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Guias e Dicas
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Saúde Mental - Profae, Manuais, Projetos, Pesquisas de Enfermagem

Coleção de livros para quem é estudante de enfermagem.

Tipologia: Manuais, Projetos, Pesquisas

Antes de 2010

Compartilhado em 23/04/2009

herbert-santana-10
herbert-santana-10 🇧🇷

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Baixe Saúde Mental - Profae e outras Manuais, Projetos, Pesquisas em PDF para Enfermagem, somente na Docsity! Ministério da Saúde rofisstonalização de fis fo(a Rss Cadernos do Aluno EV: a 7 Os P nfermagem rofissionalização de uxiliares deA E Cadernos do Aluno SAÚDE MENTAL 7 SUMÁRIO 1 Apresentação pág. 7 2 Saúde Mental pág. 9 Parasitologia e Microbiologia Psicologia Aplicada Ética Profissional Estudos Regionais Nutrição e Dietética Higiene e Profilaxia Fundamentos de Enfermagem Saúde Coletiva Saúde do Adulto - Assistência Clínica Saúde do Adulto - Atendimento de Emergência Saúde do Adulto - Assistência Cirúrgica Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Disciplinas Inst rumen tai s Disc iplinas Profissionalizantes Anatomia e Fisiologia Saúde Mental APRESENTAÇÃO MINISTÉRIO DA SAÚDE SECRETARIA DE GESTÃO DO TRABALHO E DA EDUCAÇÃO NA SAÚDE PROJETO DE PROFISSIONALIZAÇÃO DOS TRABALHADORES DA ÁREA DE ENFERMAGEM processo de construção de Sistema Único de Saúde (SUS) colocou a área de gestão de pessoal da saúde na ordem das prioridades para a configuração do sistema de saúde brasileiro. A formação e o desenvolvimento dos profissionais de saúde, a regulamentação do exercício profissional e a regulação e acompanhamento do mercado de trabalho nessa área passaram a exigir ações estratégicas e deliberadas dos órgãos de gestão do Sistema. A descentralização da gestão do SUS, o fortalecimento do controle social em saúde e a organização de práticas de saúde orientadas pela integralidade da atenção são tarefas que nos impõem esforço e dedicação. Lutamos por conquistar em nosso país o Sistema Único de Saúde, agora lutamos por implantá- lo efetivamente. Após a Constituição Federal de 1988, a União, os estados e os municípios passaram a ser parceiros de condução do SUS, sem relação hierárquica. De meros executores dos programas centrais, cada esfera de governo passou a ter papel próprio de formulação da política de saúde em seu âmbito, o que requer desprendimento das velhas formas que seguem arraigadas em nossos modos de pensar e conduzir e coordenação dos processos de gestão e de formação. Necessitamos de desenhos organizacionais de atenção à saúde capazes de privilegiar, no cotidiano, as ações de promoção e prevenção, sem prejuízo do cuidado e tratamento requeridos em cada caso. Precisamos de profissionais que sejam capazes de dar conta dessa tarefa e de participar ativamente da construção do SUS. Por isso, a importância de um "novo perfil" dos trabalhadores passa pela oferta de adequados processos de profissionalização e de educação permanente, bem como pelo aperfeiçoamento docente e renovação das políticas pedagógicas adotadas no ensino de profissionais de saúde. Visando superar o enfoque tradicional da educação profissional, baseado apenas na preparação do trabalhador para execução de um determinado conjunto de tarefas, e buscando conferir ao trabalhador das profissões técnicas da saúde o merecido lugar de destaque na qualidade da formação e desenvolvimento continuado, tornou-se necessário qualificar a formação pedagógica dos docentes O 11 P EAROF ÍNDICE 1 Apresentação 2 Psiquiatria ou Saúde Mental? 3 A evolução da Saúde Mental 3.1 Portas abertas para a liberdade 4 Epidemiologia da Saúde Mental 4.1 Você gostaria de integrar uma equipe de Saúde Mental? 4.2 Quem é o paciente que procura o Setor de Saúde Mental? 4.3 Quem é o profissional que trabalha no setor de Saúde Mental? 4.4 Integração da equipe de saúde mental 5 Processo Saúde - Transtorno Mental 5.1 Fatores de influência 5.2 E o que são os tais de id, ego e superego? 5.3 Mesclando os três tipos de fatores 6 Classificação de Transtornos Mentais e de Comportamento 6.1 Métodos diagnósticos em Psiquiatria 6.2 Sinais e sintomas de transtornos mentais 6.3 Os principais tipos de transtorno mental 7 Formas de Tratamento de Transtornos Mentais 7.1 Terapia medicamentosa 7.2 ECT - eletroconvulsoterapia ou eletrochoque 13 14 15 20 30 30 31 33 34 37 37 44 45 49 49 50 55 63 64 81 8 Condutas do Auxiliar de Enfermagem no Setor de Saúde Mental 8.1 Setores de atendimento em Saúde Mental 8.2 Relação terapêutica: a ferramenta indispensável 8.3 Intervenções do auxiliar de enfermagem diante de determinados comportamentos 9 Promoção e Prevenção em Saúde Mental 10 O Auxiliar de Enfermagem e a (sua própria) Saúde Mental 11 Emergência Psiquiátrica 11.1 Caracterizando as intervenções diante das crises 11.2 Avaliação primária na emergência psiquiátrica 11.3 Classificando emergências psiquiátricas 12 Referências Bibliográficas 13 Anexos 83 83 88 89 95 96 98 101 104 105 114 116 13 P EAROFIdentificando a ação educativa S a úde Mental O 1- APRESENTAÇÃO constante avanço de novas abordagens no setor de Saú- de Mental faz com que os livros relativos a este assunto se desatualizem com facilidade, a menos que apresentem uma abordagem desvinculada de conceitos rígidos e utópi- cos. Foi o que pretendemos fazer durante a elaboração deste trabalho: fornecer, de forma ampla, e ao mesmo tempo leve e descontraída, con- teúdos que permitam ao profissional de nível médio refletir e agir, atu- alizando-se a cada passo de sua atuação neste setor. Mediante apresentações de fatos reais, históricos ou obtidos atra- vés de experiências profissionais, os autores levantam situações para reflexões, pois todas as áreas de atuação da Enfermagem estão intima- mente ligadas à Saúde Mental. A Saúde Mental é um saber fundamental para promoção da saúde. 16 Saúde Mental como uma imposição divina, uma interferência dos deuses. Por con- seqüência, o modo como a sociedade a encarava tornava-se ambí- guo, pelo fato de que tanto poderia ser o enfermo um portador, ou intérprete da vontade divina, como também um castigado pelos deuses ou um endemoninhado. Desta forma o tratamento não poderia ser aplicado de maneira diferente. Este tinha como objetivo controlar, apaziguar ou expulsar estas forças “demoníacas”. Na Grécia Antiga, mesmo que os distúrbios mentais fossem encarados ainda com origens sobrenaturais, procurou-se em causas somáticas a origem dos distúrbios mentais. Neste novo pensamen- to, a doença era causada pelo desequilíbrio interno, originado pelos humores corporais. A melancolia, por exemplo, era descrita como um quadro de tristeza causado pela “bílis negra” do fígado. Também neste modelo surge, pela primeira vez, a descrição da histeria, que curiosamente era atribuída ao deslocamento do útero (histero), por falta de atividades sexuais. Pode parecer engraçado, mas acreditava-se que movendo-se pelo corpo, o útero poderia atingir o cérebro, causando dispnéia, palpitação e até desmaios. Recomendava-se então, como terapêutica, o casamen- to para viúvas e moças, além de banhos vaginais com ervas para atrair o útero de volta ao seu local de origem. Voltemos agora às imagens dos filmes aos quais já assistimos. Qualquer filme que trate da vida de Jesus apresenta soldados armados com escudos e lanças e que são os responsáveis pela crucificação. Es- tes soldados pertenciam ao Império Romano. Pois bem! No Império Romano, o tratamento dos transtornos mentais adquiriu novas idéias, que defendiam uma maior relação individual entre o médico e o porta- dor de transtornos mentais, e se diferenciava as alucinações das ilu- sões, recomendando-se que o tratamento da primeira doença fosse re- alizado em salas iluminadas, devido ao medo que o portador de aluci- nações tinha da escuridão. Ao contrário da concepção grega, que atribuía à migração do útero a causa da histeria, Galeno, em Roma, afirmava que a retenção do lí- quido feminino pela abstinência sexual causava envenenamento do sangue, originando as convulsões. Assim, a histeria não tinha uma cau- sa sexual-mecânica, como afirmava o paradigma grego, mas uma causa sexual-bioquímica. Entretanto, para o eminente médico romano, não apenas a reten- ção do líquido feminino era a causa dos distúrbios psíquicos. Para o alívio das mulheres da época, e das de hoje, o homem também tinha as suas alterações mentais oriundas da retenção do esperma. Desta for- ma, as relações sexuais e a masturbação, para Galeno, serviriam de alívio para as tensões. O tratamento era um conjunto de métodos que variavam de rituais mágicos, exorcismo e até supliciação (tortura) dos doentes, empregados por homens a quem se atribuía a capacidade de manter um inter-relacionamento com o sobrenatural, criando explica- ções dentro de suas respecti- vas crenças. Ainda hoje, esses tratamentos são utilizados por algumas pessoas ou grupos no Brasil. Você já ouviu falar, viu ou vivenciou algum caso desse? Ainda hoje não é raro, quan- do uma mulher mostra-se irritada ou mal humorada, dizerem que “é falta de casa- mento”. Isto acontece na sua cidade? Ambígua – É toda situação em que se apresenta duas faces ou versões, neste caso como enviado de Deus ou do demônio. Causas somáticas – É todo dis- túrbio cuja origem é orgânica. Humores - Substância orgâni- ca líquida ou semilíquida, como por exemplo: bile, san- gue, esperma. 17 P EAROF Deixando de lado a questão das flutuações dos líquidos seminais, a verdade é que foi graças aos romanos que, pela primeira vez, surgiu uma concepção diferente com relação aos doentes mentais. Foram cri- adas leis em que se detalhava as várias condições, tais como insanidade e embriaguez, que, se presentes no ato do crime, poderiam diminuir o grau de responsabilidade do criminoso. Outras definiam a capacidade do doente mental para contratar casamento, divorciar-se, dispor de seus bens, fazer testamento e até testemunhar. Com o fim do Império Romano, em 476 d.C., iniciou-se um perí- odo que a História denominou de Idade Média. Foi também o período em que o cristianismo expandiu-se. Muitos chamam a Idade Média de “Idade das Trevas”, mas não é pela falta de energia elétrica, que ainda não havia sido descoberta, e sim devido ao fato de todo pensamento cultural estar ligado às idéias religiosas. Isso fez com que todas as descobertas no campo científico e nos outros campos do conhecimento humano progre- dissem muito lentamente. Neste período, o conceito de doença mental que surgiu foi a de uma doutrina dos temperamentos, isto é, do estado de humor do paci- ente. “Melancolia” era o termo utilizado com freqüência para descre- ver todos os tipos de enfermidades mentais. Mas afinal, o que eles chamavam de melancolia? Constantino Africano, fundador da Escola de Salermo, descre- veu os sintomas de melancolia como sendo a tristeza - devido à perda do objeto amado -, o medo - do desconhecido -, o alheamento - fitar o vazio - e a culpa e temor intenso nos indivíduos religiosos. São Tomás de Aquino descreveu a mania - fúria patológica -, a psicose orgânica - perda de memória - e a epilepsia, além de comentar também sobre a melancolia. Mas Aquino acreditava que a causa e o tratamento da do- ença mental dependiam fortemente da influência dos astros sobre a psique e do poder maléfico dos demônios. Apesar de todas essas concepções científicas, seguindo o pensa- mento religioso da época, a possessão da mente de uma pessoa por um espírito maligno, e suas alterações verbais e de comportamento, retornou como a principal causa dos distúrbios mentais, como havia sido em épocas anteriores. Desta forma, muitos dos portadores de alienações mentais en- contraram a “cura” para seus males nas fogueiras e nos patíbulos de suplícios. Aos doentes mentais que escapavam a essa “terapêutica” imposta pelas idéias religiosas da época, o abandono à própria sorte foi o que restou. Assim, os poucos esforços como os empreendidos duran- te o governo do imperador romano Justiniano, para que os portadores de transtornos mentais tivessem direito a tratamento juntamente com outros enfermos em instituições próprias, foi abandonado. Durante todo o período da Idade Média, as epidemias como a “peste negra” aliadas à “lepra” causavam grande medo na população. Quando Ainda hoje é comum dizer que alguém é “de lua” quan- do queremos nos referir a uma pessoa que muda cons- tantemente de humor. ! Por mais estranhas que essas teorias possam parecer, ainda na atualidade ouvimos falar que o esperma acumulado sobe ao cérebro, transformando-se em algo semelhante ao queijo, ou que a menstruação pode “subir à cabeça”, ocasionado altera- ções de comportamento. Psique – Palavra de origem grega que, neste contexto, significa “mente”. Patíbulos de suplícios – É a denominação figurada dos locais em que se realizam manobras de tortura e castigo, como surras, banhos gelados, sangrias e tantas outras. 18 Saúde Mental estes “flagelos” começaram a se dissipar, achava-se que uma nova ameaça pairava sobre a população: os “loucos”, criminosos e mendigos. Se por um lado, realmente liberta de muitos preceitos religiosos a ciência pode caminhar um pouco mais livremente, para os portadores de enfermidades mentais novas nuvens tempestuosas se aproximavam. Para uma sociedade que iniciava um processo de produção capi- talista, a existência de indivíduos portadores de transtornos mentais, ou de alguma forma “inúteis” à nova ordem econômica (tais como os “loucos”, os criminosos e os mendigos), andando livres de cidade em cidade tornava-se uma ameaça. Os antigos “depósitos de leprosos”, cuja ameaça já não se fazia tão presente, abriram suas portas para a recepção destes novos “inqui- linos”. Sem preocupar-se em resolver esses problemas sociais, a nova ordem político-social decidiu pelo isolamento destes seres considera- dos “improdutivos”. Excluídos do mundo, os enfermos mentais foram trancafiados nos porões das prisões juntamente com todos aqueles que por algum motivo não participavam da nova ordem mundial. A semente dos ma- nicômios havia sido plantada. Ainda que vozes se levantassem clamando por um tratamento mais digno aos alienados, e por conseguinte se fizesse uma seleção mais nítida das “anomalias mentais”, a idéia de que “os loucos” eram perigosos e inúteis permaneceu na sociedade até os fins do século XVIII. A internação destes tornou-se caso de polícia, e a sociedade não se preocupava com as causas, manifestando insensibilidade ao seu cará- ter patológico. É verdade que em determinados hospitais os doentes portadores de distúrbios mentais tinham lugar reservado, o que lhes dava uma imagem de tratamento médico, sendo uma exceção; a maio- ria residia em casas de internamento, levando uma vida de prisioneiro. Em 1789 (século XVIII), novos ventos sopraram na Europa Ocidental. A ordem absolutista, onde o Rei mandava sozinho à re- velia dos anseios do povo, entrou em falência, e idéias mais liberais e libertadoras passaram a ser discurso constante, principalmente na França, onde a revolução vitoriosa levou grande parte daqueles que não se importavam com os problemas das cabeças alheias a perde- rem as suas. É neste clima de luta pelos direitos de cidadania e da valorização do “homem” que um jovem médico, chamado Phillipe Pinel, libertará dos porões destes hospitais aqueles cuja alienação mental, e principal- mente a ignorância social, haviam condenado ao isolamento. Descendo aos subterrâneos da incompreensão humana, repre- sentados por esses porões, Pinel encontrou acorrentados às paredes fétidas e sombrias seres “humanos”, que ali jaziam há quase meio O período que se seguiu à Idade Média foi batizado de “Renascimento”, pois toda manifestação cultural, impe- dida de se desenvolver pela concepção das idéias religio- sas da Idade Média, “renas- cia” neste “Século das Luzes”. A situação em que profissio- nais buscavam outra forma de atendimento ao “louco” é retratada em vários filmes. Um deles é “O outro lado da nobreza”. Phillipe Pinel, médico francês, foi responsável pela direção do hospital de Bicêtre, e pos- teriormente também do de Salpêtrière. Sua influência, atuação e grau de envolvimento com a Saúde Mental foi tão significativa que até hoje, vulgarmente se usa o termo “pinel” para denominar qualquer indivíduo que apa- rente um transtorno mental. 21 P EAROF Dentro desta realidade, quantas riquezas no passado foram desviadas? Quantas pensões foram utilizadas por terceiros? E quantos donos de hospitais enriqueceram com os moradores deste sistema de custódia? As condições subumanas negavam diaria- mente o reencontro do usuário consigo mesmo, e a esperan- ça de recuperação transfor- mava-se em “ficção”. apresentadas à opinião pública eram de descuido, expresso em pacien- tes contidos nos leitos e em enfermarias gradeadas. A higiene precária, o sussurro de palavras arrastadas e a expressão facial de desespero de- monstravam que essas pessoas, chamadas de internos, estavam aban- donados à própria sorte. Muitos chegavam ao hospício levados por seus familiares depois de um “ataque de loucura”, quando gritavam e quebravam objetos. Outros eram levados pelos familiares que queriam seqüestrar bens e/ ou heranças, acreditando, por vezes, na proteção do patrimônio famili- ar. Havia também aqueles que, por falta de informação sobre as doen- ças da mente, acabavam convencidos de que a hospitalização era a melhor alternativa em momentos de crise. Muitos advogados também utilizavam a loucura como argumen- to para inocentar ou amenizar a pena de seus clientes que praticavam crimes hediondos. Infelizmente para os clientes, esta estratégia nem sempre dava certo, pois acabavam sendo condenados e encaminhados aos manicômios judiciários. Uma coisa era certa: todos os que no hospício chegavam eram sub- metidos às rotinas institucionais, que incluíam na terapêutica a camisa de força, o eletrochoque, a medicação em excesso e inade- quada as psicocirurgias, à revelia do querer do cliente. Neste momento, a prática predominante na área de saúde mental sustentava-se nos princípios: da here- ditariedade – acreditavam que passava de geração em geração; da institucionalização - o tratamento só pode- ria ocorrer através da hospitalização; da periculosidade - todos os “loucos” eram agressivos e perigosos; e da incurabilidade – a loucura não tinha cura. O paciente era visto como um transtorno para a sociedade e por isso as práticas adotadas seqüestravam este cidadão tem- porariamente dos direitos civis, isolando-o e segregan- do-o em manicômios, afastando-o dos espaços urbanos. Mas por que chegamos a este ponto? Por que no Brasil, na década de 1960, chega-se à margem de cem mil leitos psiquiátricos, quando no restante do mundo estava se refazendo conceitos sobre o tratamento desta clientela? Por que mantivemos, por tanto tempo, seres humanos encarcerados de suas identidades? Nesta época estávamos em plena ditadura militar e não havia espaço para nenhum tipo de questionamento político e social. Dentro deste contexto, reforçava-se que o louco era de difícil convivência, pe- rigoso e representava o diferente do convencional, do aceitável pelas regras sociais. Por isso, fazia-se necessário segregá-lo, seqüestrá-lo e cassar seus direitos civis, submetendo-o à tutela do Estado. Isso per- dura na atualidade, pois o Código Civil em vigor reforça que os “lou- Crimes hediondos –É todo crime sinistro, medonho, pa- voroso, como por exemplo: chacina, assassinato de crian- ças, torturas com morte. 