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Química Analítica Qualitativa - Tese resumitiva! , Teses (TCC) de Química

Esta tese descreve de forma sistemática e bem suscinta diversos aspectos dos pressupostos estudados em 'Química Analítica Qualitativa'

Tipologia: Teses (TCC)

2010

Compartilhado em 04/09/2010

pedro-dheiky-10
pedro-dheiky-10 🇧🇷

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Baixe Química Analítica Qualitativa - Tese resumitiva! e outras Teses (TCC) em PDF para Química, somente na Docsity! i UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE QUÍMICA DEPARTAMENTO DE QUÍMICA INORGÂNICA TESE DE DOUTORADO UMA INTERPRETAÇÃO MICROSCÓPICA PARA A ANÁLISE SISTEMÁTICA DE CÁTIONS JOSIVÂNIA MARISA DANTAS ORIENTADOR: PROF. Dr. PEDRO FARIA DOS SANTOS FILHO CAMPINAS/ SP OUTUBRO/2006 ii FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA DO INSTITUTO DE QUÍMICA DA UNICAMP Dantas, Josivânia Marisa. D235i Uma interpretação microscópica para a análise sistemática de cátions / Josivânia Marisa Dantas. -- Campinas, SP: [s.n], 2006. Orientador: Pedro Faria dos Santos Filho. Tese - Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Química. 1. Separação de cátions. 2. Química analítica qualitativa. 3. Ensino de química. I. Santos Filho, Pedro Faria dos. II. Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Química. III. Título. Título em inglês: A microscopical interpretation for systematic cations analysis Palavras-chaves em inglês: Cations separation, Qualitative analytical chemistry, Chemical education Área de concentração: Química Inorgânica Titulação: Doutor em Ciências Banca examinadora: Pedro Faria dos Santos Filho (orientador), Otavio Aloisio Maldaner – UNIJUI-RS; Luiz Antonio Andrade de Oliveira – UNESP-Araraquara; Mathieu Tubino – IQ-UNICAMP; José de Alencar Simoni – IQ-UNICAMP Data de defesa: 10/10/2006 ix AGRADECIMENTOS • Ao Prof. Dr. Pedro Faria dos Santos Filho, pela orientação, idéias valiosas e discussões que levaram à conclusão da tese. Muito obrigada. • Aos professores do Instituto de Química da UNICAMP, particularmente Aécio Pereira Chagas, José de Alencar Simoni, Matthieu Tubino e Nivaldo Baccan, pelas discussões sobre o trabalho. • À Coordenação de Pós Graduação (CPG), particularmente Izabel Aquino Calasso, Rodrigo Vezehaci de Lima e André Camargo, pela atenção de sempre. • Aos técnicos do Instituto de Química, Mirian Cristina e José Divino, e Toninho da BIQ, pela disponibilidade e ajuda. • Aos professores e alunos da disciplina QA - 111, turmas de 2004, 2005 e 2006 que colaboraram com a pesquisa em sala de aula e a aplicação dos questionários de avaliação. • À Vanusa e Juan Ruiz e Cleide Antoniolli, pelo apoio incontestável nos primeiros dias em Campinas. • À Iara e Pedro Valentim, amigos de todas as horas. Minha admiração e gratidão. • Aos amigos Kaline Soares, Nádia Segre e Jonathan Bergamaschi, pela amizade e companheirismo. • Aos amigos Adriano Reis, Silvio Fiori, Aline Eiras, José Carlos Bianchi, Carolina Godinho, Kássio Michell e Maximiliano Segala pelas sugestões, conversas descontraídas e discussões sobre o trabalho. • Ao órgão de fomento à pesquisa, CNPq, pelo apoio financeiro. xi CURRÍCULO RESUMIDO FORMAÇÃO ACADÊMICA Graduação: Química, pelo Centro de Ciências Exatas da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Natal/RN, 1996/2000. Pós-Graduação: Mestre em Físico-Química, pelo Centro de Ciências Exatas da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Natal/RN, 2000/2002. Título: Fermentação da cana-de-açúcar: Um contexto para o ensino de álcoois. Órgão de fomento: CAPES. ATUAÇÃO PROFISSIONAL Secretaria de Educação, Cultura e Desportos, SECD/RN. Professora de Ensino Fundamental e Médio (1992-1995). Professora de Ensino Médio, disciplina: Química (1996-2000). CONGRESSOS DANTAS, J. M.; SANTOS FILHO, P. F. Desenvolvimento de um material didático complementar para o ensino de Química Analítica Qualitativa Experimental. XIII Encontro Nacional de Ensino de Química. Campinas, 24 a 27 de Julho de 2006. DANTAS, J. M.; SANTOS FILHO, P. F. Avaliação de um material didático complementar aplicado em Química Analítica Qualitativa Experimental. XIII Encontro Nacional de Ensino de Química. Campinas, 24 a 27 de Julho de 2006. DANTAS, J. M.; SANTOS FILHO, P. F. Hidróxidos e Sulfetos de Al3+, Fe3+, Cr3+, Ni2+, Co2+, Zn2+ e Mn2+ em solução: Um material de apoio para Química Analítica Qualitativa. 29ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira de Química. Águas de Lindóia, 19 a 22 de Maio de 2006. xii DANTAS, J. M.; SANTOS FILHO, P. F. Baixa solubilidade dos carbonatos em meio aquoso. 29ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira de Química. Maio, Águas de Lindóia, 19 a 22 de Maio de 2006. DANTAS, J. M.; SANTOS FILHO, P. F. Percepções e dificuldades dos alunos na disciplina Química Analítica Qualitativa. 28ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira de Química. Poços de Caldas, 30 de Maio a 2 de Junho de 2005. DANTAS, J. M.; SANTOS FILHO, P. F. Um material didático usando fotometria de chama para aplicar conceitos de química. XLV Congresso Brasileiro de Química. Belém, 19 a 23 de Setembro de 2005. DANTAS, J. M.; SANTOS FILHO, P. F. Avaliação de uma proposta de material didático para a disciplina Química Analítica Qualitativa. II Encontro Paulista de Pesquisa em Ensino de Química. Araraquara, 20 de Agosto de 2005. DANTAS, J. M.; SANTOS FILHO, P. F. Uma proposta de material didático complementar para a disciplina Química Analítica Qualitativa. XXVI Congresso Latino-americano de Química e 27ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira de Química. Salvador, 30 de Maio a 02 de Junho de 2004. DANTAS, J. M.; SANTOS FILHO, P. F. A Química dos métodos de separação na disciplina Química Analítica Qualitativa. I Encontro Paulista de Pesquisa em Ensino de Química. Campinas, 17 e 18 de Setembro de 2004. DANTAS, J. M.; VIVEIROS, A. M. V.; AZEVEDO, F.G. de; DAMASCENO, G. M. XLII Congresso Brasileiro de Química. Rio de Janeiro, 9 a 13 Setembro de 2002. DANTAS, J. M.; SCATENA JÚNIOR, H.; NEVES, L. S. das. XL Congresso Brasileiro de Química. Recife, 23 a 26 de Outubro de 2000. xvii SUMÁRIO LISTA DE TABELAS................................................................................................... xviii LISTA DE FIGURAS.................................................................................................... xix CAPÍTULO 1: INTRODUÇÃO.................................................................................... 1 1.1. Evolução histórica da análise qualitativa........................................................... 3 1.2. Química analítica qualitativa no currículo do ensino superior: um grande debate................................................................................................................. 9 1.3. Ementas.............................................................................................................. 13 1.4. Livros................................................................................................................. 16 CAPÍTULO 2: OBJETIVO............................................................................................ 18 CAPÍTULO 3: DESENVOLVIMENTO DO TRABALHO.......................................... 20 3.1. Conceitos envolvidos na análise sistemática de cátions.................................... 20 3.2. Material didático elaborado para o Grupo I....................................................... 29 3.3. Material didático elaborado para o Grupo II...................................................... 39 3.4. Material didático elaborado para o Grupo III.................................................... 55 3.5. Material didático elaborado para o Grupo IV.................................................... 69 CAPÍTULO 4: ANÁLISE DE RESULTADOS............................................................ 84 4.1. Análise dos Resultados: Parte I......................................................................... 84 4.2. Análise dos Resultados: Parte II....................................................................... 95 CAPÍTULO 5: CONSIDERAÇÕES ADICIONAIS..................................................... 110 CAPÍTULO 6: CONCLUSÕES.................................................................................... 115 CAPÍTULO 7: REFERÊNCIAS.................................................................................... 116 xviii LISTA DE TABELAS Tabela 1: Instituições de Ensino Superior que forneceram os dados solicitados e seus respectivos cursos.............................................................................................. 14 Tabela 2: Dados de solubilidade para compostos iônicos em água a 298K............ 21 Tabela 3: Solubilidade dos cloretos de prata, chumbo e mercúrio em água............ 31 Tabela 4: Comparação entre as diferenças de raio iônico para os cloretos de chumbo, prata e mercúrio.......................................................................................... 32 Tabela 5: Carga nuclear efetiva para metais alcalinos e os íons prata, chumbo e mercúrio.................................................................................................................... 37 Tabela 6: Cores de chama e o comprimento de onda para metais alcalinos............ 77 Tabela 7: Opinião dos alunos em percentual para a questão 1................................ 86 Tabela 8: Opinião dos alunos em percentual para a questão 2................................. 87 Tabela 9: Opinião dos alunos em percentual para a questão 3................................ 88 Tabela 10: Opinião dos alunos em percentual para a questão 4.............................. 89 Tabela 11: Opinião dos alunos em percentual para a questão 5........................... 90 Tabela 12: Opinião dos alunos em percentual para a questão 6........................... 91 Tabela 13: Opinião dos alunos em percentual para a questão 7............................ 92 Tabela 14: Opinião dos alunos em percentual para a questão 8........................... 93 Tabela 15: Opinião dos alunos em percentual para a questão 9........................... 94 xix LISTA DE FIGURAS Figura 1. O modelo de atrações eletrostáticas na dissolução do cloreto de sódio em água................................................................................................ 26 Figura 2. Esquema de separação dos cátions do grupo I.............................. 29 Figura 3. Esquema de separação da mistura de cátions do grupo II............ 39 Figura 4. Diferentes formas de representação das estruturas do grupo carbonato....................................................................................................... 