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro, sendo este qualquer pessoa que não esteja relacionada no artigo 12 do Código de Defesa do Consumidor, pois neste, tem-se de um lado o consumidor e de outro o fabricante, produtor e construtor. Nesse caso, caberá ao fornecedor demonstrar a culpa do consumidor ou do terceiro, através do instituto da inversão do ônus da prova. Relativamente ao caso fortuito ou força maior, a regra do artigo 393, do Código Civil vigente diz que, “o devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado”, o que leva a interpretar que tais casos são considerados casos excludentes de responsabilidade na esfera do Direito Civil. Todavia, cumpre anotar que tais casos não estão relacionados entre as causas de excludentes da responsabilidade pelo fato do produto ou serviço. O fornecedor não pode alegar caso fortuito ou força maior para se eximir da responsabilidade, antes da introdução do produto no mercado, pois, nesse caso o fornecedor tem o dever de garantir que seu produto não sofrerá nenhuma alteração, passível de causar risco a saúde e segurança do consumidor. A respeito do assunto, o doutrinador Zelmo Denari comenta: Quando o caso fortuito ou força maior se manifesta após a introdução do produto no mercado de consumo, ocorre uma ruptura no nexo de causalidade que liga o defeito ao evento danoso, Nem tem cabimento qualquer alusão ao defeito do produto, uma vez que aqueles acontecimentos, na maior parte das vezes imprevisíveis, criam obstáculos de tal monta que a boa vontade do fornecedor não pode suprir. Na verdade, diante do impacto do acontecimento, a vítima sequer pode alegar que o produto se ressentia de defeito, vale dizer, 40 O que deve ser destacado é que, a finalidade do Código de Defesa do Consumidor é a de proteger os consumidores dos profissionais que prometem um resultado positivo ao paciente. Os casos de responsabilidade pelo vício do produto ou serviço, mencionadas nos artigos 18 a 25, do Código de Defesa do Consumidor exprimem certas divergências sobre a configuração da responsabilidade: se na modalidade subjetiva ou objetiva. O artigo 23 do mesmo diploma legal diz que: “a ignorância do fornecedor sobre os vícios de qualidade por inadequação dos produtos e serviços não o exime de responsabilidade”. Isso significa que a responsabilidade civil objetiva, ou seja, a responsabilização objetiva do fornecedor de produto ou serviço, está caracterizada no artigo 18, e seguintes do Código de Defesa de Consumidor, e sendo assim, não há duvidas que a intenção ou objetivo, é a efetiva proteção e reparação de danos ao consumidor. E, o dever de reparar surge com a ocorrência dos vícios de qualidade ou quantidade, que tornem o produto impróprio e inadequado ao consumo a que se destina, ou que diminua seu valor ou ainda que apresente desigualdade entre o conteúdo líquido e suas indicações. Jorge Alberto Quadros de Carvalho Silva, comenta sobre a responsabilidade solidária dos fornecedores pelos vícios de qualidade ou quantidade: A responsabilidade dos fornecedores pelos vícios de qualidade ou quantidade é solidária, de sorte que o consumidor, constatado a impropriedade ou inadequação do consumo, a diminuição de seu valor, ou a disparidade entre o conteúdo líquido e suas indicações, tem o direito de exigir a substituição das partes viciadas, assim como as soluções previstas nos incisos I a III do art. 18, de todos os fornecedores, de alguns, ou somente de um dos que efetivamente participaram da cadeia de fornecimento do produto inseridos na relação de consumo.41 Deve ser ressaltado que, somente no § 4º do artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor, há atenuação, mitigação ou abrandamento, onde se apura a responsabilidade do agente mediante sua culpa, mas, nas outras situações, a responsabilidade será objetiva, pois o princípio da responsabilidade objetiva é base da proteção dos consumidores. Então, no caso 41 SILVA, Jorge Alberto Quadros de Carvalho. Código de Defesa do Consumidor Anotado. São Paulo, Editora Saraiva, 2.002, p. 102. 41 dos vícios por inadequação ou quantidade, não há que se falar em mitigação da responsabilidade objetiva. A linha mestra do CDC é a da Responsabilidade Objetiva, cuja premissa é a de aplicar a disposição mais pertinente ou relevante para o consumidor, reservando inclusive a possibilidade de indenização por dano moral quando a imagem e a honra do consumidor são expostas e denunciadas publicamente, de forma indevida, conforme previsão da Seção V – Da Cobrança de Dívidas – artigo 42, do mesmo diploma legal. As situações vexatórias em que os consumidores são expostos merecem análise específica, pela qual, serão apresentadas no item seguinte algumas considerações quanto ao dano moral decorrente, com objetivo de deixar os consumidores mais esclarecidos e conscientes de seus direitos. 42 3 DANO MORAL Não se pode afirmar que o valor do dano moral tem a ver com uma perda no sentido econômico, porque tal dano visa compensar um abalo psíquico da pessoa, geralmente provocado por uma conduta culposa do ofensor. De tal forma que, podem caracterizar o dano moral, os prejuízos experimentados tanto pelas pessoas físicas como jurídicas, que não constituam dano material e que não sejam de cunho econômico. Esse tema, de significa relevância será abordado adiante com maior propriedade. 3.1 CONCEITO DE DANO MORAL E DISTINÇÃO DE DANO PATRIMONIAL O dano é pressuposto da Responsabilidade Civil e a Doutrina pátria resume que o dano é decorrente de qualquer lesão experimentada pela vítima em seu complexo de bens jurídicos. O dano pode ser moral (extrapatrimonial) ou patrimonial. O dano patrimonial advém do ato lesivo ao patrimônio material de alguém; o dano moral se caracteriza por lesões causadas de forma direta ou indireta a interesses não patrimoniais (não econômicos) da pessoa física, jurídica ou até mesmo da coletividade, que afetam a imagem da pessoa, e que a coloca em situações vexatórias ou ridículas. Seriam aqueles danos que atingem os aspectos íntimos da personalidade humana, como por exemplo, o da intimidade, da consideração pessoal e da reputação da pessoa do consumidor. Assim, a inclusão do dano de cunho moral no conceito se justifica na concepção de que se devem resguardar todos os interesses legítimos dos titulares de direitos, tanto os patrimoniais como os extra-patrimoniais, sancionando-se, por conseqüência, todas as transgressões havidas na prática, qualquer que seja a lesão. Carlos Alberto Bittar, conceitua danos morais como: [...] lesões sofridas pelas pessoas, físicas ou jurídicas, em certos aspectos de sua personalidade, em razão de investidas injustas de outrem. São aqueles que 45 A primeira manifestação sobre o dano moral e a correspondente reparação, ocorreu no Código de Hamurábi. Ali, o legislador se preocupou em garantir ao lesado a reparação equivalente ao dano sofrido. De tal forma que, se o agente causasse ofensas pessoais à vítima, a reparação ocorreria de forma idêntica, na mesma proporção das ofensas perpetradas contra a vítima. O Código de Manu apresentou conceito primário de dano moral e a sua respectiva indenização, ao estabelecer que a vítima do dano seria ressarcida com valor pecuniário, arbitrado pelo legislador. As regras insertas nos parágrafos 237 e 239 do Livro IX de referido Código concediam poderes ao Rei, para nos casos de revisão do processo, aplicar pena de mil panas, aos juízes responsáveis por condenações injustas. Na época da civilização romana, todo ato considerado lesivo ao patrimônio e à honra de uma pessoa, ensejaria a devida reparação, tanto no aspecto patrimonial, quanto no moral. No parágrafo 13 da Lei das XII Tábuas, consta que se o tutor causar algum prejuízo ao tutelado, deve ser condenado a pagar o dobro ao fim de sua gestão. Nas legislações civilistas de países como a França, Itália e Alemanha, são observadas idéias contidas na legislação civil brasileira, quanto ao dano moral e a indenização devida. A legislação civil alemã estabelece que, se alguém causar lesão no corpo ou na saúde de outrem, passível de privar a liberdade do lesado, este poderá exigir a título de dano moral, satisfação em dinheiro. O código civil da Itália, nos casos determinados por lei, também admite a reparação de dano, em valor pecuniário, desde que seja equivalente a lesão. Foi no Século XII, através da legislação civil francesa, que surgiu a idéia de reparação do dano, atualmente regulamentada pelo artigo 1.382, que estabelece: “todo ato ilícito de qualquer pessoa, que cause dano a terceiro, obriga este a reparar o ato praticado”, e abrange os bens materiais e imateriais. No Brasil, como já foi mencionado antes, o dano moral e o seu ressarcimento surgiram em razão da doutrina e da jurisprudência, pátrias, não podendo ser desprezada a existência de 46 artigos inseridos na legislação civil brasileira, prevendo a reparação do dano moral, inclusive a possibilidade de extrair dentre os artigos, o princípio geral de reparação do dano moral. Antes da regra inserta no artigo 5.