22 Saúde Mental cos de todo o gênero” são incapazes para os atos da vida civil. Com esta afirmação, a segregação deste grupo era considerada legal. Neste caos do sistema psiquiátrico, juntamente com os avanços da Constituição de 1988, surgiram espaços de elaboração e aprofundamento de leis voltadas para o atendimento das questões so- ciais, propiciando um ambiente adequado para que a sociedade civil, trabalhadores de Saúde Mental e a articulação Nacional da Luta Antimanicomial se organizassem pela reforma do sistema psiquiátrico, buscando um novo estado de direito para o doente mental. Norteadas pelos princípios da universalização, integralidade, eqüi- dade, descentralização e participação popular, foram realizadas suces- sivas conferências de Saúde Mental nos diversos níveis (nacional, esta- dual, municipal e distrital), tendo como objeto a inserção da Saúde Mental nas ações gerais de saúde. O importante é que nestas conferên- cias o processo de municipalização, a criação dos conselhos de saúde e os dispositivos legais previstos para a efetivação do SUS foram consi- derados, como mecanismos na desconstrução do modelo asilar dos hos- pitais psiquiátricos (asilo de “loucos”). Abandonar a idéia de que transtornos mentais eram produzidos somente por causas naturais e aceitar que os fatores sociais podem ser determinantes destes transtornos, foi uma reflexão difícil para muitos profissionais de saúde, gestores e familiares. Atualmente, considera-se que existe uma relação estreita entre transtorno mental e a exploração da força de trabalho, as condições insalubres dos ambientes, o viver na linha da miséria, o alto índice de desemprego, as relações familiares, o estresse, a violência e a sexuali- dade mal resolvida como causas. Enfim, são “pequenas e grandes” coisas que a qualquer momento nos deixam no limite entre a sanida- de e a loucura. Na 2ª Conferência de Saúde Mental, em 1992, os delegados pre- sentes resgataram propostas previstas no projeto do Deputado Paulo Delgado, de 1989, que previam a substituição do “modelo hospitalo- cêntrico” por uma rede de serviços descentralizada, hierarquizada, di- versificada nas práticas terapêuticas, favorecendo o acesso desse clien- te ao sistema de saúde, diminuindo o número de internações, reinte- grando-o à família e comunidade, resultando, desta forma, na melhoria da qualidade dos serviços nesta área. Entre os delegados, estavam representantes do segmento públi- co e do segmento privado, que concordavam, pelo menos no discurso, em que a assistência ao cliente com transtorno mental precisava ser mais humanizada. A discordância surgia quando o tema era a substitui- ção do sistema de internações hospitalares pela adoção de outras mo- dalidades terapêuticas que investiam na ressocialização deste indiví- duo, ou seja, sua desospitalização. Compreendendo que a estru- tura social influi no limite entre a sanidade e a loucura, e que todos nós somos clientes em potencial do sistema de saú- de mental, devemos pergun- tar: Nesse caso, seremos con- siderados “loucos”? Seremos excluídos do convívio social? Delegados - São pessoas que representam nas conferências os segmentos dos usuários, profissionais e gestores de saú- de na área de Saúde Mental. Modelo hospitalocêntrico – É o modelo assistencial baseado na prestação de tratamento hospitalar através da internação do indivíduo. Insalubres – São condições do ambiente e do trabalho que podem levar à deformação, ao adoecimento físico e/ou psicológico do trabalhador. Segregação – É todo processo de marginalização, isolamen- to, separação em uma socie- dade, das minorias como as religiosas, raciais, pessoas com transtornos mentais. 23 P EAROF Os contrários a esta idéia, ao serem vencidos nas Conferências de Saúde Mental, passaram a fazer pressão no Congresso Nacional, impedindo a tramitação do projeto. A luta deles era pela manutenção da prática de asilamento e exclusão deste usuário do convívio social. Justificavam sua posição argumentando que os lares não teriam estrutura para manterem financeiramente estes pacientes, somando-se os compromissos empregatícios e atividades diárias dos familiares, o que poderia indisponibilizá-los a levar os pacientes às sucessivas ses- sões terapêuticas e de cuidar diariamente deste indivíduo adoecido. Mas o que de fato lhes preocupava era a redução dos lucros gerados por este sistema de encarceramento do louco. O outro lado, representado pelo movimento da reforma sanitá- ria, sustentava a desospitalização e desinstitucionalização dos pacien- tes como uma forma de garantir a cidadania àqueles que passaram anos de suas vidas encarcerados em enfermarias sombrias. Esta lógica trans- formava também as relações institucionais, alcançando as necessida- des dos funcionários e técnicos que ali trabalhavam no que diz respeito à melhoria das condições de trabalho, à implantação de um modelo participativo de gerenciamento, rompendo com a estrutura que distan- ciava o fazer do saber e vice-versa. Ingenuamente, os familiares dos pacientes que há anos esta- vam hospitalizados, mesmo conscientes das falhas do sistema hos- pitalar psiquiátrico, o defendiam. O que mais os preocupava era a convivência com indivíduos com histórico de desvios da personali- dade que os deixavam violentos, letárgicos, eufóricos, repetitivos, sem nexos, enfim, cujo afastamento desgastou os sentimentos, o gostar de estar junto. A prova desta oposição de idéias foi o a tramitação lenta do pro- jeto-de-lei de autoria do deputado Paulo Delgado, conforme se obser- va nos seguintes movimentos: DATA ENCAMINHAMENTOS 1989 Projeto-de-lei (PL) é aprovado na Câmara dos Deputados, por acordo de lideranças. 04/04/1991 PL deu entrada no Senado Federal na Comissão de Assuntos Sociais (CAS) 14/03/1995 PL foi redistribuído sendo indicado como relator o Sen. Lúcio de Alcântara 08/11/1995 O Sen. Lúcio de Alcântara dá parecer favorável a aprovação do projeto original. No mesmo dia o Sen. Lucídio Portella pede vista do processo e retarda a aprovação. 23/11/95 Sen. Lucídio Portella apresenta outro texto, de caráter eminentemente científico, fundamentado em resolução da Assembléia da Organização das Nações Unidas (ONU),de 17/11/91 intitulado “Princípios para proteção das Pessoas Acometidas de Transtornos Mentais e para a melhoria da assistência à Saúde Mental. Este procedimento teve como objetivo atrasar o processo, numa tentativa de evitar a extinção dos manicômios. Tramitação – É a via legal percorrida por um projeto-de- lei até sua aprovação ou ar- quivamento. 26 Saúde Mental Território – É a área ou região de abrangência do serviço de saúde, neste caso de Saúde mental, pelo qual este deve se responsabilizar. Este espaço está sempre em processo permanente de transforma- ção e construção, em que os conflitos de interesses, projetos e sonhos fazem parte das relações entre os sujeitos. Responsabilidade - Estabele- ce relação de compromisso pelos rumos do sistema de atenção na área de Saúde Mental. Para transformar este sistema, profissionais de saú- de e população devem esta- belecer uma parceria em busca da melhoria de quali- dade de vida. 3 Lei n.º 10.216, de 2001. Conselhos Nacional, Estadual e Municipal de Saúde, além de requerer a aprovação das Comissões Bipartite e Tripartite. Esta medida não somente dificulta a ação dos empresários que lucram com este setor, mas força a rede pública e privada de saúde a criar efetivamente mecanismos concretos de desospitalização, como os hospitais-dia, Lares Abrigados, pensões protegidas e os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS). Para efetivar este processo de desmobilização da hospitalização, foi proposto na 2ª Conferência de Saúde Mental o limite e redução gradual de pagamentos de Autorização de Internação Hospitalar (AIHs) até alcançar a meta de desocupação de 20 % dos leitos ao ano. O nú- mero de hospitais distribuídos em 22 Estados era de 241, totalizando 55.387 leitos contratados e 55.488 existentes. Os estados, em ordem decrescente, que mais investiram na desospitalização foram: São Pau- lo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Paraná, Pernambuco e Goiás. Assim sendo, do total de leitos contratados pelo SUS, 11.774 leitos por ano deveriam ser desativados. Pode-se dizer que a meta para garantir o acesso da população com transtornos mentais a novas moda- lidades de serviços é de 20% ao ano, por estado. Para alcançar esta meta, faz-se necessário o resgate do conceito de território e responsabilidade, proporcionando aos sistemas locais ou distritos sanitários a descentralização das dimensões política, ideológi- ca e técnica de romper com o modelo hospitalocêntrico, garantindo o direito dos usuários à assistência e à recusa ao tratamento, observando a obrigação dos serviços em não abandoná-los à própria sorte. Com relação ao processo de internação, está previsto que só po- derá se dar quando os recursos extra-hospitalares se mostrarem insufi- cientes. Desta forma, a lei prevê três tipos de internação: voluntária, aquela consentida pelo usuário; involuntária, aquela a pedido de ter- ceiro, sem consentimento do usuário; e compulsória, aquela determi- nada pela justiça3 . É bom lembrar que a internação involuntária a pedido da famí- lia, sem consentimento expresso do paciente, deve ser comunicada ao Ministério Público, à autoridade sanitária e ao Conselho Local de Saú- de no prazo de 48 horas. Deve também ser composta uma comissão interdisciplinar com integrantes da administração pública, de entida- des profissionais, de usuários e da sociedade civil, para avaliar a pertinência legal da internação. Esta medida evita o uso indevido pela família e classe jurídica da prerrogativa de dispor sobre a vida de pessoas com transtornos men- tais, tendo como finalidade o gerenciamento dos seus bens e a libera- ção de penas judiciais. Em casos de internação, existe também um movimento que luta pela revisão da legislação cível, no sentido de responsabilizar proprie- 27 P EAROF tários de clínicas e a equipe envolvida no processo terapêutico quando houver erro, dano ou omissão. Nestes casos, deverão ser aplicadas “(...) penalidades, sem prejuízos de eventuais processos judiciais e indenizatórios relativos ao paciente ou à família”4 . Na 2ª Conferência de Saúde Mental, as propostas sobre o direito à informação estão conjugadas ao direito à divulgação e educação. A divulgação desses direitos devem contemplar ações educativas em saú- de mental para toda a população, extrapolando os espaços das institui- ções de saúde, da família e do usuário, chegando aos meios de comuni- cação de massa como TVs, rádios e jornais. Esta divulgação de informações legais da Reforma Psiquiátrica inclui debates sobre um dos problemas mais sérios do mundo contem- porâneo, que é o problema da droga, com a finalidade de minimizar a divulgação de notícias distorcidas sobre o assunto. Em toda discussão sobre este assunto se defende a discriminalização do usuário e dependente de drogas, recusando os pro- cedimentos penais e apoiando os encaminhamentos para assistência à saúde. A finalidade é evitar a exclusão deste grupo do convívio social com internações prolongadas em clínicas de recuperação, garantindo o acesso e a permanência nas escolas, de todos os níveis, dos usuários e/ ou dependentes de substâncias psicoativas. Para tal, o movimento de reforma psiquiátrica vem lutando para modificar o artigo 16 do código penal que trata das sanções aos alcoó- latras e drogaditos, que os coloca no mesmo nível dos traficantes. A proposta é incluir o direito ao tratamento e à reabilitação de todos os usuários, penalizando apenas os traficantes. A propaganda direta ou indireta de fumo, álcool, agrotóxicos e medicamentos deve ser limitada ou eliminada dos meios de comunica- ção. Somado a isto a frase “Faz mal a saúde” deve estar contida em todos os produtos que trazem dependência química. A implantação desta medida nos anúncios de cigarro é a maior prova do alcance das ações construídas em parceria com outros setores, que ultrapassam os espa- ços hospitalares. Outro ponto crítico é a prescrição abusiva de medicamentos que causam dependência, tais como: anorexígenos, antitussígenos e anticonvulsivantes. Para o controle do uso dessas drogas, é importante que os Conselhos Profissionais e a Vigilância Sanitária Estadual fiscali- zem e avaliem as corporações de médicos, farmacêuticos, indústria far- macêutica e comércio, visando o controle do processo de medicalização, e implementem programas de educação continuada para os profissio- nais envolvidos que apontem para a desmedicalização. O movimento de reforma psiquiátrica, nos anos 1980/1990, dis- cute os instrumentos que incluam na vida produtiva as pessoas porta- doras de transtornos mentais e de deficiências, bem como defende Lícitas ou ilícitas, as drogas na atualidade são ou não um pro- blema de saúde pública? Elas trazem dependência e podem levar o indivíduo a apresentar transtornos mentais? Discriminalização – É não mais considerar a dependên- cia de drogas como crime. Drogadito: denominação atu- al das pessoas que conso- mem drogas ilícitas e que causam dependência. Anorexígeno, Antitussígenos e Anticonvulsivantes - Medica- mentos inibidores do apetite, da tosse e utilizados para evitar convulsões, respectivamente. Muitos mecanismos foram previstos para reintegrar es- tes pacientes ao contexto so- cial, melhorando a qualidade de sua assistência. Mas como se dá esta reintegração no mundo do trabalho? O que está sendo pensado para evitar a estigmatização e a exclusão deste cidadão da vida produtiva? 4 Relatório da 2ª CNSM, 1994, p. 43. 28 Saúde Mental modificações na CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) e nos esta- tutos dos funcionários públicos municipais, estaduais e federais, no intuito de preservar a saúde mental da classe trabalhadora, tais como: ! diminuição do tempo de exposição dos trabalhadores às condi- ções de fadiga e tensão psíquica, através da diminuição das jornadas de trabalho e do aumento do período de tempo livre (folgas e férias), de acordo com a natureza das atividades; ! período de descanso durante a jornada cotidiana, destinados também a permitir a preservação da atividade mental autôno- ma. Tais intervalos deverão ser em número e duração suficientes para tais finalidades, em conformidade com as necessidades de- terminadas pela carga de trabalho exigida em cada posto, evitan- do as patologias do tipo lesões por esforços repetidos (LER); ! em se tratando de atividades reconhecidas como especialmen- te desgastantes do ponto de vista psíquico, diversificar estas atividades; ! para a prevenção da fadiga mental será obrigató- ria, sempre que solicitada pelos trabalhadores - através de seus sindicatos, comissões de fábricas, Comitê de Saú- de ou Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (CIPA) - a formação de grupos de avaliação dos condicionantes de fadiga e tensão psíquica. Tais grupos deverão ser cons- tituídos de forma igual entre os pares, por técnicos especializados e trabalhadores do local, devendo, neces- sariamente, ao final dos estudos, formular sugestões para modificações - cuja implantação deverá ser acompanha- da pelos trabalhadores, em todas as suas etapas; ! os prazos e as alternativas de modificação das condições organizacionais e ambientais deverão ser objeto de negociação entre empresas e trabalhadores; ! a duração normal do trabalho, para os empregados que traba- lham em regime de turnos alternados e para os que trabalham em horário fixo noturno, não poderá exceder 35 horas semanais; ! a preservação do emprego aos trabalhadores alcoolistas, drogaditos e portadores de transtornos mentais deve ser asse- gurada com garantia de estabilidade no emprego por 12 meses após o retorno ao trabalho, penalizando-se as empresas e em- pregadores que desrespeitarem a lei e garantindo-se que ne- nhuma outra dependência cause exclusão do trabalho5 Pode-se perceber a categoria de enfermagem incluída nos itens acima, principalmente no que diz respeito à exposição deste traba- lhador a condições de fadiga e de tensão, vivenciada diariamente pela equipe de enfermagem. Quando a pessoa só tem um emprego,5 Relatório da 2ª Conferência de Saúde Mental, 1994, p. 51-54 31 P EAROF 1 A introdução de um programa de Saúde Mental ocasionou um número maior de unidades assistenciais. 2 A conscientização da necessidade do acompanhamento psico- lógico para os pacientes de outros programas, como Saúde da Mulher (gestação, climatério, aborto), hanseníase, DST (princi- palmente para os portadores de HIV), tuberculose etc. 3 A introdução de novas formas de tratamento na Saúde Mental vem apresentando melhoras nos quadros clínicos e diminuindo o “medo do tratamento” por parte de pacientes e familiares. 