47 Figura 5. Grupos CO32- formam camadas separadas por cátions................... 48 Figura 6. Esquema de um sólido lamelar (a) e Balanceamento de cargas numa região lamelar (b)................................................................................ 49 Figura 7. Estrutura da Grafita...................................................................... 50 Figura 8. Estrutura cristalina do carbonato de cálcio................................... 51 Figura 9. Estrutura cristalina do carbonato de sódio.................................... 51 Figura 10. Esquema de separação da mistura de cátions do grupo III......... 56 Figura 11. Mecanismo simplificado para reação de tioacetamida em meio alcalino.......................................................................................................... 64 Figura 12. Reação da Dimetilglioxima formando o complexo Ni(HDMG) 67 Figura 13. Estrutura da chama do bico de bunsen....................................... 71 Figura 14. Etapas e/ou processos físicos e químicos que ocorrem na chama............................................................................................................ 73 Figura 15. Absorção e emissão de energia para o átomo de sódio numa chama............................................................................................................... 74 Figura 16. Diagrama de níveis simplificado para o átomo de sódio.............. 76 Figura 17. O espectro visível compreende a faixa de comprimentos de onda de 400-800 nanômetros........................................................................ 79 Figura 18. Percentual de respostas em função das alternativas da questão 1. 100 Figura 19. Percentual de respostas em função das alternativas da questão 2. 101 Figura 20. Percentual de respostas em função das alternativas da questão 3. 102 Figura 21. Percentual de respostas em função das alternativas da questão 4. 103 Figura 22. Percentual de respostas em função das alternativas da questão 5. 104 Figura 23. Percentual de respostas em função das alternativas da questão 6. 105 Figura 24. Percentual de respostas em função das alternativas da questão 7. 106 3 contendo os conceitos químicos que vão sendo envolvidos à medida que se estuda cada etapa da marcha analítica. Vamos iniciar esta abordagem enfatizando como a análise sistemática de cátions se desenvolveu ao longo do tempo, enfatizando sua evolução histórica no item 1.1. Em seguida, apresentamos um breve debate sobre a disciplina Química Analítica Qualitativa no currículo das universidades, no item 1.2. Posteriormente, uma discussão sobre ementas e livros utilizados no estudo desta disciplina, nos itens 1.3. e 1.4, respectivamente. 1.1 Evolução Histórica da Análise Qualitativa A necessidade de identificação de vários materiais e o uso de reações químicas com este propósito datam de muitos séculos. O primeiro teste químico conhecido por via úmida em análise qualitativa foi realizado pelo naturalista romano Plínio, há 2000 anos, para detectar a presença de sulfato de ferro em acetato de cobre (II)1. Neste teste ele fez uso de um pedaço de papiro impregnado em extrato de noz de galha2 com a solução sob exame. Se a tira adquirisse a cor preta, indicava a presença de ferro (HILLIS, 1945). Com o uso de ácidos minerais, na Idade Média, metais foram facilmente dissolvidos e isto possibilitou o trabalho com soluções. Este foi o marco do início da química analítica que conhecemos hoje, mas por um longo tempo este processo de dissolução foi considerado como um mistério, como se de alguma maneira a substância dissolvida desaparecesse. Este mistério foi responsável por conservar as antigas idéias da alquimia sobre mudanças de substâncias, e durante todo o século 1 Acetato de cobre (II) era usado como ingrediente em pomadas para os olhos (Plínius Secundus, 77 d. C.). 2 Excrescência encontrada em ramos novos de Quercus infectoria Olivier, e de outras espécies de Quercus (Fam. Fagaceae) da qual se obtém o tanino (FARMACOPÉIA BRASILEIRA, 1959). 4 XVII, somente van Helmont estudou definitivamente que a substância dissolvida não desaparecia. Apesar disto um grande número de procedimentos foram realizados usando soluções, e como resultado de muitas reações, metais foram sendo descobertos. Os ácidos foram usados para análise de ouro e prata, sendo descoberto que a aqua regia (mistura de ácido clorídrico com ácido nítrico) dissolvia o ouro e formava um precipitado com a prata. Também se descobriu que o ácido nítrico dissolvia a prata, surgindo, então, um método simples de separação da prata do ouro (SZABADVÁRY, 1966). A maioria das reações químicas na qual o sistema clássico de análise qualitativa está fundamentado somente foi desenvolvida no período da Iatroquímica3. Durante este período, séculos XVI e XVII, o interesse pelos processos que aconteciam nos organismos vivos em meio aquoso contribuiu para um grande desenvolvimento da análise química por via úmida. A análise das águas minerais em busca de informações a respeito da ação medicinal das mesmas foi muito importante para o desenvolvimento da análise em soluções aquosas. Com a evolução do conhecimento químico e as características químicas de diferentes materiais tornando-se melhor conhecidas, mais atenção foi dada aos problemas de análise qualitativa. No século XVII, o pesquisador inglês Robert Boyle (1627-91) foi o primeiro a usar “análise química” no seu significado atual, e geralmente é creditado a ele o desenvolvimento dos primeiros reagentes analíticos, tal como sulfeto de hidrogênio (“vollatile sulphureous spirit”). Robert Boyle foi pioneiro também em usar reagentes orgânicos (mais precisamente extratos vegetais) para testar a acidez e alcalinidade de uma forma sistemática. A mais notável característica dos estudos de Boyle foi o uso de reações para identificar várias substâncias. Também estudou o processo de precipitação e o definiu: 3 Doutrina médica que surgiu por volta de 1525 com Paracelso, segundo a qual todos os processos químicos do organismo são os únicos responsáveis pela saúde ou pela doença (DICIONÁRIO DE QUÍMICA, 2000). 5 “Por precipitação entenda-se como uma agitação ou movimento de um líquido heterogêneo, cujo componente sólido decanta na forma de um pó ou outro corpo consistente”. Outro nome de destaque neste período foi Otto Tachenius, farmacêutico e médico que nasceu no início do século XVII. Dos vários ensaios analíticos realizados por ele, um dos mais interessantes está relacionado ao estudo sistemático do efeito do extrato de noz de galha em solução de sais metálicos, observando a cor característica para muitos metais. Ele também estabeleceu que o ferro não era removido do corpo humano via urina, conforme previsto anteriormente, uma vez que nenhuma cor foi observada quando a urina foi tratada com extrato de noz de galha. Este é o primeiro exemplo de análise aplicada à bioquímica. Outro trabalho sobre reações analíticas desta época é de Eberhard Gockel (1636-1703). Seu método consistia na determinação de chumbo em vinho. Para isto, ele adicionou ácido sulfúrico ao vinho, se aparecesse uma turbidez branca, era uma indicação da presença do chumbo. No século XVIII com o aumento das atividades de mineração (especialmente ferro) na Europa, o desenvolvimento da análise qualitativa foi voltado para as atividades de mineração e metalurgia. Métodos para análise de minerais foram desenvolvidos, novos elementos foram descobertos e, além de exames qualitativos, a análise quantitativa por via úmida foi usada pela primeira vez (SZABADVÁRY, 1966). Uma contribuição bastante significativa para química analítica deste século foi do químico alemão Sigismund Andréas Marggraf (1709-82). Ele examinou sistematicamente o comportamento de muitos metais em solução quando tratados com álcalis (carbonato ou hidróxido). Ele também foi responsável pela adaptação 8 qualitativa foi feito por Heinrich Behrens (1843-1905), que foi considerado por Chamot e Mason (1928), o fundador da análise química microscópica. Ele contribuiu com publicações de uma série de artigos que propunham um grande número de testes microscópicos e também descreve métodos para a separação de compostos com maior exatidão nos testes confirmatórios. Entre os anos 1907 e 1909, Nicolas Schoorl contribuiu significativamente nesta área através de artigos, descrevendo o esquema de análise qualitativa baseada no sistema clássico do sulfeto de hidrogênio. Posteriormente, Friedich Emich (1860-1940), fez muitas contribuições valiosas para microanálise qualitativa e foi responsável pelo desenvolvimento de muitas técnicas usadas em microanálise, até o presente momento. Um método de microanálise que se desenvolveu também no século XIX foi a análise de toque ou teste de gota (“spot tests”). Em 1918 Fritz Feigl iniciou um estudo sistemático de “spot test”. Grande parte de seus trabalhos foi desenvolvida no Brasil, quando chegou em 1940. Milhares de reações de toque foram elaboradas e minuciosamente testadas por Feigl e seus colaboradores, para identificação de substância inorgânicas e orgânicas, fazendo uso de reações específicas e seletivas para análise da maioria dos cátions e ânions. Com base nessas experiências, o autor elaborou os conceitos de sensibilidade, especificidade e seletividade, rigorosamente definidos. Reações realizadas em fibras têxteis e observadas no microscópio, como descritos por Emich em 1907, podem ser classificadas como spot tests ou como a transição entre esta forma de análise e análise microscópica. Hauser (1921) foi o primeiro a sugerir o uso do método da análise de toque para análise sistemática. Ele usou os testes descritos por Feigl e Stern (1921) para análises de íons do grupo III do sistema de sulfeto de hidrogênio. Desde então, muitos esquemas de microanálise qualitativa sistemática têm aparecido na literatura (HILLIS, 1945). 