º, incisos V e X, da Constituição Federal do Brasil de 1.988, já se mencionava o princípio geral da Responsabilidade do Dano Moral, disposto nos artigos 1.537, 1.538, 1.543, 1.547 a 1.550, do Código Civil Brasileiro de 1.916 - alterados pelos artigos 948, 949 e 953 do Código Civil de 2.002 -, que cuidavam da liquidação das obrigações por ato ilícito, e, principalmente, do artigo 159 do mesmo diploma legal. O artigo 159 do Código Civil de 1.916, alterado pelo artigo 186 do Código Civil de 2.002, deixava uma lacuna quanto à reparação do dano moral, mas nem por isso o agente causador de um evento danoso estaria isento de repará-lo, pois o dispositivo do artigo 4.º da Lei de Introdução ao Código Civil expressava que “quando a lei for omissa, o juiz decidirá de acordo com os princípios gerais do direito”, fazendo com que por meio de uma interpretação lógica indutiva, o magistrado poderia julgar pela reparabilidade do dano moral, e tendo como referencia, as regras de liquidação das obrigações resultantes de atos ilícitos. A Constituição Federal de 1.988, veio suprir essa falha da Lei Civil, ao estabelecer, através do artigo 5.º, inciso V, que “é assegurado o direito de resposta proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou a imagem”, e no inciso X, que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas”, assegurando assim, o direito a indenização pelo dano moral decorrente de sua violação. A Constituição Federal ao prever e amparar o dano moral influenciou a introdução de dispositivos no Código de Defesa do Consumidor e no Estatuto da Criança e do Adolescente, relacionados ao dano moral e sua devida indenização. A previsão constitucional quanto ao dano moral foi importante, porque possibilitou a introdução da respectiva reparação. Relevante lembrar que, antes mesmo da vigência do Código Civil de 1.916, o Decreto-Lei nº 2.681/12 já observava responsabilidade civil em razão de acidentes ocorridos nas estradas de ferro, expressando a obrigação do transportador de indenizar os danos causados aos passageiros das linhas de trens, independente de sua culpa. Tratava-se da denominada Responsabilidade Civil Objetiva, e que atualmente é 47 utilizada para solucionar os conflitos advindos do transporte oneroso de passageiros, pelo próprio Código de Defesa do Consumidor. Merece destaque o artigo 21 do citado Decreto-Lei, por dispor sobre a indenização do dano moral estético: “no caso de lesão corpórea ou deformidade, à vista da natureza da mesma e de outras circunstancias, especialmente a invalidade para o trabalho ou profissão habitual, além das despesas como tratamento e os lucros cessantes, deverá pelo juiz, ser arbitrada uma indenização conveniente”. Observa-se que, a intenção, ao mencionar “a indenização conveniente, arbitrada pelo juiz”, foi a de caracterizar a indenização pelo dano estético como dano moral. Os acidentes ferroviários também geram danos de ordem extra-patrimonial, ao procurar compensar a dor no aspecto físico e psíquico dos passageiros, decorrentes dos acidentes. Em seguida, será abordada a questão da responsabilidade civil decorrente de dano patrimonial e moral. 50 do Consumidor). Os operadores do direito classificam essa responsabilidade como: responsabilidade civil por acidentes de consumo. Zelmo Denari, citando Simone Hegele Bolson, diz: [...] os acidentes de consumo são infortúnios que prosperam após o advento da produção e do consumo em massa. Esses infortúnios originam-se nos defeitos dos produtos e serviços colocados e oferecidos no mercado pelos fornecedores, esses são os vícios de qualidade, e ainda os vícios de informação que ocasionam os acidentes de consumo se não houver instruções sobre a utilização do produto ou ainda não tiverem clareza e precisão as mesmas.46 Ocorrem com relativa freqüência, acidentes de consumo em face dos defeitos que os produtos apresentam. Duas categorias de defeitos se apresentam: defeitos juridicamente relevantes – artigo 12, caput, da Lei n. º 8.078/90 – (estes são capazes de causar danos à saúde ou segurança do consumidor se o defeito for de criação, concepção, produção, fabricação, informação, comunicação) e, os defeitos juridicamente irrelevantes para a responsabilidade civil, e que não se referem às imperfeições que constam no artigo 12, caput, da citada lei, mas, que decorrem da pratica culposa do consumidor ou terceiro (que fazem parte do rol das causas excludentes da responsabilidade civil - artigo 12, § 3º, da mesma regra legal -). Assim, se não existir defeitos no produto ou quando inexistir defeitos no serviço, não há que se falar em responsabilidade civil. A responsabilidade quanto ao fato do serviço, esta prevista no artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor. Diz citado artigo: “O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos”. 46 DENARI, Zelmo, Código Brasileiro de Defesa do Consumidor, comentado pelos autores do anteprojeto. Rio de Janeiro: Forense FU, 1.998. p. 133. 51 § 1º - O serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as circunstancias relevantes, entre as quais: I – o modo de seu fornecimento; II – o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam; III – a época em que foi fornecido. § 2º - O serviço não é considerado defeituoso pela adoção de novas técnicas. § 3º - O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar: I – que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste; II – a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro; Toda prestação de serviço deverá ser fornecida ao consumidor com segurança e só assim ficará afastada a hipótese de responsabilidade do fornecedor. Os acidentes de consumo podem ocasionar danos patrimoniais e morais. Nos casos de defeitos nos produtos, a responsabilidade será do fabricante, independentemente de culpa, ou do comerciante se o fabricante não puder ser identificado (artigo 13 do Código de Defesa do Consumidor) e nas hipóteses de defeito do serviço, o responsável será quem prestou o serviço (artigo 14, caput do mesmo Código). A reparação do dano moral que surgirá devido aos acidentes de consumo, pode decorrer de violação à vida, à honra, à integridade psíquica e física, à intimidade e até mesmo a imagem social do consumidor lesado. Então, se houver ofensa aos direitos da personalidade da pessoa do consumidor por fato do produto ou de serviço, a responsabilidade do fornecedor ou de quem prestar o serviço será objetiva. O serviço é defeituoso quando há vícios de informação (informação inadequada e insuficiente sobre os riscos) ou defeitos da prestação de serviço, quando não fornece a segurança que o consumidor dele espera. 52 4.3 RESPONSABILIDADE CIVIL POR DANO MORAL DECORRENTE DOS VÍCIOS DOS PRODUTOS OU SERVIÇOS Os artigos 18 e seguintes do Código de Defesa do Consumidor tratam da responsabilidade por vício do produto, de forma mais ampla que o Código Civil quando dispõem sobre os vícios redibitórios. A responsabilidade expressada nos artigos 18 a 25 do CDC se refere à tutela econômica do consumidor pelos vícios por inadequação e quantidade, dispondo que o consumidor será indenizado tanto pelos danos materiais como pelos danos morais que advierem dos vícios dos produtos e serviços. Mesmo que seja mais comum a ocorrência do dano patrimonial ao consumidor, em vista de que os vícios dos produtos ou dos serviços atingem o bolso do consumidor, caberá também o dano moral em relação ao consumidor, quando os respectivos vícios afetarem os direitos de sua personalidade. Então, o dano moral será devido tanto nos acidentes de consumo, como nos vícios de inadequação, tratando-se de um direito de todo e qualquer consumidor que se sentir lesado, mesmo que na fixação do quantum da indenização, os tribunais se mostrem tímidos na fixação do respectivo valor. Há necessidade de se estabelecer algumas regras quanto aos vícios de qualidade, quantidade ou informação: 1) conforme regra do artigo 23 do CDC, o fornecedor não tem o direito de alegar que desconhece a qualidade de um produto que esta oferecendo; 2) de acordo com o artigo 18 do mesmo CDC, todos os fornecedores de produtos, duráveis ou não que interagiram na cadeia de consumo, serão responsáveis solidários quanto aos vícios ocorridos; 3) o artigo 51, inciso VI, do CDC, estabelece que nenhum contrato pode prever a inversão do ônus da prova em prejuízo do consumidor; 4) o fornecedor não pode deixar de assegurar a garantia dos produtos e serviços que oferece (artigos 24, 50, 51 e seus incisos I, II, XV, e 74, todos do CDC). 