4 A conscientização da população de que o programa de Saúde Mental pode e deve atuar como prevenção, e não só como tra- tamento nos surtos, vem fazendo com que a população busque assistência antes de apresentar sintomas de maior complexida- de. Assim, a dona de casa que não tinha vontade de sair e que era considerada excelente, hoje se vê deprimida. O pai de famí- lia que chegava em casa exaltado e achava que era cansaço, hoje se acha nervoso. Observa-se, desta forma, uma mudança de padrões de normalidade. 5 A veiculação de informações sobre transtornos mentais através dos meios de comunicação (jornais, revistas, televisão, rádio etc), vem fazendo com que as pessoas identifiquem-se com os sintomas e busquem ajuda por valorizarem o que sentem. Pas- sam a perceber que não estão sozinhas e que muitas vezes po- dem até estar na “moda”. Com todos estes fatores atuando na demanda de Saúde Mental, é possível perceber que a alteração que ela vem sofrendo não é apenas numérica. Embora em números venha alcançando índices considerá- veis, a sua caracterização é surpreendentemente diferente da observa- da há alguns anos. 4.2 Quem é o paciente que procura o setor de saúde mental? Você já esteve em contato com alguém que sofria de transtorno mental? Qual era sua aparência? Estava desorienta- do? Ele agrediu você? Sua resposta provavelmente será positiva para a primeira per- gunta. Com o atual índice de usuários do setor de Saúde Mental, é muito difícil encontrar alguém que ainda não tenha tido este tipo de contato, mesmo que não atue na área de saúde. No entanto, procure as respostas para as perguntas subseqüentes. 32 Saúde Mental Havia algo de estranho em sua aparência? A aparência do in- divíduo que procura este setor pode ser um sinal muito importante na detecção de determinados quadros mentais e o auxiliar de enfer- magem deve saber percebê-los. Mas o que desejamos ressaltar neste momento é que a menos que o paciente estivesse em franco surto, dificilmente haveria nele algo que o classificasse como um paciente com transtorno mental. É verdade que com as variações da “moda”, muitas vezes en- contramos pessoas de aparência estranha, não somente no que se refe- re ao vestuário, mas também com auto-mutilações, como tatuagens ou piercings. No entanto, estas pessoas nem sempre freqüentam um setor de Saúde Mental, embora algumas vezes precisem de ajuda pela razão com que justificam tais procedimentos. O nível de orientação de uma pessoa é variável com a situação que está experimentando. As atribulações do dia-a-dia e as preocupa- ções podem nos deixar “desligados”, o que não quer dizer, necessaria- mente, que devamos nos inscrever num setor de Saúde Mental. O inver- so também é verdadeiro. Nem todo o usuário deste setor encontra-se desorientado e suas colocações devem sempre ser ouvidas com atenção. Em relação à agressão, embora este pareça ser o maior ponto de receio para os profissionais quando se trata de lidar com o paciente com transtorno mental, o índice de profissionais de saúde agredidos neste setor não é maior que em muitos outros setores. Isso se deve a dois fatores: violência não tem que estar necessariamente presente no transtorno mental, e nem todos os usuários do setor apresentam um transtorno mental de maior gravidade. O grau de dificuldade em lidar com todas estas questões pode variar. No entanto, pessoas consideradas saudáveis conseguem perce- ber suas dificuldades e procurar ajuda. Estas constituem grande parte da demanda do setor de Saúde Mental, sem que sejam portadoras de transtornos mentais mais graves, como as psicoses. Também fazem parte dessa demanda indivíduos que buscam lau- dos para conseguirem uma aposentadoria por invalidez ou mesmo um período de licença. A maioria destes não pretende ficar em casa, e sim conseguir um ganho monetário extra que permita satisfazer as necessi- dades básicas suas e de sua família. O transtorno mental pode causar um profundo sofrimento ao portador, à sua família e amigos. Freqüentemente, ele abate o ânimo e leva à autodestruição, que se reflete, em parte, na elevada taxa de ten- tativas de suicídio entre esses pacientes. Muitas vezes tais pacientes encontram-se abandonados pela fa- mília, que ou se afasta por medo de sofrer ou por não acreditar, de fato, que as alterações de comportamento que os indivíduos apresentam se- jam derivadas de uma patologia, e sim de uma deficiência de caráter. Lidar com nossas emoções é sempre algo muito difícil. En- frentar os desafios e as mu- danças que a vida nos oferece todos os dias, assim como lidar com traumas e transi- ções importantes, como a per- da de pessoas queridas, difi- culdades conjugais, proble- mas escolares e profissionais ou a perspectiva de uma apo- sentadoria, por exemplo, pode não ser muito fácil. Num setor de Saúde Mental você deve estar atento aos sinais e sintomas que os usu- ários apresentam e não aos diagnósticos que “carregam”. Por exemplo: tendemos a só considerar em risco de suicí- dio os pacientes com transtor- nos. No entanto, um indivíduo passando por períodos críti- cos, ou ainda usuário de dro- gas, pode apresentar riscos reais de autodestruição, mes- mo que seu transtorno ainda não tenha sido identificado. Para a família é difícil caracte- rizar um transtorno mental como patologia, pois esse nem sempre pode ser com- provado por exames laboratoriais. 33 P EAROF O importante é lembrar que, num setor como este, você vai encon- trar pessoas que buscam ajuda para seus transtornos. O fato de reconhece- rem que precisam de ajuda para resolver suas questões emocionais pode ser a única linha que o diferencia dos pacientes dos demais setores. 4.3 Quem é o profissional que trabalha no setor de Saúde Mental? Por sua vez, o profissional que recebe este tipo de clientela é muitas vezes encarado por seus colegas como corajoso, ou masoquista, quando não afirmam que também é “doente”. Comumente ouvimos este tipo de afirmação: “Trabalhou tanto tempo com malucos que ficou maluco também”. Esse tipo de preconceito abrange todos os níveis de escolaridade e não é raro escalar-se os profissionais “pro- blemas” para este setor, como uma forma de castigo. Quando uma mulher vai trabalhar no setor de Gi- necologia, torna-se muito mais atenta aos possíveis pro- blemas ginecológicos que venha a ter; quando o profissi- onal insere-se no setor de Tuberculose, passa a prestar mais atenção em possíveis sintomas respiratórios que venha a apresentar; o funcionário do setor de DST/AIDS preocupa-se demasiadamente com seu emagre- cimento. Por que seria diferente com a Saúde Mental? O medo de vir a apresentar um transtorno mental passa muitas vezes pela mente deste indivíduo. Porém, o medo de buscar as respostas pode ser maior, pois a própria dúvida pode ser relacionada à patologia. O desconheci- mento do transtorno mental associado à diversidade de fatores e sintomas pode gerar uma grande insegurança no profissional, provocando reações e posturas lamentáveis para com os pacientes e colegas. Como exemplo, certa vez, uma psicóloga foi mantida presa durante duas horas numa enfermaria com uma paciente agressiva por ter interferido quando os auxiliares de enfer- magem se negavam a alimenta-la por ter se “comportado mal”. O despreparo dificulta o funcionamento de todos os setores, mas o preconceito vem atrapalhando o preparo dos profissionais para o setor em questão. Afirmar que sente prazer em atuar na Saúde Mental pode muitas vezes custar ao profissional o rótulo de “maluco” e dimi- nuir seu status e valor de representatividade diante do grupo. O preconceito é o fruto da árvore da ignorância. É imprescindí- vel a busca de conhecimentos por parte dos profissionais de saúde quanto aos fatores geradores do processo saúde-doença na área de Saú- de Mental para que ele possa elaborar estratégias no lidar com este tipo de clientela contraditoriamente tão comum, mas tão especial. Masoquista – No sentido real da palavra, é a pessoa que sofre de um tipo de perversão sexual em que procura al- guém que o maltrate. No con- texto aqui descrito, seria uma pessoa que gosta de sofrer. 36 Saúde Mental também começou a fornecer o seu endereço. O momento era aquele! Uma pequena corti- na se abriu! Não havia tempo de se chamar uma psicóloga, assistente social ou enfermei- ra. Mais que depressa, a profissional, valori- zando a informação, tratou de anotá-la em prontuário e de notificar a equipe. Duas semanas depois, a equipe presen- ciava, emocionada, o reencontro de Norma (este não era o seu nome) com sua família, que a procurava há dois anos. Hoje ela en- contra-se reintegrada a uma sociedade, por- que uma profissional não se deteve em reali- zar tarefas limitadas, foi além. Integrar-se à equipe, modificando esse papel tão comum de “cumpridor de tarefas”, é necessário; e, em Saúde Mental, poderia se dizer que é essencial. Conscientizar-se de seu grau de importância numa equipe, não como cumpridor de tarefas, mas como membro atu- ante e indispensável na recuperação do paciente e prevenção de surtos ou desenvolvimento de transtornos, é, para o auxiliar de enfermagem, a maneira de humanizar-se. Retornando à questão das fraldas de Carlos, qualquer membro da equipe poderia e deveria trocá-la, se a necessidade surgisse enquan- to ele estivesse com o paciente. Porém o auxiliar de enfermagem não pode esquecer-se que esta atividade faz parte de seu preparo e não da de outro profissional. Uma dobra na roupa de cama é capaz de produzir bem mais que desconforto num paciente acamado, não é? Mesmo que entenda isso, os demais profissionais podem não ter a destreza e habilidade desenvolvida pelo auxiliar de enfermagem em seu curso. Neste caso a especificidade era outra. Assim, todos podem participar das oficinas, porém o terapeuta ou psicólogo não podem estar alheios ou distantes a isso, para que o processo não seja prejudicado. Todos poderiam trocar as “fraldas de Carlos”, mais o auxiliar de enfermagem deve estar sempre atento quan- to à maneira como este cuidado vem sendo realizado. Não se trata apenas de trocar fraldas, mas de prevenir desconforto, transtornos e agravos ao paciente. 37 P EAROF 5 - PROCESSO SAÚDE - TRANSTORNO MENTAL 5.1 Fatores de influência Você já enfileirou peças de dominó uma após a outra? Ou quem sabe já tentou fazer um castelinho de blocos de madeira? O que acontece se derrubarmos a primeira peça da fila, ou se puxarmos uma das peças que formam a base do castelo? As outras caem em seguida, não é verdade? E, ao ver- mos todas as peças derrubadas, muitas ve- zes não somos capazes de identificar qual foi a causadora do desastre, até porque uma foi causando a queda da outra. Com os fatores geradores do trans- torno mental acontece algo muito pareci- do. Precisamos compreender que nós, se- res humanos, funcionamos como um todo, ou seja, vários fatores influenciam ao mesmo tempo os nossos compor- tamentos, as nossas escolhas. Por exemplo, se alguém desenvolve um medo excessivo da violência atual, a ponto de recusar-se a sair às ruas, ou até mesmo a atender o telefone, assistir televisão ou chegar ao portão de casa, podemos pensar de imediato que há várias causas colaborando para isso, como: a história de vida do indivíduo, se foi uma criança muito protegida ou excessivamente exposta; os mecanismos fisiológicos que atuam na resposta de medo; o próprio aumento da violência nos dias atuais e a exploração que a imprensa faz disso; alguma perda de pessoa querida em período recente. Tudo pode atuar ao mesmo tempo. Esse é um conceito do qual ouvimos muito falar atualmente: o de multicausalidade. Ou seja, várias são as causas que fazem com que o indivíduo venha a desenvolver, em determinado momento de sua história, um transtorno mental. No entanto, muitas vezes é difícil trabalharmos com esse concei- to em mente, pois não somos acostumados a avaliar situações como um todo, além de ficarmos achando que se encontrarmos uma única causa para o problema, o resolveremos mais depressa. Essa forma de raciocínio é tão tentadora que existem até muitos especialistas que fi- cam insistindo que a causa de tal transtorno mental é “apenas” física ou “apenas” emocional. O que acontece é que, com isso, acabamos vendo só um pedacinho do paciente e acabamos por não ajudá-lo a se ver por inteiro, dificultando o processo de melhora. Felizmente, profissionais com essa visão restrita estão ficando mais raros. 38 Saúde Mental Assim, precisamos tornar nossa visão mais ampla. Quando nos detemos a tentar conhecer mais as pessoas que estamos atendendo, saber do que gostam, de onde vêm, como vivem, torna-se mais fácil fazer uma idéia dos fatores que podem estar exercendo maior influên- cia no momento atual de seu transtorno. De forma simplificada, podemos dizer que três grupos de fatores influenciam o surgimento da doença mental: os físicos ou biológicos, os ambientais e os emocionais. 5.1.1. Fatores físicos ou biológicos O nosso corpo funciona de forma inte- grada, isto é, os aparelhos e sistemas se comu- nicam uns com os outros e o equilíbrio de um depende do bom funcionamento dos outros. Muitas vezes podemos achar difícil de entender como sintomas tão “emocionais” como sentir-se culpado ou ter pensamentos re- petidos de morte ou ouvir vozes possam ter também uma base orgânica, mas ela existe. O envelhecimento, o abuso de álcool ou outras substâncias são exemplos comuns. Em muitos casos essa base já pode ser identificada e descrita pelos especialistas, em outros casos ainda não. O que se sabe é que sempre que temos alguma emoção, seja ela agradável ou desagradável, ocorrem uma série de trocas elétricas e quí- micas em nosso cérebro, o que já constitui, por si só, um fator orgânico. Podemos definir os fatores físicos ou biológicos como sendo as alterações ocorridas no corpo como um todo, em determinado órgão ou no sistema nervosos central que possam levar a um transtorno mental. Dentre os fatores físicos ou biológicos que podem ser a base ou deflagrar um transtorno mental, existem alguns mais evidentes, que avaliaremos a seguir. a) Fatores genéticos ou hereditários Quantas vezes já ouvimos dizer que fulano “puxou” o gênio do pai? Ou que tem “problema de cabeça” que nem a tia? Ou que é nervo- so que nem a mãe? Quando usamos essas expressões, estamos nos referindo às pos- síveis heranças genéticas que possamos trazer em nosso comporta- mento e forma de ser. O nome “genético” vem da palavra genes, que são grandes mo- léculas que existem dentro de nossas células contendo informações Qualquer alteração no corpo como um todo é chamada de sistêmica. Herança genética é tudo aqui- lo que “passa” do pai e da mãe para os filhos através de códigos que vêm inscritos em nossas células. 41 P EAROF são os estímulos que sofremos que acabamos desenvolvendo maneiras características de reagir, muitas vezes supervalorizando as informações que nos chegam, outras vezes tornando-nos apáticos a elas. Que sensa- ção você experimenta quando entra em contato com as constantes (e massacrantes!) notícias de violência via rádio e televisão? As pessoas costumam ter diferentes reações: algumas tornam-se apáticas a elas, outras fazem uso do humor para digeri-las, outras tornam-se excessiva- mente medrosas, e assim por diante. Como exemplo, uma paciente pas- sou a pensar na possibilidade de fazer algum mal à sua pequena filha a partir de noticiários de rádio que relatavam maus tratos e até homicídi- os materno-infantis. Os fatores ambientais exercem forte e constante influência sobre nossas atitudes e nossas escolhas diárias, tanto externa quanto interna- mente, isto é, como nos sentimos e enxergamos a nós mesmos. As rea- ções a cada estímulo ambiental se darão de acordo com a estrutura psíquica de cada pessoa, e essa estrutura psíquica estará intimamente ligada às experiências que a pessoa teve durante a vida. Assim se esta- belece uma relação circular entre todos os fatores geradores de trans- torno mental onde um ocasiona o outro. Para melhor compreensão, podemos dizer que os fatores ambientais podem ser sociais, culturais e econômicos. Como sociais podemos compreender todas as interações que te- mos com o outro, nossas relações pessoais, profissionais e com outros grupos. Estudos falam da importância das pessoas significativas em nossa infância e de como ficam marcadas em nós as suas formas de pensar e agir, assim como as reações que passamos a ter influenciam o nosso comportamento diante de outras pessoas. Se, com as pessoas importantes de nossa infância, aprendemos que existem pessoas que não são confiáveis e que devemos estar sempre atentos para não ser- mos enganados, possivelmente teremos dificuldades em confiar em al- guém mesmo em nossa vida adulta. Entre os fatores ambientais culturais podemos lembrar de todo o sistema de regras no qual estamos envolvidos. Este sistema varia de país para país, de estado para estado, de grupo para grupo, e também de acordo com a época. Ou seja, noção de certo e errado, de bom e mau varia muito dependendo do local e época em que estamos. Os mitos, as crenças, os rituais que nos cercam, nos dão as noções de bem e mal que são aceitas pelos grupos aos quais pertencemos, seja ele o nosso país, o nosso grupo religioso, a nossa escola ou mesmo a nossa família. Outro grupo de fatores ambientais que podemos perceber como exercendo influência sobre nós são os econômicos. Nesse tópico tan- to podemos nos referir à nossa possibilidade mais direta de aquisição de bens, ou seja, “nosso bolso”, quanto às atuais condições sociais, onde a miséria, aliada à baixa escolaridade, pode levar ao aumento da criminalidade e esta ao aumento de tensão em nosso dia-a-dia. 42 Saúde Mental Vale observar que todos estes grupos de fatores ambientais es- tão presentes tanto em meios menos extensos, como a família, quanto em meios mais amplos, como a própria humanidade. 