9 1.2. Química Analítica Qualitativa no currículo do ensino superior: um grande debate A disciplina de análise qualitativa sistemática foi introduzida no currículo da maioria das universidades antes do final do século XVIII. Mas somente no século XX foram publicados artigos que discutiam o ensino da análise sistemática de cátions. A partir da década de 40, século XX, inúmeros artigos dispensaram atenção ao ensino de análise qualitativa (REED ET AL., 1940; WASLEY, 1946). Estas publicações tinham a preocupação de mostrar que o melhor argumento a favor da disciplina é que ela ensina os fundamentos das reações químicas em solução, propriedades dos íons e princípios de equilíbrio químico. No entanto, os autores reconhecem que este objetivo acaba não sendo alcançado quando os alunos realizam, mecanicamente, testes qualitativos. WEISZ (1956) mostra alguns modelos de esquemas de separação, entre eles, precipitação com cloretos, sulfetos e carbonatos. PETRUCCI & MOEWS Jr (1962), discutiram a precipitação e a solubilidade do sulfeto de hidrogênio; WEST & VICK (1957) propõem esquemas alternativos de separação de cátions que visavam à substituição ou eliminação do uso de sulfeto de hidrogênio. Outras publicações mostram a importância do ensino de análise qualitativa. Para FREISER (1957), esta disciplina ocupa uma posição única no currículo de graduação em química. “Dá ao estudante um sólido entendimento de conceitos químicos, com ênfase ao ensino da teoria de equilíbrio químico”. Algumas publicações são comunicações de novos reagentes e novos testes para detecção de um íon em particular ou de íons de um mesmo grupo analítico. Exemplos são os vários métodos alternativos de identificação de cádmio e cobre sem o uso de cianeto de potássio (WHITEHEAD & HATCHER, 1962; 10 CHANDRA, 1961; SANYAL, 1959); Esquema rápido para encontrar cada metal numa solução única contendo o grupo inteiro (CHANDRA & JINDAL, 1962); detecção de estrôncio e cálcio (ISENBERG ET AL., 1962); detecção rápida de cátions do grupo do cobre (CHANDRA, 1961). Encontram-se, principalmente, várias publicações que mostram abordagens não tradicionais de análise qualitativa nos laboratórios de ensino (THOMPSON & BIXLER, 1971; LAMBERT & MELOAN, 1977; HAENDLER ET AL., 1982; PETTY, 1991; SOLOMON ET AL., 1991; TAN ET AL., 1998). Um outro trabalho publicado mostra um novo esquema de análise qualitativa tomando como referência os grupos de elementos de acordo com a tabela periódica (RICH, 1962; FOWLES, 1962). Vários destes propõem esquemas spot tests para identificar íons metálicos (VAVOULIS, 1962). Algumas publicações discutem a idéia de que a análise qualitativa deveria ser incluída nas aulas de química geral ao invés de ser uma disciplina ensinada separadamente (BACON ET AL., 1950; HOVEY, 1963; KROHN, 1966). Vários artigos foram publicados sobre este assunto (WASLEY, 1946; STRONG III, 1957; FREISER, 1957; STUBBS, 1959;) ressaltando a opinião de muitos alunos e professores que afirmavam que a química analítica qualitativa tem pouco valor prático na indústria e na graduação: “é um livro de receita” (STRONG III, 1957). Desta forma, os autores sugeriam que a disciplina desse mais ênfase a métodos de análise, tais como a teoria de chama e fluorescência de emissão. GILREATH (1957) publicou que a teoria da análise qualitativa estuda o comportamento dos íons em solução. Para isto, ele destaca os conceitos que pertencem à disciplina de análise qualitativa, tais como forças eletrostáticas entre íons, ligação covalente, bem como a solubilidade e o papel da água como solvente. TOBY (1995) também enfatiza a solubilidade como conhecimento necessário na aprendizagem de análise qualitativa. HANDLER ET AL., (1982) descreve que análise qualitativa tem significado potencial para o ensino de química quando os 13 profissional em química. Para saber como a mesma é ministrada atualmente nas universidades públicas brasileiras, foi realizada uma busca pelas ementas dos cursos de química, particularmente, Química Analítica Qualitativa, disciplina na qual esta análise é realizada. 1.3. Ementas Em uma consulta à página do Ministério da Educação, acessada pela Internet, buscou-se saber algumas informações sobre a disciplina Química Analítica Qualitativa, que é ministrada pelas universidades públicas brasileiras. Como já foi mencionado, a análise sistemática de cátions é o cerne desta pesquisa. Também foram solicitadas informações junto aos coordenadores dos cursos de graduação, tais como: grade curricular, carga horária e o período, pré-requisitos exigidos, modalidade do curso que é oferecido, bem como ementas e/ou programas da disciplina. Das 55 instituições de ensino superior públicas que foram pesquisadas, 43 oferecem o curso de Química e ministram uma disciplina de química analítica qualitativa. A Tabela 1 mostra a relação das instituições bem como a modalidade do curso que é oferecido. 14 Tabela 1. Instituições de Ensino Superior que forneceram os dados solicitados e seus respectivos cursos. INSTITUIÇÃO CURSO Fundação Universidade Federal do Rio Grande (FURG) L Fundação Universidade Federal de Rondônia (UNIR) L Universidade de Brasília (UnB) B e L Universidade de São Paulo (USP) B, L e QT Universidade de São Paulo/ Campus de São Carlos (USP/São Carlos) B e L Universidade Estadual da Bahia (UNEB) B e L Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) B, L e QT Universidade Estadual do Ceará (UECE) L Universidade Estadual da Paraíba (UEPB) L e QI Universidade Estadual Paulista (UNESP) B, L e QT Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN) L Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) L Universidade Federal de Alagoas (UFAL) B e L Universidade Federal do Amazonas (UFAM) B e L Universidade Federal da Bahia (UFBA) B, L e QT Universidade Federal de São Carlos/SP (UFSCAR) B e L Universidade Federal do Ceará (UFC) B e QI Universidade Federal Fluminense (UFF) B e L Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) B e L Universidade Federal de Goiás (UFG) B e L Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) B e L Universidade Federal de Lavras (UFL) L 15 Universidade Federal do Maranhão (UFMA) B e L Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) B Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS) B e L Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) B e L Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) QI Universidade Federal do Pará (UFPA) B, L e QI Universidade Federal da Paraíba (UFPB) B, L e QI Universidade Federal do Paraná (UFPR) B e L Universidade Federal de Pelotas (UFPel) B e L Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) B Universidade Federal do Piauí (UFPI) B, L e QI Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) L e QT Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) B e L Universidade Federal de Roraima (UFRR) L Universidade Federal de São João del Rei (UFSJ) L Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) B, L e QI Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) L Universidade Federal de Sergipe (UFS) L e QI Universidade Federal de Viçosa (UFV) B e L Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) B, L e QI Universidade Federal de Uberlândia (UFU) B e L Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFPE) L Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRJ) L e QI B = Bacharelado; L = Licenciatura; QI = Química Industrial; QT = Química Tecnológica; 18 CAPÍTULO 2. OBJETIVO Da forma como a disciplina tem sido conduzida, no final do semestre os alunos têm a vivência de um conjunto de procedimentos experimentais, com os quais é possível separar e caracterizar conjuntos isolados de íons. A disciplina acaba sendo desenvolvida de uma forma bastante sistematizada, sendo que inicialmente os íons são separados em certos grupos onde, de acordo com a natureza de cada um, existe um procedimento analítico, conhecido como marcha. Normalmente, os alunos não são instigados a se questionar e esta marcha analítica acaba se tornando o único fundamento do método analítico. Para aferir a eficiência do aprendizado, algumas questões podem ser colocadas aos alunos. Dentre estas, pode-se destacar: • Por que os íons são separados em grupos? • O que define a divisão em grupos? • O que um conjunto de íons tem em comum para ser classificado como um grupo? • Existe a necessidade de se identificar um comportamento geral para um grupo de íons para se desenvolver um método de separação? Os chamados grupos se constituem em “exceções” a algum comportamento geral? Acreditamos que as respostas a estas questões devam contribuir para a formação dos alunos, ao mesmo tempo em que podem auxiliá-los a entender os fundamentos de cada um dos métodos analíticos desenvolvidos ao longo da disciplina. Baseado no exposto, o objetivo deste trabalho foi preparar um texto didático com uma interpretação diferente daqueles existentes apresentando um enfoque 19 conceitual para a análise sistemática de cátions, compreendendo as etapas de identificação e separação de íons, etapas constituintes da marcha analítica. Desta forma, serão discutidos os fundamentos, conceitos, teorias e leis envolvidas em cada um dos métodos explorados ao longo de toda a marcha analítica. Para isso, utilizaremos a mesma divisão em grupos de íons, como apresentado nos livros pesquisados. De forma alguma, pretendemos substituir os materiais utilizados atualmente; muito pelo contrário, pretendemos complementá-los enfatizando os fundamentos nos quais os métodos analíticos se baseiam. Neste sentido, acreditamos contribuir para um melhor entendimento e aproveitamento desta disciplina. 20 CAPÍTULO 3. DESENVOLVIMENTO DO TRABALHO 3.1 Conceitos Envolvidos na Análise Sistemática de Cátions O número de conceitos possíveis de se aplicar em Química Analítica Qualitativa Experimental é muito vasto, uma vez que o conhecimento que está atrelado às aulas práticas envolve aspectos de algumas áreas de química. No laboratório, esta disciplina se concentra nos métodos mais simples de identificação e separação de íons, utilizando para tal as marchas analíticas. Nestas, através de uma seqüência de reações, separa-se e identifica-se um conjunto de íons que, pela sua semelhança de comportamento, acaba sendo rotulado como um grupo. Nos livros texto mais utilizados nesta disciplina os cátions são subdivididos em grupos analíticos, onde cada um deles tem um reagente precipitante que forma compostos insolúveis com todos os cátions desse grupo em particular. A única exceção é o grupo IV (constituídos pelos íons sódio, potássio e amônio) para o qual não existe um reagente adequado capaz de formar precipitados com todos os cátions simultaneamente (BACCAN, 1995). Assim, de acordo com este critério, a solubilidade acaba sendo a propriedade que determina a divisão em grupos. Desta maneira, são considerados e discutidos alguns dos conceitos químicos envolvidos na solubilidade de compostos iônicos. SOLUBILIDADE O fenômeno da solubilidade de uma substância em outra tem exercido fascínio em muitos cientistas há muitos anos. Como é que uma substância pode “desaparecer” ou se dissolver em outra? Nos últimos anos, várias publicações destinaram atenção a este tema (BLAKE, 2003; LETCHER & BATTINO, 2001; 23 Kps = [Ag +] [Cl-] (3) Assim, numa