55 O artigo 445 do Código Civil vigente dispõe que: “o adquirente decai do direito de obter a redibição ou abatimento do preço no prazo de 30 (trinta) dias se a coisa for móvel, e de 01 (um) ano se for imóvel, contado da entrega efetiva; se já estava na posse, o prazo conta- se da alienação, reduzido à metade”. Esse prazo contar-se-á da tradição. § 1. º - Quando o vício, por sua natureza, só puder ser conhecido mais tarde, o prazo contar-se-á do momento em que dele tiver ciência, até o prazo máximo de 180 (cento e oitenta) dias, em se tratando de bens móveis; e de 01 (um) ano, para os imóveis. Quanto á responsabilidade pelo vício do produto, o artigo 26, inciso I e II do CDC, pressupõe que o consumidor terá 30 (trinta) dias para reclamar dos vícios aparentes ou de fácil constatação, se o produto for não durável; ou 90 (noventa) dias se tratar de produtos duráveis. A contagem deste prazo inicia-se a partir da entrega efetiva do produto ou do término da execução dos serviços. Essa é a regra do § 1º do artigo 26, do mesmo diploma de Defesa do Consumidor. É oportuno acrescentar ainda que a responsabilidade dos fornecedores pelos vícios de qualidade ou quantidade do produto é solidária, e uma vez constatado pelo consumidor a inadequação do produto, sua impropriedade, diminuição de seu valor, disparidade entre o conteúdo líquido e suas indicações, o consumidor terá o direito de exigir a substituição das partes viciadas; a substituição do produto por outro da mesma espécie, em perfeitas condições de uso; a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos, ou o abatimento proporcional do preço (incisos I, II e III do artigo 18 do CDC), e o consumidor poderá exigir as hipóteses acima relacionadas, de todos os fornecedores, de alguns, ou apenas de um, dos que participaram da cadeia de fornecimento do produto. Quanto a isso, Helio Zaghetto Gama explica que “o mesmo ocorre quanto às constantes na oferta ou na mensagem publicitária (artigo 18 e 19 do Código do Consumidor)”.48 48 GAMA, Helio Zaghetto. Curso de Direito do Consumidor, Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 160. 56 De acordo com o § 3. º do art. 18 do CDC, o consumidor poderá fazer uso imediato das alternativas antes mencionadas, sempre que, em razão da extensão do vício, a substituição das partes viciadas puder comprometer a qualidade ou características do produto (por exemplo, um produto de alta precisão tecnológica), diminuir-lhe o valor (motor em veículo novo) ou se tratar de produto essencial (alimentos). Em relação aos produtos in natura (aqueles colocados no mercado de consumo sem sofrer nenhum processo de industrialização, embora tenha sua apresentação alterada em decorrência de embalagem ou acondicionamento), o responsável perante o consumidor é o fornecedor imediato (pequeno, médio ou supermercado), com exceção quando for possível identificar claramente seu produtor e o fornecedor demonstre que o perecimento ou inadequação do produto se deu por culpa do produto. 4.4 INDENIZAÇÃO DO DANO MORAL AO CONSUMIDOR A fragilidade dos consumidores é conhecida e por isso, freqüentemente sofrem violações tanto patrimoniais como morais. A violação moral ocorre sempre quando o consumidor for lesado em seus direitos personalíssimos, ou seja, quando essa violação decorre do fornecimento de produto ou serviço defeituoso que foi distribuído ou prestado pelos fornecedores de produtos ou serviços. Sempre que houver lesão quanto aos direitos da personalidade do consumidor, o causador do dano será responsabilizado objetivamente, e ainda será devida a indenização do dano moral. Simone Hegele Bolson, se expressa sobre o tema: “O termo indenização é derivado do latim indemnis (indene), de que se formou no vernáculo o verbo indenizar (reparar, recompor, recompensar, retribuir) em sentido genérico exprime compensação ou retribuição monetária realizada por uma pessoa á outra”.49 49 BOLSON, Simone Hegele, apud REYS, Clayton. Avaliação do Dano Moral. Rio de Janeiro: Forense, 1998. p. 144. 57 O termo indenização exprime a idéia da existência de um dano, ou seja, de que alguém teve seu patrimônio diminuído e isso lhe causou um prejuízo. A palavra indenização do dano moral, não tem o mesmo significado da palavra indenização utilizada para a reparação do dano material, pois neste há existência de um prejuízo econômico, o que não ocorre quanto ao dano moral. O objetivo da indenização por dano moral é dar ao ofendido uma satisfação capaz de amenizar sua dor, e ainda mais, servir de castigo ao causador do dano, para que não venha cometer mais nenhum atentado contra outra pessoa. Pode-se dizer, que a indenização por dano moral tem dois objetivos, um satisfativo e outro punitivo. Satisfativo quando o valor da condenação satisfaz a vítima plenamente, ou seja, o quantum é adequado e efetivo; punitivo quando a condenação é suficiente para que o ofensor não venha causar outros prejuízos a mais ninguém. Ocorre que os Tribunais, no tocante à fixação do quantum, acaba não atendendo o caráter satisfativo da indenização, e a vítima quase sempre não se satisfaz com o valor fixado, por ser de pequeno valor. Nem sempre a indenização cumpre seu papel de satisfazer ou amenizar a dor da vítima, ficando demonstrado com isso, que os juízes nem sempre avaliam o dano moral de forma adequada; a justificativa reside nas duvidas que o julgador possui quando do julgamento de um caso concreto, ou seja, se cabe ou não o dano moral. Em existindo essa dúvida, o magistrado poderá fixar indenização incompatível com o dano moral sofrido. É muito comum ocorrer á insatisfação da vítima com a indenização que lhe foi conferida, lembrando que, para se calcular a indenização, não há um valor mínimo ou máximo a ser seguido, sendo esta tarefa do magistrado, sem considerar que a dor de uma vítima pode não ter preço, e é exatamente nesse plano que a justiça deveria ser mais generosa com as vítimas, principalmente com aquelas que possuem nível econômico não satisfatório. É interessante ressaltar que, o que pode parecer satisfatório para uma pessoa, pode não o ser para outra. Exemplificando o caso de um valor pequeno arbitrado, a título de indenização de um dano moral, pode amenizar a dor de uma empregada doméstica; mas, se o 60 A prudência consistirá em punir moderadamente o ofensor, para que o ilícito não se torne, causa de ruína maior. Mas, em nenhuma hipótese, a sanção deverá se mostrar complacente com o ofensor obstinado, que, se não punido exemplarmente, poderá cometer outros ilícitos semelhantes. Com efeito, condenar um trabalhador que recebe um salário mínimo a pagar indenização em valor pouco acima de seu salário, seria um disparate. No entanto, a mesma quantia seria motivo de escárnio por parte do ofensor mais abastado. Assim, o remédio a ser aplicado, deve ser compatível com a situação econômica do ofensor, sob pena de se fazer do Direito, letra morta. Observa-se, ainda, preocupação no que diz respeito à possibilidade de especulações desonestas por parte dos que pretendem receber indenizações. Para evitar especulações desonestas, conta-se com o bom senso dos juízes, que haverão de rejeitar pedidos, deduzidos por quem não tenha legitimidade, e arbitrar com moderação o montante da reparação. A vítima de uma lesão quanto aos direitos que não tem cunho patrimonial, deve receber uma indenização que lhe compense a dor ou o sofrimento, a ser arbitrada pelo juiz, sempre atendendo às circunstâncias de cada caso, e tendo em vista as posses do ofensor e a situação pessoal do ofendido. Não pode ser tão grande se convertendo em fonte de enriquecimento, e nem tão pequena para que se torne inexpressiva. Então, tem que haver equivalência entre a dor e o valor pecuniário; a indenização não pode ser meramente simbólica, de modo a perder o caráter punitivo que ostenta, como também não pode ser excessiva, de modo a gerar um verdadeiro enriquecimento sem causa da vítima e insuportável penalidade ao agente. O entendimento vai no sentido de que, o valor da indenização - de caráter compensatório - deve ser razoavelmente expressivo, e não irrisório ou simbólico, pois é necessário que o ofensor sinta de fato o prejuízo financeiro causado pela indenização, como fator de desestímulo, a fim de evitar reincidências, mas deve haver comedimento, como forma de impossibilitar que o instituto seja transformado em mera fonte de enriquecimento. 61 Deve haver um juízo de razoabilidade, a fim de que não se desvirtue o quantum em fonte de riqueza. Mas, o valor irrisório ou pouco significativo diante da realidade econômica do ofensor, certamente, excluiria relevante aspecto que deve ser atendido pelo julgador, ou seja, o caráter sancionador da indenização. 