5.1.3. Fatores emocionais ou psicológicos Continuamos tentando compreender o que, afi- nal de contas, torna as pessoas diferentes umas das outras. O que faz com que se comportem de uma maneira e não de outra. Já abordamos os aspectos físicos e os ambientais e, não por acaso, deixamos para abordar os aspectos emocionais depois de bem compreendidos os anteriores. Isso porque, como já foi visto an- tes, os fatores influenciam-se entre si, mas no caso dos aspectos emocionais estamos falan- do de formação de identidade, que se inicia jus- tamente com a conjugação dos aspectos físicos e ambientais. Cada pessoa vem a este mundo como ser único, diferente de todos os outros. Cada um de nós apresenta, mesmo ao nascer, uma forma de interagir com o mundo que influencia o comportamento de quem está à nossa volta e é influ- enciado por ele. Não é incomum as mulheres que possuem mais de um filho afirmarem que foram bebês totalmente diferentes: um dormia mais, outro chorava o tempo todo, ou estava sempre doente. Também devemos lembrar que, quando nascemos, já trazemos conosco uma “história de vida”. Se fomos desejados ou não, se somos o primeiro filho ou o décimo, se nossa estadia na barriga foi tranqüila ou cheia de altos e baixos, se a mamãe fez uso de algum medicamento ou droga que tenha nos deixado mais agitados ou mais apagados, se tivemos ou não dificuldades maiores no parto, se fomos bem atendidos e fomos logo para perto da mamãe, ou se tivemos que ficar mais tempo longe (indo para uma UTI neonatal, por exemplo), se a mamãe ficou bem após nosso nascimento (disponível para gente) ou se teve, por exemplo, uma depressão puerperal. Bom, estes são só alguns exemplos que mostram que nós já “bota- mos o pé na vida” com algumas características que nos são indivi- duais e que as interações que vamos estabelecer com o mundo, a partir de nosso nascimento, serão formadoras de um modo de ser caracteristicamente nosso, mais ou menos ajustado, ao qual chama- mos personalidade. Pois bem, voltemos a pensar um pouco no “nosso bebê”... 43 P EAROF Ao nascer, o bebê não tem ainda consciência de si mesmo e do mundo à sua volta. Não consegue diferenciar suas sensações internas do mundo externo. Apenas consegue perceber sensações boas (prazerosas) e más (desprazerosas). A fralda molhada dá desprazer e ele chora. O colo da mamãe dá prazer (possivelmente lembra o conhecido aconchego do útero e dá segurança) e ele dorme. Nessa seqüência, entre chorar e ser confortado, se dá um dos alicerces fundamentais para o restante da vida do bebê (e dificilmente a mãe se dá conta do papel fundamental desses momentos), pois, aos poucos, a criança vai cons- truindo a noção de confiança, que é o ponto de partida para sentimentos como segurança, otimismo e fé na vida adulta. Além disso a formação do vínculo afetivo com a mãe ou pessoa substituta faz com que o bebê ganhe condições para amadurecer e voltar-se para conhecer e experimentar o mundo. Imagine-se chegando sozinho a um país estranho, onde você não conhece a língua, os costumes, nada (que sufoco, não?). Agora imagine que nesse lugar esteja te esperando alguém que fala a sua língua (que alívio!) e que pode te ensinar tudo quanto você precisa para se adaptar melhor. A mãe e o pai, ou pessoas substitutas, atuam mais ou menos como “guias turísticos” do mundo para o bebê que chega. A grande diferença é que o bebê é um “turista” até mesmo em seu próprio corpo, precisando de alguém para ajudá-lo a se conhecer. Acontece que quando o bebê não tem suas necessidades atendi- das, ele não tem ainda a capacidade de suportar a sensação ruim para aguardar a boa. O bebê não diz para si mesmo: “Ah! Agora estou com fome, mas mamãe não pode me dar de mamar porque está tomando banho. Tudo bem! Quando ela sair do banheiro, eu choro de novo.” Não! Para o bebê recém-nascido, a fome é um desprazer tão intenso que, se não atendida, adquire tons de ameaça de destruição (mais ou menos como nos sentiríamos diante do fim do mundo). Nesses mo- mentos o bebê experimenta profunda sensação de desamparo. A repetição constante de tais exposições à frustração, por perío- dos mais prolongados, pode levar o indivíduo, no futuro, a desenvolver uma série de transtornos mentais. Alguns autores identificam aí as raízes emocionais das psicoses e da famosa síndrome do pânico. À medida que vai estabelecendo trocas positivas com as pessoas que cuidam dele, o bebê vai criando uma diferenciação entre ele e o restante do mundo (que, nesse momento, ainda são as pessoas mais próximas) e vai adquirindo uma certa tolerância à frustração e maior capacidade de espera, pois já consegue “antecipar” (fazendo uso da memória) a satisfação de suas necessidades. Com a continuidade de seu crescimento e desenvolvimento, a criança vai adquirindo noções de julgamento de si e dos outros, isto é, vai internalizando as regras e proibições de seu ambiente e passando a captar a impressão que ela própria provoca no ambiente. As experiências posteriores da criança podem aumentar ou diminuir os efeitos das pri- meiras experiências do bebê. 46 Saúde Mental A ansiedade apresenta reações emocionais e fisiológicas. As re- ações emocionais são ligadas ao medo e se apresentam como descon- forto, intranqüilidade, apreensão. As reações fisiológicas são ligadas à tensão e aparecem como sudorese, taquicardia, opressão no tórax ou epigastro, dores musculares, cefaléia, boca seca, queimação no estô- mago, ou ainda diarréia, náuseas, vômito, tonturas, turvação na vista. Ansiedade está intimamente ligada às situações de mudança, uma vez que teremos de sair do ritmo com o qual estamos acostumados, o que mexe com nossa segurança. Por isso, todos nós experimentamos ansiedade em vários momentos de nossas vidas. Ansiedade é uma emoção normal, como a tristeza ou a alegria, e até um certo ponto desejável, visto que pode estimular a inteligência e a criatividade, além de nos impulsionar para mudanças necessárias. Podemos dizer que a ansiedade torna-se um transtorno quando mantém seu grau elevado por um período mais prolongado do que, por exemplo, alguma situação de crise que estejamos passando, e/ou quan- do se torna incapacitante, dificultando ou impossibilitando nossas ati- vidades cotidianas. 5.3.2 Por falar em crise... Crise é uma palavra das mais usadas atualmente. O país está em crise, a saúde está em crise, o local onde trabalhamos geralmente está pas- sando por uma crise, o paciente “teve uma crise”, nós estamos em crise. Mas o que quer dizer crise dentro da Saúde Mental? Existem coisas que acontecem uma vez ou outra em nossas vi- das, e que podem nos parecer agradáveis ou desagradáveis, tais como ter um filho, ficar doente, perder o emprego etc. Essas situações muitas vezes nos pegam de surpresa e exigem que a gente busque uma forma de se adaptar. Costumamos chamá-las de crise, um con- ceito muito importante para quem procura compreender a pessoa com transtorno mental. O termo crise foi inicialmente empregado em Psiquiatria em 1963, por Caplan e Lindemann, para descrever as reações de uma pessoa a situações traumáticas, tais como uma guerra, desemprego, morte de alguém querido. Eric Erikson usou o mesmo termo para descrever as diversas etapas normais do desenvolvimento de uma pessoa, momentos nos quais ela teria que passar por mudanças. Ele identificou essas crises que ocorrem na vida de todos nós desde o nascimento até a morte (passando pela infância, adolescência, idade adulta e velhice) como crises evolutivas. Ele também nomeou as crises imprevisíveis, anteri- ormente descritas, como crises acidentais. Em geral, na ansiedade tam- bém podem ser observadas reações comportamentais como irritabilidade, dificulda- des em conciliar o sono, difi- culdades em ficar parado, roer unhas, alterações de apetite, aumento no uso de álcool, cigarros e outras dro- gas ansiolíticas. 47 P EAROF E qual é a importância de saber esse conceitos para quem vai trabalhar com Saúde Mental? Acontece que verificou-se que muitos pacientes com transtornos mentais haviam tido seus sintomas intensificados após atravessarem um período de crise. Outros tiveram seu primeiro episódio relativo ao transtorno mental em questão durante ou após o período de crise. E outros ainda sofreram alterações importantes de personalidade ao en- trar em um período de crise, fosse ela evolutiva ou acidental. Isso quer dizer que devemos estar atentos não só ao que já acon- teceu ao paciente (história da doença atual), mas também ao que vem acontecendo, que possa estar gerando um nível maior de tensão. Muitas vezes o auxiliar de enfermagem é sentido como mais próximo pelo pa- ciente do que os “doutores”, e este sente-se mais à vontade em contar- lhe das dificuldades atuais que possam estar gerando alterações em seu quadro mental. Outro ponto importante é procurarmos não “minimizar” a crise alheia, com palavras como: “Ah! É só um período de crise, isso logo passa.” Crise é crise e, para cada pessoa, tem um peso diferente. Se ficarmos usando os nossos parâmetros para medir o sofrimento do ou- tro, perderemos o que há de mais importante no atendimento em Saúde Mental (e em geral): o contato com o paciente e a percepção real do transtorno em sua vida. Só para encerrar a crise, ou melhor, o assunto, é interessante sa- ber que, no vocabulário chinês, crise aparece como a fusão de duas palavras: perigo e oportunidade. Vale pensar sobre isto, pois se as crises nos trazem sofrimentos por vezes profundos, também nos trazem as melhores oportunidades de mudança e crescimento pessoal. 5.3.3 Ansiedade... crise... e estresse são a mesma coisa? Hoje em dia, todo mundo se diz estressado. Estresse virou sinô- nimo de irritação, cansaço, nervosismo, ansiedade, raiva e as mais di- versas sensações e emoções. Na verdade o estresse foi conceituado, em princípio, como um conjunto de reações fisiológicas, comandadas pelo sistema nervoso autônomo, possivelmente desenvolvidas em nossa longa história de adap- tação ao mundo. Tais reações têm o objetivo de preparar nosso organismo para lutar ou fugir diante de uma situação de perigo, que, na época das cavernas, poderia ser, por exemplo, o ataque de algum animal. Através dos tempos, o tipo de “perigos” aos quais podemos ser submetidos foram se modificando (e multiplicando), mas as reações 48 Saúde Mental fisiológicas permaneceram as mesmas. O estresse é uma resposta de adaptação do organismo ao meio. É normal, por exemplo, que ao passarmos à noite por um lugar escuro e deserto e vendo dois sujeitos estranhos vindo em nossa dire- ção, nosso coração dispare (para enviar mais sangue aos músculos), nossas mãos fiquem frias (pois maior aporte sangüíneo está nos gran- des músculos), nossa pele fique pálida (assim evitamos maior sangramento, caso soframos algum ferimento), enfim ..., que nosso or- ganismo, com sua “sabedoria” milenar, se prepare para uma emergên- cia, na qual ele vai precisar reunir energias para lutar ou fugir. No entanto, não é normal nem desejável que estejamos em cons- tante estado de alerta, sempre prontos para respostas de emergência, pois o nosso organismo tem gastos excessivos de energia nesses mo- mentos e precisa de um tempo para se recuperar. O problema é que, hoje em dia, multiplicaram-se em milhões as situações sentidas como perigosas, causadoras de ansiedade e deflagradoras da resposta de estresse. O que antes era o medo de um animal feroz, hoje é o trânsito, o chefe difícil, a ameaça de desemprego, o resultado de algum exame importante, enfim tudo pode concorrer para nos manter em estado quase constante de estresse. Tanto o estresse crônico quanto o agudo podem ser precipitadores de quadros de sofrimento mental, não só pelas inúmeras reações fisio- lógicas, como também pelas emocionais que provocam. A crise pode ser entendida como um agente estressor, ou seja, que leva a respostas de estresse. Como já dito antes, precisamos estar atentos para os fatores de estresse na vida atual das pessoas a quem atendemos e também estar atentos para que não imponhamos a eles mais situações estressantes desnecessárias. Um indivíduo chega a um centro de saúde ansioso por sua consulta com o psiquiatra, que havia sido marcada há algumas semanas. Após alguns minutos é informado pela auxiliar de en- fermagem que havia um engano na marcação, pois aquele não era mais o dia do médico na instituição. O paciente, apresentan- do evidentes sinais de estresse, reafirma em voz alta a sua neces- sidade de atendimento, ao que a auxiliar de enfermagem respon- de, com certa irritação, que nada tem a fazer (ignorando os sinais apresentados). O paciente então perde o controle, começando a atirar objetos e virar móveis. Enquanto é chamado o reforço da segurança, outro profissional de enfermagem consegue conver- sar com Seu João e este, sentindo-se ouvido, informa que possui epilepsia, faz uso de anticonvulsivantes, os quais acabaram há duas semanas, expondo sua necessidade urgente de nova receita, O estresse crônico pode agir em nossas defesas mais ou menos como “água mole em pedra dura...”, enquanto o estresse agudo às vezes é como uma grande quantida- de de explosivos – vai pedra para todo lado. 51 P EAROF Vamos descrever alguns sinais e sintomas das principais funções psíquicas. Em um transtorno mental podem estar presentes vários de- les ao mesmo tempo, assim como um mesmo sintoma pode pertencer a quadros psíquicos diversos. Nem sempre os nomes são muito fáceis de serem gravados, mas é importante para o auxiliar de enfermagem engajado na Saúde Mental ter melhor compreensão dos termos usados pelo restan- te da equipe a fim de estabelecer com ela uma troca adequada. 6.2.1 Alterações da sensopercepção Sensopercepção é a capacidade que desenvolvemos de formar uma síntese de todas as sensações e percepções que temos a cada mo- mento e com ela formarmos uma idéia do nosso próprio corpo e de tudo o que está à nossa volta. Para isso, fazemos uso de todos os nossos órgãos dos sentidos. As alucinações, típicas dos estados psicóticos, não costumam constituir um nome estranho, especialmente para quem trabalha em um setor de psiquiatria, mas, às vezes, são confundidas com outras altera- ções. As alucinações são sensações ou percepções em que o objeto não existe, mas que é extremamente real para o paciente, e ele não pode controlá-las pois independem de sua vontade. Assim, numa alucinação auditiva, o paciente não dirá “parece que ouço vozes”, e sim “as vozes voltaram e estão me dizendo para não escutar o que você diz”. As alu- cinações podem ser auditivas, visuais, gustativas, olfativas, táteis, cinestésicas e das relações e funções corporais. Nas ilusões, ao contrário das alucinações, o objeto percebido exis- te, mas sua percepção é falseada, deformada. O paciente pode, por exem- plo, estar convencido que o teto está baixando e que poderá esmagá-lo. 6.2.2 Alterações do pensamento Pensamento é o processo pelo qual associamos e combinamos os conhecimentos que já adquirimos no mundo e chegamos a uma con- clusão ou a uma nova idéia. Inicia-se com uma sensação (visão, olfato, paladar, audição e tato) e conclui-se com o raciocínio, que é caracteri- zado pela associação de idéias. Podem ser classificadas de acordo com a direção ou com o con- teúdo do pensamento. a) Alterações da direção do pensamento: Na inibição do pensamento, este se apresenta lentificado, pou- co produtivo, com pobreza de temas. O indivíduo costuma falar em 52 Saúde Mental voz baixa e fica “ruminando” sempre as mesmas idéias. É uma altera- ção típica dos quadros depressivos. Ao contrário da alteração anterior, na fuga de idéias o indiví- duo tem um aporte tão grande de idéias que não consegue concluí-las. Em geral possui boa fluência verbal e possui grande dificuldade de interromper o fluxo do seu pensamento, que é contínuo. O indivíduo “emenda” um assunto no outro de tal maneira que torna difícil sua compreensão. Bastante típico dos quadros maníacos. Quando o indivíduo constrói sentenças corretas, muitas vezes até rebuscadas, mas sem um sentido compreensível, fazendo associa- ções estranhas, tem-se a alteração de desagregação do pensamento, que é típica da esquizofrenia. Um bom exemplo é a seguinte frase “se você não gostava de jaca porque roubou minha bicicleta?” b) Alterações do conteúdo do pensamento As idéias sobrevalorizadas e obsessivas apresentam-se como idéias que assumem papel central no pensamento do indivíduo. Ele mantém um discurso circular, retornando a elas por mais que se tente diversificar o assunto. Já as idéias delirantes são idéias que não correspondem à rea- lidade, mas que para o indivíduo são a mais pura verdade. Tais idéias assumem a característica de serem indiscutíveis mesmo com a mais pro- funda lógica, pois o indivíduo fundamenta-as em uma lógica à parte. 6.2.3 Alterações da linguagem Podem se tratar de alterações na articulação da linguagem ou no uso da mesma. A logorréia é a fala acelerada e compulsiva; a gagueira é a repetição de sílabas, com dificuldade para dar início e prossegui- mento à fala. Na ecolalia há repetição, como em eco, das últimas palavras pro- feridas por alguém; na glossolalia, o paciente usa a linguagem de for- ma estranha e incorreta, muitas vezes com a criação de novos termos, incompreensíveis (neologismos). No mutismo, o indivíduo mantém-se mudo, sendo comum em estados depressivos e de esquizofrenia catatônica. 6.2.4 Alterações da consciência A consciência é que faz de nós mesmos seres psíquicos vincula- dos à realidade. É através dela que nos damos conta de nossas sensa- ções, percepções, de nosso ser. Sua alteração apresenta várias formas. 