solução saturada de cloreto de prata, a uma temperatura e pressão constantes, o produto das concentrações dos íons prata e cloreto é constante. As concentrações dos íons na expressão do produto de solubilidade são expressas em mol L-1. A expressão associada ao equilíbrio, isto é, o produto das duas concentrações, mede a solubilidade do composto sólido. Assim como ocorre com qualquer constante de equilíbrio, o valor da Kps depende da temperatura. Os valores da Kps são determinados mediante cuidadosas medidas de laboratório que envolvem diversos métodos químicos e espectroscópicos. Não descreveremos esses métodos, mas admitiremos que constituem auxiliares importantes para se estimar as solubilidades dos sais sólidos ou para determinar se haverá ou não precipitação quando se misturam duas soluções. É importante não confundir solubilidade com constante do produto de solubilidade. A solubilidade de um sal é a quantidade presente numa certa quantidade de solvente numa solução saturada, expressa em mols por litro ou gramas por 100 mL, etc. A constante do produto de solubilidade é uma constante de equilíbrio (KOTZ & TREICHEL, 2002). O tamanho molecular (ou iônico), a polaridade (ou carga), interações químicas entre os íons, geometria, estrutura cristalina, carga nuclear efetiva, formação de complexos, acidez e basicidade (dureza e moleza) e a temperatura são fatores que se destacam na determinação da solubilidade e devem ser considerados no seu entendimento. Para que um composto iônico se dissolva em um dado solvente, a atração eletrostática entre os íons no retículo deve ser superada. Que efeitos podem atuar 24 contra estas forças de atração para permitir a existência de soluções iônicas? Podem-se considerar dois principais: a permissividade do meio e a energia de interação entre moléculas do solvente e os íons do soluto. A constante dielétrica ou permissividade do meio pode ser definida como a resistência que o meio oferece à união dos íons. Desta maneira, quanto maior for a constante dielétrica do meio (ou maior a permissividade), mais dificilmente os íons tenderão a ficar unidos, menor será a atração entre os mesmos e maior a interação com o solvente. Observando-se a equação 4, percebe-se que a energia de atração é inversamente proporcional à constante dielétrica. Desta maneira, a atração entre os íons será tanto menor quanto maior for a constante dielétrica do solvente. Podemos assim concluir que os compostos iônicos são solúveis em solventes polares que apresentam alta permissividade ou constante dielétrica. r eZZE 0 2 4πε −+ = (4) E = energia de atração entre um par de íons Z+ e Z- = número de carga dos íons ε0 = permissividade do meio r = distância de separação dos íons A outra maneira de interpretar a solubilidade dos compostos iônicos é através da energia de interação entre moléculas do solvente e os íons do soluto. O conjunto das interações entre cada um dos íons do retículo cristalino com o solvente polar 25 fornece energia suficiente (energia de hidratação) para superar a energia reticular* altamente favorável proveniente do retículo cristalino. Deve-se ressaltar aqui que a energia proveniente da interação de cada um dos íons com moléculas do solvente é extremamente baixa, mas que o somatório das interações de todos os íons presentes no retículo cristalino com o conjunto de moléculas de solvente que se reúne ao redor de cada um deles é suficiente para sobrepor toda a energia proveniente da formação do reticulo cristalino. Sempre que isto acontecer o composto iônico será solúvel. Apesar dos compostos iônicos serem solúveis em solventes polares, alguns são mais solúveis que outros. Por este motivo, deve-se ter certo cuidado ao interpretar as propriedades características de um composto classificado como iônico. Considerando o que acontece com um pequeno cristal de cloreto de sódio, um típico sólido iônico, quando ele é colocado em contato com a água. A parte deficiente de elétrons das moléculas de água (átomos de hidrogênio) atrai os íons negativos presentes na superfície do cloreto de sódio sólido, como mostra a Figura 1. Da mesma forma, a parte mais rica em elétrons das moléculas de água (átomos de oxigênio) atraem os íons Na+ e os hidratam. Estas atrações ajudam a superar as forças que mantém unidos os íons no cristal, e ajudam a dissolver o cloreto de sódio em água. * Energia reticular: energia liberada quando os íons de cargas opostas, no estado gasoso, isolados passam a se ligar, constituindo o retículo iônico (DICIONÁRIO DE QUÍMICA, 2000). 28 É importante registrar que, neste trabalho, há uma discussão dos conceitos químicos específicos para cada grupo de cátions e assim, cada texto tem sua particularidade: Grupo I: “Precipitação dos íons Ag+, Pb2+ e Hg22+ na presença de cloretos em meio aquoso”; Grupo II: “Baixa solubilidade dos carbonatos de Mg2+, Ca2+, Sr2+ e Ba2+ em meio aquoso”; Grupo III: “Comportamento de hidróxidos e sulfetos de Al3+, Fe3+, Cr3+, Ni2+, Co2+, Zn2+ e Mn2+ em solução aquosa”. Grupo IV: “Teste de Chama para Na+ e K+: Discutindo seus conceitos microscopicamente; Na literatura pode-se encontrar uma numeração diferente para estes grupos de cátions. A numeração apresentada neste trabalho não corresponde àquela encontrada na literatura e sim a que correspondente à seqüência na qual os textos foram sendo elaborados. Os itens 3.2 a 3.5 apresentam os materiais didáticos elaborados para cada um dos grupos de cátions nomeados anteriormente. 29 3.2 MATERIAL DIDÁTICO ELABORADO PARA O GRUPO I PRECIPITAÇÃO DOS ÍONS Ag+, Pb2+ E Hg22+ NA PRESENÇA DE CLORETOS EM MEIO AQUOSO A análise sistemática dos íons prata, chumbo e mercúrio é realizada como mostra a Figura 2. Figura 2 - Esquema de separação dos cátions do grupo I (BACCAN, 1995). Ag+, Hg2+, Pb2+ HCl 6 mol L-1 Cátions dos demais grupos AgCl, Hg2Cl2, PbCl2 H2O (quente) AgCl, Hg2Cl2, Pb2+ PbCrO4 CH3COO 6 mol L-1 K2CrO4 1 mol L-1 NH3 6 mol L-1 (Hg0 + HgNH2Cl) [Ag(NH3)2]+ HNO3 6 mol L-1 AgCl 30 Como se observa neste esquema, a partir de uma amostra contendo uma mistura de cátions, a adição de uma solução concentrada de ácido clorídrico leva à formação inicial de um precipitado. Este precipitado é constituído de uma mistura dos cloretos de prata, mercúrio e chumbo, que são muito pouco solúveis em água. Avaliando as condições do meio reacional pode-se perguntar por que o meio necessariamente deve estar ácido para que ocorra esta precipitação. Como será discutido mais adiante os cloretos de chumbo, prata e mercúrio são muito pouco solúveis em água e a adição deste ácido é suficiente para separá-los dos demais. Por que a adição de ácido clorídrico é favorável para ocorrer esta precipitação? Adiciona-se este ácido porque ele é fonte de cloreto. Pensando assim, um sal qualquer que também seja fonte de cloreto também seria favorável? A resposta é não. A adição de outro sal não seria interessante porque se introduziria outro íon positivo no meio e poderia haver interferência na etapa de identificação do cátion pelo teste de chama. Como o íon hidrogênio não interfere, a adição de ácido clorídrico é a mais favorável nestas condições favorecendo a primeira etapa de separação dos íons prata, chumbo e mercúrio dos demais íons da amostra inicial. A próxima etapa é separá-los entre si. Conforme mostra a Figura 2, verifica-se que a adição de água quente favorece a separação do íon chumbo dos íons prata e mercúrio, que permaneceram na forma de um precipitado. Na verdade o que ocorre é que dos íons deste grupo o chumbo é separado primeiro levando em consideração o aumento da solubilidade do PbCl2 com a elevação da temperatura. Como demonstrado através da Tabela 3, todos os cloretos deste grupo tornam-se mais solúveis com o aumento da temperatura, mas o efeito só é pronunciado no caso do PbCl2. Enquanto a 100 oC, 1 ml de água dissolve apenas 0,0021 mg de AgCl, a quantidade de PbCl2 que se dissolverá em 1 ml de água e a 100 oC será superior a 30 mg. Como a solubilidade 33 Como se observa, a diferença de tamanho entre o cátion e o ânion é bem menor para o cloreto de chumbo; isto significa que o íon chumbo, em relação aos outros dois, deforma menos a nuvem eletrônica do cloreto, de tal maneira que, quando ocorre aumento da temperatura, aumenta também a solubilidade. Desta maneira, ele é separado da mistura dos outros dois sais que permanecem muito pouco solúveis naquela solução. Neste ponto, o sólido restante é constituído de uma mistura dos cloretos de prata e mercúrio. Após adição de 2 mL de solução de amônia 6 mol L-1 e agitação, o aparecimento de um precipitado de cor cinza-escuro indica a presença de Hg22+. Após centrifugar e decantar o líquido sobrenadante, este pode conter o íon complexo diaminprata [Ag(NH3)2]+. A presença de Ag+ pode ser confirmada pela adição a esse líquido de ácido nítrico concentrado. Verifica-se com papel tornassol azul se a solução está ácida (para isto, deve apresentar coloração rosa). A formação de um precipitado branco indica a presença do íon prata na forma de cloreto de prata. Neste ponto, surge uma outra pergunta interessante: Por que o cloreto de prata não se dissolve em água, mas dissolve em uma solução de amônia? Na verdade, o cloreto de prata é muito pouco solúvel em água, apresentando um kps de aproximadamente 1,5 x 10-10, ou seja, a quantidade de íons prata em solução é muito baixa. A única maneira de se aumentar a solubilidade do cloreto de prata é encontrar um caminho para consumir a prata que se dissocia do retículo cristalino. Para se consumir estes íons prata, deve-se procurar uma espécie cuja interação com os mesmos seja mais forte que aquela com a água. Em outras palavras, é bem provável que uma base de Lewis mais forte que a água, seja capaz de interagir mais fortemente com os íons prata, provocando a dissolução de uma maior quantidade de cloreto de prata, ou seja, aumentando a sua solubilidade. A equação abaixo representa a dissolução do cloreto de prata. 