4.4.2 Valoração do Dano: Quantificação Econômica por Arbitramento do Juiz ou Aplicação das Tabelas Variáveis Possível afirmar que, a valoração do dano moral é assunto difícil, tendo em vista que, cabe ao juiz, mesmo estando adstrito às leis, determinar a quantificação do dano moral, de acordo com sua discricionariedade, ou seja, de acordo com sua consciência. Todavia, assim como em qualquer decisão judicial, a valoração do dano moral, esta relacionada com o poder do juiz e a ética que se dá no exercício desse poder. No que diz respeito ao poder do juiz na fixação do quantum, tanto a doutrina quanto a jurisprudência indica divergências: algumas decisões seguem o pensamento de que o valor do dano moral deve ser arbitrado pelo juiz, é o caso do arbitramento puro, em que o juiz não utilizará tabelas tarifárias, e sim considerará as características de cada caso, como indicado por Simone Bolson: “[...] o potencial ofensivo do ofensor, a condição social do ofendido, etc, atendidos os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, outros entendem que existe a possibilidade do juiz fazer uso dos critérios mencionados, mas usando de tabelas variáveis, que fixam valores mínimos e máximos para quantificação do dano moral”. 51 A mesma autora indica outros critérios que são utilizados pelo juiz, para fixação do quantum indenizatório, com base no arbitramento puro: [...] a natureza do dano, a intensidade do sofrimento, a gravidade e repercussão da ofensa, a capacidade econômica financeira do ofensor, a posição social do ofendido, a possibilidade do ofensor voltar a praticar o mesmo evento danoso, a reincidência do ofensor na prática do evento danoso. Além disso, o embasamento fundamental estaria nos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, os quais atenderiam ao caráter compensatório da indenização 52. 51 BOLSON, Simone Hegele, apud REYS, Clayton. Avaliação do Dano Moral, Rio de Janeiro: Forense, 1998. p. 152. 52 Ibidem. p. 152. 62 Com referência ao uso de tabelas variáveis na fixação do valor da indenização, Simone Hegele Bolson citando o doutrinador Clayton Reys, explica que, “[...] as tabelas tarifárias se subdividem em dois segmentos: danos morais decorrentes de ação física e danos morais decorrentes de ação psíquica” 53. Dentre os danos morais decorrentes de ação física encontra-se a lesão física transitória leve (ferimentos), a lesão física permanente grave (aleijão) e a lesão gravíssima (morte). A fixação, por salário mínimo (s.m.) se dará da seguinte forma: Lesão leve – mínimo de 10 s.m. e no máximo – 100 s.m. Lesão grave – mínimo 100 s.m. e máximo – 300 s.m. Lesão gravíssima – mínimo 300 s.m. e máximo 10.800 s.m. Quanto aos danos morais decorrentes de ação psíquica, os mesmos podem causar lesão psíquica leve, com indenização de (mínimo – 5 s.m. e máximo – 50 s.m.), lesão psíquica grave (mínimo – 50 s.m. e máximo 500 s.m.) e, ainda lesão psíquica gravíssima (mínimo – 500 s.m. e máximo – 2.600 s.m.). Do quadro acima, observa-se que o critério mais adequado é o que se dará por arbitramento puro pelo juiz, ou seja, aquele em que o magistrado usará eticamente o seu poder discricionário, respeitando cada caso em concreto e ainda atendendo aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, se esquivando da utilização de tabelas variáveis, pois se sabe que estas têm o salário mínimo como medida na valoração do dano moral, e como é evidente, o salário mínimo no Brasil não atende as necessidades básicas das pessoas, motivo pelo qual, parece não servir como referência econômica para aferir a indenização por dano moral, mas mesmo assim, existem várias decisões onde os juizes adotaram como embasamento, o critério da utilização de tabelas. Ocorrendo circunstâncias agravantes - má fé ou perversão - será aplicado um plus indenizatório pelos danos punitivos. 53 BOLSON, Simone Hegele, apud REYS, Clayton. Avaliação do Dano Moral, Rio de Janeiro: Forense, 1998. p. 154. 65 olvidadas pelo Código Civil brasileiro estão na origem das histórias narradas sem as características e cicatrizes do seu tempo. Esse paradigma, defendido pelo Professor Fachin, obriga a todos a entender a crise e trocar efetivamente as práticas de medievo pelos saberes construídos às portas do terceiro milênio, como forma de superação da teoria tradicional do Direito Civil, em busca de um novo Direito Civil, o que será feito parcialmente neste capítulo, utilizando um dos pilares fundamentais: o contrato. 5.1 INTERPRETAÇÃO E INTEGRAÇÃO DO CONTRATO O Código Civil brasileiro não estabelece um sistema ideal e adequado de interpretação e integração do contrato. Por essa razão é que os intérpretes do contrato ainda encontram dificuldades e continuam caminhando na busca de um novo Direito Civil. Dentro desse pensamento, a questão será debatida nos itens que seguem. 5.1.1 Crise no conceito clássico do contrato O conceito clássico de contrato que existia antes da industrialização e massificação das relações contratuais não mais se adaptou à realidade socioeconômica do Século XX. Do acordo de vontades o que sobressaia era a aparência e não a realidade; os contratos pré-redigidos tornaram-se a regra e mostraram desigualdade entre os contratantes – um contratante era o autor efetivo das cláusulas, enquanto o outro era mero aderente -. Essa desigualdade comprovava que não havia efetivamente liberdade contratual e nem a necessária justiça contratual. 66 Como observado por Gaston Morin56 o voluntarismo, ou seja, a concepção tradicional de contrato estava em declínio e, o citado autor preconizava “a revolta dos fatos contra os códigos”, o declínio e o fim da concepção clássica do contrato. A crise mencionada por Fachin, ou seja, a concepção tradicional de contrato estava efetivamente em declínio e possibilitou transformações e rejuvenescimento. Novas doutrinas com fortes vertentes socialistas surgiram no final do Século XX, provocando problemas sociais, obrigando que o Estado Liberal aplicasse a primeira e importante intervenção nas relações privadas, fazendo surgir um novo regime para os contratos de trabalho, que representou importante transformação da teoria contratual. A própria Igreja Católica propôs, em suas encíclicas57 a mudança de uma moral individual para uma ética social, que representava uma doutrina socialista e um enfrentamento das idéias marxistas e do liberalismo selvagem. A Igreja considerava que a razão do Estado era o de amparar os direitos dos cidadãos e velar pelo bem comum. No início do Século XX, Jhering propôs o exame dos fins substanciais do direito, dos fins práticos das normas jurídicas, integrando elementos sociais na ciência do direito, o que representou o ponto de partida da chamada “Jurisprudência dos Interesses”,58 de muita valia para os juízes interpretarem as leis e preencherem as lacunas que havia nos instrumentos legais, mas sem se descuidar do caso concreto em julgamento. Porém, a teoria de Jhering não sensibilizou o legislador do Direito Civil da época, pois temas de relevância – abuso de direito, responsabilidade por dano, a teoria da base do negócio jurídico, a onerosidade excessiva, a proteção da confiança nas relações contratuais -, só foram disciplinadas legalmente no pioneiro Código Civil italiano de 1.942, após a Segunda Guerra Mundial. 56Clássicas tornaram-se as exposições de Gaston Morin, “Lês Tendances actuelles de la théorie lês contrats” in: Revue trimestrielle de droit civil, XXVI, 1937, pp. 553 e ss., veja também Weil/Terré, p. 67. Em 1945 Morin escreveria a pequena brochura La revolte du droit contre lê code, com expressivo subtítulo: “La revision nécessaire dês concepts juridiques”. 57 Primeira encíclica social do Papa Leão XIII, “Rerum Novarum”, 1.891, publicada em Documentos Pontifícios, Ed. Vozes, Petrópolis, 1985. 58 Assim Larenz, Metodologia . 2002. pp. 53,59. 67 A tendência mundial de socialização do Direito Civil não teve grande repercussão legislativa no Brasil, notadamente na área do Direito dos Contratos, tendo surgido somente três novas leis: sobre inquilinato, promessa de compra e venda e seguros, o que pouco representava diante da significativa socialização do Direito Civil verificada em outras partes do mundo. Claudia Lima Marques59 afirma que, no caso brasileiro, a crise da concepção clássica de contrato só teve solução na década de oitenta, com a edição da nova Constituição Federal e, do Código de Defesa do Consumidor – CDC -, que causou efetivo e significativo reflexo no campo contratual, eis que, o CDC se propôs a restringir e regular, através de normas imperativas o espaço antes reservado totalmente para autonomia de vontade, instituindo como valor máximo á equidade contratual. 5.1.1.a Fontes Acontratuais das Obrigações – A idéia do quase-contrato O Professor Miguel Maria Serpa Lopes60 relata que a ordem jurídica não podia escapar a essa lei que rege, de um modo geral, todos os fenômenos da vida -a causalidade-. Todo o efeito decorre de uma causa. Assim também acontece no Direito. As obrigações que vinculam as pessoas, gerando uma série importante de efeitos, se assentam no acordo de vontades, que é denominado contrato. Outras figuras – que geram obrigações - existem, e que não são originárias de acordo de vontades, e vivem fora do âmbito dos contratos. São as obrigações denominadas como fontes acontratuais, que formulam a idéia do quase-contrato. 