53 P EAROF O delírio é uma alteração transitória na qual o paciente não con- segue reter, fixar e evocar informações, a atividade mental organizada é reduzida. O ciclo sono-vigília geralmente é desorganizado, pois tende a oscilar durante o dia e ser mais marcante à noite, isto é dorme e logo após acorda em crise de delírio. A despersonalização e desrealização acontece quando o indi- víduo não reconhece a si e o que o rodeia, perdendo a sensação de familiaridade, deixando de reconhecer a própria identidade. Já quando apresenta estranhamento ou não reconhecimento de partes do próprio corpo denomina-se alterações da consciência corporal, como no caso de uma jovem que ao ser questionada quem era sua acompanhante, respondeu: “Ela diz que é minha mãe”. Nos estados crepusculares, o paciente pode aparentar estar em pleno domínio de sua consciência, mas há um estreitamento da mesma. É como se o paciente estivesse totalmente voltado “para dentro”. Mos- tra-se psiquicamente ausente, age “no automático” e sem objetivos cla- ramente definidos. Muito comum em pessoas com epilepsia, em mo- mentos que antecedem à crise. Quando o indivíduo não consegue ter uma percepção globalizada das situações, havendo geralmente considerável diminuição no padrão de sensopercepção, pouquíssimo entendimento das impressões senso- riais e lentidão da compreensão denominamos de obnubilação. Nor- malmente, a pessoa mostra-se confusa. No estado de confusão, o indivíduo não consegue falar nem pen- sar “coisa com coisa”, não consegue integrar coerentemente o que está vivendo, e a ligação que faz entre o que vê, ouve, fala sente e pensa, ocorre de forma muito estranha. Já no estupor o indivíduo entra em um estado de profunda alte- ração sensorial, onde praticamente não se consegue estimulá-lo, sendo somente possível mediante estímulos muito potentes. O coma é a falta total de consciência. A hipervigília caracteriza-se por um aumento do estado de vigí- lia, o que dá uma sensação de “estar ligado”, porém não quer dizer que haja aumento de atenção. Na maioria das vezes ocorre o oposto. 6.2.5 Alterações da atenção e da orientação Atenção é quando se focaliza seletivamente algumas partes da realidade. Para que aconteça, é necessário que o indivíduo esteja em estado de alerta (desperto). Como alterações mais comuns, podemos citar a dificuldade de concentração ou inatenção e a mudança cons- 56 Saúde Mental sificação Internacional de Doenças – décima revisão), realizado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e mais usado em nosso país. A CID 10, em seu capítulo V, que constitui um volume separado, especifica os transtornos mentais e de comportamento, usando como critérios de classificação os próprios sinais e sintomas de cada quadro mental, não procurando buscar explicações de suas causas. Isso é compreensível, uma vez que sua intenção é uniformizar a linguagem dos profissionais, não suas cabeças. Nessa revisão, foi usado o termo trans- torno ao invés de doença ou distúrbio, como antes aparecia, a fim de evitar os problemas inerentes a esses termos, tais como a discriminação. Transtorno é, assim, usado para definir um conjunto de sinto- mas que geralmente envolvem sofrimento pessoal e interferência nas funções que o indivíduo necessita exercer em sua vida. O transtorno mental precisa ser identificado para que possa re- ceber tratamento adequado. Embora não seja objetivo da equipe de enfermagem elaborar diagnósticos psiquiátricos, é muito importante que deles tome conhecimento a fim de que possa fazer a sua parte no tratamento do paciente. A seguir veremos um resumo das características presentes nos principais transtornos mentais. 6.3.1 Transtornos mentais orgânicos Podem aparecer com uma enorme gama de sintomas, inclusive idênticos a outros transtornos, mas sua causa é comprovadamente or- gânica, seja por doença degenerativa, lesão ou doença sistêmica que leve a uma disfunção do cérebro. Esse tipo de transtorno pode ocorrer em qualquer idade, podendo ser transitório ou não, dependendo da possibilidade de reversão de sua causa primária. Dentre os quadro mentais orgânicos, os demenciais merecem aten- ção especial devido à sua freqüência. Na verdade, dificilmente haverá algum de nós que não se recorde de algum conhecido, amigo ou famili- ar que apresente tais sintomas. De acordo com a CID-10, demência pode ser caracterizada como um conjunto de sinais e sintomas, isto é, uma síndrome causada por alguma doença cerebral, onde encontraremos perturbações de vários aspectos do funcionamento mental, tais como memória, pensamento, compreensão, cálculos, capacidade de aprendizagem, orientação, lin- guagem e julgamento, não havendo, no entanto, obnubilação da cons- ciência. Podem-se observar também diminuição progressiva de com- portamentos de adaptação, como o controle de esfíncteres, hábitos de higiene e alimentação, por exemplo, e do próprio controle emocional, o 57 P EAROF que leva a maioria das pessoas a dizerem que a pessoa está “voltando a ser criança”. Podemos citar a doença de Alzheimer e as demências vasculares, mas elas podem ocorrer em outros quadros. 6.3.2. Transtornos do humor Geralmente oscilamos entre um es- tado de ânimo mais elevado (elação) e um mais baixo. Quem nunca acordou indispos- to para uma atividade, ou nunca se sentiu “eufórico” com alguma boa notícia? No entanto, isso não costuma prejudicar nos- sas atividades diárias. Quando o indiví- duo fica fixado em uma destas polarida- des, ou varia entre elas de forma muito intensa, a ponto de começar a prejudicar sua vida habitual, podemos falar em transtornos do humor. Os transtornos do humor são tam- bém chamados transtornos afetivos, pois se caracterizam principalmente por dificul- dades na área do afeto, que é nossa capaci- dade de vivenciarmos internamente nos- sos sentimentos. A depressão não é o mesmo que “baixo astral”, por mais que esteja incluída na gíria como “fulano está na maior ‘deprê’ ”. Ao contrário da tristeza comum, a depressão caracteriza-se por um estágio mais pro- longado e grave de abatimento do humor. A pessoa com depressão apre- senta tristeza patológica com perda da auto-estima, normalmente recla- ma de falta de ânimo, cansaço fácil e de não sentir interesse por nada. Outros sintomas identificados na CID-10 são: concentração e atenção reduzidas, autoconfiança reduzida, idéias de culpa e inutilida- de, visões desoladas e pessimistas do futuro, idéias ou atos auto- destrutivos ou lesivos ou suicídio (dependendo da gravidade do episó- dio) e dificuldades em relação ao sono e apetite. Este é um transtorno muito freqüente (em torno de 20% dos pa- cientes em geral). Pode apresentar-se em diferentes graus, podendo ser leve, moderada ou grave, mais incapacitante em alguns casos, menos incapacitante em outros. Algumas pessoas, embora sentindo-se todo o tempo mal e deprimidas, continuam desempenhando suas atividades cotidianas. Quando este humor permanece um tempo igual ou superior a dois anos, denominamos distimia. Como a pessoa não tem inte- resse por si mesma, dificil- mente se interessará em bus- car e manter um tratamento. 58 Saúde Mental Quanto à causa, a depressão pode ser dividida em endógena, psicogênica ou somatogênica. A depressão endógena é vista como de origem interna, indefi- nida. Embora o primeiro episódio possa se dar após alguma perda ou crise, os outros geralmente não apresentam causas observáveis. Geral- mente é uma forma grave de depressão, apresentando grande risco de suicídio (10 a 15% dos casos). Antigamente era chamada de depressão psicótica. Responde melhor a tratamento medicamentoso. A depressão psicogênica tem suas causas mais facilmente lo- calizadas na história de vida do indivíduo, que apresenta fatos que o levaram aos sintomas. Tanto que já foi chamada de depressão reativa ou situacional. Os sintomas são menos graves que na depressão endógena, e o risco de suicídio, embora existente, é menor. Responde melhor à psicoterapia do que ao tratamento medicamentoso. A depressão somatogênica é aquela causada por algum fator de alteração principalmente orgânico, como o uso de algumas medica- ções (por exemplo, alguns tipos de anti-hipertensivos, anti-inflamatóri- os e contraceptivos orais) ou ainda a interrupção do uso de psicoestimulantes. Os episódios de mania caracterizam-se como o oposto da de- pressão. O indivíduo apresenta um ritmo acelerado, fala muito (e geral- mente alto), trocando constantemente de assunto (fuga de idéias), movimenta-se amplamente, tem energia de sobra, tanto que, muitas vezes não consegue dormir (hiperatividade). Mostra-se eufórico, com auto-estima exagerada (achando que pode tudo), a sexualidade também pode estar exacerbada, gosta de atrair atenções. Não acha que tenha pro- blema algum, o que muitas vezes prejudica a aceitação do tratamento. Às vezes, evolui para um episódio claramente psicótico e a pessoa pas- sa a apresentar delírios, alucinações e comportamento estranho. Como na depressão, também há uma variedade de graus de gra- vidade, sendo o mais leve a chamada hipomania, caracterizada por euforia, hiperatividade e desinibição mais leves. A pessoa com transtorno bipolar geralmente apresenta uma variação de estados de humor, ora apresentando mania, ora apresen- tando depressão. Essas variações podem se dar em intervalos de dias, semanas ou meses, e é comum falarmos em “fase de mania” e “fase depressiva”. Na verdade, uma pessoa muito raramente apresenta ape- nas mania, como descrito no item anterior, o mais comum é que ela intercale episódios maníacos com episódios depressivos. O transtorno bipolar também pode se apresentar de forma mais grave ou mais leve, quando é chamado de ciclotimia. Um indivíduo portador de transtorno psicótico é o que mais se aproxima da idéia popular de “louco”. Uma pes- soa com psicose está com pouco contato com a realida- de, já que apresenta distúrbi- os do pensamento, do senti- mento e da ação. Com trans- tornos desse tipo, ela pode “ouvir vozes” ou “ver coisas” que objetivamente não exis- tem ou ter idéias estranhas e irreais. Euforia – É uma alegria exa- cerbada. 61 P EAROF seqüestros), muito gerador de estresse e a partir do qual passou a de- senvolver repetidos episódios nos quais, mediante a lembrança do even- to, desenvolve toda uma série de reações como entorpecimento, ausên- cia de respostas aos estímulos do ambiente, sonolência excessiva, redu- ção da memória ou concentração. 6.3.4 Transtornos dissociativos Antigamente chamados de histeria de conversão, os transtornos dissociativos são aqueles em que o paciente parece perder, parcial ou totalmente, o controle entre suas funções de memória, sensopercepção, idéia de si mesmo e movimentos corporais. Dentre os tipos de dissociação que o paciente pode apresentar observa-se: a amnésia dissociativa (esquecimento de situações traumáticas ou estressantes), o estupor dissociativo (a pessoa mantém-se imóvel, sem responder ao ambiente), transtorno de transe ou possessão (a pessoa age como que possuída por outra personalidade, espírito ou força), dissociação de movimento e sensação (o indivíduo deixa de sentir ou de conseguir movimentar alguma parte do corpo) e convulsões dissociativas (são convulsões incompletas, onde não ocorre perda total da consciência). Para que um transtorno seja considerado dissociativo, é necessá- rio que se comprove a ausência de uma causa física para o problema, além de geralmente se perceber alguma relação com evento traumático. Este é comumente um paciente que pode gerar reações negativas na equipe que o atende, pois é muitas vezes considerado “pitiático” ou “fricoteiro”. 6.3.5 Transtornos somatoformes Os pacientes com esse tipo de transtorno são aqueles que vão repetidamente à clínica geral, com queixas de problemas físicos que não são identificados como de causa orgânica, o que não lhes satisfaz, fazendo com que solicitem continuamente novas investigações (às ve- zes mudando de um médico para outro). Só conseguem identificar seu “mal estar” como tendo origem no corpo, o que faz com que geralmen- te resistam a um encaminhamento para o setor de Saúde Mental, ou se sintam, até mesmo, ofendidos. O paciente pode apresentar queixas de dores que não passam, ou problemas gastrintestinais, cardiovasculares, respiratórios, ou ainda queixas sexuais ou menstruais. Em muitos casos, podem aparecer pro- blemas na pele ou outros. Dentro desse grupo de transtornos, um dos mais graves é o transtorno hipocondríaco, de difícil tratamento, no qual 62 Saúde Mental a pessoa se encontra “convencida” de estar portando grave doença (cân- cer, AIDS), buscando todos os recursos para confirmá-la. Em muitos casos, estes pacientes chegam ao cúmulo de serem submetidos à cirur- gias, sem a menor necessidade. 6.3.6 Transtorno esquizofrênico Normalmente chamado esquizofrenia, esse é um dos mais gra- ves transtornos mentais. É também o que mais freqüentemente as pes- soas identificam como loucura, pois escapa mais claramente a nossa idéia de normalidade. O indivíduo com transtorno esquizofrênico está com suas fun- ções perceptivas alteradas, vê, ouve e sente coisas que não são reais (as chamadas alucinações); seleciona estímulos do ambiente que normal- mente passam despercebidos, com freqüência estando alheio ao que se passa à sua frente. Seu pensamento encontra-se invariavelmente esva- ziado, sem sentido. Ás vezes, sente que alguém lhe “rouba os pensa- mentos da cabeça”. Seu comportamento é geralmente identificado como estranho e sua aparência também pode causar estranheza, pois, estando imerso em percepções distorcidas do mundo e de si mesmo, acaba dei- xando de cuidar de si (inclusive hábitos de higiene) ou pode vestir-se de acordo com os pensamentos delirantes, que comumente apresenta. O indivíduo apresenta também atividade psicomotora anormal, como ficar se balançando, fazendo movimentos estranhos ou perma- necer totalmente imóvel. A comunicação fica bastante prejudicada, seja pelo mutismo, por expressão incoerente de idéias ou por uso inadequa- do da linguagem como frases incoerentes e neologismos. Tal como outros transtornos, a esquizofrenia pode apresentar-se em diferentes graus, podendo até mesmo ser confundida com outros quadros. 6.3.7 Transtornos alimentares Dos transtornos mentais que levam a dificuldades na alimenta- ção talvez o mais freqüente e grave seja a anorexia nervosa. Nesse transtorno, a pessoa não consegue comer, emagrecendo exageradamente, entrando muitas vezes em estado de desnutrição grave. Muitos casos necessitam de internação para um tratamento adequado. Outro trans- torno bastante falado é a bulimia que se caracteriza pela pessoa pro- vocar vômitos após a ingestão de comida pelo medo de ganhar peso, sendo comum entre as modelos e as atletas. Já a hiperfagia é a fome insaciável, fazendo com que a pessoa coma compulsivamente. Se acredita ser um profeta, por exemplo, pode querer deixar longas barbas crescerem e querer usar roupas em forma de mantos. 63 P EAROF 6.3.8 Transtornos mentais e de comportamento decorrentes do uso de substâncias psicoativas Consideram-se como psicoativas as substâncias que provocam um estado de alteração em nosso funcionamento mental, aumentando, diminuindo ou distorcendo sua atividade, e que causam dependência. Podemos citar vários exemplos de substância psicoativa, desde o álco- ol, o cigarro e as substâncias ilegais (cocaína, maconha, LSD), até aquelas prescritas pelo médico tais como os ansiolíticos e hipnóticos. O uso abusivo de substâncias psicoativas envolve complicadas causas e conseqüências em nível físico, social e emocional e uma pes- soa pode desenvolver um transtorno mental a partir deste uso. O auxi- liar de enfermagem muitas vezes terá informação de que o transtorno mental de algum paciente é conseqüência do uso de alguma droga ou presenciará reações mais agudas; por isso, é importante que conheça as mais comuns. A intoxicação aguda é a alteração do estado mental pelo au- mento dos níveis da substância no organismo, como por exemplo a embriaguez, o coma alcóolico, as convulsões pelo uso de substâncias. Quando o uso contínuo de alguma substância está causando algum dano à saúde física ou mental do paciente diz-se que a mesma é de uso noci- vo como exemplo, o Delliriuns tremens. O estado de abstinência é o conjunto de sintomas que podem ser muito graves, em reação à ausência da substância da qual o indiví- duo tornou-se dependente, como convulsões, alucinações, contrações musculares involuntárias e dolorosas, entre outros. O indivíduo pode também apresentar um quadro com alterações de comportamento semelhante a outros transtornos psicóticos, indu- zido pelo uso de substâncias psicoativas. 7 - FORMAS DE TRATAMENTO DE TRANSTORNOS MENTAIS É preciso saber também que existem tratamentos adequados para cada tipo de transtorno, o que não é só feito através de medica- mentos. Na verdade, o tratamento medicamentoso é um valioso instru- mento da psiquiatria para o controle dos sintomas e, com o avanço das pesquisas nesse campo, muito se tem conseguido em melhora da quali- dade de vida da pessoa com transtorno mental. Agora você já sabe que ter um transtorno mental não é ser “louco de pedra”. Qual- quer pessoa pode vir a apre- sentar um transtorno mental, e você provavelmente conhe- ce alguém que já apresentou ou apresenta esse tipo de problema. 66 Saúde Mental mantes, chegando a ser comparada com o tabaco e o álcool, as drogas mais utilizadas para produzir alterações no psiquismo. Basta que você enumere quantas pessoas conhece que fazem ou fizeram uso de um benzodiazepínico como o DiazepanR, por exemplo, para que tenha uma idéia dessa estatística. Até agora você pode observar de que forma surgiram os psicofármacos e a importância que possuem no tratamento de trans- tornos mentais. No entanto ... 