34 [Ag(NH3)2] + + Cl-AgCl + 2NH3 (6) Na solução, existe uma pequena quantidade de íons prata. Com a adição de amônia, que é uma base de Lewis mais forte que água (kb= 1,8 x 10-5 para NH3 e 1,0 x 10-7 para H20), ela forma um íon complexo com a prata, [Ag(NH3)2]+, como mostrado na equação acima. De acordo com esta argumentação, a pequena quantidade de íons Ag+ em solução, aliada à maior basicidade da amônia, em relação à água, justifica o aumento da solubilidade do sal neste meio. Observa-se assim que esta seqüência de reações permite separar e identificar os íons Ag+, Pb2+ e Hg22+, de uma mistura de íons das várias famílias da tabela periódica. Entretanto, fica aqui mais uma dúvida: Por que a marcha analítica que ilustra a separação dos cátions do grupo I se baseia na reação de precipitação dos mesmos com íons cloreto? Não se poderia utilizar o brometo ou iodeto para esta mesma marcha? Os íons brometo e iodeto apresentam um raio iônico maior (181, 196 e 220 pm para Cl-, Br- e I-, respectivamente) que o cloreto (ou seja, são muito mais moles). Com isto eles deveriam formar haletos menos solúveis ainda. No entanto, o que ocorre, experimentalmente, é que a separação é feita, normalmente, com cloreto, e não com brometo ou iodeto. Mas por que isto ocorre? A partir de testes experimentais, sabe-se que o iodeto de prata, mesmo em solução aquosa concentrada de amônia, não sofre dissolução. Ocorre que a nuvem eletrônica do íon iodeto é tão grande e polarizável, que é facilmente deformada pela presença/interação com o íon prata, dificultando a aproximação e interação deste íon com as moléculas do solvente. Esta interação sendo muito difícil torna a 35 concentração de íons prata, livres em solução, extremamente baixa, inibindo assim a formação do íon complexo com amônia. Desta forma, as moléculas de solvente não interagem o suficiente para dissolver o iodeto de prata. Se utilizássemos o brometo ao invés do cloreto, seria possível apenas separar o conjunto destes três íons (Ag+, Pb2+ e Hg22+) dos demais íons derivados dos outros metais da tabela periódica. No entanto, não seria possível separar a mistura destes três íons, uma vez que o brometo de prata (pelo mesmo argumento que o iodeto) também não se dissociaria em presença de uma solução concentrada de amônia. A seqüência da separação dos íons prata, chumbo e mercúrio parece estar bem estabelecida, conforme discutido anteriormente. Inicialmente foi feita uma análise do meio reacional de cada etapa da marcha para se compreender a precipitação dos íons por um reagente específico. É importante ressaltar que o esquema de separação é relativamente simples e adequado para ser realizado pelos alunos nas aulas da disciplina Química Analítica Qualitativa. Contudo, a formação do primeiro precipitado que contém os cloretos de prata, chumbo e mercúrio é a primeira etapa de todo o processo de separação e identificação. A partir desta constatação, surge outra pergunta: Por que os cloretos deste grupo são muito pouco solúveis, se a regra geral diz que todos os cloretos são solúveis? Pode-se dizer que os cloretos deste grupo são exceções? Esta pergunta é bastante pertinente e requer uma discussão. A característica que estes íons apresentam, que permite que eles sejam diferenciados dos demais da tabela periódica, é a formação de um sólido, muito pouco solúvel em água, na interação com íons cloreto. Este é o primeiro ponto que desperta atenção. Por que o sólido iônico formado a partir dos íons prata, chumbo e mercúrio na presença de íons cloreto não é solúvel em água, como se comportam os demais compostos iônicos formados com o restante dos íons da tabela periódica? 38 nuvem eletrônica do íon negativo. Desta maneira, ele é incapaz de atrair os elétrons do solvente e assim torna-se muito pouco solúvel. Se esta previsão estiver correta para o íon Ag+, ela também se aplica ao íon Hg22+, uma vez que eles têm, aproximadamente, o mesmo tamanho, porém este último tem trinta e três prótons a mais no núcleo, em relação à prata. Isto faz com que o íon Hg2+2 tenha uma carga nuclear efetiva maior ainda que a prata (Tabela 5). Experimentalmente, é isto que realmente acontece, e o cloreto de mercúrio também é muito pouco solúvel em água, apesar de também ser predominantemente iônico. Com este mesmo argumento, discute-se o que ocorre com o íon chumbo, Pb2+. Apesar de apresentar um raio iônico maior que os íons Ag+ e Hg2+2, também mostra uma relação entre a carga nuclear efetiva e o raio iônico, que faz com que o seu respectivo cloreto também seja insolúvel. Com isto, consideramos que no estudo dos cátions do grupo I, entendemos que a propriedade que permite que qualquer um deles seja separado do restante dos íons dos metais da tabela periódica é uma propriedade bastante peculiar: a precipitação destes íons na presença de cloretos. É importante ressaltar que, a utilização em conjunto dos parâmetros raio iônico, carga nuclear efetiva, diferença entre os raios iônicos dos íons, aliados à interação íon-dipolo, permite que se discuta uma marcha analítica eficiente para se separar os cátions do grupo I. 39 3.3. MATERIAL DIDÁTICO ELABORADO PARA O GRUPO II BAIXA SOLUBILIDADE DOS CARBONATOS DE Mg2+, Ca2+, Sr2+ E Ba2+ EM MEIO AQUOSO O grupo constituído pelos íons magnésio, cálcio, estrôncio e bário, que neste material será considerado como grupo III, forma carbonatos insolúveis ou muito pouco solúveis em solução alcalina e seu esquema de separação e identificação é mostrado na Figura 3. Figura 3. Esquema de separação da mistura de cátions do grupo II (BACCAN,1995). Os retângulos coloridos indicam a cor do precipitado formado quando é realizado o teste de chama. Mistura de cátions do Grupo II (Mg2+, Ca2+, Sr2+ e Ba2+) Precipitado 1 15 gostas de (NH4)2CO3 1,5 mol L-1 5 gotas de HCl 6 mol L-1 gotas de NH3 6 mol L-1 sob agitação até meio básico Lavar com água quente Desprezar o sobrenadante Precipitado amarelo 5 gotas de NaAc 6 mol L-1 10 got. K2Cr2O7 0,2 mol L-1 Centrifugar Precipitado 2 Solução Centrifugar Centrifugar Sobrenadante 1 Aquecer Amostra sólida Precipitado branco “forma de estrela” HCl 6 mol L-1 Na2HPO4 3 mol L-1 NH3 6 mol L-1 Sobrenadante 2 Ba2+ positivo Mg2+ positivo 3 gotas de NH3 6 mol L-1 10 gotas de (NH4)2SO4 2,5 mol L-1 Aquecer por 5 min (banho maria) HAc 6 mol L-1 até dissolução Aquecer (banho maria) Centrifugar Sobrenadante 3 Precipitado branco Ca2+ positivo 3 gotas de (NH4)2C2O4 2,5 mol L-1 Precipitado branco Sr2+ positivo 40 Nota-se que neste esquema, a partir de uma amostra sólida contendo uma mistura de cátions do grupo II, a adição de uma solução concentrada de ácido clorídrico e amônia, sob agitação e aquecimento e posterior adição de carbonato de amônio, leva à formação inicial de um precipitado. Este precipitado 1 é constituído de uma mistura dos carbonatos de cálcio, estrôncio e bário, que são muito pouco solúveis em água. Isto significa que eles foram separados do íon magnésio, que estava presente na amostra sólida inicial. O ponto de discussão começa com a análise deste precipitado 1. A solução sobrenadante 1 contendo o íon magnésio será discutida mais adiante. Para formar o precipitado 1 é necessário adicionar ácido clorídrico concentrado e amônia para dar condições favoráveis para ocorrer a precipitação desejada. Por exemplo, se fosse adicionado somente o ácido clorídrico o que aconteceria? E se fosse adicionado somente a base amônia, ocorreria precipitação de algum dos íons presentes na amostra? Para responder estas perguntas faz-se necessário avaliar o meio reacional, para verificar em que condições ocorrem estas reações. Considerando a adição de ácido clorídrico, que é um ácido forte, haveria em solução quantidade suficiente de íons cloreto para interagir com os íons metálicos presentes e favorecer a formação de cloretos de magnésio, cálcio, estrôncio e bário. No entanto, estes cloretos são solúveis. Desta maneira, não seria possível separar estes íons entre si, pois estariam todos juntos em solução. Baseado nesta constatação, o meio ácido não favorece a separação dos cátions presentes nesta amostra. Seguindo o mesmo raciocínio, consideramos a adição de uma base, amônia. Em solução a amônia apresenta o equilíbrio da equação 7: 43 cor na região do visível são observados rotineiramente. Como os sais de magnésio não proporcionam nenhuma coloração visível à chama do bico de Bunsen∗, o teste de chama não se presta para identificação dos íons deste elemento (BACCAN, 1995). Assim sendo, é preferível então separar o íon magnésio inicialmente dos demais e identificá-lo como fora descrito acima. Neste ponto, tem-se a identificação do íon magnésio já concluída. O próximo passo é analisar o precipitado 1 que contém os carbonatos de cálcio, estrôncio e bário. Voltando à Figura 3, verifica-se que a este precipitado 1, que é branco, adiciona-se ácido acético para dissolvê-lo, de acordo com as equações: (13)HCO3 2-CO3 2- + H+ MCO3 (s) (14)H2O + CO2H2CO3 + H + HCO3 2- M2+ + CO3 2- (12)(aq)(aq) Após dissolver o precipitado, acetato de sódio é adicionado para reduzir a concentração de íon hidrogênio presente no meio, que está em excesso. Em seguida, adiciona-se solução de dicromato de potássio para formar um novo precipitado. O íon dicromato em solução passa a ser cromato, conforme a equação 15. O íon Ba2+ presente na solução, interage com o cromato para formar cromato de bário, conforme as equações: ∗ O comprimento de onda de emissão para o átomo de magnésio é 285,2 nm, que não é perceptível ao olho humano (CHRISTIAN, 1994). 44 Ba2+ + CrO4 2- (15)2CrO4 2- + 2H+Cr2O7 2- + H2O BaCro4 (16) Neste ponto, temos um precipitado amarelo de cromato de bário e uma solução sobrenadante. Nesta solução encontram-se os íons estrôncio e cálcio. Se estes três íons juntos formavam anteriormente um precipitado, por que será que o íon dicromato também não iria reagir e precipitar com estrôncio e cálcio? De acordo com a literatura (BACCAN, 1995), cromato de estrôncio e cálcio possuem valores de constante do produto de solubilidade muito maiores que os de cromato de bário, por isto eles requerem uma maior concentração de íon cromato para precipitá-los. A adição controlada do dicromato assegura somente a precipitação do íon Ba2+, permanecendo os íons Ca2+ e Sr2+ em solução. Para conferir a presença do bário no precipitado amarelo, é realizado o teste de chama. Uma pequena porção do precipitado é levado à chama do bico de bunsen e a cor observada é verde-amarela. Esta cor corresponde a um comprimento de onda na região do visível de 553 nm, facilmente perceptível neste teste realizado no laboratório. Desta forma, a identificação do íon Ba2+ está concluída. A próxima etapa de separação e identificação começa com uma solução sobrenadante que contém os íons estrôncio e cálcio. Para separar os dois íons e depois identificá-los, é preciso saber novamente as condições do meio reacional. Algumas reações são específicas e só ocorrem em determinadas condições; se o meio está básico ou ácido, ou se é necessário um determinado pH, para usar um tampão. A adição de amônia garante a presença de íons amônio, conforme mostrado na equação 7. Em seguida, a adição de sulfato de amônio neste meio, 45 favorece a formação de sulfato de estrôncio, conforme a equação 17 (VOGEL, 1981): SrSO4 (17)Sr 