59 MARQUES, Claudia Lima, Contratos no Código de Defesa do Consumidor, O novo regime das relações contratuais, Edição: Revista dos Tribunais, São Paulo. 3ª ed. 2002, p. 87. 60LOPES, Miguel Maria de Serpa, Curso de Direito Civil. Fontes Acontratuais das Obrigações: Responsabilidade Civil, Vol. 5. 5ª Edição, Freitas Bastos Editora, pp. 9, 10. 70 Judiciário - será o destinatário final das normas interpretativas existentes, que então passam a ser obrigatórias, caso em que, se não aplicadas pelo magistrado, poderá, em tese, ensejar recursos processuais específicos, que girem em torno da recusa de aplicabilidade da lei. 5.1.1.c Interpretação do Contrato - Conceito e Função Várias obras estrangeiras apresentam estudos relativos á interpretação, qualificação e integração do contrato. Dentre elas, é importante trazer a doutrina de Ricardo Luis Lorenzetti61 onde o autor citado articula que, para a interpretação de um texto, deve o intérprete: delimitar a interpretação do contrato e da lei; saber interpretar a vontade comum dos contratantes da regra contratual; interpretar e saber aplicar as regras claras; fazer uso de interpretação integradora e quando necessário, buscar socorro em outras fontes, para prevalecer a regra da boa-fé. Se há desacordo entre as partes e este se refere ao tipo de contrato celebrado e ao regime aplicado, Ricardo Luis Lorenzetti 62 entende necessário qualificar o vínculo contratual. O ato de qualificação consiste em determinar que tipo de vínculo foi celebrado no contrato para estabelecer que normas suplementares serão aplicadas. Quanto á integração do contrato, o mesmo autor explica que o contrato é um ato de autonomia privada, mas que esta pode ser insuficiente e, neste caso, o juiz recorre de outras fontes, como a lei suplementar, os costumes, para estabelecer a extensão das obrigações. Por sua vez, Antonio Menezes Cordeiro63 expressa que a interpretação do negócio jurídico visa determinar o seu sentido juridicamente relevante. Assim entendida, ela será sempre necessária, mesmo quando permita tão-só concluir pela mera existência ou inexistência de certo ato, como sucede nas declarações que se reduzam a atos jurídicos em sentido estrito. 61 LORENZETTI, Ricardo Luis, Tratado de los Contratos, Cap. XV. 1999. pp. 455-473. 62 Idem, Ibidem. p. 473. 63 CORDEIRO, Antonio Menezes, Tratado de Direito Civil português, Secção IV, pp. 536-570. 71 Sendo necessária, a interpretação obedece a regras, porque senão, a interpretação seria arbitrária, o que se deve ter por excluído. Dúvidas existem se essas regras têm natureza legal, isto porque, o Direito aceita e respeita os dados recebidos de outras Ciências. A violação de leis lingüísticas é, desde logo, uma violação do próprio Direito. Para efeitos das soluções que comine, o Direito pode considerar relevantes certos resultados proporcionados por alguma ou algumas das ciências infra-jurídicas e isso independentemente de tais resultados constituírem uma verdade científica para esses ramos do saber. Antonio Menezes Cordeiro64 expõe que o legislador não pode ter autoridade direta sobre as regras de interpretação, pois seria, com probabilidade, uma intervenção nas finais normas de conduta. Explica que a lei comanda, mas não faz teoria. Para analisar a questão da interpretação do contrato, oportuno trazer a posição atual na hermenêutica tradicional, onde a interpretação do contrato é conceituada como processo de esclarecimento da vontade subjetiva dos contratantes; como investigação da vontade objetivada no conteúdo do vínculo contratual. Dessas colocações o que se subtrai é que, o intérprete do contrato deve buscar a real intenção dos contratantes e esclarecer o sentido da declaração prestada no contrato. O contrato consiste em duas distintas declarações de vontades que se integram. Assim, requer que suas cláusulas sejam sempre interpretadas, notadamente quando contem ambigüidade, obscuridade ou expressões duvidosas. Desse modo, interpretar um contrato seria esclarecer as dúvidas ou averiguar o pleno sentido das declarações existentes no contrato e determinar de forma cristalina o significado do acordo ou mesmo do consenso, em busca da vontade real dos contratantes, considerando as circunstâncias em que se formularam, analisando juridicamente o contrato para enquadrá-lo numa das categorias contratuais definidas na lei, levando em conta elementos essenciais 64 CORDEIRO, Antonio Menezes, Tratado de Direito Civil português, Secção IV, pp. 536-570. 72 (essentialia negotii) e não dando importância ao nome (nomen júris) que as partes lhe atribuíram65. Por outro lado, a função do intérprete é aclarar as dúvidas e perquirir se a vontade dos contratantes manifestada nas cláusulas contratuais é capaz de provocar efeitos jurídicos. Diz Orlando Gomes66 que, o que importa é definir a vontade contratual que está objetivamente expressada nas cláusulas do contrato, mesmo que não corresponda exatamente à intenção do declarante. Dessa forma, e conforme disposição legal, o intérprete não pode deixar de verificar o espírito do contrato, ou seja, o seu significado genuíno e nem afastar-se da regra que manda interpretar as declarações de vontade atendendo-se mais à sua intenção do que ao sentido literal da linguagem, a fim de determinar com precisão a efetiva vontade das partes. Aqui, cumpre ao intérprete descobrir a real e concreta vontade dos contratantes. Tradicionalmente, a interpretação da lei distingue-se da interpretação do contrato. A interpretação da lei seria a interpretação da vontade do legislador, ou seja, a vontade objetiva e constante que se exprime no texto legal e não a vontade subjetiva das pessoas físicas que o elaboraram. Aqui, a missão do intérprete consiste em determinar o alcance e o sentido da lei. Na interpretação da lei, admite-se: 1- interpretação restritiva – para as expressões usadas no contrato e que devem, portanto, ser tomadas no sentido que esteja em estrita relação com os fins para os quais as partes se propuseram contratar. 65 GOMES, Orlando, Introdução ao Direito Civil, 18ª Edição, Editora Forense, São Paulo. 1998. pp. 453-454, apud A. Von Tuhr, Tratato de Las Obligaciones, I, 1982. p. 193. 66 GOMES, Orlando, Introdução ao Direito Civil, 18ª Edição, Editora Forense, São Paulo. 1998. p. 455. 75 Não deve haver, portanto, interpretação ou exame de apenas uma vontade, sob pena de se estabelecer um conflito interpretativo contratual, e ao surgir um litígio, cada contratante procurará cumprir a avença, ou exigir cumprimento do outro, de acordo com seu interesse maior. Esse comportamento é da natureza humana, mormente quando envolve a sociedade negocial, cujo comportamento que mais se apresenta nessas ocasiões é o egoista. Em se tratando de um negócio bilateral, há necessidade de se harmonizar as vontades contratadas, e que haja coincidência na interpretação, de tal modo que os contratantes percebam e sintam que, o que foi desejado por eles corresponde efetivamente com o que foi manifestado. Na hipótese de haver colocações ou palavras dúbias que provocam dificuldade para sua compreensão ou até mesmo existir situações omissas, o contrato deverá ser interpretado no sentido que melhor se adapte à necessidade ou à vontade dos contratantes, aplicando-se então o Direito no caso concreto. Para a aplicação do Direito, na maioria das vezes deverá existir a figura do juiz que, por se defrontar com uma lide, terá de interpretar a vontade contratual, porque existe a resistência de um dos contratantes. O juiz então, como intérprete, deverá elaborar um trabalho jurídico-processual, para fixar o verdadeiro sentido da vontade contratual com sua atividade jurisdicional. O juiz não pode descurar-se que a vontade expressa deve ser traduzida como a garantia primeira das partes contratantes. Assim, para que a sentença judicial estabeleça lei entre as partes, é necessário que nela exista equilíbrio na interpretação e mais, que todas as regras doutrinárias e legislativas tenham sido observadas. 5.1.1.d Subsídios preciosos para a interpretação dos contratos em geral Como observado antes, a carência de dispositivos legais específicos pátrios, fazem com que as legislações estrangeiras que descrevem regras interpretativas sirvam de suplementação e orientação para os nossos parcos regramentos que envolvem o assunto. 