7.1.1 O que é um psicofármaco? Quando você está com dor de cabeça, toma um analgésico, não é? Mesmo que a dor passe, você sabe que a medicação apenas atuou na redução de um sintoma, e não na sua causa. Os psicofármacos são drogas cujo principal uso é modificar as funções psíquicas, normais ou alteradas. Portanto, não curam o doente mental, apenas diminuem seu sofrimento. O tipo de psicofármaco, assim como o tempo de utilização e as dosagens, vão depender do tipo de sintoma que se deseja combater e da maneira como reage o organismo do usuário. Algumas pessoas ne- cessitam de doses mais altas ou de utilizá-los por um tempo mais lon- go. Em outras, se consegue o mesmo efeito com doses menores e em prazos menores. Os efeitos colaterais também são variáveis de pessoa para pessoa. É muito importante que um profissional de Saúde Mental conhe- ça os efeitos das drogas utilizadas neste setor, pois é comum ouvir-se entre os usuários colocações do tipo: “O remédio dele acabou, eu pos- so dar o meu?” ou “Minha vizinha estava como eu fiquei e eu dei meu remédio para ela”. Este tipo de dúvida ou afirmação chega com maior freqüência para o auxiliar de enfermagem que para outros profissionais do setor, e ele precisa ter segurança ao afirmar que esta prescrição só pode ser feita pelo médico e que o uso indevido destas medicações pode ser perigoso. Mais importante que você conhecer cada droga em particular, é entender os princípios gerais do grupo, pois a ação e efeitos colaterais são semelhantes dentro de cada um deles. Os psicolépticos são drogas que atuam diminuindo a atividade psíquica normal ou alterada. Produzem estes efeitos de formas varia- das conforme a indicação. Induzem o sono como os hipnóticos (PentobarbitalR, FlurazepanR, NitrazepanR, MetaqualonaR, TrazolanR), aliviam ansiedade e tensão como os ansiolíticos (DiazepanR, LorazepanR, MeprobamatoR) e reduzem sintomas psicóticos como alu- Muitos médicos prescrevem psicofármacos diante de pro- blemas psicológicos. No en- tanto, o psicofármaco não é um substituto para a psicoterapia. Os medica- mentos controlam, mas não curam. A idade, o sexo, o peso, o me- tabolismo individual, os hábi- tos e a dieta são fatores que devem se levar em conta quando se pensa em ação medicamentosa, e a coleta destes dados pelo auxiliar de enfermagem é indispensável para que o psiquiatra possa fazer a prescrição adequada. Os psicofármacos podem interagir com outras drogas, causando efeitos catastróficos. Por isso, ao entrevistar o paci- ente, não esqueça de infor- mar-se se faz uso de alguma medicação, ou se tem o hábi- to de ingerir alguma droga. 67 P EAROF cinações e idéias delirantes como os antipsicóticos ou neurolépticos (ClorpromazinaR, HaloperidolR, ReserpinaR, TioridazinaR, FlufenazinaR, PipotiazinaR, TiotixeneR). Os psicanalépticos são drogas que atuam aumentando a ativi- dade psíquica normal ou diminuída. Podem atuar de duas diferentes formas: estimulando a vigília, combatendo a fadiga ou aumentando o desempenho, como os psicoestimulantes (AnfetaminaR, CafeínaR, MetanfetaminaR) e combatendo formas patológicas de depressão men- tal como os antidepressivos (ImipraminaR, AmitriptilinaR, FenelzinaR). Os psicodislépticos são drogas que promovem o aparecimento de estados psíquicos anormais, como alucinações, idéias delirantes ou euforia. Seu uso se dá habitualmente de forma ilegal. Atuam de duas formas, seja produzindo desinibição e euforia, como é o caso dos euforizantes (álcool, cocaína, heroína), seja alterando a percepção, fa- zendo com que o indivíduo perca muitas vezes o contato com a realida- de, como acontece com os psicotogênicos ou psicodélicos (canabinóis, LSD, mescalina, psilocibina). Já os normalizadores psíquicos não atuam sobre estados psí- quicos normais, mas podem ser utilizados para corrigir os estados psí- quicos alterados. Também atuam de duas formas diferentes: normali- zando o humor ou prevenindo distúrbios afetivos como é o caso dos eutímicos ou normalizadores do humor (sais de lítio) ou como energizantes ou estimulantes da memória. Esta atuação, ainda em estudo, vem aos poucos comprovando sua eficácia, tendo como princi- pal meta diminuir os distúrbios psíquicos decorrentes do envelhecimento. 7.1.2 Atuação e efeitos adversos dos psicofármacos Para atuar no psiquismo, os psicofármacos precisam vencer uma série de barreiras até atingir o SNC. A área onde irão atuar está intima- mente ligada aos efeitos que produzem, sejam eles desejáveis ou não. Assim, vejamos: Os hipnóticos são utilizados em todos os transtornos que envol- vam distúrbios no sono. Uma queixa bastante comum na Saúde Mental é a insônia ou a dificuldade de conciliar o sono. Ao ouvir e relatar esta queixa, é muito importante detalhá-la, pois muitas vezes o distúrbio se dá mais pela ansiedade que pela falta de sono. Além disso, pode haver pessoas que sofrem de apnéia do sono e, por não o saberem, queixam- se apenas de acordar freqüentemente à noite. Nesse caso, o uso de hip- nóticos pode agravar o quadro. Vale ressaltar que o sono induzido não é igual ao sono fisiológico e que, com o tempo de uso de hipnóticos, estes tendem a diminuir seu Estas são drogas que nem sempre são usadas com prescrição médica ou para tratamento de transtornos, sendo comum o seu uso indevido. 68 Saúde Mental efeito devido a tolerância. Ao tentar se suspender a medicação, a insô- nia pode surgir mais acentuada que antes do uso da droga. A esse efeito chamamos “rebote”. Freqüentemente há queixas de acordar na manhã seguinte com uma sensação de torpor e sonolência (ressaca). Isso pode resultar da falta do sono fisiológico ou dos resíduos da droga, ainda não elimina- dos do organismo. Por isso são contra-indicadas, para quem faz uso de hipnóticos, atividades que exigem maior concentração, como dirigir um automóvel por exemplo. Drogas ansiolíticas são capazes de aliviar os sintomas de ansie- dade sem interferir excessivamente em outras funções cerebrais. O tra- tamento medicamentoso de ataques de pânico e das fobias é diferente dos demais tipos de ansiedade. Embora já existam uma diversidade de ansiolíticos disponíveis, o termo “ansiolítico”, ainda é utilizado mais especificamente para benzodiazepínicos, como DiazepanR, LorazepanR, BromazepanR, CloxazolanR e outros, por serem os preferidos para distúrbios da maior parte das ansiedades. Nos casos em que a depressão acompanha a ansi- edade e em muitos ataques de pânico, também se utilizam antidepressivos associados. Existem outras importantes indicações dos benzodiazepínicos que são como medicação pré anestésica, antiepiléticos nas crises convulsivas e no combate a crise de abstinência alcóolica. A administração oral dos benzodiazepínicos é bastante eficaz e seu efeito atinge o auge de 1 a 4 horas de sua administração. Ao ser administrado por via endovenosa, exige uma infusão lenta e monitorizada devido ao risco de parada respiratória. Não se recomenda a sua utilização por via intramuscular, principalmente em casos de emer- gência, pois há relatos que por esta via acontece uma má absorção. Os benzodiazepínicos são metabolizados no fígado (com exce- ção do OxazepanR e LorazepanR), por isso são contra-indicados para pacientes com disfunção hepática ou idosos. Os efeitos colaterais dos benzodiazepínicos não são numerosos e traduzem-se em sonolência e perda de coordenação, podendo surgir também fadiga, lentidão ou confusão mental. O que contra-indica seu usuário para atividades que exigem concentração. É importante que as mulheres usuárias sejam orientadas ao planejamento familiar, pois há relatos de mal formações fetais quando utilizados durante a gravidez, assim como de sua passagem no leite materno. Os benzodiazepínicos podem causar tolerância e dependência, podendo induzir a vícios e produzir reação de abstinência. Esta é a razão porque não se recomenda mais normalmente tratamentos pro- longados com essas drogas. Após um longo período de tratamento, as Quando uma criança está utilizando um medicamento, é essencial o controle por parte de todos os responsáveis. O profissional de saúde deve orientar quanto aos sinais de efeitos colaterais que nem sempre a criança informa espontaneamente. 71 P EAROF - Priapismo – É a disfunção vascular que causa a ereção do pê- nis por período prolongado, podendo levar a isquemia e necrose tecidual. Quando ocorre, deve ser tratado imediatamente com cirurgia, para evi- tar impotência. ! Efeitos dermatológicos: Incluem reações de hipersensibilidade, que ocorrem desde o primeiro ao oitavo dia de tratamento. Podem ser urticária, manchas avermelhadas que se transformam em bolhas (maculopapulares) e edema. A forma injetável dá reação intensa no local da aplicação. O profissional de saúde que manipula a clorpromazina deve ficar atento ao fato de que esta pode causar dermatite de contato. ! Efeitos no sistemas termo-regulador: - Síndrome neuroléptica maligna - Caracteriza-se por hipertermia. O nível de consciência se altera, variando de agitação e mutismo alerta para estupor e até coma. Ocorre hipertensão, taquicardia, taquipnéia, leucocitose (leucócitos acima de 15.000/mm3) e aumentos dos níveis de creatinina no sangue. A taquicardia e as arritimias podem levar ao colapso cardía- co. É responsável por uma taxa de 21% de mortalidade quando não tratada. É mais freqüente ocorrer duas semanas após o início do trata- mento ou do aumento da dose, podendo ocorrer em qualquer período. Sua evolução é rápida e seu tratamento exige suporte em UTI, e imediata suspensão dos neurolépticos. - Hipertermia - No início do uso da ClosapinaR, pode ocorrer uma elevação da temperatura corporal ( de 0,5º a 1ºC acima). Geral- mente é benigna e transitória. ! Efeitos cardiovasculares: - Hipotensão ortostática – Ocorre pelo bloqueio no SNA, que tem como conseqüência o bloqueio da vasoconstricção. Acontece ge- ralmente com a primeira dose e piora no segundo ou terceiro dia, vindo então a melhorar. Caracteriza-se por taquicardia, tontura e escurecimento da visão quando o indivíduo se levanta, devido a queda da pressão arterial (PA), sendo detectada perante a aferição de PA e pulso do paciente sentado e depois em pé. Sua maior complicação, prin- cipalmente em idosos, são as quedas e o risco de lesões. - Distúrbios de ritmo cardíaco - Geralmente aparecem no ECG, sem implicações clínicas. Devem-se a ação direta das drogas no múscu- lo cardíaco. ! Efeitos endócrinos: - Galactorréia - Embora ocorra num grande número de pacien- tes, só é percebido em cerca de 5%, quando se faz a expressão do ma- milo É decorrente do bloqueio da glândula pituitária, que provoca o Mutismo alerta – O indivíduo não fala, mas se encontra consciente. 72 Saúde Mental aumento da secreção de prolactina (hormônio do leite) aumentando o volume das mamas e estimulando a produção de leite. Apesar de ser um efeito incômodo, não apresenta maior gravidade. - Amenorréia - Ocorre pelo aumento de prolactina, que altera hormônios sexuais (estrógeno e progesterona ). Se acontece junto com a galactorréia e ginecomastia, pode levar a um diagnostico errôneo de gravidez. - Secreção inapropriada de hormônio anti-diurético - É um efeito colateral raro, porém apresenta riscos de complicações como convulsões. Causa a poliúria (secreção excessiva de urina) e hiponatremia (diminuição de ions de sódio no sangue). ! Efeitos no Sistema Nervoso Central (SNC): - Sedação, tontura e hipotensão ortostática - Caracteriza-se por tontura e escurecimento da visão quando a pessoa levanta, além de efeitos idiossincráticos ligados especificamente a esse grupo de subs- tância, como: ! Síndrome parksoniana - Aparece rigidez facial e de postura, lentificação motora (movimentos lentos) e tremores. Pode surgir em qualquer época do tratamento, a partir de poucos dias ou semanas do início. Geralmente melhora dentro de três meses, mas pode persistir ao longo do uso. ! Acatisia - Neste caso o paciente não consegue ficar parado e mantém-se em contínua movimentação, principalmente dos membros inferiores. Quando estão de pé dão sempre a im- pressão de estar “marchando”. Surgem nos primeiros dias de uso da droga. ! Distonia aguda - Pouco freqüente, é caracterizada por espas- mos involuntários de músculos que produzem posturas anormais, brevemente sustentadas ou fixas. Inclui posições bizarras do tron- co e membros, língua projetada para fora da boca (protusão da língua), torcicolo e contração da laringe e faringe. São dolorosas e aterrorizantes, podendo causar deslocamento de mandíbula e até morte súbita por espasmo da laringe. Os sintomas ocorrem dentro dos primeiros cinco dias do trata- mento ou do aumento da dose. É mais freqüente em crianças e em adultos jovens. ! Discinesia tardia - É a mais grave complicação do uso de neurolépticos. Caracteriza-se por movimentos involuntários de face, como mascar, movimento de protusão e verniculares da língua (movimentos semelhantes aos de um verme), movimento de beijos, piscar repetido e rapidamente e movimentos de abrir e fechar os lábios. Podem ocorrer também alterações dos movi- mentos dos membros e do tórax. Pioram com a retirada do Ginecomastia – Aumento do tecido mamário no homem. Efeitos idiossincráticos - Efeito anormal individual de uma pessoa a uma droga. 73 P EAROF antipsicótico e melhoram com o aumento da dose deste. Agra- vam-se quando o paciente está nervoso. Ocorre após vários anos do uso contínuo de neurolépticos. Como você pode observar, o tratamento de portadores de esquizofrenia é longo. O cuidado e atenção que você, como profissio- nal de saúde, precisa dispensar, resulta não só na redução do sofrimen- to do paciente como na manutenção de sua vida. Seus registros são imprescindíveis para este tipo de assistência. Os psicoestimulantes são drogas utilizadas para aumentar o estado de alerta e atenção e suprimir o sono e a fadiga. Embora atuem sobre o humor, seus efeitos são agudos e de curta duração, geralmente associados a um aumento de ansiedade, sendo por isso inúteis no trata- mento da depressão. Como efeito colateral suprimem a fome, por isso são usados, indevidamente, em muitas dietas de emagrecimento. Exis- te um alto índice de incidência de dependência psíquica e por isso seu uso deve ser restrito em Medicina. As anfetaminas são as drogas-padrão de grupo. São capazes de produzir um quadro psicótico com predomínio de idéias persecutórias (idéias de perseguição), comportamento compulsivo estereotipado (mo- vimentos repetidos, como um sorriso, repetição de uma frase ou ges- tos), alucinações visuais, auditivas, táteis e olfativas, aumento do ape- tite sexual com preservação da consciência e orientação. A esse quadro denominamos psicose anfetamínica, que geral- mente ocorre perante o uso contínuo de altas doses. É semelhante a um transtorno esquizofrênico, e geralmente responde bem a neurolépticos. Com o uso contínuo das anfetaminas, desenvolve-se a tolerância. Seu uso abusivo consiste em passagem de ingestão oral (as chamadas “bo- linhas”) para intravenoso (metanfetaminas), chegando a ser administrada em doses crescentes, várias vezes ao dia, por quatro ou cinco dias. Após esse período, quando o indivíduo experimenta uma sensa- ção de bem estar (semelhante ao orgasmo sexual), seguida de depres- são, alimenta-se minimamente e não dorme. Segue-se dois a três dias de sono quase contínuo, sem uso da droga. Ao despertar, o usuário volta a experimentar esses ciclos, poden- do desenvolver psicose e desnutrição, pois embora não desenvolva síndrome de dependência física, e portanto síndrome de abstinência, suas reservas encontram-se esgotadas. Os antidepressivos parecem ter uma ação específica sobre os mecanismos fisiopatológicos da depressão. São, portanto, eficazes em muitas formas deste transtorno, melhorando notavelmente o humor depressivo sem produzir euforia. Existem dois grupos principais de antidepressivos, que se distinguem por inibirem ou não a enzima mitrocôndrica monoaminoxidase (MAO): os inibidores da MAO e os tricíclicos. O fato do quadro de psicose anfetamínica responder bem ao grupo medicamentoso, poderia justificar a continuida- de de seu uso, se não tives- sem os neurolépticos os gra- ves efeitos colaterais anterior- mente descritos. O profissional de saúde deve orientar a população quanto ao uso de “energizantes”, que podem conter psicoestimu lantes, causando os desagra- dáveis efeitos descritos. Enzima mitrocôndrica - É uma enzima produzida pela estru- tura celular responsável pela produção de energia da célu- la (mitocôndria). 76 Saúde Mental Esses efeitos geralmente desaparecem ou diminuem rapidamen- te, podendo permanecer o tremor das mãos. O aumento de peso tam- bém pode acontecer, e uma dieta adequada pode ajudar, devendo esta ser bem orientada para não afetar o nível sangüíneo de lítio. Devido à polidpsia e poliúria durante o tratamento, podem surgir alterações renais que podem ser atenuadas com a redução da dose. Durante o tratamento, também se faz necessário o controle das funções da tireóide, pois pode aparecer o hipotireoidismo, sendo ne- cessária, muitas vezes, a administração de hormônios da tireóide jun- tamente com o lítio. Os Euforizantes e Psicotogênicos ou Psicodélicos possuem seu uso terapêutico limitado, porém este não se dá pelas ações que produzem no psiquismo. Desta forma você pode encontrar opiáceos que são utiliza- dos como hipnoanalgésicos; a cocaína, utilizada como analgésico local; e o álcool, no tratamento local de algumas dores de origem neurológica. As drogas deste grupo não são utilizadas no tratamento de trans- tornos mentais e sua atuação no psiquismo é muitas vezes a causa de seus usuários necessitarem de ajuda. Dentre os Euforizantes, têm-se o álcool etílico, a cocaína e os opiácios. O álcool etílico é um depressor do Sistema Nervoso Central (SNC). Em baixas doses, promove a euforia e desinibição comportamental, o que leva as pessoas a o acharem quase indispensá- vel em festas e comemorações. Doses mais altas produzem um efeito hipnótico e incoordenação motora, também conhecido como “pileque”. Poucas pessoas sabem que doses elevadas de álcool podem levar a morte. É que normalmente o efeito hipnótico faz com que o usuário fique inconsciente antes de atingir a dose letal. O álcool absorvido ao longo do tubo digestório atravessa com rapidez a barreira hematoencefálica, produzindo efeitos imediatos. A quantidade da substância contida no sangue do usuário determinará as reações comportamentais que este irá apresentar. Você já deve ter observado, e talvez até experimentado algumas dessas reações. Em doses mais baixas surge a sensação de bem-estar, euforia e desinibição. Com o aumento da dose, podem surgir altera- ções fisiológicas como taquicardia, comprometimento da memória e dificuldade em tomar decisões. Quando se aumenta mais ainda a dose, há redução da coordenação motora e tempo de reação, sonolência, li- beração da agressividade, náuseas e vômitos. Nesta fase, é comum sur- girem ocorrências policiais e acidentes. Por último, quando a concen- tração da droga na corrente plasmática ultrapassa 400 mg %, ocorre sedação profunda, que pode chegar a coma e morte. O tratamento do alcoolismo crônico é multidisciplinar e necessi- ta da disposição do usuário. Os grupos de apoio, como os alcóolicos O uso de café e chá pode re- duzir o nível de lítio no sangue, causando intoxicações. Como estas são bebidas normal- mente utilizadas pela maioria das pessoas, o profissional de saúde precisa reconhecer os sinais de intoxicação por lítio. Para metabolizar o álcool, o organismo sintetiza colesterol, que acaba por se infiltrar no fígado. É por isso que freqüentemente o abuso de álcool resulta em cirrose he- pática. 