2+ + SO4 2- Após aquecimento e centrifugação é possível observar a solução sobrenadante e o precipitado branco de sulfato de estrôncio. Assim como foi realizado para o bário, é realizado o teste de chama para o estrôncio. Uma pequena porção deste precipitado é utilizada para fazer o teste. O elemento estrôncio que emite cor vermelha bastante intensa corresponde a um comprimento de onda na região do visível de 671 nm. Para o íon Sr2+, esta constatação confirma sua presença na amostra. A partir deste ponto, resta apenas uma solução sobrenadante que contém os íons cálcio. Novamente analisamos as condições do meio. Se for usado sulfato de amônio, tal como foi usado para identificação do estrôncio, o que pode ocorrer? Uma possibilidade seria precipitar sulfato de cálcio. No entanto, o sulfato de cálcio é solúvel neste meio. Experimentalmente é usado oxalato de amônio, que forma precipitado com o cálcio presente na solução, como mostra a equação 18: CaC2O4 (18)Ca 2+ + C2O4 2- Para finalizar a identificação, é realizado também o teste de chama. O elemento cálcio emite cor “vermelho tijolo”, correspondente a um comprimento de onda na região do visível de 422,7 nm. A seqüência da separação dos íons cálcio, estrôncio e bário parece estar bem estabelecida uma vez que a precipitação com carbonatos é bem efetiva neste processo. Iniciamos pela análise do meio reacional de cada etapa de separação para 48 Figura 5. Grupos CO32- formam camadas separadas por cátions (M2+) (NEESE, 2000). As estruturas cristalinas apresentam ânions carbonato que formam camadas. Entre estas camadas, estão os cátions metálicos. Estudos recentes registram que esta estrutura cristalina dos carbonatos se assemelha a compostos lamelares; as camadas dos ânions carbonato sendo os hospedeiros e os cátions metálicos, os hóspedes (ZORKII, 2004). Para entender melhor esta comparação, vamos observar a estrutura de um composto lamelar, como mostra a Figura 6. 49 Compostos lamelares típicos exibem essa estrutura somente quando ligações entre átomos do mesmo plano são muito mais fortes que interações entre átomos de planos adjacentes. Na grafita, por exemplo, as lamelas são formadas por ligações covalentes. Entre uma camada e outra, há interações de van der Waals. Este composto, sendo constituído somente por átomos de carbono, pode ser considerado um composto lamelar típico. A estrutura da grafita consiste de lamelas de átomos de carbono, dispostas em anéis hexagonais, normalmente empilhadas, como mostra a Figura 7. (a) (b) Figura 6. (a) Esquema de um sólido lamelar; (b) Balanceamento de cargas numa região lamelar. As placas indicam: Ânions carbonato (CO32-): hospedeiros; Representação em esferas: Cátions dos metais (M2+): hóspedes (ALBERTI & BEIN,1996). 50 Figura 7. Estrutura da Grafita (WELLS, 1962). Estruturalmente, uma semelhança entre a grafita e carbonatos do grupo II se dá em função de ambos apresentarem interações de Van der Waals intercamadas. Deve-se ressaltar que para os carbonatos do grupo I, estas interações não são percebidas. Neste trabalho, usaremos a denominação carbonatos do grupo I para aqueles sais constituídos pelos carbonatos de sódio, potássio e amônio. Carbonatos do grupo II para aqueles formados pelos carbonatos de cálcio, estrôncio, bário e magnésio. A partir desta afirmação, surge uma outra pergunta interessante: Por que somente os carbonatos do grupo II se assemelham a compostos lamelares? Para responder a esta questão, vamos analisar a estrutura cristalina dos carbonatos considerados. Usando como exemplo um carbonato do grupo II, a Figura 8 mostra a estrutura cristalina do carbonato de cálcio. 53 covalente CO que forma o ânion carbonato. Resumindo, na estrutura dos sais de carbonato ocorrem interações do tipo íon-íon e interações do tipo dipolo-dipolo. Para os sais de carbonato do grupo II, além destas interações, há uma interação adicional: interação de van der Waals intercamadas. Usando os carbonatos de cálcio e carbonato de sódio como exemplos, vamos discutir o comportamento destes sais em meio aquoso. SOLUBILIDADE DOS CARBONATOS Em contato com a água, o carbonato de cálcio é cercado por moléculas deste solvente. São consideradas as interações entre os íons Ca2+ e CO32- e as moléculas de água. As interações entre as moléculas de água e os íons positivos e negativos ocorrem na superfície do retículo. As moléculas de água formam interações do tipo íon-dipolo (entre o íon cálcio e o oxigênio da molécula de água); e interações do tipo ligação de hidrogênio entre o pólo negativo do grupo carbonato e o pólo positivo (carga positiva do hidrogênio) da molécula de água. Devemos ressaltar aqui que a energia proveniente da interação de cada um dos íons com uma molécula de água é baixa. No entanto, o somatório das interações de todos os íons presentes no retículo cristalino com o conjunto de moléculas de água que se reúne ao redor de cada um deles, pode ser suficiente para sobrepor toda a energia proveniente da formação do retículo cristalino. Sempre que isto acontecer o composto iônico será solúvel. Na estrutura do carbonato de cálcio, por exemplo, Figura 8, as moléculas de água se reúnem ao redor do cátion e esta interação é fraca porque o íon Ca2+ está ligado ao ânion carbonato de tal forma que a água não consegue superar esta interação. Isto significa que a energia de hidratação,-1577 kJ mol-1, não supera a 54 energia reticular -2986 kJmol-1 (LEE, 1991). Neste caso, as interações na estrutura do carbonato de cálcio (íon-íon, íon-dipolo, interações de van der Waals) somadas são mais intensas que o somatório de todas as interações entre este sal e a água (íon-dipolo, dipolo-dipolo, ligação de hidrogênio). Nesta situação, o composto iônico, carbonato de cálcio, é insolúvel (muito pouco solúvel). Se compararmos com outro carbonato, como por exemplo, o carbonato de sódio, constataremos que embora possuam o mesmo ânion, o número de cátions para formar este sal é o dobro. Esta pequena diferença na estrutura afeta o comportamento dos carbonatos em solução aquosa. Os carbonatos do grupo I (Na2CO3, K2CO3 e (NH4)2CO3) apresentam energia reticular mais baixa que os carbonatos do grupo II (MgCO3, CaCO3, SrCO3 e BaCO3). Quando o sal é formado por combinação com cátions univalentes (M+) que possuem raios próximos ao raio do carbonato era de se esperar um aumento na energia reticular, favorecido pelo fator geométrico. Entretanto, o ânion em questão, é um íon poliatômico, o que destoa bastante do modelo ideal para compostos iônicos, e o observado, nestes casos, é uma sensível diminuição da energia reticular devido à maior distância interiônica encontrada na estrutura cristalina dos carbonatos de sódio, potássio e amônio. Para estes sais, a energia de hidratação é suficiente para superar a energia reticular, favorecendo a solubilidade. 55 3.4 MATERIAL DIDÁTICO ELABORADO PARA O GRUPO III COMPORTAMENTO DE HIDRÓXIDOS E SULFETOS DE Al3+, Fe3+, Cr3+, Ni2+, Co2+, Zn2+ E Mn2+ EM SOLUÇÃO AQUOSA Os íons Alumínio(III), Ferro(III), Crômio(III), Níquel(II), Cobalto(II), Manganês(II) e Zinco(II), constituem o que se denomina de grupo III. Alguns livros didáticos muito utilizados na disciplina Química Analítica Qualitativa [BACCAN, 1995; VOGEL, 1981] registram como agentes precipitantes para este grupo, os hidróxidos e os sulfetos. Com exceção do alumínio, os cátions deste grupo pertencem à primeira fila dos metais de transição e, por isto, têm forte tendência para formar complexos (BACCAN, 1995). Embora o zinco tenha configuração eletrônica d10, este elemento é considerado em conjunto com os elementos de transição. Nas aulas práticas de Química Analítica Qualitativa, os alunos recebem uma amostra desconhecida, sólida ou líquida, para realizar o processo separação e identificação dos íons presentes. Na primeira etapa de separação, os íons dos elementos Alumínio(III), Ferro(III) e Crômio(III) formam hidróxidos muito pouco solúveis em solução alcalina. A solução sobrenadante é constituída pelos complexos de Níquel(II), Cobalto(II), Manganês(II) e Zinco(II). De uma maneira geral, o procedimento realizado é semelhante ao que é mostrado na Figura 10. 58 presente em quantidade suficiente para exceder os valores dos produtos de solubilidade destes sais e precipitá-los como hidróxidos, separando-os dos demais íons que permaneceram na solução sobrenadante formando complexos. Para os íons que formaram complexos [níquel(II), cobalto(II), manganês(II) e zinco (II)] ocorreu que o excesso de amônia neste meio tamponado excedeu o valor do produto de solubilidade destes cátions até que consegue dissociá-los para formarem os complexos amínicos destes íons. Esta comprovação é interessante porque nos leva a questionar por que os íons alumínio, ferro e cromo também não formariam complexos? Se continuar a adicionar base a este meio, também haverá formação de complexos de alumínio, cromo e ferro. No entanto, evita-se este procedimento porque o objetivo é separá-los entre si, e se a formação de todos os complexos fossem juntos, a separação entre eles não seria possível. Portanto, de acordo com este método, mantém-se o pH do tampão num valor tal que precipite os hidróxidos de Al3+, Cr3+ e Fe3+ e os demais íons formem complexos. Observando novamente a Figura 10, analisaremos a formação do precipitado A. Na solução que contém o tampão, os cátions alumínio(III), ferro(III) e cromo(III) ao interagir com o ânion hidroxila, comportam-se como ácidos de Lewis. Assim, os cátions metálicos comportam-se como ácidos e o ânion hidroxila, como base, conforme mostra a equação 19: M3+ + 3OH- M(OH)3 M = Cr, Al, Fe (19) Um método de classificação de ácido e base conhecido como conceito Ácido e Base Duro e Mole (PEARSON, 1997; MIESSLER & TARR, 2004), pode ser usado para fazer uma discussão sobre o comportamento dos íons que formam estes hidróxidos. Íons receptores duros apresentam, geralmente, carga positiva alta e 59 pequeno tamanho, sem elétrons desemparelhados na camada de valência e são pouco polarizáveis. Íons moles têm carga positiva baixa e tamanho grande, e geralmente têm pares de elétrons desemparelhados na camada de valência e são muito polarizáveis. Um íon duro tem uma nuvem eletrônica que é difícil polarizar ou deformar quimicamente. Elétrons são unidos firmemente para que a perda de um elétron seja difícil, enquanto um íon mole é facilmente deformado e até mesmo oxidado (CANHAM & OVERTON, 2003). Analisando o equilíbrio 19 e de acordo com esta classificação, os cátions Al3+, Fe3+ e Cr3+ são considerados ácidos duros e o ânion OH-, uma base dura. Neste caso as interações duro-duro são bastante