76 Silvio de Salvo Venosa citando Pothier (Tratado das obrigações pessoais e recíprocas) lembra as decantadas 12 regras de interpretação das convenções, incluindo as já estabelecidas por Domat, que vieram a fazer-se presentes, em sua maioria no Código francês. Tais regras são adminículos preciosos para a interpretação dos contratos em geral, razão pela qual serão citadas neste trabalho: Nas convenções mais se deve indagar qual foi á intenção comum das partes contraentes do que qual é o sentido comum das palavras. Quando uma cláusula é suscetível de dois sentidos, deve entender-se naquele em que ela pode ter efeito; e não naquele em que não teria efeito algum. Quando em um contrato os termos são suscetíveis de dois sentidos, deve entender-se no sentido que mais convém à natureza do contrato. Aquilo que em contrato é ambíguo interpreta-se conforme uso do país. O uso é de tamanha autoridade na interpretação dos contratos que se subentendem as cláusulas do uso ainda que se não exprimissem. Uma cláusula deve interpretar-se pelas outras do mesmo instrumento, ou elas precedam, ou elas sigam àquela. Na dúvida, uma cláusula deve interpretar-se contra aquele que tem estipulado uma coisa em descargo daquele que tem contraído a obrigação. Por muito genéricos que sejam os termos em que foi concebida uma convenção, ela só compreende as coisas sobre as quais parece que os contraentes se propuseram tratar, e não as coisas em que eles não pensaram. Quando o objeto da convenção é uma universalidade de coisas, compreende todas as coisas particulares que compõem aquela universalidade, ainda aquelas de que as partes não tivessem conhecimento. Quando em um contrato se exprimiu um caso, por causa da dúvida que poderia haver, se a obrigação resultante do contrato se estenderia àquele caso, não se julga por isso ter querido restringir a extensão da obrigação, nos outros casos que por direito se compreendem nela, como se fossem expressos. Nos contratos, bem como nos testamentos, uma cláusula concebida no plural se distribui muitas vezes em muitas cláusulas singulares. O que está no fim de uma frase ordinariamente se refere a toda a frase, e não àquilo só que a precede imediatamente, contanto que este final da frase concorde em gênero e número com a frase toda.70 70VENOSA, Silvio de Salvo, Teoria Geral das Obrigações e Teoria Geral dos Contratos, Vol. 2, 2. Ed., Editora Atlas – São Paulo. 2002. pp. 453-457. 77 As regras de interpretação das convenções citadas se amoldam as fontes acontratuais das obrigações e são adminículos valiosos para a interpretação dos contratos em geral, até porque, o Código Civil brasileiro não traz em seu bojo um sistema de interpretação do negócio jurídico. A experiência de julgados embasados nas regras dos artigos 112, 113 e 114 do NCC criará outras regras interpretativas que contribuirão para que as cláusulas contratuais sejam interpretadas com maior acerto e justiça. A título de exemplo, a prática jurídica já demonstrou que as instituições financeiras brasileiras, aproveitando-se da dependência de uma legislação volátil e cambiante, e também da inexistência de uma legislação segura emanada dos órgãos oficiais, elaboram contratos cujas cláusulas não são suficientemente claras à clientela. Sob tal aspecto, a regra inserta no artigo 46, do Código de Defesa do Consumidor brasileiro é bastante elucidativa ao estabelecer que “os instrumentos redigidos de modo a dificultar sua compreensão e alcance não obrigarão o consumidor”. E o artigo 47, do mesmo CDC complementa no sentido de que, “as cláusulas contratuais sejam interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor”. Essas regras são corolário daquela que estatui que nos contratos de adesão, em havendo dúvidas em alguma das cláusulas, a interpretação deve favorecer o aderente. O artigo 423, do novo Código Civil brasileiro segue a mesma linha, ao determinar que perante cláusulas ambíguas ou contraditórias no contrato de adesão, a interpretação deverá ser mais favorável ao aderente. O Código Civil italiano, em seu artigo 1.370 estabelece que: “As cláusulas inseridas nas condições gerais de contrato ou em módulos ou formulários predispostos por um dos contraentes se interpretam, na dúvida, a favor do outro”. O intérprete poderá se valer de um conjunto de regras interpretativas, que lhe permitirá variar sua interpretação de acordo com a natureza do contrato e dos contratantes. Por sua vez, o juiz ao interpretar um contrato, deverá se posicionar perante o contrato como se contratante fosse e não como jurista. 80 Importante considerar, que a regra de integração do contrato se revele acorde com os princípios da boa-fé e dos usos do lugar da celebração. Oportuno citar ainda que, na integração do contrato, quaisquer que sejam os efeitos alcançados, devem estar de acordo com os preceitos legais. Tampouco o intérprete deve se descuidar dos usos e costumes, lembrados antes quando da citação do Código Comercial brasileiro. Na interpretação do contrato, o emprego da equidade tem relevância, porque visa ao justo equilíbrio dos direitos das partes contratantes. Mas a equidade referida não é a lato sensu, mas sim a equidade contratual, embasada na justa aplicação do Direito no contrato em concreto. Deve ser lembrado que, como o Direito brasileiro somente admite a aplicação da equidade pelo juiz – nos casos mencionados no artigo 127 do Código de Processo Civil -, em sede de integração do contrato, a equidade somente poderá funcionar como uma forma de raciocínio do juiz na aplicação das regras de interpretação e na busca de outras fontes externas. 5.1.1.f Interpretação Integrativa do Contrato Na vigência de um contrato podem surgir situações imprevistas pelas partes que não serão solucionadas através de uma simples interpretação das cláusulas ou disposições do contrato. Nessas situações, passa a existir então uma atividade psíquica diferente da do hermeneuta, ou seja, surgem a interpretação integrativa e a integração propriamente dita do contrato. Na interpretação integrativa, mesmo havendo pontos omissos no contrato, a intenção dos contratantes deve surgir da idéia geral, ou seja, do espírito do contrato, obedecendo, os princípios da boa-fé, dos usos sociais, do que já foi cumprido pelas partes. Assim, o intérprete poderá concluir, de acordo com as entrelinhas do contrato, o que foi desejado pelos 81 contratantes. Desse modo, exemplificando, se os contratantes estabeleceram para os pagamentos parcelados, um índice de correção monetária, e esse índice deixou de existir, o intérprete pode encontrar um outro índice substitutivo ou próximo daquele que deixou de existir, para ser aplicado no contrato, ainda que assim não esteja expresso no contrato, porque a equidade e o princípio da boa-fé, regem os contratos e determinam que não haja enriquecimento ilícito ou injusto, diante da desvalorização da moeda. Custódio Miranda estudando sobre o trabalho mental de interpretação integrativa diz: “não se cuida, como é bem de ver, a investigação da vontade hipotética, presumível ou real, que jamais existiu, mas da reconstrução de uma declaração incompleta, na medida em que se disse menos do que a idéia que se presidiu à elaboração do conteúdo”.75 O Código Civil português segue a mesma linha de raciocínio, tanto que, o artigo 239 expressa o seguinte: “Na falta de disposição especial, a declaração negocial deve ser integrada de harmonia com a vontade que as partes teriam tido se houvessem previsto o ponto omisso, ou de acordo com os ditames da boa-fé, quando outra seja a solução por eles imposta”. Da interpretação do dispositivo acima citado extrai-se não somente a metodologia de interpretação integrativa, mas também a própria integração do contrato, cujo trabalho do hermeneuta é mais amplo, porque deverá preencher lacunas existentes no contrato. 75 MIRANDA, Custódio da Piedade Ubaldino, Interpretação e integração dos negócios jurídicos, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 1989, p. 135. 82 6. RESPONSABILIDADE CIVIL CONTRATUAL, PRÉ-CONTRATUAL E PÓS- CONTRATUAL 6.1 RESPONSABILIDADE CIVIL O termo responsabilidade pode ter vários significados. A palavra é de origem latina, do verbo – respondere -, querendo dizer aproximadamente o ter alguém se constituindo garantidor de algo. Traduzido para o vernáculo, significa obrigação de responder pelos seus atos ou pelos de outrem. Sourdat definiu a responsabilidade civil como sendo “a obrigação de reparar o dano resultante de um fato de que se é autor direto ou indireto”.76 Por sua vez, Pirson e de Villé conceituaram responsabilidade civil como “a obrigação imposta pela lei às pessoas no sentido de responder pelos seus atos, isto é, suportar, em certas condições, as conseqüências prejudiciais destes”.77 Apesar da teoria da culpa ser entendida por autores contrários, como precedente histórico, a noção de responsabilidade civil ainda é calcada na idéia de culpa, tanto que a regra codificada é no sentido de que “aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187 do NCC), causar dano a outrem, é obrigado a repará-lo” (artigo 927 do CC brasileiro, vigente). O parágrafo único do mesmo artigo é incisivo ao decretar que “haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem”. Então, o princípio geral dominante é no sentido de que todo fato doloso ou culposo, que cause prejuízo injusto á outrem, obriga o autor desse fato a ressarcir o dano causado, 76SOURDAT, Traité de la Responsabilité Civile, 6ª ed., t. 1º nº 1, citado por Miguel Maria de Serpa Lopes, Curso de Direito Civil. Fontes Acontratuais das Obrigações: Responsabilidade Civil; Vol. 5, 5ª Edição, Freitas Bastos Editora, p 159. 