77 P EAROF anônimos, têm obtido excelentes resultados, embora muitas vezes o indivíduo necessite da ajuda psiquiátrica e psicoterápica para lidar com as seqüelas do uso. Já a cocaína é extraída das folhas da “coca” e normalmente uti- lizada pelos nativos com o objetivo de reduzir a fadiga, sendo identificada e isolada em 1858. Seus efeitos anestésicos locais fizeram com que rapidamente entrasse na “medicina doméstica”, chegando a ser vendi- da em farmácias e quitandas da Europa, que mais tarde passou a utilizá- la também como revitalizante. Até 1906 estava presente em alguns re- frigerantes e só em 1914 seu uso foi proibido. A cocaína é um pó branco com potente ação vasoconstritora e anestésica local. Seu uso se dá por via oral, nasal e venosa. Sua utiliza- ção por via nasal pode levar à lesão das células olfativas e ocasionar a perda do olfato (anosmia). Por via venosa, seu uso é muito perigoso, pois embora não desenvolva tolerância que exija doses maiores, seu efeito é de pouca duração, o que pode levar à sua administração a cada 10 minutos. A dependência que causa é apenas psíquica. Mais recente- mente tornou-se popular o seu uso fumado, o “crack”, que vem levan- do seus usuários não raro à morte súbita. Sensações que fazem com que muitas pessoas a utilizem são a de possuir grande força muscular, alerta mental e euforia. Geralmente sur- gem idéias persecutórias, alucinações visuais, auditivas e tácteis. O conjunto de todas estas reações pode agravar o comportamento agres- sivo e anti-social do usuário. Seu uso constante pode ocasionar distúrbios digestivos, anorexia, emagrecimento insônia e até convulsões. A depressão freqüentemente está presente após a euforia, o que leva muitos usuários a associarem a heroína e morfina que apresenta efeitos mais prolongados. Dentre os opiáceos, destaca-se o ópio que é extraído da papou- la. É dele que se origina um poderoso hipnoanalgésico, muito utilizado na Medicina: a morfina. A heroína também se origina do ópio e, curi- osamente, surgiu para tratar a dependência da morfina. Estas drogas causam intensa dependência e desenvolvem tolerância mesmo quando utilizadas em doses terapêuticas. O efeito obtido com o uso de opiáceos é variável com a dose e sensibilidade do usuário. Produz uma sensação de prazer semelhante a um orgasmo, acompanhada pela sensação de que se está flutuando e de que tudo está bem. Observando alguém sob efeito desta droga, você vai percebê-lo apático, letárgico, com respiração superficial, hipotensão ortostática, vasodilatação e miose (contração da pupila), podendo apresentar dimi- nuição da mobilidade intestinal e obstipação. Como sua abstinência é muito desagradável, o indivíduo necessi- ta estar a maior parte do tempo sob o efeito da droga e, a menos que Quem ainda não ouviu falar do pó? Todos os dias os jor- nais apresentam apreensões de quilos e quilos de cocaína que parecem não ter fim. 78 Saúde Mental tenha uma boa situação financeira, muitas vezes se vê obrigado a reali- zar atividades criminosas para manter o seu uso. Alguns autores defendem que até a quarta ou quinta dose, o uso dessas drogas se dá pela curiosidade ou para obter seus efeitos euforizantes. A partir daí, o que o usuário deseja é evitar as reações de abstinência. Dentre os psicotogênicos, temos a maconha e os alucinógenos. Derivada da Cannabis sativa, a maconha tem seus efeitos variáveis de acordo com as características genéticas da planta, o local de cultivo, o tempo decorrido após a colheita e condições de estocagem. A parte da planta a ser aproveitada interfere no nome que recebe. Quando com- põe-se de folhas e flores é chamada de maconha; quando composta apenas de flores, é mais potente e denomina-se ganja. A mais potente de todas as preparações chama-se haxixe, sendo composta da resina obtida da planta. Usualmente as preparações de Cannabis são fumadas, produzin- do efeitos mais fortes e intensos que quando ingeridas com alimentos. Embora existam inúmeros fatores que influenciem nos efeitos dessa droga, como ambiente, a expectativa, as condições físicas e até a per- sonalidade de quem usa, em geral inclui-se a euforia, alterações da sensopercepção, diminuição do senso de identidade e algumas vezes alucinações visuais e auditivas. Os sinais que possibilitam identificar os usuários crônicos dessas drogas incluem: olhos vermelhos, diminuição da força muscular, taquicardia, sedação e sono. Embora seja muito popularizada e muitas vezes se diga que é inofensiva, a maconha, em altas doses, ocasiona um estado de intoxi- cação aguda com idéias de perseguição, despersonalização, excitação e alucinações. Em alguns casos, surgem os distúrbios de pânico. Em pessoas não acostumadas com seu uso, este estado de intoxi- cação pode ocorrer mesmo em pequenas doses. O uso freqüente dessas drogas pode desenvolver tolerância, e seu uso prolongado pode levar a uma síndrome caracterizada por apa- tia, falta de iniciativa, de crítica e de satisfação. Também pode surgir uma psicose paranóide (psicose “canabínica”) ou a precipitação de psi- coses semelhantes à esquizofrenia. Já os alucinógenos são drogas capazes de produzir a alteração da sensopercepção. Seu representante mais potente é a dietilamida de ácido lisérgico, mais conhecida como LSD, que com uma dose diária de 25mg por via oral produz efeitos por até 6 horas. Devido a isso, o uso dessas drogas, bem como os das demais drogas deste grupo, como a MescalinaR e a IpomeaR, é periódico e não contínuo. Além disso, em- bora desenvolva tolerância, esta desaparece com facilidade, e como 81 P EAROF Os pacientes também podem ser envolvidos nas tarefas de rotina de acordo com suas condições e desejo de participar, sem, no entanto, serem obrigados a isso ou substituírem os profissionais em suas funções. 7.2 - ECT - eletroconvulsoterapia ou eletrochoque É um tipo de tratamento que consiste em fazer passar uma cor- rente elétrica pelo corpo, por meio de eletrodos colocados em uma ou ambas as têmporas, produzindo alterações neuroquímicas e neuroendrócrinas. O tempo de aplicação é de 5 a 15 segundos, não bas- tando apenas uma sessão. Normalmente são prescritas várias aplicações. A ECT é prescrita sempre pelo psiquiatra, e hoje em dia seu uso se restringe a casos de depressão grave que não respondam a outras formas de tratamento e estados de grande agitação e desorganização. Você pode observar que, em ambos os casos, há risco de vida para o paciente, e estes costumam responder a tal tipo de terapia. O eletrochoque é aplicado por uma equipe composta de psiquia- tra, enfermeiro, anestesista e auxiliar ou técnico de enfermagem. É re- alizado em uma sala específica da unidade, que desde o início deve estar preparada para o caso de surgir uma emergência, com medicações de urgência, como Sulfato de AtropinaR, Cloreto de CálcioR, DiazepanR, LidocaínaR, Bicarbonato de SódioR e outros, assim como material que inclua: aspirador (em bom estado de funcionamento), eletrocardiógrafo, material para infusão venosa, desfibrilador, laringoscópio, tubo endotraquial, tubo de oxigênio com manômetro, protetor de língua etc. Procurando amenizar os efeitos e evitar complicações fisiológi- cas e legais do uso do eletrochoque, é importante que antes do procedi- mento o auxiliar de enfermagem tome alguns cuidados. Antes de encaminhar o paciente ao procedimento, é preci- so confirmar a prescrição médica no prontuário e a autorização da família através da assinatura na folha de consentimento. Descrever ao paciente o procedimento, mesmo que pense- mos que ele não compreenda, tranqüilizando-o e escutando seus receios, enquanto o acompanha a sala do procedimento. Para diminuir o risco de vômitos e broncoaspiração, o paci- ente deve estar em jejum por pelo menos 4 horas. Estando prescrita (AtropinaR, DiazepanR), administrar a me- dicação aproximadamente 30 minutos antes do procedimento. A parada cardiorrespiratória e prolongamento da convul- são são as emergências mais comuns nessa terapia. Este tratamento continua sen- do um método muito discutido pela sua agressividade. Ao mesmo tempo em que o pa- ciente apresenta melhora do seu quadro clínico, é exposto a riscos que muitos profissio- nais de saúde acreditam ser desnecessários. É rejeitado também pelos usuários e fa- miliares da saúde mental pelo medo que produz porque foi usado, por muito tempo, como punição. 82 Saúde Mental Como o procedimento causa o relaxamento dos esfíncteres, é importante solicitar que urine e evacue previamente. Procurando oferecer mais conforto e evitar lesões corporais, vesti-lo/a com pijama ou camisola larga, como também pedir que retire grampos, jóias e/ou próteses e colocar protetor de língua Para manter as vias aéreas pérveas, pedir ao paciente que se deite em decúbito dorsal sem travesseiro, verificando os sinais vitais em busca de anormalidades na iminência do tratamento, registrando e avisando à enfermeira ou ao médico, caso encontre alterações. Untar as têmporas do paciente com geléia eletrolítica para instalação dos eletrodos e para melhor condução elétrica, auxili- ando o anestesista na administração de anestésicos. Neste ponto, o psiquiatra realizará o eletrochoque. Imediatamente após a aplicação acontecem convulsões crônicas que podem ser acompanhadas de sal ivação, lacrimejamento, sudorese e por vezes ejaculação e emissão de urina. A equipe deve proceder de forma muito rápida, procu- rando evitar complicações imediatas ao tratamento. Para tanto, é preciso proteger as articulações temporo-man- dibular, escápulo-umeral, coxo-femural e dos joelhos durante a convulsão, para evitar luxações ou fraturas. Virar a cabeça do paciente para o lado, após a convulsão, manteendo as vias respiratórias permeáveis, aspirando secreções e administrando oxigênio. Permanecer junto ao paciente até que volte à consciência (o que pode acontecer rapidamente), atentando para seu estado neuromuscular, cardiorrespiratório e mental, mantendo-o em po- sição de segurança (de lado ou em Sims) como também verificar sinais vitais, procurando identificar anormalidades. Ajudá-lo a orientar-se ao acordar, pois seu estado de con- fusão dura várias horas, e isso pode assustá-lo; procurando ob- servar e registrar queixas de cefaléia, amnésia e confusão mental decorrentes das alterações das ondas cerebrais. Ajudá-lo a levan- tar-se e verificar se há hipotensão postural. Deixá-lo dormir se desejar ou acompanhá-lo ao refeitório para o desjejum. Registrar todo o procedimento em prontuário, após reco- lher todo o material, enviá-lo à esterilização conforme o caso e deixar a sala de tratamento arrumada. 83 P EAROF As complicações do tratamento são decorrentes da descarga elé- trica e de acidentes durante o procedimento. As mais comuns são: apnéia prolongada; acidentes osteoarticulares; cefaléias; mordedura de língua ou do lábio inferior; perda da memória, que pode se recuperar nos seis meses seguintes; confusão, que pode alterar as relações, provocando desorientação. 8 - CONDUTAS DO AUXILIAR DE ENFERMAGEM NO SETOR DE SAÚDE MENTAL 8.1 Setores de atendimento em Saúde Mental A criatividade é marca registra- da da rede terapêutica que envolve a Saúde Mental. A partir da Reforma Psiquiátrica dos fins dos anos 1980 - 1990, que abre as portas dos asilos e manicômios, passa-se a enxergar o por- tador de transtorno mental como al- guém que está “vivo” e, portanto, “reabilitável”. Diante das três áreas de atuação (primária, secundária e terciária) começam a surgir a cada dia novas e revolucionárias alternativas e estratégias que permitem levar a cabo o tratamento de transtornos psíquicos, sejam agudos, crônicos ou de reabilitação. Gradualmente, o hospital psiquiátrico deixa de ser uma institui- ção fechada para se tornar palco de uma assistência de portas abertas, integrada numa rede de saúde regional. Se dizemos gradualmente, é porque não se pode romper de repente com pensamentos, preconceitos e medos, mantidos a séculos, principalmente em um país onde as con- dições de amparo social ainda encontram-se deficientes. O investimento no tratamento ambulatorial passou a inovar for- mas mais eficazes de atender e de reinserir na sociedade os portadores crônicos de transtornos mentais. Desta forma, para que não houvesse um rompimento abrupto entre a unidade de internação e o atendimento ambulatorial, surgiram É muito importante que o pro- fissional de saúde observe ações de prevenção de riscos de acidentes, para que ele mesmo não receba uma des- carga elétrica. Dar altas hospitalares não será solução se o paciente não tiver condições de ser inserido na sociedade. 86 Saúde Mental Deste trabalho surgiram as Associações, formadas a partir de gru- pos de egressos dos hospitais psiquiátricos, que se organizaram e incor- poraram familiares e profissionais de diversas áreas, em busca dos di- reitos dos usuários do serviço de saúde mental na defesa de sua cidada- nia. Não negam a marca que os faz singulares, porém lembram que são iguais a todos os cidadãos, com direito a saúde, lazer, amor, segurança e sobretudo RESPEITO. Estas associações deram origem a articula- ção Nacional da Luta Antimanicomial. Com a organização e o trabalho desses usuários do serviço, que descobrem suas próprias e ilimitadas capacidade, surgem as coopera- tivas. Seu funcionamento não se distingue em muito das demais coo- perativas, a não ser pela disposição dos pacientes que nela atuam e que há muito não percebiam-se como seres capazes. Embora funcio- nem nas dependências do CAPS, seu lucro é revertido para a própria cooperativa. De acordo com a realidade local, o CAPS assume táticas diferen- tes para enfrentar os problemas decorrentes das diversas formas de viver. Assim você jamais encontrará um CAPS igual ao outro. Porém, eles trazem como ponto comum a luta pela desospitalização, a realiza- ção das oficinas terapêuticas e a atuação de uma equipe multiprofissional. Pode atuar em associação com uma emergência psiquiátrica, e o paci- ente que sai deste setor será avaliado imediatamente para ser inserido em atividades do CAPS, sem que haja necessidade de internação. Em todos os níveis de atuação, a conduta do auxiliar de enfer- magem é sempre um ponto muito importante da ação em saúde. “Dizem que a primeira impressão é a que fica”. Esta frase popular bem pode estar expressando uma realidade quando pensamos em assis- tência em saúde. No setor de Saúde Mental, ela assume uma conotação especial, pois a sensação que o paciente ex- perimenta quando chega ao setor não é somente relevan- te; assume um papel essenci- al no seu tratamento. A maneira como é recebido, a expressão das pessoas que lhe aten- dem ou mesmo o tom de voz com que falam, são capazes de gerar sentimentos que tanto podem determinar o tratamento como afastar o indivíduo. Não é raro o paciente sair de um setor de atendimento juran- do que não volta mais porque foi maltratado pelo profissional que o atendeu ou porque não “foi com a cara” daquele profissional. Não cabe Egressos – Se refere às pesso- as que passaram por um de- terminado processo. Neste caso, são os pacientes que ficaram internados nos hospi- tais psiquiátricos e já tiveram alta. No Instituto Philip Pinel, no Rio de Janeiro, podemos encon- trar um exemplo desse traba- lho que é a Cooperativa de Culinária. Diante disso: Como atua a enfermagem? Assim como acontece quando chegamos a algum lugar, o “acolhimento” é de extrema relevância para o paciente sentir-se bem e aberto ao tra- tamento. 87 P EAROF discutirmos aqui se ele volta ou não ao setor, mas sim no tempo em que ele adiará o tratamento. A recepção do paciente é o primeiro item quando nos referimos ao ambiente terapêutico. E embora o auxiliar de enfermagem seja o pro- fissional que, normalmente, recepciona uma pessoa que procura um se- tor de saúde, não é o único responsável pela manutenção deste ambiente. Um ambiente terapêutico é aquele em que o indivíduo consegue se sentir bem e seguro, física e psicologicamente, e que ao mesmo tem- po estimule a recuperação da saúde. Alguns fatores são indispensáveis para que se promova um ambiente terapêutico. E por mais incrível que pareça, promover um ambiente não é muito diferente do que preparar a sua casa para uma festa. - Planta física - O ambiente deve ser arejado e de preferência amplo e bem iluminado, de modo a transmitir sensação de segurança e bem-estar. O profissional deve preocupar-se em tornar o ambiente o mais belo e agradável possível, simples porém aconchegante. - Higiene ambiental - Ninguém pode sentir-se bem num ambi- ente sujo. Muitas vezes devido ao fato de que os transtornos mentais não são transmissíveis, os profissionais de saúde tendem a relaxar com a manutenção da higiene. No entanto, é importante que ela mantenha- se não somente pela questão do bem-estar, mas também para evitar surtos de doenças infecto-parasitárias e infestações. - Arrumação e decoração - O excesso de mobília ou o mobili- ário mal disposto, além de tumultuar o ambiente, podem atrapalhar o atendimento num caso de emergência. Também deve-se evitar objetos e adornos que possam por em risco a segurança, assim como objetos ou imagens religiosas ou ritualistas. Isso faz parte do respeito ao que cada um acredita. É importante a participação de todos nesta questão, inclu- sive dos pacientes. - Som ambiente - Não obstante os avanços da musicoterapia, a utilização de aparelhos sonoros nem sempre favorece a formação de um ambiente terapêutico. Ao contrário, uma escolha inadequada pode causar irritação e até mesmo desencadear crises. Por isso, a escolha de músicas, bem como o momento de utilizá-las, deve sempre ser ori- entada por um profissional competente (se possível um musicoterapeuta). Vale ressaltar ainda o emprego freqüente de mú- sicas religiosas, que também são contra-indicadas, pois é muito im- portante respeitar a religião de todos. - Atividades - Num ambiente terapêutico, o paciente não ve- geta pelos corredores e salas em uma atitude passiva. Neste ambi- ente, embora tenha tempo para repousar ou refletir, ele mantém-se em atividades como reunião de grupo, exercício físicos, trabalhos manuais e outros. O portador de um transtorno mental é alguém que traz consigo toda uma carga de sentimentos e emoções com os quais não sabe lidar, po- dendo ser muitas vezes os fatores causadores de seus problemas. Lidar com esse tipo de paciente requer mais que paciência e educação, exige respeito e amor. Num ambiente terapêutico, não podem existir situações ou objetos que possam provo- car danos ao próprio paciente ou a outros, particularmente em situações como agressividade, tentativa de suicídio e abuso de drogas. Porém, isso não quer dizer que estes pacientes não pos- sam trabalhar em oficinas com o material necessário, mesmos que sejam objetos cortantes. Apenas a supervi- são é essencial. Ruídos excessivos podem ser os causadores de estresse e desencadear reações nem sempre esperadas. 