favoráveis. Se compararmos com outro íon duro, como por exemplo, o cloreto (Cl-), pode-se verificar que a interação dos cátions com este ânion não é forte o suficiente para que ocorra a precipitação. Ocorre que o cloreto possui raio (181 pm) maior que o íon hidróxido (140 pm), o que caracteriza este último como sendo um ânion mais duro que o cloreto, favorecendo sobremaneira a precipitação como hidróxido e não cloreto. A etapa seguinte é então separar os íons presentes no precipitado A. Para separar os hidróxidos que constituem o precipitado A, adiciona-se hidróxido de sódio concentrado porque o excesso de base dissolve parte do precipitado, complexando o íon alumínio e o íon cromo, separando-os do sólido que permaneceu precipitado. Em seguida, adiciona-se também peróxido de hidrogênio (necessário na identificação do íon cromato) e aquece-se a mistura. Com isto, tem-se, portanto, uma solução A e o precipitado B. O mesmo apresenta uma coloração marrom avermelhada bem característica do hidróxido de ferro (III), mostrado na equação 20: Fe3+ + 3OH- Fe(OH)3 (20) 60 Para confirmar a presença de Fe3+, adiciona-se a este sólido ácido clorídrico (equação 21), para baixar o pH e dissolver o precipitado. Em seguida, acrescenta-se tiocianato de amônio, formando o complexo vermelho de tiocianato de ferro, conforme a equação 22: + 3SCN- Fe(SCN-)3 (22)Fe3+ Fe3+ + H20 (21) Fe(OH)3(s) + 3H + Para formar este complexo, o íon tiocianato, SCN-, pode ligar-se através do átomo de nitrogênio, que atua como uma base intermediária interagindo com o íon Fe3+, um íon duro. Um íon com característica intermediária significa que, dependendo da natureza do cátion, ele pode se comportar como mole ou duro. Neste caso, o íon Fe3+, que é duro, preferencialmente se liga ao tiocianato pelo átomo de nitrogênio (duro) e não pelo sulfeto (mole). A coloração vermelha apresentada é característica para ferro (III), por isto, o identifica. Assim, tem-se no precipitado B, a presença confirmada do ferro trivalente. Na solução A temos o íon cromato e o complexo de alumínio. Esta solução é dividida em duas porções A e B, e os íons serão identificados individualmente. Na porção A, é adicionado ácido clorídrico concentrado para neutralizar o excesso de hidróxido de sódio no meio reacional, convertendo o complexo de alumínio a hidróxido insolúvel de alumínio, como mostra a equação 23. Este então é dissolvido em excesso de ácido clorídrico (equação 24). A adição de amônia reprecipita hidróxido de alumínio de aspecto branco gelatinoso, como mostra o equação 25. 63 um reagente, o qual, sob condições adequadas, iria formar um precipitado com o íon central? Será feita então uma análise bem minuciosa, tanto dos átomos de metais de transição quanto dos complexos que são formados a partir dos mesmos. Para exemplificar, temos o complexo amínico de cobalto, [Co(NH3)6]2+. Estamos enfatizando o que acontece com os íons Co2+ e as moléculas de amônia quando é adicionado tioacetamida, neste meio alcalino. Não devemos esquecer que os íons e as moléculas que interagiam inicialmente com os íons cobalto, permanecem todos em solução. Portanto, estão presentes: Co2+, Cl-, NH3, OH- e H2O. Com a adição de tioacetamida, temos outros íons em solução: os íons sulfeto e acetato, como mostra a equação 29: (29)H2O++ S 2-NH3+CH3COO - 3OH-CH3CSNH2 + Mas como se estabelece este equilíbrio? Como podem ocorrer interações entre todos os íons presentes? Como deve ser a reação após a adição de tioacetamida? Por que é favorável a formação do precipitado? A seguir, é mostrada uma proposta de mecanismo simplificado para esta reação: 64 H3CH3C OH(1) NH2 S COH - + S C NH2 + NH2H3CH3C OH -COHC S NH2 (2) S C S OH OH H3C(3) S CH3C OH + OH - (4) H3C OH OH S C H3C S 2-+C OH OH (5) + +OH OHC +H3C NH2 OHCH3C O + NH3 (6) NH3+ O H3C C OH + OH- NH3+ O H3C C + H2OO Equacao Final: NH2 C S H3C + 3OH- OCH3C O + NH3 + S 2- + H2O Figura 11. Mecanismo simplificado para reação de tioacetamida em meio alcalino. 65 Assim, temos além das moléculas de água e amônia, os íons sulfeto e os íons acetato. Para formar então um precipitado é necessário que haja uma interação forte entre o íon sulfeto que foi liberado na solução e o íon metálico que está em solução na forma de complexo. Estendendo um pouco mais esta discussão, lembramos que o nosso exemplo é o complexo de cobalto (II). Imaginamos então que uma vez formado o complexo, como ele deveria se recombinar para formar uma outra espécie, tal como CoS? Não se deve esquecer que, a idéia inicial de precipitar estes complexos é para ser útil no processo de separação e identificação, portanto, faz-se necessário provocar uma precipitação para iniciar o processo de separação dos cátions presentes. Experimentalmente é o que ocorre. Como em solução o equilíbrio é dinâmico, todos os íons presentes interagem entre si para formar ou não novas espécies. Por uma série de fatores, que vamos discutir, formam-se sulfetos muito pouco solúveis em água. A resposta pode estar na natureza dos cátions, em particular, cobalto(II), níquel (II) e zinco(II). Os complexos amínicos destes cátions são considerados lábeis, ou seja, complexos que sofrem um rápido equilíbrio [SHRIVER, 2003]. Numa reação característica deste complexo, o [Co(NH3)6]2+, o equilíbrio é estabelecido em torno de 10-6 s. Isto significa que o equilíbrio se estabelece de maneira muito rápida tanto no sentido da formação dos sulfetos quanto na direção dos complexos. Analisando novamente os íons que estão presentes, pergunta-se: por que os íons OH- não interagem com os íons cobalto para precipitar como hidróxidos? Ocorre que nas condições do meio, que tem NH3 em excesso, os hidróxidos se dissociam mantendo o íon Co2+ em solução, na forma de complexos amínicos de cobalto. No entanto, como já vimos, na presença do íon sulfeto, uma base de Lewis que atua como um ligante e interage com o íon cobalto (II), um ácido de Lewis, forma-se um precipitado. Deve-se ressaltar que para formar o precipitado o produto das concentrações dos íons em solução tem que 68 (34)[Co(SCN)4] 2-4SCN-+Co2+ A discussão agora se concentra nos íons precipitados na presença de sulfetos que são solúveis em ácido clorídrico, Zn2+ e Mn2+. Adiciona-se hidróxido de sódio a esta solução. Quando uma base é adicionada à solução ligeiramente ácida de Zn2+e Mn2+, ocorrem as seguintes reações, representadas nos equilíbrios 35 e 36: (36)Zn(OH)4 2-+ 2OH-Zn(OH)2(s) (35)Zn(OH)2(s)2OH-+Zn2+ Forma-se um precipitado de hidróxido de zinco (equilíbrio 36) e com um ligeiro excesso de OH-, uma base dura, dissolve o hidróxido de zinco formando o hidroxicomplexo Zn(OH)42- (tetrahidroxizincato), como mostra o equilíbrio 36. A adição de tioacetamida, que libera o íon S2-, uma base mole e polarizável, leva à formação de um precipitado branco de sulfeto de zinco. Com isto, o íon zinco pode ser identificado. Das espécies presentes inicialmente no precipitado de níquel, cobalto, zinco e manganês, é necessário ainda discutir como se identifica o íon manganês. Após a precipitação como MnS, este foi dissolvido pelo ácido clorídrico. Na presença de hidróxido de sódio concentrado, forma-se um precipitado branco de Mn(OH)2, pouco solúvel em água. Para identificá-lo ferve-se uma solução diluída de íons manganês (II), isenta de cloreto, com dióxido de chumbo e um pouco de ácido nítrico concentrado, diluindo e deixando o sólido suspenso que contém o 69 dióxido de chumbo que não reagiu assentar. O líquido sobrenadante adquire uma cor vermelho-violeta (ou púrpura) devido ao ácido permangânico (conforme a equação 37), que confirma a presença do íon manganês. (37) + 4H+ MnO4 2- + 3Pb2+ + 2H2O + Mn 2+3PbO2 Com esta seqüência de reações, fica bem estabelecido a completa separação e identificação de todos os sulfetos metálicos presentes no grupo III. 3.5 MATERIAL DIDÁTICO ELABORADO PARA O GRUPO IV TESTE DE CHAMA - DISCUTINDO SEUS CONCEITOS MICROSCOPICAMENTE Dentre os grupos de cátions estudados nesta disciplina será abordado aquele que contém os íons Na+, K+ e NH4+. Devido à solubilidade dos sais destes íons, eles não são precipitados por reagentes químicos tais como HCl, H2S, (NH4)2CO3 e NH3 (ALEXEYEV, 1982). Isto quer dizer que, se quisermos constatar, numa amostra desconhecida, a presença ou não dos íons Na+ e K+, não seria possível detectá-los por uma simples precipitação, uma vez que a solubilidade deles é tão alta que eles permaneceriam em solução, usando qualquer um dos agentes precipitantes já citados, comumente usados em testes de análise qualitativa. O método utilizado para identificação dos íons Na+ e K+ é o teste de chama. Uma breve abordagem histórica deste método é apresentada a seguir. O íon amônio não é identificado por este método e será discutido posteriormente. 70 TESTE DE CHAMA Espectroscopia por emissão de chama (em inglês, flame emission spectrometry - FES) é um dos métodos de análise mais familiares e é provavelmente o mais antigo para determinação de elementos químicos, baseado no seu espectro característico. Thomas Melville em 1752 e W.H. Fox Talbot em 1826, já trabalhavam fazendo observações do comportamento de sais via espectroscopia por emissão de chama. Contudo foi Robert Wilhelm Bunsen e Gustav Kirchhoff que em 1859 e 1860, respectivamente, estabeleceram o método com base numa fundamentação teórica e experimental. A chama de Bunsen, inventada somente poucos anos mais tarde, forneceu um meio no qual linhas de emissão dos elementos poderiam ser observadas mais claramente. Ao mesmo tempo, Kirchhoff reconheceu que as linhas de absorção descritas anteriormente por Fraunhofer coincidiam exatamente com as linhas de emissão de sais introduzidos na chama (HIEFTJE, 2000). Trabalhando juntos Robert Bunsen, químico, e Gustav Kirchhoff, físico, deram um passo decisivo para a espectroscopia por emissão de chama, ao reconhecer que linhas espectrais emitidas por metais ocorrem em comprimentos de onda definidos (OKUMURA, 2004). O teste de chama, assim denominado atualmente, é um dos mais simples métodos analíticos baseados em espectroscopia atômica. Neste caso, a amostra contendo cátions metálicos é inserida em uma chama e analisada pela radiação emitida pelas espécies atômicas ou iônicas excitadas. Os elementos, ao receberem energia de uma chama, geram espécies excitadas que, ao retornarem ao estado fundamental, liberam parte da energia recebida na forma de radiação, em comprimentos de onda característicos para cada elemento químico (OKUMURA, 73 do bico de Bunsen, observando-se a coloração amarela intensa produzida” (BACCAN ET AL., 1995). Para o aluno que deve seguir este roteiro, algumas questões podem surgir: O que é chama? O que acontece quando aquecemos um material na chama do bico de Bunsen? Por que há emissão de cor? Para tentar responder estas questões, inicialmente, recorremos a uma análise dos processos que ocorrem com a amostra (neste caso, uma pequena porção de NaCl sólido) quando ela é introduzida na chama. A sequência de etapas que acontecem com a amostra, passo a passo, é mostrada na Figura 14. Figura 14. Etapas e/ou processos físicos e químicos que ocorrem na chama (VOGEL, 1986). MX(S) Vaporização MX(g) Dissociação M+(g) + X-(g) M(g)* M(g) Emissão na chama (hν) 74 Na prática, quando o cloreto de sódio entra em contato com a chama, ocorre sublimação. Em rápida sucessão este sal deve ser dissociado. Após a dissociação, os íons Na+ gasosos resultantes recebem elétrons das reações de combustão da chama2 e são reduzidos a seus correspondentes átomos, como mostra a equação 38: (38)NaNa + (g) + e- (g) Particularmente para o átomo de sódio pode ocorrer o fenômeno mostrado na Figura 15. Figura 15. Esquema simplificado de absorção e emissão de energia para o átomo de sódio numa chama. 