77 PIRSON e DE VILLÉ, Traité de la Responsabilité Civile, Extracontractuelle,, Bruxelles, Ed. Émile Bruyland, 1935, t. 1º, pág. 5, citado por Miguel Maria de Serpa Lopes, Curso de Direito Civil. Fontes Acontratuais das Obrigações: Responsabilidade Civil; Vol. 5, 5ª Edição, Freitas Bastos Editora, p 159. 85 A responsabilidade civil contratual pressupõe a existência de um dever jurídico primário, caracterizado pela obrigação de uma pessoa de prestar a outra algum bem da vida e pelo descumprimento dessa obrigação, ou pelo seu mau cumprimento. 6.1.2 Requisitos da Responsabilidade Civil De tudo quanto foi estudado, é de se admitir unicidade de tratamento básico das duas modalidades de responsabilidade civil, pelo que, os requisitos das modalidades estudadas são comuns: a) antijuridicidade: este requisito é apurado no exame de uma transgressão de um contrato, de uma técnica profissional ou da diligência de um homem normal. A regra do artigo 186 do NCC se mostra de fundamental importância. Não decorre o dever de indenizar se não existir a conduta injurídica. É necessário o agente responsável praticar uma conduta contra o Direito, contratual ou em geral. b) imputabilidade: a responsabilidade civil somente estará caracterizada se esta puder ser imputada a um agente, ainda que terceiro responda por essa conduta. Se, porém, a falha de conduta decorrer de caso fortuito ou força maior, não existirá o dever de indenizar. c) nexo causal: aquele que concorreu para o evento danoso deve indenizar. Entre o dano e a conduta do agente é que existe o nexo causal. A teoria da causalidade deve ser adequada, pelo que, exige um nexo preciso e uma estreita relação entre a ação do agente e o dano. Especificamente, quanto a Responsabilidade Civil Contratual, que nasce do descumprimento total ou parcial de um contrato ou de alguma de suas cláusulas, os requisitos são: a) existência de um contrato: esse requisito – que parece ser elementar – pode apresentar suspeitas, porque o intérprete poderá ter dúvidas acerca da existência de um contrato entre as partes. Em cada caso deverá ser examinado se houve ou não a intenção de contratar. b) contrato válido: a validade do contrato deve estar presente, porque o contrato nulo não gera direitos e nem obrigações. É oportuno mencionar que o contrato anulável é válido e gera efeitos, enquanto não for decretada sua nulidade. 86 c) descumprimento da obrigação: deve se originar do contrato onde está expressada a obrigação descumprida. Deve ser analisado se o descumprimento decorre de um dever geral de conduta – nesse caso o estudo se desloca para a responsabilidade aquiliana - ou de um dever contratual. d) prejuízo: o descumprimento de uma cláusula deve ocasionar prejuízo ao outro contratante, que só será indenizável se restar devidamente provado. Quando não existe prejuízo, pode o contratante inocente pedir rescisão do contrato. Se o prejuízo for ocasionado por terceiros, que não tenha qualquer relacionamento com o contratante e nem com a avença, contra aqueles não será possível atribuir o dever contratual de indenizar. Responderão sim nos termos do artigo 186 do NCC. 6.1.3 Responsabilidade Pré-contratual Antonio Chaves defende que “[...] a seriedade que se exige no cumprimento de um contrato, não há razão para não demandá-la na fase preliminar, em que cada um confia na lisura, na lealdade, na sinceridade da outra”.81 Bem se observa que, ainda que em fase não contratual, a questão se relaciona com as regras gerais de convivência e com os princípios de boa-fé e dos bons costumes. Nelson Nery Junior82 menciona que, recentemente houve algumas alterações na legislação civil alemã, incluindo as figuras do consumidor (“Verbraucher” – BGB § 13) e do fornecedor (“Unternehmer” – BGB § 14), bem como uma portentosa reforma no Direito das Obrigações, que provocou alterações nos cinco livros do Código Civil, mexendo em mais de duzentos dispositivos. Trata-se de Lei para a Modernização do Direito das Obrigações (“Gesetz zur Modernisierung des Schuldrechts”), de 26.11.2001 (Bundesgesetzblatt – BGBI). (Diário Oficial Federal), Seção I, p. 3.138), que entrou em vigor em 1º.1.2002. Com ela foi introduzida no BGB a AGB-Gesetz (BGB §§ 305 a 310), bem como adotada expressamente a teoria da culpa in contrahendo (BGB § 311), de Jhering, que já era admitida pela doutrina e 81CHAVES, Antonio, Tratado de Direito Civil, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 1985, p. 263. 82 NERY JUNIOR, Nelson, Contratos no Código Civil – Apontamentos gerais, O Novo Código Civil, Estudos em homenagem ao Prof. Miguel Reale, Editora LTR – São Paulo, p. 419. 87 jurisprudência alemãs, que se fundamenta na boa-fé objetiva (BGB § 242) para propiciar, por exemplo, a responsabilidade pré e pós-contratual. O que se observa é que, a preocupação do direito civil ocidental moderno não é saber se determinada lei por ser boa (ou não), deve-se aplicar ao setor financeiro. Pelo contrário, o moderno direito privado centra-se no capitalismo com ética, que deixou de lado o individualismo extremado e a liberdade ilimitada de contratar, e dá ênfase aos princípios contratuais da função social, igualdade material, boa-fé objetiva e equivalência contratual. Disso decorre a certeza de que, novas leis, novas concepções sociais e novos ajustamentos estão ocorrendo e, a matéria ganha cada vez mais relevo, não só pelos novos princípios surgidos, como os estabelecidos pelo Código de Defesa do Consumidor brasileiro, como também pela orientação social que deve preponderar em todos os negócios, sejam contratuais ou não. Dentro desse novo horizonte, surgem as questões relativas a promessas não cumpridas ou simples recusa – injustificada – de contratar. Essa ocorrência é denominada pela doutrina como “dano de confiança”, dentro do que se entende por “interesse negativo”, assim denominado porque o interessado deseja que o ato ou negócio jurídico em questão nunca tivesse existido. Em qualquer situação que se analise a hipótese de uma responsabilidade antes do contrato, deve preponderar o exame da quebra da confiança. A jurisprudência brasileira ainda não é profícua nesse campo.83 Apesar da fragilidade jurisprudencial, como comentado antes, os princípios do artigo 186 do NCC são aplicados, para àquele que se recusa a contratar, pura e simplesmente, ou quem, injustificadamente, desiste de contratar, depois de iniciadas de forma eficiente as tratativas, ou seja, este ou àquele pode ser obrigado a indenizar. 83VENOSA, Silvio de Salvo, Teoria Geral das Obrigações e Teoria Geral dos Contratos, Vol. 2, 2ª Edição, Editora Atlas – São Paulo. 2002, p. 476. 90 Mauricio Jorge Mota bem observa a questão, cujos princípios de responsabilidade são os mesmos que regem a responsabilidade pré-contratual e, portanto, se situam no campo dos atos ilícitos, na falta de dispositivo expresso a esse respeito. A regra estabelecida no artigo 422 do Código Civil brasileiro vigente estabelece que, “os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé”. Essa regra estabelece que os contratantes devem guardar, tanto na conclusão do contrato como em sua execução, os princípios da boa-fé. Resta claro que, essa mesma boa-fé objetiva deve prevalecer antes, durante e depois de cumprido o contrato e tendo em vista os resultados e conseqüências advindas do negócio contratual. A título de exemplo, a responsabilidade pós-contratual advém para aquele mandatário que pratica atos após a conclusão ou mesmo revogação do contrato. Em outra situação, o empregado de uma empresa deve ser responsabilizado, se, terminada a relação empregatícia, revela os segredos da empresa que atuava para outra concorrente. Observa-se que, a culpa post factum finitum decorre primordialmente do complexo geral da boa-fé objetiva em torno dos negócios jurídicos. A responsabilidade pós-contratual corresponde a um dever acessório de conduta dos contratantes, depois de terminada as relações contratuais, que se desprende do sentido individualista do contrato que imperava até o Século XX e que, de acordo com a nova proposta estampada no novo Código Civil brasileiro, traduz em um sentido social das relações negociais. Luis Edson Fachin85, em estudo relativo a “Porosidade e Comportamentos Jurídicos: do Século XX ao Terceiro Milênio”, traz o contrato como novo paradigma de análise. E mostra simpatia no ideário de Francisco Amaral Neto, que motiva a busca de novos caminhos; reconhece que o direito está reafirmando-se como uma categoria ética e como uma 85 FACHIN, Luis Edson, Teoria Crítica ao Direito Civil, Renovar, Rio de Janeiro, São Paulo, 2000. pp. 284-322. 