88 Saúde Mental A equipe terapêutica é formada por vários profissionais, de- pendendo de cada programa terapêutico que o tratamento englobe. Na equipe básica encontram-se o enfermeiro, psicólogo, psiquiatra, assis- tente social, técnico e auxiliares de enfermagem. Pode contar ainda com terapeuta ocupacional, nutricionista, professores de Educação Física, musicoterapeuta, fisioterapeuta, fonoaudiólogo, animador sóciocultural, artista plástico etc. A chave de um ambiente terapêutico está no estabelecimento de uma relação de confiança entre a equipe terapêutica e os pacientes. 8.2 Relação terapêutica: a ferramenta indispensável Relação terapêutica é aquela que se estabe- lece entre o membro da equipe terapêutica, os fa- miliares e todo o grupo de pacientes. Uma vez estabelecida, torna-se uma ferramenta de trabalho importantíssima para que o profissional possa in- tervir junto ao paciente. Para que o profissional consiga estabelecer uma relação terapêutica, é muito importante o seu autoconhecimento, para que não confunda seus desejos, crenças, valores morais, necessida- des, sentimentos e emoções com as do paciente, o que o levaria a fazer interpretações erradas. Certa vez, num registro de enfermagem, en- controu-se a seguinte anotação: “Paciente tenso com o fato de sua mulher não ter comparecido a visita. Diz que ela nunca o amou e que só se ca- sou com ele para não ficar solteira. Fala que quer morrer por isso. Aconselhei que tivesse mais fé em Deus, não pen- sasse mais em morrer, e que assim que estivesse bom voltasse para sua terra e arrumasse uma outra mulher.” Uma relação, para ser terapêutica, necessita de um início de confian- ça, de aceitação e de comunicação clara. A comunicação verbal com o paciente portador de transtorno mental nem sempre é muito fácil, e algu- mas técnicas podem auxiliar para favorecer o autoconhecimento do paci- ente na mesma medida em que você o compreende. - Escuta - É muito importante que você escute o que o paciente tem a dizer, mostrando-se receptivo, olhando-o numa atitude aberta, de modo que ele perceba a sua importância. É muito importante lembrar que a promoção da Saúde Mental também passa pela promoção da saúde do corpo. Por isso, não devemos esque- cer as medidas e orientações de saúde. 91 P EAROF atrapalhar. O ambiente terapêutico requer respeito, e “sentir pena” pode não ser a melhor forma de demonstrá-lo. O maior risco em lidar com esse tipo de paciente é o de suicídio (esse risco aumenta quando começa a melhorar de seu transtorno). Este deve ser mantido sob vigilância quando em uso de objetos pontiagudos e cortantes e cordas – isto é, tudo o que possa por em risco a sua inte- gridade física – até que passe o perigo. Esta vigilância deve ser discreta para não lembrar ao paciente todo tempo de seu risco. Você pode perguntar ao paciente se deseja morrer, pois a pergun- ta não irá induzi-lo. No entanto, fornecerá um dado para seus cuidados. Porém, é contra-indicado tecer comentários quanto a essa atitude. Sua presença constante, ouvindo-o e participando das atividades, é uma boa maneira de manter a vigilância e integrá-lo ao grupo. Caso o paci- ente pergunte se está sendo vigiado, você pode lembrá-lo de que já fez referência à vontade ou tentativa de morrer e que a equipe deseja protegê- lo. É um bom momento para fazê-lo sentir-se valorizado. Certo profissional, depois de ouvir um paciente falar que tomou 20 comprimidos de DiazepanR porque queria morrer, afirmou: “Você não queria morrer! Quem quer morrer dá logo um tiro na cabeça!” Dois dias depois, recebeu a notícia de que o paciente se suicidara. Com um tiro na cabeça. No caso de uma tentativa de suicídio, o auxiliar deve prestar os primeiros socorros (hemorragia, asfixia etc), evitar deixar o paciente sozinho e, uma vez que ele seja removido, atuar junto aos outros paci- entes para evitar o pânico. Um paciente deprimido costuma se descuidar de seus cuidados básicos por não valorizá-los ou por achar que deve ser punido. Por isso, é muito importante a enfermagem estar atenta a questões como: ! Alimentação - A comida deve ter bom aspecto e temperatura adequada. No caso de se recusar a comer, deve-se fracionar a dieta. ! Hidratação - Deve-se ter uma atenção especial a este item, ob- servando na pele e mucosas qualquer sinal de desidratação e oferecendo líquido em abundância. ! Excreta - Observar se está defecando e se há algum sinal de alteração. Como muitas vezes fica acamado, pode apresentar constipação. ! Perda ponderal - O paciente com depressão grave deve ser pe- sado diariamente. ! Sinais de infecções ou lesões - Deve-se examinar o paciente em busca de sinais que possam ocasionar uma solução de con- tinuidade. 92 Saúde Mental ! Vestuário - É importante valorizar o aquecimento do corpo, pois sua circulação pode estar mais lenta. Estar bem vestido, arrumado e penteado também pode melhorar sua aparência e auto-estima. ! Medidas posturais de conforto - Consiste em evitar transtornos musculares por posições inadequadas. ! Padrões de sono e repouso - Observar o tempo que o paciente dorme e se pela manhã se sente pior. ! Atividade física - Estimulá-lo a realizar atividades físicas (pe- quenos períodos ao longo do dia), procurando saber como se sentiu ao realizá-las e quais são as de sua preferência. ! Diante de um paciente agitado: “Não agüento mais meu ir- mão. Ele quase não dorme, e o pior é que não me deixa dormir. Anda pela casa a noite inteira falando e cantan- do. Agora inventou de anunciar a volta de Jesus, e anda por tudo quan- to é ônibus e metrôs...” A equipe muitas vezes descreve esse paciente como “irritante”, e numa equipe despreparada pode muitas vezes ser alvo de zombarias e deboches. É extremamente ativo, pode falar, gritar, cantar, dançar etc. A melhor forma de interagir com ele é chamá-lo para as ativida- des e conversar sobre assuntos gerais. Você deve estabelecer limites para ele, porém somente após ter criado com ele uma relação de con- fiança e, mesmo assim, com o cuidado de não fazê-lo de forma autori- tária para não provocar reações desagradáveis que possam gerar a ne- cessidade de contê-lo. Este é um paciente que dorme pouco e em geral acorda cedo. Pode vestir-se de maneira extravagante, com cores berrantes e vários enfeites, utilizando-os de forma desarmônica. Também alimenta-se mal, pois sua hiperatividade não lhe permite sentar para alimentar-se. É muito importante que lhe sejam oferecidos líquidos e alimentos que possa ingerir enquanto mantém a atividade. A aferição de seus sinais vitais, perda ponderal e grau de hidratação são imprescindíveis. É comum pensarem que um paciente nunca se lembra do que fez durante um surto. No entanto, isso não é verdade. Após uma crise, apresentan- do-se mais controlada, uma paciente passou a recusar a atenção de uma auxiliar de enfermagem. Quando se per- guntou a razão disso, ela ex- plicou: “Ela estava zombando de mim quando eu estava falando bobagens...” 93 P EAROF ! Diante do paciente que se acha perseguido: “Eu gosto da minha mãe, mas não confio nela. Existem muitos interesses na minha pessoa ...” Este é o paciente descrito pela equipe como “difícil”. É claro que sua desconfiança pode apresentar um grau variado, desde a dúvida até delírios paranóicos, porém é importante estar ciente que este paciente pode estar pronto a responder de maneira ameaçadora, agitando-se e tornando-se agressivo. Com freqüência, interpreta mal qualquer co- mentário. É como se estivesse se defendendo todo o tempo. Por estas razões tende a provocar o medo das outras pessoas, causando o seu afastamento. Ganhar a confiança deste paciente não é fácil. No entanto, mantê- la é quase impossível. Qualquer atitude não planejada pode gerar des- confiança. É preciso ter cuidado com mensagens verbais e não-verbais para evitar que “confirmem suas suspeitas”. Deve-se evitar situações que lhe provoquem ansiedade. A alimentação e hidratação desse paciente pode estar prejudica- da, pois ele pode achar que estão tentando envenená-lo. Por isso deve- se permitir que escolha o que deseja comer e, se possível, que ele mes- mo prepare seus alimentos. Pelo mesmo motivo, deve-se verificar sua boca após a administração de medicamentos, ou administrá-los na for- ma líquida. Manter uma conduta firme e franca com o paciente, ouvindo seus receios, pode ser uma boa maneira de ganhar sua confiança. ! Diante do paciente com comportamento anti-social: São vistos na equipe como “sedutores” e desafiadores. Não se consideram doentes e, se buscam o serviço de Saúde Mental, geralmen- te o fazem por alguma imposição. Apresentam boa verbalização, são inteligentes e agradáveis, atributos que muitas vezes usam para atrair simpatia e conseguir o que querem. É importante que o profissional de saúde esteja alerta a estas manobras, para não ser usado. Nesta categoria, podem estar incluídos os dependentes de drogas ilícitas e os alcoolistas. Deve-se estar alerta aos sinais de intoxicações ou abstinência. Conselhos ou promessas “arrancadas” destes pacientes não serão capazes de resolver seus problemas enquanto não admitirem que têm um problema para controlar o uso da substância. É bastante útil estimulá- los a participar de atividades. Nesta situação estes pacien- tes conseguem perceber os prejuízos que eles causam a si e aos seus. Isso gera culpa e acaba por fazê-los buscar a droga, agravando o seu transtorno. 96 Saúde Mental atendimento; capacitar melhor os profissionais, a fim de que possam, inclusive, fazer menor número de prescrições medicamentosas; ofere- cer uma abordagem multidisciplinar; e oferecer maior facilidade de aces- so a quem necessite de ajuda psicoterápica. É verdade que, se lembrarmos que a atuação em Saúde Mental não está restrita à Psiquiatria, mas permeia outros setores, poderemos pensar em outras formas de prevenção e promoção. Atuar em áreas onde a crise está acontecendo, como oferecer atendimento adequado à mãe que acaba de dar a luz a um natimorto, ou ao paciente que acaba de receber a notícia de uma doença grave ou de uma cirurgia mutiladora são exemplos de ações de promoção e prevenção em Saúde Mental. Também podemos pensar em todas as ações informativas (como palestras, grupos de reflexão) que podem se dar dentro do hospital ou posto de saúde, ou fora deles, como em comunidades, escolas, empresas etc. Assim, pensar em prevenção em Saúde Mental é ainda um desafio, seja porque muito se tem a fazer, seja porque, ao programar alguma ação, temos que ter o tempo todo em mente a quem estaremos favorecendo. 10 - O AUXILIAR DE ENFERMAGEM E A (SUA PRÓPRIA) SAÚDE MENTAL Além de todos os conhecimentos próprios da sua área de atuação, o auxiliar de enfermagem precisa estar atento para o seu estado interno, isto é, como vem se sen- tindo, como anda sua relação com os cole- gas de trabalho, com os pacientes, seus re- lacionamentos fora do trabalho, pois quan- do trabalhamos com Saúde Mental nós mes- mos passamos a ser nosso mais importante instrumento de trabalho. Como é que podemos saber como vamos nós, enquanto “instrumentos de tra- balho”? Estando atentos para nós mesmos e para o retorno que outras pessoas nos dão. Estando atentos para a maneira como nos sentimos com cada pessoa, não achando sempre, por exemplo, que se nos senti- mos irritados com tal paciente é porque ele é que é difícil ou chato, mas tentar perceber o que se passa conosco. Nesse sentido, as reuniões com a equipe podem ser um bom momento de auto-avaliação, se for criado 97 P EAROF o “clima” adequado para isso (com o ojetivo voltado para a integração da equipe e para a qualidade do atendimento, e não para a competiti- vidade e comparações improdutivas). Além disso, podemos perceber em nós mesmos os sinais de que as coisas estão mais ou menos equilibradas ou de que não vão tão bem assim. Todos nós passamos por períodos de sofrimento, algumas vezes conseguindo lidar com eles, outras vezes precisando de ajuda. Nesses mo- mentos, é natural que apareçam sintomas como ansiedade, dores ou doen- ças orgânicas, falta de ânimo ou outros. Mas se percebemos que se tornam muito prolongados, devemos buscar ajuda – se for o caso, profissional. Dentre os fatores causadores destes sintomas, encontramos fa- cilmente o estresse. Além de todo o estresse do dia-a-dia, o auxiliar de enfermagem que trabalha com Saúde Mental está sujeito a um fator de estresse adicional, que é o fato de lidar freqüentemente com pessoas portadoras de transtorno mental, que além de solicitarem muito de nos- sas energias ainda “mexem” com coisas mal resolvidas em nossas vi- das, pois todos somos humanos e, no contato com o outro, sempre descobrimos muitos pontos em comum. Talvez algumas “dicas” possam fazer com que você reflita e con- siga algumas mudanças que podem reduzir o nível de estresse a que você se expõe. Embora sejam para seu uso pessoal, podem colaborar para o seu desempenho profissional: ! Procure ser cooperativo - Perceber que trabalhamos (e vive- mos!) junto de outras pessoas e que elas são tão importantes quanto nós, ajuda a estabelecer um clima de cooperação. ! Ouça as razões do outro e expresse as suas - Evitar acumu- lar mágoas e mal entendidos diminui em muito a carga de ten- são que temos que carregar. ! Não “empaque” diante dos problemas - Ao invés de ficar se queixando da vida (ainda que seja só em pensamento), tome uma atitude, mude algo que esteja ao seu alcance. Pode não resolver todo o problema, mas uma mudança sempre nos dá uma nova visão do problema. ! Reconheça e aceite os seus limites - Você não pode resolver tudo, sempre. Diante de algo que está fora do seu alcance, apren- da a aguardar. Diante de uma tarefa muito grande, aprenda a dividir e a pedir ajuda. ! Fale de você, compartilhe seu estresse - Falar sobre o pro- blema nos ajuda a pensar melhor sobre ele, alivia e acalma. Pro- cure alguém de sua confiança ou um profissional, se você achar que seu problema é muito grave. ! Cuide de você mesmo - Reserve um tempo para fazer o que você gosta. Pode ser que nem sempre você consiga fazer tudo o 98 Saúde Mental que gosta, mas sempre poderá descobrir alguma coisa. Faça exercícios físicos (caminhar é grátis e é ótimo), melhore sua alimentação, evite álcool, cigarros, meios inadequados de bai- xar a ansiedade. Medicações psicoativas? Só depois de uma boa avaliação médica. ! Comemore cada vitória - Não fique esperando o ideal de sua vida para ser feliz. Procure perceber as pequenas vitórias e alegrar-se com elas. Com isso você se dá pequenas “folgas” no estresse diário. 11- EMERGÊNCIA PSIQUIÁTRICA Com a abertura das portas dos “manicômios”, a tendência é que a emergência psiquiátrica faça parte da rotina de atendimento em hospital geral. Isto impõe aos profissionais que aí atuam maior sensibi- lidade em relação à ocorrência de situações que em uma primeira ava- liação parecem de origem orgânica, mas que na maioria das vezes são desencadeadas a partir de problemas sociais e mentais. A discussão sobre como são feitos os atendimentos dos clientes com transtornos mentais nas emergências gerais leva-nos à seguinte reflexão: serão eles resistentes aos transtornos clínicos, como trauma, infarto agudo do miocárdio, cetoacidose diabética e outras disfunções orgânicas que colocam a vida em risco? Certamente que, estes usuários, quando acometidos por proble- mas de origem mental, social e/ou clínica, procuram os serviços de emergência específicos ou gerais. A recuperação, conforme a gravidade do caso, depende de três fatores básicos: equipe capacitada, interven- ção imediata e acesso à equipamentos/medicamentos que auxiliam na reversão do quadro. Uma realidade é que, nas emergências gerais, as equipes médica e de enfermagem cuidam com reservas dos clientes com transtornos de comportamento, o que pode ser justificado como decorrência dos anos em que este tipo de paciente era atendido no espaço dos manicômios. O cuidado deles era restrito à área da psiquiatria e as outras especiali- dades só mantinham contato com os intitulados “loucos” quando estes precisavam de exames mais especializados, como tomografia, ultrassonografia, punção lombar ou até mesmo uma cirurgia. Este breve contato era cercado por um aparato de segurança, e o medo era visível na face de todos os membros da equipe. A melhor notícia para todos que ali trabalhavam era o retorno de tal paciente à sua unidade de origem: o “hospício”.
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