2 Chama ou plasma é uma mistura gasosa condutora de eletricidade, que contém uma concentração significativa de cátions e elétrons (SKOOG ET AL., 2002). 3s 3p 3p 3p 3s 3s Elétron da chama Energia liberada Como luz amarela (a) (b) (c) 75 A Figura 15 mostra que numa chama, o átomo em (a) adquire energia e é promovido para o orbital 3p (b). Como o elétron cai do estado excitado 3p para o estado fundamental 3s (c), a energia é liberada como luz amarela (CANHAM & OVERTON, 2003). No processo, a energia das reações de combustão na chama é transferida para o sal do metal. Esta transferência promove elétrons dos átomos do metal a estados excitados. Esta energia posteriormente, é liberada na forma de radiação visível (luz) quando os elétrons retornam ao estado fundamental de menor energia. Particularmente para o sódio, a cor amarela é resultado da energia (fóton) emitida quando um elétron cai do orbital 3p1 para o orbital 3s1 de um átomo de sódio neutro, como mostrou a Figura 15. Assim como o sódio, cada metal alcalino pode sofrer várias transições eletrônicas e uma delas corresponde a uma cor de chama característica apresentada na Tabela 5. A cor observada é oriunda da transição eletrônica permitida de mais baixa energia. Lembrando que os níveis eletrônicos são s, p, d e f, existe uma regra de seleção (ATKINS, 1990) que estabelece que o elétron, quando é excitado, passa de um nível s para o nível p, ou do p para o d, ou do d para o f, sendo estas as transições eletrônicas permitidas (BORN, 1986). Para os metais alcalinos esta transição corresponde a np - ns, onde n = 2 para lítio, n = 3 para sódio, n = 4 para potássio, n = 5 para rubídio e n = 6 para césio. As demais transições permitidas posicionam-se fora da região do visível para o olho humano. Isso pode ser observado na Figura 16 onde a transição de 590 nm (3p - 3s) para o Na é visível e a de 330 nm (4p - 3s) não se encontra na região do visível e sim no ultravioleta. 78 Uma vez constatada a presença de átomos de sódio (caracterizado pela cor amarela) e potássio (identificado pela cor lilás), num sal como cloreto de sódio e/ou cloreto de potássio, respectivamente, um ponto pode chamar atenção: E o átomo de cloro? Será que ele também não emite cor? O que acontece com os íons cloreto após dissociação com os íons sódio e/ou potássio? Quando um átomo absorve radiação eletromagnética, como por exemplo a luz, ocorre uma transição eletrônica (promoção de elétrons de um estado de menor energia para um estado de maior energia). Esta energia adicional é geralmente emitida também na forma de radiação eletromagnética e, se esta quantidade de energia está na região do visível, ela é percebida como a cor correspondente à esta energia. Em se tratando de átomos de elementos tais como os halogênios (F, Cl, Br, I) os estados excitados permanecem em energia tão alta que a sua energia correspondente não é perceptível, mesmo em equipamentos mais sofisticados (HARRIS, 1999). Para exemplificar esta afirmação, tomamos como exemplo o átomo de cloro. Uma das transições eletrônicas possíveis para este átomo corresponde à uma energia de aproximadamente 71958 cm-1, o que corresponde a um comprimento de onda de 139 nm (ALKEMADE, 1970). Este valor não é perceptível ao olho humano, que como sabemos, enxerga uma região no espectro visível entre 400 e 800nm, conforme ilustrado na Figura 17 (BROWN ET AL., 1999). 79 Figura 17. O espectro visível compreende a faixa de comprimentos de onda de 400-800 nanômetros (1 nm = 10-9m). Se esta afirmação estiver correta para o íon Cl-, ela também deve ser útil para os demais halogênios, F-, Br- e I-, cujos comprimentos de onda são 976 , 158 e 183nm, respectivamente (NIST, 2004). Levando em conta estas considerações, o que acontece então com os cloretos quando entram em contato com a chama? Muito provavelmente eles volatilizam e se dissipam por todo o meio na forma de calor, sem provocar interferência alguma na cor emitida pelos cátions dos metais alcalinos (BROWNING, 1969). Assim, imaginamos que se fosse usado qualquer outro halogênio no teste de chama, ele não seria perceptível e não influenciaria na cor emitida do metal alcalino. Com isto, sabemos o que ocorre com a amostra quando ela é introduzida na chama até o momento em que há emissão de cor. Aparentemente está bem estabelecido que o átomo após ser excitado pelo calor proveniente da chama, emite 80 energia que é liberada como luz, cuja cor e comprimentos de onda são específicos para cada elemento. Uma questão particularmente relevante que se faz agora é: será que todos os átomos de sódio presentes na amostra foram excitados pela chama? Será que todos eles são promovidos a um estado de maior energia? 100% deles participam da emissão de cor amarela constatando a presença do íon sódio? Estas perguntas são pertinentes uma vez que a identificação é estritamente qualitativa, livre de qualquer outra interpretação mais aprofundada ou quantitativa. Para responder a estas perguntas, recorremos à literatura e fazemos algumas considerações. Para o teste de chama, comumente realizado nas aulas de Química Analítica Qualitativa, é usada uma chama de ar-gás combustível (Gás Liquefeito de Petróleo, GLP), que opera em uma temperatura entre 1700 e 1900 °C (1973 e 2173 K, respectivamente). Dessa forma, podemos fazer uma aproximação para o íon sódio, com estimativa para uma temperatura de 2000 K. Há registros na literatura (CHRISTIAN, 1994) que para o íon sódio, apenas 9,9 x 10-6 átomos de sódio são excitados pelo calor da chama nesta temperatura. Isto significa que teríamos para cada 100.000 átomos de sódio, apenas 1 no estado excitado. Esta consideração se torna relevante porque, embora o teste de chama seja considerado o método mais simples para espectroscopia de emissão, ele é muito eficaz porque embora o número de átomos no estado excitado seja tão pequeno, o teste de chama é sensível o suficiente para expressar a cor do metal presente na amostra. Desta forma, acreditamos que o teste de chama envolve inúmeros conceitos químicos que podem ser explorados nas aulas de Química Analítica Qualitativa usando fotometria de chama. Alguns deles são: vaporização, energia de dissociação, atomização, excitação, regra de seleção e transição eletrônica. De maneira imprescindível o aspecto visual é o fator determinante nas observações das 83 presença do cobaltonitrito. A identificação do íon sódio é então realizada através do teste de chama, especificamente. 84 CAPÍTULO 4. ANÁLISE DOS RESULTADOS Neste capítulo, serão apresentados e analisados os resultados dos questionários aplicados tanto para a aquisição de dados sobre a disciplina Química Analítica Qualitativa quanto para a avaliação do material que foi desenvolvido para cada um dos grupos de cátions estudados na mesma. Para mostrá-los, decidimos organizá-los em duas partes. Na parte I apresentaremos os resultados que se referem ao questionário para obter informações sobre a disciplina Química Analítica Qualitativa, e na parte II, os resultados obtidos para os questionários aplicados sobre o material didático elaborado para os grupos de cátions. Ressaltamos que, no decorrer da exposição dos resultados, particularmente na questão subjetiva do questionário um e do questionário padrão, trechos das observações de aula e também dos relatos dos alunos serão transcritos. 4.1. Análise dos Resultados: Parte I O acompanhamento das aulas foi uma etapa importante em nosso trabalho, pois, como pretendíamos conhecer o processo de condução da disciplina, bem como o ambiente de sala de aula, esse acompanhamento forneceu informações a este respeito. A disciplina em estudo foi Química Analítica Qualitativa (código na Unicamp - QA 111), oferecida no primeiro semestre, integrante do currículo do curso de Química da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP - SP). Ela tem duração de 120 horas e não exige pré-requisito; é a primeira disciplina da área de química analítica ministrada aos alunos iniciantes do curso de Química. 85 Para obter dados para este estudo, os alunos que cursaram a disciplina QA - 111 no 1° semestre de 2004, responderam a um questionário. Este foi aplicado com o intuito de focalizar as possíveis dificuldades encontradas durante as aulas. No total, 64 alunos participaram desta etapa do trabalho. Foram nove questões de múltipla escolha que contemplam uma série de questionamentos sobre as reações químicas realizadas nas aulas de laboratório, além de uma questão discursiva que tratava de opiniões e sugestões para o ensino desta disciplina. Os resultados serviram para uma avaliação qualitativa e quantitativa da compreensão do conteúdo ensinado na disciplina, bem como a observação e participação dos alunos durante as aulas realizadas no laboratório. O questionário 1 foi aplicado em comum acordo com os professores que ministraram a disciplina na penúltima aula do semestre, uma vez que, para respondê-lo era essencial que a turma já tivesse praticamente concluído a disciplina. Questionário 1 1. Quando efetuava a separação dos íons de determinado grupo, como você interpretava a seqüência de etapas utilizadas para tal? a. Apenas seguindo o procedimento experimental fornecido pelo professor; b. Buscando uma propriedade física ou química que justificasse o procedimento seguido; c. Procurando uma justificativa para cada uma das observações experimentais; d. Imaginando que aquele era um procedimento já consolidado, e que deveria apenas ser seguido.
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