91 prática social; o processo de mudança é fértil, com a proliferação legislativa que, se por um lado representa casuísmo jurídico, por outro atesta a preocupação do político e do jurista com o bem-estar do homem contemporâneo. O Professor Fachin mostra com clareza a vivência de outro tempo, e propõe novos conceitos. A crise pressupõe idéia de superação, a expressão segmentada que tem como premissa á possibilidade de encontrar sentido em outras perspectivas. Há a necessidade de um novo mapeamento, cuja descrição não pode ser previamente construída nem se deve antecipar à emolduração do objeto ainda em curso. E encontrar nesse desejo a cartografia do possível, além dos continentes conceituais conhecidos, vencendo a dicotomia: público-privado86. Nesse contexto, importante contar com o Princípio da Boa-Fé, que será objeto de apreciação no item seguinte. 86 FACHIN, Luis Edson, Teoria Crítica ao Direito Civil, Renovar, Rio de Janeiro, São Paulo, 2000. pp. 322. 92 7. PRINCÍPIO DA BOA-FÉ 7.1 A BOA-FÉ COMO PRINCÍPIO A Política Nacional de Relações de Consumo prevista no artigo 4º do CDC objetiva atender as necessidades dos consumidores, no tocante a sua dignidade, saúde, segurança, proteção de seus interesses econômicos, melhoria de sua qualidade de vida bem assim quanto á transferência e harmonia das relações de consumo. Dentre os pilares fundamentais encontrados na Lei nº 8.078/90, encontra-se a harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica preconizada no artigo 170 da Constituição Federal de 1.988, sempre com base no princípio da boa-fé e no equilíbrio nas relações entre consumidor e fornecedor (que devem observar o princípio do inciso III, do artigo 4º e inciso IV do artigo 51, ambos do CDC). As ponderações acima demonstram que os princípios da boa-fé, equidade e equilíbrio devem estar sempre presentes nas relações de consumo, visando à harmonização dos interesses inerentes. O princípio da ordem pública e social deve ser lembrado como ponto de equilíbrio das relações de consumo, quer pelo Estado interventor, quer pelas pessoas e por toda a sociedade. Da mesma forma, o princípio da harmonia nas relações de consumo deve ser lembrado, pois, o inciso III do artigo 4º da Lei nº 8.078/90, citado acima, diz que deve haver harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor, sempre com base no princípio da boa-fé. Oportuno lembrar que o CDC prevê uma série de práticas comportamentais, que caracterizam abusos da boa-fé do consumidor, e também demonstram sua situação de inferioridade econômica ou técnica. Tais práticas são consideradas ilícitas, independentemente da ocorrência de danos para o consumidor. 95 imperativo deve estar presente nas relações entre os fornecedores e consumidores, notadamente quando empresas multinacionais delas participam. O mercado de consumo para ser considerado equilibrado e com relações comerciais justas depende que seus agentes demonstrem lealdade, honestidade e boa-fé. Como revela Oscar Ivan Prux, “a boa-fé é verdadeiro vetor social indispensável para a existência de relações sociais justas, capazes de evitar que o homem seja lobo do homem”.88 7.1.1 Reflexões sobre o Princípio da Boa-Fé nas Relações de Consumo As reflexões expostas neste estudo objetivam destacar o princípio da boa-fé nas relações de consumo. Buscando amparo no Código de Defesa do Consumidor brasileiro, nos princípios constitucionais, nos demais ordenamentos jurídicos, a relação de consumo será enfatizada com base no princípio da boa-fé, necessário para que haja equilíbrio no mercado, e para evitar a manipulação do mercado por parte dos fornecedores, com a prática abusiva do marketing e da informática. Muitos abusos ainda são observados e o consumidor brasileiro ainda não é tratado com dignidade e respeito. Entretanto, há que se reconhecer que, com a vigência da Lei nº 8.078/90 - Código de Defesa do Consumidor -, ocorreram muitas mudanças no cenário de consumo brasileiro. A relação consumerista mudou para melhor, notadamente os fornecedores que adquiriram maior responsabilidade social e maior respeito e compreensão em relação aos consumidores e, principalmente, entenderam que o princípio da boa-fé é inerente a qualquer relação do ser humano. Estudando sobre o respeito à dignidade da pessoa humana, constata-se a preocupação de se estabelecer uma igualdade, ou seja, que haja uma democracia participativa igual a uma justiça participativa. Constata-se ainda que, na relação contratual, todos os atos praticados 88 PRUX, Oscar Ivan, A Proteção do Consumidor na Prestação de Serviços. Tese apresentada para obtenção do Doutorado na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2001, p. 191. 96 pelos seres humanos devem ser pautados pela boa-fé, até porque, a contratação de boa-fé traduz a essência do entendimento entre os contratantes. Este estudo pretende mostrar que, trilhando pelos caminhos do humanismo, respeitando o direito e o dever, a moral e a ética, as dificuldades ainda existentes na relação consumerista poderão ser superadas com maior celeridade. O objetivo do Código de Defesa do Consumidor brasileiro não é simplesmente regular as relações de consumo, mas também enfatizar a defesa do consumidor, em busca do necessário equilíbrio no mercado, em perfeita consonância com a visão constitucional inserida no campo dos direitos individuais e coletivos (artigo 5º, inciso XXXII) e nas atividades econômicas (artigo 170, inciso V). Mesmo com o respaldo da Carta Magna e do próprio CDC, o consumidor brasileiro, que vive no sistema capitalista ainda luta para alcançar uma perfeita equação no que se refere ao acesso a produtos e serviços, adequadamente conjugados entre o preço e a qualidade. Essa equação traduz a vontade do consumidor em adquirir produtos ou serviços de qualidade sempre pelo menor preço. Mas, nem sempre isso é possível porque o consumidor brasileiro não é tratado com a dignidade e respeito preconizado nas leis referidas antes. Ainda impera desigualdades na relação consumerista, por conta da manipulação desenfreada do marketing e da informática por parte dos fornecedores, que vilipendiam a dignidade dos consumidores, que em sua maioria, desconhecem seus direitos. Com a vigência do Código de Defesa do Consumidor, ocorreram muitas mudanças no cenário de consumo brasileiro. Alguns consumidores passaram a perceber que suas reclamações são ouvidas e algumas instituições governamentais e organizações não-governamentais surgiram para defender seus direitos, o que os tornou mais confiantes. Os consumidores brasileiros estão entendendo que a Lei nº 8.078/90 veio, diante das relações em que o campo de autonomia de vontade deixou de existir, o que prejudicava 97 diretamente o consumidor vulnerável ou hipossuficiente; os consumidores brasileiros também estão entendendo que o Código de Defesa do Consumidor veio, para controlar os contratos de adesão, os contratos com cláusulas leoninas, as propagandas enganosas e as práticas abusivas. O CDC é exemplo de lei que vingou e que serviu de instrumento adequado para transformar costumes sociais. É certo que muitos abusos ainda existem; porém, muita coisa mudou para melhor, como a maior responsabilidade social adquirida pelos fornecedores, ao mostrar maior respeito e compreensão em relação aos consumidores, sem o que inexiste a livre iniciativa e nem atividade lucrativa. Os fornecedores passaram a entender que deve existir na relação consumerista o espírito de lealdade, merecendo os consumidores toda espécie de esclarecimentos sobre os fatos relevantes e situações atinentes à relação de consumo. Entenderam também que o princípio da boa-fé é inerente a qualquer relação do ser humano. Todo aquele que destinar suas reflexões ao princípio da boa-fé, concluirá que se trata de um princípio que, por um lado assegura o acolhimento do que é lícito e, por outro lado repugna o que é ilícito. Essa conclusão conduz para o caminho da honestidade, lealdade, ética e segurança, que deve ser seguido pelos seres humanos. Aliás, todos os atos praticados pelos seres humanos devem ser pautados pela boa-fé, até porque, a contratação de boa-fé traduz a essência do entendimento entre os contratantes. Imannuel Kant, expressa que “[...] o maior problema para a espécie humana, a cuja solução a natureza a obriga, é alcançar uma sociedade civil que administre universalmente o direito”.89 Esse pensamento demonstra bem o objetivo de encontrar o que é justo, o que é legal e racional. Para alcançar seus objetivos de forma justa, legal e racional, os homens devem seguir o Direito Natural, aplicando sempre o princípio da boa-fé. 89KANT, Immanuel, Idéia de uma história universal de um ponto de vista cosmopolita. Textos Filosóficos- Edições 70, Edição Bilíngüe-Brasiliense, organizado e traduzido por Ricardo R. Terra e Rodrigo Naves, 1985, pp. 12-14 .
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